Parecer Jurídico - CAOPCON Procedimento Administrativo nº 0046.15.092147-9 Ementa: CONSUMIDOR CONTRATO DE EMISSÃO E UTILIZAÇÃO DE CARTÕES DE CRÉDITO E DÉBITO CANCELAMENTO UNILATERAL PELA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA AUSÊNCIA DE AVISO PRÉVIO AO CONSUMIDOR E MOTIVAÇÃO PLAUSÍVEL ABUSIVIDADE OFENSA AO PRINCÍPIO DA BOA-FÉ OBJETIVA INCIDÊNCIA DOS ARTS. 4º INCISO III, 6º INCISO IV E 51 INCISO IV, TODOS DO CDC INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. 1. Relatório A 2ª Promotoria de Justiça de Defesa do Consumidor desta Capital instaurou Procedimento Preparatório nº MPPR-0046.15.054396-8 que trata de situação em que instituição financeira resiliu o Contrato de Emissão e Utilização de Cartões. No procedimento, o Promotor de Justiça Maximiliano Ribeiro Deliberador solicitou informações para a instituição financeira (Ofício nº 2157/2015), a qual respondeu que a motivação da resilição decorreu de uma faculdade contratual de resilição do contrato e que eventual litigância individual entre consumidor e o banco não gera a iniciativa de resilir o contrato. O ilustre parquet, por derradeiro, enviou Ofício nº 2616/2015 (fl. 01) para este CAOPCON solicitando emissão de parecer jurídico acerca da suposta abusividade relatada pelo consumidor. É o relato. 1
2. Fundamentação Verifica-se que, in casu, o consumidor ao tentar utilizar seu cartão de crédito teve as transações negadas pela instituição financeira, não obstante possuisse limite disponível. Ademais, ao comparecer em sua agência bancária, o consumidor foi informado pela atendente que seus cartões estavam bloqueados e que não haveria a possibilidade de liberação, por ter ajuizado ação contra o Banco. Por sua vez, a instituição financeira afirmou que apenas exerceu a faculdade de resilição utilizando prerrogativa de cláusula do Contrato de Emissão e Utilização dos Cartões Banco do Brasil S.A Pessoas Físicas Correntistas e Não-Correntistas. De fato, observamos no Contrato supracitado que os Itens Procedimentos de Resilição e Rescisão do Contrato (fl. 03) e XIX. Resilição (fl. 22) prescrevem que as partes (fornecedor/banco e consumidor/titular), a qualquer tempo, poderão resilir o contrato, desde que comuniquem previamente a outra parte da sua decisão, o que não ocorreu no caso, pois tal circunstância não restou afastada pela instituição financeira. Justiça: Nesse sentido, é o entendimento do Superior Tribunal de AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS - CANCELAMENTO UNILATERAL DE CONTRATO DE ABERTURA DE CRÉDITO EM CONTA CORRENTE (CHEQUE ESPECIAL) - AUSÊNCIA DE AVISO PRÉVIO - NEGATIVAÇÃO NOS ÓRGÃOS RESTRITIVOS DE CRÉDITO - DANO MORAL PURO - INDENIZAÇÃO DEVIDA. - O cancelamento unilateral, por parte do banco, do contrato de abertura de crédito em conta corrente (cheque especial), sem aviso prévio ao cliente, configura evidente falha do serviço, eis que o próprio contrato prevê que a rescisão se faça mediante notificação prévia ao correntista.- Se, em razão do cancelamento unilateral, promovido sem a ciência prévia do cliente, o banco envia o nome do mesmo para o serviço de proteção ao crédito, 2
não ultrapassado o limite do cheque especial, configurado está o dano moral passível de reparação.- Para a fixação do dano moral inexistem parâmetros certos e fixos, imprescindível apenas, atentarmos para os princípios da proporcionalidade e razoabilidade, levando em consideração ainda a função pedagógica da medida, mas sem que haja, para tanto, fixação irrisória ou enriquecimento ilícito de uma das partes (Fl. 251) (negritos não originais). (STJ: Ag 1323874, 3ª Turma, Relator: Ministro Sidnei Beneti, Data da Publicação: 24/08/2010) inclusive, pela Corte Paranaense: Entendimento, aliás, perfilhado pelos Tribunais Regionais, JUIZADO ESPECIAL. CONSUMIDOR. CANCELAMENTO DE CARTÃO DE CRÉDITO SEM PRÉVIO AVISO AO CONSUMIDOR. VERIFICAÇÃO DO PROBLEMA NO MOMENTO DA COMPRA. CONSTRANGIMENTO. DANO MORAL CONFIGURADO. INDENIZAÇÃO DEVIDA. ARBITRAMENTO. OBSERVÂNCIA AOS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. 1. EVENTUAIS FALHAS NO SISTEMA DE CARTÕES DE CRÉDITO INTEGRAM O RISCO DA ATIVIDADE FINANCEIRA E NÃO EXIMEM A INSTITUIÇÃO RESPONSÁVEL DO DEVER DE INDENIZAR (ART. 17 DA LEI N. 8.078/90). 2.CARACTERIZA DANO MORAL O CANCELAMENTO DE CARTÃO DE CRÉDITO SEM MOTIVAÇÃO IDÔNEA E PRÉVIO AVISO, MÁXIME QUANDO O CONSUMIDOR É SUBMETIDO À SITUAÇÃO CONSTRANGEDORA AO REALIZAR COMPRAS E SER SURPREENDIDO PELO NÃO FUNCIONAMENTO DO CARTÃO (...) (negritos não originais). (TJDF - ACJ: 20120710386386 DF 0038638-95.2012.8.07.0007, Relator: LUÍS GUSTAVO B. DE OLIVEIRA, Data de Julgamento: 22/10/2013, 1ª Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais do DF, Data de Publicação: Publicado no DJE: 30/10/2013 Pág.: 237) 3
INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL - CONTRATO DE CARTÃO DE CRÉDITO - CANCELAMENTO UNILATERAL E SEM PRÉVIO AVISO - CONSEQUENTE NEGATIVA DE TRANSAÇÃO, PERANTE TERCEIROS DANO MORAL CARACTERIZADO - APLICAÇÃO, POR ANALOGIA, DO ENUNCIADO 2.2 DAS TURMAS RECURSAIS DO PARANÁ (negritos não originais). (TJPR - 2ª Turma Recursal - 0051322-45.2013.8.16.0014/0 - Londrina - Rel.: Flávio Dariva de Resende - - J. 02.03.2015) Por analogia, o enunciado citado aplica-se ao caso de resilição unilateral do contrato pela instituição financeira sem aviso prévio ao consumidor, no que couber. Veja-se: Enunciado 2.2 das Turmas Recursais: Cancelamento de limite de crédito - ausência de comunicação prévia e de motivação - dano moral: O cancelamento do limite de cheque especial, sem comunicação prévia ao consumidor e sem a devida motivação, acarreta dano moral. Mas não é só. Há que se falar também da violação, no caso, do princípio da boa-fé objetiva consagrado pelo Código de Defesa do Consumidor. Insta comentar que a boa-fé, em sentido amplo, é o sentimento intrínseco que o indivíduo traz consigo, de agir corretamente, ou seja, conforme o direito. É uma manifestação estritamente psicológica (boa-fé subjetiva), logo, contrapõe-se e à má-fé. Lado outro, a boa-fé objetiva (também conhecida como boa-fé obrigacional), não leva em consideração o fator psicológico, pois esta como já dito - configura-se com o dever de agir de acordo com modelos socialmente aceitos, de forma que a relação jurídica seja conduzida de forma honesta, leal e correta, ou seja, sua feição impõe um padrão de conduta aos que se obrigam na relação jurídica. Com efeito, o princípio da boa fé objetiva é basilar de toda a atuação que traz a ideia de lealdade nas relações contratuais. Refere-se aquela conduta que se espera das partes contratantes, de sorte que toda cláusula que infringir esse princípio é considerada, como abusiva. 4
O Código de Defesa do Consumidor consagrou o princípio da boa-fé objetiva como cláusula geral (art. 4º do CDC) 1, visando otimizar o comportamento contratual dos contraentes, principalmente do fornecedor de produtos e serviços, que com o crescente desenvolvimento tecnológico e a falta de cultura jurídica da população de um modo geral, a cada dia se torna parte mais forte nesse tipo de relação, o que, consequentemente, resulta no desequilíbrio contratual 2. Segundo o art. 6º, inciso IV do CDC dentre os direitos básicos do consumidor está: IV - a proteção contra a publicidade enganosa e abusiva, métodos comerciais coercitivos ou desleais, bem como contra práticas e cláusulas abusivas ou impostas no fornecimento de produtos e serviços (negritos não originais). Já o artigo 51, IV do Código de Defesa do Consumidor dispõe que são nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que: IV - estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade (...) (negritos não originais). Na doutrina, Plínio Lacerda Martins ensina que a noção de boa-fé objetiva constitui novo princípio a conduta dos contraentes nos contratos atuais 3, pois são nesses instrumentos de negociação que se vislumbra com maior facilidade o desequilíbrio entre os contraentes. Em matéria consumerista, a aplicação desse princípio se torna ainda mais evidente, porque é inegável que a grande maioria das relações entre consumidores e fornecedores se firma através de contratos. 1 Art. 4º - A Política Nacional de Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, a respeito a sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de sua qualidade de vida, bem como a transferência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios: I reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo; (...) III - harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo e compatibilização da proteção do consumidor com a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico, de modo a viabilizar os princípios nos quais se funda a ordem econômica (art. 170 da Constituição Federal), sempre com base na boa-fé e equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores (...). (negritos não originais) 2 Guglinski, Vitor. O princípio da boa-fé como ponto de equilíbrio nas relações de consumo. Disponível em: < http://jus.com.br/artigos/4706/o-principio-da-boa-fe-como-ponto-de-equilibrio-nas-relacoes-de-consumo > Acesso em: 07de dezembro de 2015. 3 MARTINS, Plínio Lacerda. O abuso nas relações de consumo e o princípio da boa-fé. Rio de Janeiro: Forense, 2002. 5
Já Cláudia Lima Marques define a boa fé como: (...) uma atuação 'refletida', uma atuação refletindo, pensando no outro, no parceiro contratual, respeitando, respeitando seus interesses legítimos, seus direitos, respeitando os fins do contrato, agindo com lealdade, sem abuso da posição contratual, sem causar lesão ou desvantagem excessiva, com cuidado com a pessoa e o patrimônio do parceiro contratual, cooperando para atingir o bom fim das obrigações, isto é, o cumprimento do objetivo contratual e a realização dos interesses legítimos de ambos os parceiros. Trata-se de uma boa-fé objetiva, um paradigma de conduta leal, e não apenas da boa-fé subjetiva, conhecida regra de conduta subjetiva do artigo 1444 do CCB. Boa-fé objetiva é um 'standard' de comportamento leal, com base na confiança, despertando na outra parte co-contratante, respeitando suas expectativas legítimas e contribuindo para a segurança das relações negociais 4. No sentido de que a violação à boa-fé objetiva, além da boa-fé subjetiva, gera reparação, é o julgado: CONSUMIDOR. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. CANCELAMENTO DE CONTRATOS DE CARTÕES DE CRÉDITO USUALMENTE UTILIZADO SEM A PRÉVIA NOTIFICAÇÃO DA CONSUMIDORA. VIOLAÇÃO DA BOA-FÉ OBJETIVA. DANO MORAL CONFIGURADO. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. (Recurso Cível Nº 71004760880, Segunda Turma Recursal Cível, Turmas Recursais, Relator: Vivian Cristina Angonese Spengler, Julgado em 28/05/2014 negritos e grifos não originais) Ressalte-se, ainda, que em consulta processual no site do Tribunal de Justiça do Paraná, é possível visualizar sentença proferida em favor do consumidor, a qual foi julgada procedente, com resolução do mérito, nos termos do art. 269, I, do Código de Processo Civil. Oportuno transcrever a decisão na parte que interessa: 1. São controvertidos a legalidade de cancelamento dos cartões de crédito sem prévio aviso, motivados pela existência de processos anteriores contra o banco demandado. 4 MARQUES, Cláudia Lima, Planos privados de assistência à saúde. Desnecessidade de opção do consumidor pelo novo sistema. Opção a depender da conveniência do consumidor. Abusividade da cláusula contratual que permite a resolução do contrato coletivo por escolha do fornecedor. Revista de Direito do Consumidor, n. 31, jul./set./99, p. 145. 6
2. Sustenta o banco, em sua contestação, que a restrição absoluta interna é prática legal porque não é obrigado a contratar com quem quer que seja. Assiste-lhe razão neste ponto. Todavia, o motivo determinante, de acordo com a instituição financeira, deu-se pelas duas vezes em que o cliente litigou contra o banco por motivos legítimos, quais sejam, a negativa de transações com o cartão sem qualquer aviso prévio e ou motivo plausível. (negritos não originais) 3. Com efeito, não se pode compelir estabelecimento bancário a conceder crédito a qualquer de seus clientes; todavia, a negativa deve ser previamente informada, de modo que evite maiores danos ao consumidor. Descumpriu o banco com seus deveres neste aspecto (negritos não originais).4. ( ). 5. ( ). 6. Desse modo, ilegal o corte das linhas de crédito dos cartões, bem como a manutenção de restrição interna por existência de ação judicial anterior (negritos não originais). 7. ( ). 8. ( ). No dispositivo do aludido julgado o douto Magistrado houve por bem determinar o restabelecimento dos cartões de créditos e da conta bancária, bem como arbitrou indenização por danos morais, fixando multa pelo descumprimento. Portanto, claro o entendimento de que há prática abusiva do fornecedor - interrupção, sem aviso prévio, de utilização de cartões de crédito e débito e, consequentemente, violação ao princípio da boa-fé objetiva, fazendo jus o consumidor à indenizações por danos materiais e morais. Curitiba, 10 de dezembro de 2015. CIRO EXPEDITO SCHERAIBER Procurador de Justiça Coordenador do Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça de Defesa do Consumidor 7