Invariância da integral por homotopia, fórmula de Cauchy e séries de Taylor Roberto Imbuzeiro Oliveira 6 de Abril de 20 Preliminares Nestas notas, U C sempre será um aberto e f : U C é contínua. Duas curvas fechadas γ 0, γ : [0, ] U são ditas homotópicas (em U, enquanto curvas fechadas) se existe uma função contínua H : [0, ] 2 U tal que: γ s ( ) H(, s) é curva fechada para todo 0 s ; além disso, γ b H(, b) (b {0, }) são as curvas γ b definidas acima. Exercício Prove que para todo β > 0 existe um α = α(β) > 0 tal que, se 0 = t 0 < t < t 2 < < t n = é partição de [0, ] com t i t i α(β) para todo i, então: (i, j, k, l) {0,..., n} 4 com k {i, i+} e l {j, j+}, γ ti (t j ) γ tk (t l ) β. [Dica: este é um exercício em continuidade uniforme.] Exercício 2 Mostre que existe um δ > 0 tal que: (t, s) [0, ] 2 : d(u c, γ s (t)) > δ. [Dica: use o fato que a imagem de H é compacta.] IMPA, Rio de Janeiro, RJ, Brazil, 22430-040.
Dados pontos z, z 2, z 3, z 4 C, { Co(z, z 2, z 3, z 4 ) t i z i : (t,..., t 4 ) (R + ) 4 com i= } 4 t i = 0. i= Também definimos: z z 2 z 3 z 4 z : t [0, 4] z i + t(z i+ z i ), i t i (i =, 2, 3, 4); com a convenção de que z 5 = z. Exercício 3 Prove o seguinte corolário de Cauchy-Goursat: se f : U C é holomorfa e z, z 2, z 3, z 4 U são tais que Co(z, z 2, z 3, z 4 ) U, então: f = 0. z z 2 z 3 z 4 z Prove ainda que para qualquer h : U C contínua ( 4 ) h = f z z 2 z 3 z 4 z i= z i z i+ onde novamente definimos z 5 = z. [Na verdade a segunda afirmação serve para provar a primeira.] Exercício 4 Definindo γ s, δ e α = α(δ) como acima, prove que para toda partição: 0 = t 0 < t < t 2 < < t n = com max t i t i α(δ), temos o seguinte resultado para todos i, j n: I[(j, i ), (j, i)] + I[(j, i), (j, i)] onde usamos para não carregar a notação. + I[(j, i), (j, i )] + I[(j, i ), (j, i )] = 0, I[(j, i), (k, l)] γ tj (t i ) γ tk (t l ) f 2
2 O resultado Teorema Sejam f : U C holomorfa e γ 0, γ : [0, ] U curvas fechadas retificáveis e homotópicas em U (por curvas fechadas). Então: f = f. γ 0 γ Prova: Quase todos os passos que precisamos estão nos exercícios da seção anterior. Deste modo, usamos a notação lá introduzida. Seja 0 = t 0 < t < < t n = partição de [0, ] com t i t i α(δ) e chame de η i a aproximação poligonal de γ ti obtida a partir desta partição. Provaremos que: j n, : f = f. () O resultado segue disto porque para todo ε > 0 podemos escolher uma partição como acima de modo que: f f γ + f f ε. γ 0 η 0 Exercício 5 Justifique este passo do segue disto em mais detalhes. Note primeiro que cada uma das integrais f está bem definida, pois é curva poligonal (logo retificável) contida dentro de U. Exercício 6 Por que (quer dizer, a imagem de ) está contida em U? Veja ainda que, para cada 0 j n: f = f = i= γ tj (t i )γ tj (t i ) η n I[(j, i ), (j, i)], i= usando a notação do Exercício 4. Portanto, se j n: f f = I[(j, i ), (j, i)] i= Pela definição de I, temos que: I[(j, i ), (j, i)]. i= I[(j, i ), (j, i)] = I[(j, i), (j, i )]. 3
Usando a igualdade no mesmo Exercício 4, temos: f f = = ( I[(j, i ), (j, i )] I[(j, i), (j, i)]) i= ( I[(j, i ), (j, i )] + I[(j, i), (j, i)]). i= Esta última soma é telescópica, portanto: f f = I[(j, n), (j, n)] I[(j, 0), (j, 0)]. Os dois termos do lado direito são as integrais de f sobre os segmentos γ tj (t n )γ tj (t n ) e γ tj (t 0 )γ tj (t 0 ). Estes dois segmentos são iguais, já que t n =, t 0 = 0 e γ s (0) = γ s () para todo 0 s aqui usamos o fato de que que cada γ s é fechada! Concluímos que: f f = 0, como desejado. 3 Aplicação: a fórmula integral de Cauchy Teorema 2 Sejam f : U C holomorfa, z 0 U e r > 0 tal que a bola fechada B[z 0, r] está contida em U. Então temos que, para todo z B(z, r), f(z) = w z. onde : θ [0, ] z 0 + re θ. Prova: Começamos observando os seguintes fatos: Exercício 7 Calcule: dw w z 0 =. 4
Exercício 8 Mostre que g(w) (f(w) f(z))/(w z) é holomorfa para w U\{z} e tem extensão contínua a todo U. Logo M sup g(z) < + z B[z 0,r] Exercício 9 Prove que existe r > 0 tal que e c z,r como curvas fechadas em U\{z}. são homotópicas Pelo dois últimos exercícios e a invariância por homotopia, podemos supor que o círculo sobre o qual se entrega está centrado em z. Portanto, basta provar o teorema no caso em que z = z 0. Pelo Exercicio 7: w z f(z) = (f(w) f(z)) dw w z = g(w) dw. Primeiro vejamos o que acontece com a integral acima quando se troca r por 0 < r r muito pequeno. Recorde a estimativa: g(w) dw c z0 L(c z 0,r ) sup g(z 0 + r e θ ). 2π,r 0 θ Exercício 0 Prove que L( ) = 2πr. Deduzimos: g(w) dw c z0 M r 0 quando r 0,,r onde M vem do Exercício 8. Agora usamos: Exercício Mostre que é homotópica a 0 < r r. em U\{z 0} para todo Deduzimos da invariância por homotopia e do limite anterior que: (f(w) f(z)) dw = lim g(w) dw = 0, w z r 0 como queríamos demonstrar. 5
4 Aplicação: a fórmula de Taylor Teorema 3 Seja f : U C holomorfa com 0 B(0, R) U. podemos escrever f como série de potência ao redor de 0: Então f(z) = + k=0 a k z k, onde o raio de convergência da série é R e além disso: 0 < r R : a k = w k+. Exercício 2 Deduza de fatos que já provamos no curso que: k N, f (k) (0) = k! w k+. Exercício 3 Prove um análogo do Teorema para expansões de Taylor ao redor de z 0 U arbitrário. Prova: [do Teorema] Seja z B(0, R) e tome z < r < R. Pela fórmula integral de Cauchy: f(z) = w z. Agora note que o integrando pode ser reescrito da seguinte forma, para qualquer n N: ( ) f(w) w z = f(w) z k w w k + z n+ w n+, ( z/w) k=0 pois para todo w na imagem de temos w = r > z. Concluímos que: ( ) f(z) = w k+ z n + R n (z), onde: k=0 ( R n (z) = Este termo de resto pode ser cotado por: ) w n+2 z n+. ( z/w) 6
Exercício 4 Prove a estimativa: R n (z) sup θ f(re θ ) r n ( z /r) z n+. Como r > z, esta expressão vai para 0 quando n +. Exercício 5 Explique isto melhor. Em particular: o que acontece com o sup acima? Deduzimos que f tem a expressão em série de potência apresentada pelo Teorema para qualquer z < R. Em particular, isto implica que o raio de convergência da série é R. 5 Mais exercícios Exercício 6 Suponha que f é como no Teorema 3. Prove que o raio de convergência da expansão em série é dado por: sup{d(0, V c ) : V U aberto tal que g : V C holomorfa com g U = f}. Exercício 7 (Teorema de Liouville) Seja f : C C inteira, isto é, uma função holomorfa com domínio igual a C. O teorema de Liouville diz que: f limitada f constante Prove isto da seguinte maneira. Observe que para qualquer k N e r > 0, f (k) (0) = k! w k+. Cote a integral por: k!r k sup f(z) z C e deduza que f (k) (0) = 0 para todo k, logo f(z) f(0) Exercício 8 Seja f : C C inteira e suponha que existem α, C, r > 0 tais que: z > r 0, f(z) C z α. Use o raciocínio na prova de Liouville para mostrar que f é um polinômio de grau α. 7
Exercício 9 (Teorema Fundamental da Álgebra) Seja h : C C inteira e não-constante. Mostre que /h deve ser ilimitada. Aplicando isto a polinômios, prove que qualquer polinômio não-constante tem uma raíz complexa. Exercício 20 Seno e cosseno são limitados e inteiros, logo são constantes. Por que esta dedução está errada? Exercício 2 Seja f : C C inteira e não-constante. Prove que a imagem de f é densa em C. [Dica: dado ξ C, ou g(z) /(f(z) ξ) não é inteira, ou não é limitada.] Exercício 22 (Teorema de Morera) Seja U C aberto. Prove que uma função contínua f : U C é holomorfa se e somente se γ f = 0 para toda curva fechada retificável γ com imagem em U que é homotópica a um ponto. [Dica: prove que a conclusão de Cauchy Goursat vale para esta função, deduza que as integrais de f são invariantes por homotopia e então perceba que isto basta para obter as fórmulas de Cauchy e de Taylor.] 8