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Transcrição:

2ª Câmara Criminal RÉU SOLTO Data de distribuição: 25.2.2011 Data de julgamento: Apelação Criminal n. 0064626-49.2008.8.22.0005 Origem : 0064626-49.2008.8.22.0005 Ji-Paraná/3ª Vara Criminal Apelante : Adalto Vicente de Amorim Advogado : Douglas Wagner Codignola (OAB/RO 2480) Apelado : Ministério Público do Estado de Rondônia Relatora : Desembargadora Marialva Henriques Daldegan Bueno Revisor : Desembargador Daniel Ribeiro Lagos RELATÓRIO Adalto Vicente de Amorim apela da sentença de fls. 89/93 que o condenou à pena definitiva de 2 (dois) anos de reclusão, substituída por duas restritivas de direito, bem como ao pagamento de 20 (vinte) dias-multa à base de 1/30 do salário mínimo vigente à época dos fatos, pela prática da conduta delitiva descrita no art. 184, 2º do Código Penal (violação de direito autoral). O recurso foi interposto às fls. 95, com razões apresentadas às fls. 97/100, nas quais argumenta, em suma, que a absolvição é devida ante a aplicação do princípio da intervenção mínima ou da adequação social. sentença. As contrarrazões estão às fls. 102/109 pugnando pela manutenção da O i. Promotor de Justiça Convocado, Dr. Francisco Esmone Teixeira, exarou parecer às fls. 115/119, manifestando-se pelo conhecimento e não provimento do recurso. É o relatório. VOTO DESEMBARGADORA O recurso supera os pressupostos de admissibilidade, notadamente por ser próprio e tempestivo. Logo, o conheço. À ausência de preliminares, questões prejudiciais ou nulidades absolutas, passo à análise do mérito.

A denúncia imputa ao recorrente a prática da conduta delitiva elencada no art. 184, 2º do Código Penal (violação de direito autoral), descrevendo que, após denúncia anônima, este, no dia 6 de fevereiro d e 2008, foi surpreendido vendendo cópias de CD s e DVD s no pátio do Supermercado Taí Max, localizado na cidade de Ji-Paraná, sem a devida autorização dos titulares ou representantes deste. A materialidade do delito restou demonstrada por meio do auto de apresentação e apreensão (fls. 11), laudo de constatação e merceológico direto (fls. 14) e demais provas colacionadas aos autos. A autoria encontra-se igualmente inconteste ante a própria confissão do apelante (fls. 12 e 74), bem como pelas declarações prestadas às fls. 17/18. Contudo, em suas razões, pleiteia a absolvição ao argumento de ser devida em razão do erro de tipo, tendo em vista que apesar de formalmente típica, não é antijurídica, numa idéia material da tipicidade penal, ou que seja aplicado ao apelante o Princípio da Adequação Social (SIC). Antes de analisarmos o pleito, mister façamos alguns esclarecimentos sobre o princípio da intervenção mínima (atipicidade material. Na obra do ilustre doutrinador Rogério Greco (Curso de Direito Penal Parte Geral), ao citar Cezar Roberto Bitencourt, define-se o postulado da seguinte maneira: O princípio da intervenção mínima, também conhecido como ultima ratio, orienta e limita o poder incriminador do Estado, preconizando que a criminalização de uma conduta só se legitima se constituir meio necessário para a proteção de determinado bem jurídico. Se outras formas de sanções ou outros meios de controle social revelarem-se suficientes para a tutela desse bem, a sua criminalização será inadequada e desnecessária. Se para o restabelecimento da ordem jurídica violada forem suficientes medidas civis ou administrativas, são estas que devem ser empregadas e não as penais. Por isso, o Direito Penal deve ser a ultimatio ratio, isto é, deve atuar somente quando os demais ramos do direito revelarem-se incapazes de dar a tutela devida a bens relevantes na vida do indivíduo e da própria sociedade. (Greco, Rogério. Curso de Direito Penal. 11. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2009 p. 50). Grifamos. E, por suas próprias palavras, acrescenta: O direito penal deve, portanto, interferir o menos possível na vida em sociedade, devendo ser solicitado somente quando os demais ramos do Direito, comprovadamente, não forem capazes de proteger aqueles bens considerados da maior importância. (Greco, Rogério. Curso de Direito Penal. 11. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2009 p. 49). E acrescenta:

As vertentes do princípio da intervenção mínima são, portanto, como que duas faces de uma mesma moeda. De um lado, orientando o legislador na seleção dos bens mais importantes e necessários ao convívio em sociedade; de outro, também servindo de norte ao legislador para retirar a proteção do Direito Penal sobre aqueles bens que, no passado, gozavam de especial importância, mas que hoje, com a evolução da sociedade, já podem ser satisfatoriamente protegidos pelos demais ramos do ordenamento jurídico. (Greco, Rogério. Curso de Direito Penal. 11. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2009 p. 51). Grifamos. Desse modo, assevero que a tese defensiva vislumbra a possibilidade do reconhecimento da atipicidade material, ante a reduzida importância de proteção penal supostamente atribuída ao direito tutelado (direito autoral), diante do caso concreto, o qual, de acordo com a argumentação, encontraria proteção mais justa em outros ramos do ordenamento jurídico. Acredito de bom proveito visualizarmos a aplicação prática do postulado em apreço, segundo o entendimento de nossos julgadores dos Tribunais Superiores. Ex vi: HABEAS CORPUS. TENTATIVA DE FURTO QUALIFICADO (ART. 155, 4o., II C/C ART. 14, II, AMBOS DO CP). NÃO CONFIGURAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. VALOR ELEVADO DOS BENS SUBTRAÍDOS, R$ 215,00. EXISTÊNCIA DE SISTEMA DE VIGILÂNCIA QUE NÃO TORNA O CRIME IMPOSSÍVEL. PRECEDENTE DESTE STJ. PARECER DO MPF PELA DENEGAÇÃO DO WRIT. ORDEM DENEGADA. 1. O princípio da insignificância, que está diretamente ligado aos postulados da fragmentariedade e intervenção mínima do Estado em matéria penal, tem sido acolhido pelo magistério doutrinário e jurisprudencial tanto desta Corte, quanto do colendo Supremo Tribunal Federal, como causa supra-legal de exclusão de tipicidade. Vale dizer, uma conduta que se subsuma perfeitamente ao modelo abstrato previsto na legislação penal pode vir a ser considerada atípica por força deste postulado. 2. Verificada a necessidade e utilidade da medida de política criminal, é imprescindível que sua aplicação se dê de forma prudente e criteriosa, razão pela qual é necessária a presença de certos elementos, tais como (I) a mínima ofensividade da conduta do agente; (II) a ausência total de periculosidade social da ação; (III) o ínfimo grau de reprovabilidade do comportamento e (IV) a inexpressividade da lesão jurídica ocasionada, consoante já assentado pelo colendo Pretório Excelso (HC 84.412/SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO, DJU 19.04.2004). 3. No caso em apreço, todavia, mostra-se de todo inaplicável o postulado permissivo, visto que evidenciado o considerável valor dos bens subtraídos - nos termos da denúncia, avaliados em R$ 215,00 -, o que revela ofensividade bastante da conduta do agente e, por conseguinte, sua evidente reprovabilidade. 4. Presença de sistema eletrônico de vigilância no estabelecimento comercial ou mesmo de seguranças da empresa não torna o agente completamente incapaz de consumar o furto, a ponto de se reconhecer configurado o crime impossível pela absoluta ineficácia dos meios empregados. Precedente do STJ. 5. Parecer do MPF pela denegação da ordem.

6. Ordem denegada. (STJ HC 187980/RS, Relator: Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, Órgão Julgador: T5 - QUINTA TURMA, j. 03/05/2011, DJe 07/06/2011). Grifamos. De fato, ao analisar a ação delitiva, com prisma à aplicação do postulado da intervenção mínima, que guarda estreita relação com o princípio insignificância, necessária se faz a análise do grau de ofensividade da conduta do agente, da periculosidade social da ação, da reprovabilidade do comportamento e o grau da lesão jurídica ocasionada. Dessa maneira, só existiria espaço para efetiva aplicação da intervenção mínima caso a ofensividade da conduta fosse mínima, a periculosidade social da ação fosse inexistente, o grau de reprobabilidade do comportamento fosse minimamente comprovado e o grau da lesão jurídica demonstrasse-se inexpressivo. Observo não ser essa a situação do caso sob análise. Isso porque o bem jurídico em questão (direito do autor) é tutelado pela própria Constituição Federal (art. 5º, XXVII), como bem assevera o i. Promotor de Justiça, em suas contrarrazões, além de que o tipo penal é plenamente eficaz e válido (art. 184, 2º, CP), protegendo o bem jurídico de significativa relevância, uma vez que, se concebêssemos a possibilidade de aplicação da atipicidade material e consequente necessidade da mínima intervenção estatal à conduta, estaríamos permitindo a revogação tácita de uma proteção conferida ao direito tutelado pelo tipo e pela própria Carta Magna, proteção esta que se encontra em pleno vigor. Ademais, os fatos constituem verdadeira ofensa à ordem pública estabelecida e aos ditames sociais, a despeito de várias pessoas usufruírem dos serviços de compra e venda de produtos áudio visuais falsificados, o que não torna a atividade lícita e tão pouco reduz a necessidade da proteção efetiva ao bem jurídico em comento. Acrescente-se, ainda, que os produtos de origem ilícita apreendidos (no total de 240 DVD s audiovisuais, 10 DVD s de jogos e 6 CD s musicais) totalizam um valor considerável, qual seja R$1.273,00 (um mil, duzentos e setenta e três reais), conforme descrito no laudo de exame de constatação e merceológico direto (fls. 14), corroborando com a demonstração cabal do grau considerável de ofensividade e reprobabilidade da conduta, bem como para demonstrar a expressiva lesão jurídica aos direitos autorais, razão pelo que não encontra guarida nas provas a aplicação do princípio da intervenção mínima. Quanto ao postulado da adequação social, igualmente mencionado pela Defes, entendo também razoável alguns esclarecimentos preliminares encontrados na obra do ilustre doutrinador Rogério Greco, in verbis: PRINCÍPIO DA ADEQUAÇÃO SOCIAL Na precisa lição de Luiz Regis Prado, a teoria da adequação social, concebida por Hans Welzel, significa que apesar de uma conduta se subsumir ao modelo legal não será considerada típica se for

socialmente adequada ou reconhecida, isto é, se estiver de acordo com a ordem social da vida historicamente condicionada. [...] O princípio da adequação social, na verdade, possui dupla função. Uma delas, já destacada acima, é a de restringir o âmbito de abrangência do tipo penal, limitando a sua interpretação, e dele excluindo as condutas consideradas socialmente adequadas e aceitas pela sociedade. A sua segunda função é dirigida ao legislador em duas vertentes. A primeira delas orienta o legislador quando da seleção das condutas que deseja proibir ou impor, com a finalidade de proteger os bens considerados mais importantes. Se a conduta que está na mira do legislador for considerada socialmente adequada, não poderá ele reprimi-la valendo-se do Direito Penal. Tal princípio serve-lhe, portanto, como norte. A segunda vertente destina-se a fazer com que o legislador repense os tipos penais e retire do ordenamento jurídico a proteção sobre aqueles bens cujas condutas já se adaptaram perfeitamente à evolução da sociedade. Assim, da mesma forma que o princípio da intervenção mínima, o princípio da adequação social, nesta última função, destina-se precipuamente ao legislador, orientando-o na escolha de condutas a serem proibidas ou impostas, bem como na revogação de tipos penais. Embora sirva de norte para o legislador, que deverá ter a sensibilidade de distinguir as condutas consideradas socialmente adequadas daquelas que estão a merecer a reprimenda do Direito Penal, o princípio da adequação social, por si só, não tem o condão de revogar tipos penais incriminadores. Mesmo que sejam constantes as práticas de algumas infrações penais, cujas condutas incriminadas a sociedade já não mais considera pernicioso, não cabe, aqui, a alegação, pelo agente, de que o fato que pratica se encontra, agora, adequado socialmente. Uma lei somente pode ser revogada por outra, conforme determina o caput do art. 2º da Lei de Introdução ao Código Civil. (Greco, Rogério. Curso de Direito Penal. 11. Ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2009 p. 57/58). Grifamos. Desta forma, reforço que o princípio da adequação social, da lavra do ilustre Hans Welzel, reconhece a possibilidade de uma conduta penalmente típica não ser considerada como tal desde que socialmente adequada ou aceita pela sociedade. Contudo, ainda que fosse considerada totalmente adequada e/ou aceita, o posicionamento doutrinário e jurisprudencial reclama que o postulado, por si só, não justifica a revogação de tipos penais, o que somente poderia ocorrer com o advento de Lei nova a disciplinar a matéria. Ressalte-se ainda que a conduta delitiva imputada ao recorrido não constitui conduta tida como adequada ou aceita socialmente, uma vez que, embora uma parcela da população faça uso e consuma os produtos de origem ilícita, demonstrando certa conivência com a conduta não lícita, há outro setor da própria sociedade que reclama por providência no sentido de ser coibida tal prática. Não observada essa realidade, inconteste restaria a ausência de proteção aos direitos do autor, bem como estar-se-ia estimulando a clandestinidade e a ilegalidade, uma vez que se tornaria desvantajoso cumprir com as exigências legais para se possuir pontos de venda de produtos resguardados pela legislação autoral. Outra não é, em tempo, a razão da existência de órgãos de controle e repressão, como a Receita Federal, as polícias, etc., senão a proteção a um direito de propriedade intelectual e artística.

Assim, tal princípio não tem o condão de, por si só, excluir a culpabilidade da conduta imputada ao recorrido, uma vez que não tida como adequada ou aceita na sociedade, e, ainda menos, de permitir a revogação tácita de dispositivo legal em plena validade e eficácia (art. 184, 2º, CP). Esse também é o entendimento demonstrado nos Tribunais Superiores: HABEAS CORPUS. VIOLAÇÃO DE DIREITO AUTORAL (ART. 180, 2º. DO CPB). REDUÇÃO DO PRAZO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇO À COMUNIDADE. QUESTÃO NÃO SUBMETIDA À APRECIAÇÃO DO TRIBUNAL A QUO. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. EXPOSIÇÃO À VENDA DE 250 DVD'S PIRATAS. INADMISSIBILIDADE DA TESE DE ATIPICIDADE DA CONDUTA, POR FORÇA DO PRINCÍPIO DA ADEQUAÇÃO SOCIAL. INCIDÊNCIA DA NORMA PENAL INCRIMINADORA. PARECER PELO CONHECIMENTO PARCIAL DA ORDEM, E, NA EXTENSÃO CONHECIDA, PELA DENEGAÇÃO. HABEAS CORPUS CONHECIDO EM PARTE E, NESSA PARTE, DENEGADA A ORDEM. 1. A questão referente à possibilidade de redução de prestação do prazo de prestação de serviço à comunidade sequer foi submetida à apreciação do Tribunal a quo, inviabilizando o conhecimento da matéria por esta Corte, sob pena de indevida supressão de instância. 2. O paciente foi surpreendido por policiais comercializando, com violação de direito autoral, 250 DVD's conhecidos vulgarmente como piratas; ficou constatado, conforme laudo pericial, que os itens são cópias não autorizadas para comercialização. 3. Mostra-se inadmissível a tese de que a conduta do paciente é socialmente adequada, pois o fato de que parte da população adquire tais produtos não tem o condão de impedir a incidência, diante da conduta praticada, do tipo previsto no art. 184, 2º do CPB. 4. O prejuízo causado nesses casos não está vinculado apenas ao valor econômico dos bens apreendidos, mas deve ser aferido, também, pelo grau de reprovabilidade da conduta, que, nesses casos, é alto, tendo em vista as consequências nefastas para as artes, a cultura e a economia do País, conforme amplamente divulgados pelos mais diversos meios de comunicação. (HC 113.702/RJ, Rel. Min. ARNALDO ESTEVES LIMA, DJe 03.08.2009 e HC 161.019/SP, Rel. Min. NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, DJe 01.04.2011). 5. Parecer ministerial pelo conhecimento parcial da ordem, e na extensão conhecida pela denegação. 6. Ordem parcialmente conhecida, e na parte denegada a ordem. (STJ HC 169026/MG, Relator: Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, Órgão Julgador: T5 - QUINTA TURMA, j. 10/05/2011, DJe 20/05/2011). Grifamos. No mesmo entendimento: STJ HC 147837/MG, Relator: Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, Órgão Julgador: T5 - QUINTA TURMA, j. 16/11/2010, DJe 29/11/2010; STJ HC 143308/DF, Relator: Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, Órgão Julgador: T5 - QUINTA TURMA, j. 19/11/2009, DJe 22/02/2010; STJ HC 113938/SP, Relator: Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, Órgão Julgador: T5 - QUINTA TURMA, j. 03/02/2009, DJe 09/03/2009.

Em tempo, ressalvo que há entendimento jurisprudencial adotado pela 1ª Câmara deste e. Tribunal, que aplica a pena prevista no caput do art. 184 do Código Penal (detenção, de três meses a um ano, ou multa) à conduta delitiva prevista no 2º do mesmo dispositivo, que prevê a sanção de dois a quatro anos de reclusão e multa, à vista do princípio da proporcionalidade a casos análogos, de maneira que o Poder Judiciário deve corrigir quaisquer desproporcionalidades entre a conduta do agente e o preceito sancionador (veja-se: Apelação Criminal n. 1002527-43.2006.8.22.0022, Relatora: Desembargadora Zelite Andrade Carneiro, j. 30.6.2011; Apelação Criminal n. 0017788-90.2009.8.22.0012, Relatora: Desembargadora Ivanira Feitosa Borges, j. 5.8.2010; Autos n. 100.007.2005.010447-7, 101.014.2007.003893-1, 100.003.2008.000007-7 e 1001899-25.2008.8.22.0009, dentre outros). No entanto, vejo que tal ajuste, se merecido for, não pode ser feito na via judicial. Isto porque o texto do art. 184 e seus, do CP, não trazem dúvidas, omissão ou qualquer lacuna interpretativa a merecer a intervenção. O texto é claro, e eventual desproporcionalidade sancionadora (se é que há), deve ser corrigida pela via ordinária do solene e complexo processo legislativo da União, sob pena de ofensa ao princípio da legalidade e da própria separação dos Poderes, que confere atribuições específicas e indelegáveis na organização de nosso Estado Democrático de Direito. Assim, entendo que o Poder judiciário não está legitimado para adequar texto legal, cuja leitura, como já disse, não sugere qualquer lacuna, até porque o legislador, ao estabelecer diferenciações entre a conduta do caput do art. 184, CP e a do 2º deste dispositivo, não deixa dúvida sobre o propósito de dar tratamento diferenciado e mais severo às condutas deste último. Desta forma, mesmo reconhecendo louvor ao entendimento diverso, concluo que, proceder de forma a substituir a penalidade prevista para 2º do art. 184, CP, pela reprimenda do caput deste dispositivo, seria invadir a competência exclusiva da União, através do seu Poder Legislativo, para legislar, especificamente sobre Direito Penal (CF/88, art. 22, I). Por todo o exposto, NEGO PROVIMENTO AO RECURSO, para manter inalterada a sentença. É como voto. EMENTA Apelação Criminal. Violação de direito autoral. Venda de CDs e DVDs falsificados. Princípios da intervenção mínima e da adequação social. Absolvição. Impossibilidade. Recurso não provido.

1. A demonstração de considerável grau de ofensividade e reprobabilidade da conduta do agente, bem como a expressiva lesão jurídica aos direitos autorais, tornam inaplicável a aplicação do princípio da intervenção mínima estatal, mormente por ser direito garantido na Carta Magna (art. 5º, XXVII). 2. Constatada a prática da conduta prevista no art. 184, 2º do CPB (violação de direito autoral), é incabível a aplicação do princípio da adequação social ao argumento de que a conduta delitiva é socialmente adequada, pois o fato de parte da população adquirir cópias ilegais de produtos audiovisuais (CD s e DVD s) não tem o condão de ilidir a incidência do tipo penal. 3. Apelação não provida.