ALIMENTAÇÃO DE SUÍNOS COM DIETAS CONTENDO FITASE: META-ANÁLISE SOBRE A DIGESTIBILIDADE ILEAL DE AMINOÁCIDOS 1* Cheila Roberta Lehnen 1*, Paulo Alberto Lovatto 2, Luciano Hauschild 1, Ines Andretta 1, Marcos Kipper da Silva 3 Programa de Pós-Graduação em Zootecnia, UFSM. e-mail: cheilalehnen@yahoo.com.br, iandretta@gmail.com, lhauschild@gmail.com 2 Departamento de Zootecnia, UFSM.e-mail: lovatto@smail.ufsm.br 3 Curso de Medicina Veterinária UFSM. e-mail: markippervet@yahoo.com.br Resumo: Uma meta-análise foi realizada para avaliar a ação da fitase sobre a digestibilidade de aminoácidos em suínos. A base de dados contemplou 15 artigos publicados entre 1998 e 2008, totalizando 112 dietas e 675 suínos. A meta-análise foi realizada através de análise gráfica, de correlação e de variância-covariância. A atividade da fitase sobre todas as dietas aumentou 2% (P<0,10) a digestibilidade da arginina e 6% a do triptofano. A presença de fitase em dietas contendo milho aumentou em 3% (P<0,10) a digestibilidade do triptofano. Em dietas contendo trigo e fitase, a digestibilidade da arginina e do triptofano foram 16 e 4% superiores (P<0,10), respectivamente. Dietas contendo cevada e fitase apresentaram aumento de 2, 4 e 7% (P<0,10) nas digestibilidades da lisina, metionina e prolina, respectivamente. As respostas sobre a digestibilidade ileal de aminoácidos devem considerar os ingredientes da dieta. A fitase melhora a digestibilidade ileal de alguns aminoácidos essenciais e não-essenciais. Palavras chave: enzimas, fitato, ingredientes Introdução A composição das dietas pode interferir na utilização dos nutrientes pelo animal. A presença de fatores antinutricionais, em especial de polissacarídeos não-amiláceos, compromete a disponibilidade dos nutrientes e a digestibilidade e absorção destes pelo suíno. A fitase destaca-se das outras enzimas pelo seu modo de ação e efetividade na digestibilidade do fósforo das dietas. Cerca de 2/3 ou mais do fósforo contido nos grãos de cereais e de seus subprodutos são indisponíveis. Esta indisponibilidade deve-se à quantidade de fósforo que está ligada à molécula de ácido fítico ou fitato. O fitato além de interferir na disponibilidade de fósforo, quelata cátions (Ca, Mg, Fe, Zn, Cu) e interfere na absorção de aminoácidos. Os fitatos também são conhecidos por inibir várias enzimas digestivas endógenas como pepsina, amilase ou tripsina. A interação entre fitatos e proteínas aparentemente depende das condições de ph do meio. Esta interação ocorre através de ligações eletrostáticas com resíduos básicos, como a arginina, lisina e histidina formando um complexo insolúvel (Kies et al., 2001). A presença de complexos fitato-proteína no intestino pode ter uma influência negativa na digestibilidade e na absorção de proteínas e aminoácidos. A suplementação de dietas com fitase tem apresentado efeitos positivos na digestibilidade do fitato. No entanto, a ação da fitase sobre a digestibilidade de aminoácidos não apresenta respostas consistentes (Adeola & Sands, 2003). Nesse contexto, é necessário abordar de forma sistêmica os principais cereais estudados juntamente com a ação da fitase em suínos. Uma meta-análise das publicações disponíveis poderia integrar as diferentes variáveis experimentais e permitir estabelecer respostas sistêmicas e ajustadas à diversidade experimental. Este trabalho foi realizado, portanto, com o objetivo de estudar, através de uma meta-análise, os efeitos da fitase sobre a digestibilidade ileal dos aminoácidos.
Material e Métodos O trabalho foi realizado no Setor de Suínos do Departamento de Zootecnia da Universidade Federal de Santa Maria. A meta-análise é uma metodologia estatística que combina resultados de vários experimentos que estudam o mesmo tema com o objetivo de resumir um conjunto maior de evidências. A meta-análise inclui dois componentes, um qualitativo (definido pelos autores da publicação) e outro quantitativo (integração de uma informação numérica). A base de dados foi desenvolvida a partir de 15 artigos publicados em periódicos internacionais (Animal Science, Animal Feed Science and Technology, Journal of Animal Science, Livestock Production Science) entre 1998 e 2008. Os principais critérios de seleção das publicações foram (a) presença de fitase, (b) genética, (c) fase alimentar, (d) digestibilidade ileal de aminoácidos. A metodologia para a definição das variáveis dependentes e independentes seguiu as proposições descritas na literatura (Lovatto et al., 2007). As informações relevantes das seções do material e métodos e dos resultados de cada artigo foram inseridas numa base de dados elaborada em planilha Excel. As variáveis analisadas foram relativas às características experimentais (efeito da fitase, idade, peso e sexo), à composição nutricional das dietas, respostas associadas aos ingredientes e a digestibilidade ileal de aminoácidos. A metaanálise seguiu três análises seqüenciais: gráfica (para uma visão geral dos dados), de correlação e de variância. As equações de regressão foram obtidas através da análise de variância-covariância através do procedimento GLM. As análises foram realizadas através do programa Minitab 15 (Minitab, 2006). Resultados e Discussão A base contemplou somente estudos em digestibilidade sendo composta de 112 dietas e 675 machos castrados, totalizando 82 tratamentos e média de 7,28 animais por tratamento. Os pesos dos animais ao início e final dos experimentos foram, em média, de 33 e 65 kg, respectivamente. Os principais ingredientes utilizados nas dietas e suas estatísticas descritivas são apresentados na Tabela 1. As principais fontes energéticas estudadas foram o milho (60,7% da composição da dieta), trigo (54,6%), amido (46,6%) e cevada (29,3%). O farelo de soja participou em todas as dietas com a inclusão média de 12,8 %. Os níveis de fitase variaram de 250 a 2.000 U kg -1 de dieta, com valores médios 771 U kg -1 de dieta. Os resultados da digestibilidade ileal aparente de aminoácidos essenciais em dietas e ingredientes estudados contendo fitase são apresentados na Tabela 2. Houve aumento de 2% (P<0,10) na digestibilidade da arginina e de 6 % na do triptofano avaliando a atividade da fitase sobre todos os tipos de dietas. A atividade da fitase não foi expressiva na avaliação das fontes energéticas. No entanto, houve aumento de 3% (P<0,10) na digestibilidade do triptofano em dietas contendo fitase. Nas dietas contendo trigo e fitase, a digestibilidade da arginina e do triptofano foram 16 e 4% superiores (P<0,10) em relação às dietas sem fitase. Não houve diferença significativa (P>0,10) na digestibilidade ileal de aminoácidos essenciais em dietas contendo amido. Dietas contendo cevada e fitase apresentaram aumento de 2 e 4% (P<0,10) nas digestibilidades da lisina e da metionina. Os cereais e sementes de oleaginosas apresentam quantidades de fitase ativa na sua composição. O trigo e seus subprodutos e a cevada apresentam as maiores quantidades de fitase ativa (Selle et al., 2000). Esta fitase presente no ingrediente pode atuar sobre o fitato. Dessa forma, as dietas a base de trigo contendo a fitase exógena podem apresentar um efeito adicional, o que pode explicar diferenças expressivas na digestibilidade da arginina e do triptofano verificadas neste estudo. Os resultados na digestibilidade de alguns aminoácidos podem
ser melhorados pelas características inerentes a cada ingrediente ou podem sofrer interferências pela presença de fibra e de outros componentes na dieta (Sands et al., 2007). Os resultados da digestibilidade ileal aparente de aminoácidos não-essenciais em dietas contendo fitase são apresentados na Tabela 3. Não houve diferença significativa (P>0,10) na atividade da fitase sobre as dietas. Além disso, dietas contendo milho, trigo e amido não apresentaram diferenças significativas (P>0,10) na digestibilidade ileal de aminoácidos não-essenciais. No entanto, houve aumento de 7% (P<0,10) na digestibilidade da prolina em dietas contendo cevada. As respostas acerca da eficácia da fitase na melhora da digestibilidade e retenção do nitrogênio ou de aminoácidos em suínos são conflitantes e inconsistentes (Adeola & Sands, 2003). A variabilidade nos dados de digestibilidade ileal é determinada por fatores inerentes aos alimentos, como a presença de fatores antinutricionais, quantidade de fibra, enzimas e ao processamento (Kies et al., 2001). Além disso, as respostas de digestibilidade ileal em estudos contendo fitase podem estar relacionadas às técnicas utilizadas para coleta, podendo ser pela canulação íleo-cecal, método da cânula T simples ou método de sacrifício dos animais (Adeola & Sands, 2003). As respostas sobre a digestibilidade ileal de aminoácidos podem diferenciar devido à variação na digestibilidade dos aminoácidos do ingrediente. Através dos resultados obtidos pode-se considerar que os ingredientes da dieta interferem nas respostas observadas em estudos com fitase. Conclusão A fitase melhora a digestibilidade ileal de alguns aminoácidos essenciais e não-essenciais. No entanto, as respostas sobre a digestibilidade ileal de aminoácidos devem considerar os ingredientes da dieta e as metodologias adotadas na coleta de dados. Referências ADEOLA, O.; SANDS, J. S. Does supplemental dietary microbial phytase improve amino acid utilization? A perspective that it does not. Journal of Animal Science, v.81, p.e78-85, 2003. KIES, A.K.; VAN HEMERT, K.H.F; SAUER, W.C. Effect of phytase on protein and amino acid utilisation World s Poultry Science Journal, v.57, p.109-126, 2001. LOVATTO, P.A.; LEHNEN, C.R.; ANDRETTA, I.; CARVALHO, A.D'A.; HAUSCHILD, L. Meta-análise em pesquisas científicas - enfoque em metodologias. Revista Brasileira de Zootecnia, v.36, p.285-294, 2007. MINITAB. Minitab Statistical Software 15.1.30.0. State College: Minitab Inc., 2006. SANDS, J.S.; DILGER, R.N.; RAGLAND, D.; ADEOLA, O. Ileal amino acid and phosphorus digestibility responses of pigs to microbial phytase supplementation of high-phytin diets. Livestock Science, v.109, p.208-211, 2007. SELLE, P.H.; RAVINDRAN, V.; CALDWELL, R. A.; BRYDEN, W.L. Phytate and phytase: consequences for protein utilization Nutrition Research Reviews, v.13, p.255-278, 2000.
Tabela 1. Principais ingredientes e composição calculada das dietas utilizadas nos estudos. Variáveis Dietas, n Média Mínimo Máximo dp (1) Ingredientes Milho, % 51 60,75 20,00 87,54 23,8 Farelo de Soja, % 112 12,85 3,10 35,45 7,7 Trigo, % 55 54,60 5,00 83,26 15,6 Amido, % 15 46,62 38,10 65,62 5,7 Cevada, % 17 29,36 10,00 59,00 15,3 Ervilha, % 6 33,33 10,00 45,00 18,0 Composição calculada Energia digestível, kcal kg -1-3.338 3283 3390 68 Energia metabolizável, kcal kg -1-3365 3265 3506 70 Proteína bruta, % - 16,33 14,64 18,34 2,7 Cálcio, % - 0,55 0,40 0,90 0,13 Fósforo total, % - 0,46 0,23 0,75 0,10 Fósforo disponível, % - 0,22 0,09 0,61 0,11 Aminoácidos analisados, % Arginina - 0,85 0,16 1,20 0,21 Fenilalanina - 0,67 0,40 0,97 0,14 Histidina - 0,46 0,14 1,53 0,34 Isoleucina - 0,59 0,22 0,83 0,13 Leucina - 1,12 0,43 1,41 0,26 Lisina - 0,76 0,37 1,19 0,17 Metionina - 0,29 0,14 0,98 0,22 Tirosina - 0,50 0,19 0,87 0,16 Treonina - 0,52 0,41 0,68 0,08 Triptofano - 0,23 0,09 0,69 0,18 Valina - 0,79 0,30 1,24 0,20 (1) desvio padrão da média
Tabela 2. Digestibilidade ileal aparente de aminoácidos essenciais em fontes energéticas contendo fitase avaliadas em suínos em crescimento e terminação. Aminoácidos essenciais, % Arg Hist Iso Leu Lis Met Fen Treo Trip Val Dietas Sem fitase 84,0 80,9 78,7 81,3 78,6 80,6 80,8 70,2 73,9 76,0 Com fitase 85,7 81,7 80,1 82,4 79,7 82,3 81,7 71,4 78,3 77,4 dpr 1,32 1,53 1,78 1,46 0,98 1,57 1,62 1,67 2,39 2,04 P (1) 0,07 0,95 0,52 0,38 0,71 0,74 0,32 0,76 0,09 0,44 Ingredientes Milho Sem fitase 82,8 80,9 77,6 81,5 77,6 79,7 80,3 69,1 71,3 75,2 Com fitase 83,0 80,6 78,1 81,6 78,1 80,2 80,7 69,6 73,5 75,8 dpr 1,32 1,16 1,66 0,93 1,07 1,31 1,19 1,73 2,29 1,89 P 0,45 0,43 0,60 0,75 0,29 0,93 0,38 0,67 0,09 0,44 Trigo Sem fitase 74,4 806 78,9 81,6 79,0 80,9 81,4 70,7 72,7 76,4 Com fitase 86,5 81,0 80,0 82,6 79,5 81,5 82,6 71,4 75,5 77,4 dpr 1,15 1,77 1,79 1,71 1,06 1,32 1,79 1,77 2,30 1,11 P 0,01 0,56 0,23 0,25 0,28 0,33 0,16 0,75 0,09 0,34 Amido Sem fitase 87,8 83,0 81,1 81,4 79,8 81,6 80,9 69,4 77,3 76,4 Com fitase 90,0 86,4 83,1 83,1 82,6 84,7 81,2 72,8 83,4 79,2 dpr 1,72 1,12 2,55 1,78 0,84 1,49 1,63 1,64 2,88 0,99 P 0,80 0,19 0,86 0,24 0,29 0,99 0,69 0,74 0,42 0,93 Cevada Sem fitase 84,1 79,9 78,0 80,0 76,3 78,7 81,0 70,5 78,3 76,1 Com fitase 86,4 80,4 80,2 82,8 78,4 82,3 83,5 71,1 79,6 78,2 dpr 1,52 2,21 2,02 1,87 1,31 1,26 2,32 2,38 1,20 1,83 P 0,29 0,61 0,45 0,23 0,09 0,05 0,38 0,78 0,72 0,20 (1) nível de significância de 10% (P<0,10).
Tabela 3. Digestibilidade ileal aparente de aminoácidos não-essenciais em fontes energéticas contendo fitase avaliadas em suínos em crescimento e terminação. Aminoácidos não-essenciais, % Ala Ac. Asp. Cist Ac. Glut Glic Prol Ser Tir Dietas Sem fitase 74,3 75,3 74,2 84,3 65,4 73,6 76,7 79,3 Com fitase 75,9 76,9 75,4 85,9 67,7 74,6 78,0 80,4 dpr 2,04 1,65 2,39 1,24 3,27 2,59 1,64 1,92 P (1) 0,62 0,37 0,90 0,17 0,23 0,26 0,34 0,24 Ingredientes Milho Sem fitase 75,7 75,3 73,1 83,8 64,3 74,9 76,8 78,4 Com fitase 75,8 75,8 72,9 84,4 65,4 74,3 76,9 79,4 dpr 1,64 1,56 2,01 1,00 3,55 2,03 1,42 1,57 P 0,49 0,35 0,80 0,25 0,33 0,68 0,49 0,19 Trigo Sem fitase 74,4 74,9 74,3 84,7 66,2 75,5 76,9 80,0 Com fitase 75,8 75,9 75,3 86,0 67,9 76,2 77,8 80,9 dpr 2,19 1,69 2,31 1,29 2,51 2,70 1,83 2,14 P 0,36 0,15 0,99 0,16 0,15 0,24 0,18 0,12 Amido Sem fitase 75,2 75,4 73,3 82,8 63,0 58,6 75,4 78,0 Com fitase 77,7 79,2 76,7 86,3 68,0 68,8 78,7 80,8 dpr 1,72 1,11 3,12 1,50 1,76 3,18 0,72 0,73 P 0,80 0,68 0,97 0,16 0,48 0,94 0,56 0,51 Cevada Sem fitase 71,7 72,9 75,6 84,6 67,6 72,9 75,8 80,1 Com fitase 76,3 74,2 79,6 87,0 70,8 77,8 78,4 81,7 dpr 2,22 2,33 2,63 1,62 2,56 3,09 2,57 2,72 P 0,30 0,49 0,24 0,18 0,35 0,07 0,54 0,72 (1) nível de significância de 10% (P<0,10).