ATENDIMENTOS DAS CRIANÇAS PORTADORAS DE TDA/H PELO MÉTODO EXTRA LESSON



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Transcrição:

ATENDIMENTOS DAS CRIANÇAS PORTADORAS DE TDA/H PELO MÉTODO EXTRA LESSON 1 AVALIAÇÃO, COMENTÁRIOS, RESULTADOS E CONCLUSÃO. Publicado na revista Navegantes de abril de 2008, editora João de Barro INTRODUÇÃO O método Extra-Lesson, também denominado Recursos Especiais na Pedagogia Waldorf, é baseado na visão de desenvolvimento humano dada pela Antroposofia. Elaborado pela professora inglesa Audrey McAllen 1 a partir do conceito de que as dificuldades de aprendizado estão relacionadas com atrasos ou interrupções no desenvolvimento durante os primeiros 7 anos de vida. Sob o ponto de vista de Rudolf Steiner 2, o ser humano não é somente a soma de capacidades e habilidades herdadas; ele apresenta uma essência espiritual e ao longo da vida irá tecer sua biografia. A organização estrutural do corpo físico se dá progressivamente no decorrer do primeiro setênio, à medida que a parte anímico-espiritual do ser humano se apropria desse corpo. Esta estrutura física é o resultado da atuação de seres espirituais que criaram o universo, da herança espiritual da humanidade. Na Terra compartilhamos o CORPO FÍSICO ARQUETÍPICO que é um órgão espacial para a consciência de nossa individualidade. 3 O primeiro objetivo desse método é trazer ao aluno consciência dos movimentos corporais por meio de atividades lúdicas. A partir da conscientização corporal ele poderá conhecer e dominar o espaço ao seu redor e compreender a realidade tridimensional. Só depois disso ele estará apto a representar seus movimentos corporais e a tridimensionalidade espacial nas várias atividades de leitura, escrita e matemática. Todas as crianças com as quais trabalhamos apresentavam dificuldades no processo de aprendizado, além de alterações relacionadas aos movimentos, aos sentidos e à espacialidade. Usamos a avaliação específica do método Extra-Lesson como instrumento de observação e diagnóstico da organização estrutural do corpo físico, inclui a observação da 1. MC ALLEN, Audrey, Método Extra Lesson, Vol. 1, SP, Ed. Antroposófica, 2005. 2. STEINER, R., A Arte da Educação I, pg. 23, SP, 3ª Ed., Ed. Antroposófica, 1988. 3. Ver referência nota 1, pg. 17 e 18.

lateralidade, da orientação espacial, da geografia corporal, a pesquisa de respostas reflexas imaturas, avaliação gráfica e de habilidades visuais e auditivas. 2 METODOLOGIA: As crianças foram avaliadas e atendidas individualmente, em períodos que variaram entre oito e vinte semanas, dependendo da necessidade individual. Após as avaliações, e a cada 8 semanas, o grupo interdisciplinar discutiu o encaminhamento e o desenvolvimento de cada caso. APRESENTAÇÃO DOS CASOS Tabela 1 - Apresentação das crianças avaliadas, suas idades, o tipo de escola na qual estudam, a data e o profissional que realizou a avaliação, e o profissional que realizou o atendimento. Paciente Idade Escolaridade Data/avaliação Avaliação Atendimento KG 9 2º Ano Escola Waldorf 7/3/2005 Torlay Torlay MLH 10 4º ano Escola Estadual 31/1/2005 Torlay Obniski SSA 8 2º Ano Escola Estadual 21/3/2005 Torlay Obniski PLF 11 4º Ano Escola Estadual 17/1/2005 Obniski Salvetti RVL 8 2º Ano Escola Particular 16/3/2005 Salvetti Salvetti A partir das avaliações elaboramos as tabelas como segue: Pode-se observar por meio desses dados que o desenvolvimento neuro-motor apresenta defasagem significativa para a idade. O atraso nesse aspecto leva a dificuldades no sistema postural e em suas representações (desenho, leitura-escrita).

Tabela 2 - Observação quanto ao desenvolvimento neuro-motor, noção espacial, geografia corporal e alfabetização das crianças avaliadas. 3 REAÇÕES MOTORAS REFLEXAS DESENVOLVIMENTO NEURO-MOTOR NOÇÃO ESPACIAL GEOGRAFIA CORPORAL ALFABETIZAÇÃO Tônico Labiríntico, Tônico Cervical Simétrico Fase de simetria, barreira vertical, dominância estabelecida. Não desenvolvida, pouca estruturação no papel. Afetada pela barreira vertical Não alfabetizado Tônico Cervical Simétrico e Assimétrico, Tônico Labiríntico Dissociação direita/esquerda, forte barreira vertical. Necessita apoio visual Pobre Troca de letras Tônico Cervical Simétrico e Assimétrico, Galant Fase de simetria, dominância não estabelecida, barreiras vertical e horizontal. Pobre, não se coloca como centro de experiências. Pobre Não alfabetizada Tônico Cervical Simétrico e Assimétrico, Galant Fase simetria, dominância não estabelecida, barreiras vertical e horizontal. Pouca noção espacial Pobre Alfabetizado, com muitas dificuldades e erros ortográficos. Tônico Labiríntico, Tônico Cervical Simétrico e Assimétrico, Galant Fase de simetria, dominância estabelecida, barreira vertical/horizontal Ruim Pobre Alfabetizado, com muitas dificuldades. A presença de respostas motoras reflexas revela a defasagem no desenvolvimento. Os reflexos são respostas motoras involuntárias, de natureza atávica, apresentadas pela criança nos primeiros anos de vida, por meio dos quais elas respondem aos estímulos do meio ambiente. Com a aquisição dos movimentos voluntários dependentes de estruturas corticais mais complexas os reflexos ditos primitivos devem desaparecer (o método Extra Lesson utiliza o termo integração para descrever seu desaparecimento e retenção para sua permanência). A permanência de reflexos primitivos, que deveriam ter desaparecido, pode interferir no desenvolvimento de habilidades motoras. 4 4. Ver referência nota 1, pg. 17 e 18.

4 Por exemplo, a retenção do reflexo tônico-cervical-assimétrico ocasiona falta de coordenação viso-motora e o não estabelecimento da coordenação entre os dois hemisférios corporais; a retenção do reflexo tônico-cervical-simétrico causa dificuldades em assumir posições corporais adequadas durante as atividades manuais, pois a organização do movimento dos membros que permanece ligada à movimentação da cabeça (por meio do reflexo) impede a dissociação entre esses dois segmentos; o reflexo tônico-labiríntico aumenta o tônus extensor, dificultando a manutenção da postura, o controle da cabeça e do tronco, e a independentização do olhar. 5 O reflexo de Galant também interfere na manutenção da postura, principalmente quando o indivíduo precisa ficar sentado por longo período de tempo, e pode relacionar-se à enurese noturna. 6 No decorrer do desenvolvimento neuro-motor acontece a integração dos reflexos transitórios neonatais, período em que a criança tem um padrão motor similar em cada lado do corpo; é o estágio da simetria. Segue-se o período da integração bilateral, onde um lado do corpo pode executar um movimento, enquanto o outro lado permanece em repouso. Ao redor dos cinco anos de idade, estabelece-se o padrão homolateral, no qual o controle de um lado de cada vez se estende à motricidade fina, culminando na dominância hemisférica. Observou-se que todas as crianças apresentaram alterações desse parâmetro, pois este deveria estar completo ao final do primeiro setênio. A orientação espacial e a consciência da própria posição no espaço são habilidades que se desenvolvem com o objetivo de focar os objetos em relação ao observador. Em seu desenvolvimento, a criança pequena vivenciará o espaço, sendo que considera atrás o que está atrás dela, e assim em relação às outras direções do espaço. Essa referência interna está firmemente estabelecida na maioria das crianças aos sete anos de idade, mas, isso não acontece em algumas delas. Em seus desenhos da figura humana se refletem também a consciência pobre do próprio corpo e da imagem corporal introjetada. Seu mundo visual se distorce e se vê afetado, inclusive em sua habilidade para orientar-se no mundo dos símbolos do alfabeto e da página impressa. A geografia corporal se desenvolve desde o nascimento, a partir da experiência do parto, das vivências no decorrer do desenvolvimento motor (rolar, rastejar, engatinhar,...) e pelos sentidos corporais. A partir daí a criança vai apropriar-se de seu mapa corporal. Todas as crianças avaliadas apresentaram falhas nesse mapeamento, ou seja, não correlacionavam, por exemplo, seu lado direito e esquerdo, seus membros superiores e 5. MOMO, A.R.Bueno, SILVESTRE C., GRACIANE Z., O processamento sensorial como ferramenta para educadores: Facilitando o processo de aprendizagem, SP, Artevidade/Memnon, 2007. 6. TORLAY, R., Bed wetting: is there a solution? AHENEWS, pg.16, novembro-2004.

inferiores, não conseguiam estabelecer a imagem corporal que as orientasse na noção espacial. 5 Tabela 3 - Observação dos sentidos básicos (Tato, Vital, Movimento e Equilíbrio) nas crianças avaliadas. TATO VITAL MOVIMENTO EQUILÍBRIO Hipersensibilidade ao toque, tensão e reação imediata na resposta. Impõe distancia no contato físico, ou é invasivo. Afetado pela hiperatividade sensório motora, levando a pouco contato com sensação de bem estar e segurança. Pouco domínio e percepção corporal imaturo. Adequado Normal Desvitalizado, olheiras escuras, palidez. Ajustes constantes na cervical, apoio visual, hiperativo. Apoio visual Invasiva, sem limites. Sem limites na alimentação. Muito comprometido Adequado Sem noção de limites Insatisfação constante Pouca percepção corporal Comprometido, apoio no tato e visão Busca contato, sem noção de limites Apresenta olheiras, sem limites no que gosta de comer/beber Movimentos desordenados e agitados Apoio visual A observação do grau de maturidade dos sentidos corporais fez parte do trabalho, principalmente dos sentidos do tato, movimento e vital, os quais apresentaram o empobrecimento da propriocepção, das vivencias e da relação saudável e confortável com a corporalidade e, em conseqüência, com o meio ambiente. A Ciência acadêmica, assim como a Antroposofia, reconhece a existência de um sentido para a percepção do próprio corpo, o sistema proprioceptivo, e sua importância para a organização do padrão motor, sendo que estas percepções facilitam o planejamento motor, a concentração, segurança gravitacional, e a estabilidade emocional. Alterações no sentido do tato podem levar a: falta de reação ao se machucarem ou ao serem tocadas; falta da sensação de limite corporal e anímico, busca de contato físico, muitas vezes de forma abrupta, que pode se confundir com agressão; esses comportamentos podem ocorrer quando o sentido do tato está pouco atuante. Quando hiper-sensíveis, as crianças reagem de forma negativa ao toque, evitam contato físico, assim como o contato com materiais de texturas diferentes; tornam-se muitos seletivos na

6 alimentação em por causa da textura dos alimentos; parecem não conseguir brincar sozinhas, não exploram o meio e não criam brincadeiras. Segundo nossa observação, a maioria das crianças apresentou falta de limite anímico e corporal. Quanto ao contato interpessoal, mostraram-se invasivas. A criança que apresentou hiper-sensibilidade ao toque, também apresentou seletividade quanto à alimentação, ao olfato e paladar. Alterações no sentido vital geram um estado constante de mal estar, de recolhimento e desinteresse, agitação motora, falta de concentração, entre outros. As crianças que atendemos apresentavam o sentido vital muito alterado. Havia presença de hiperatividade no movimento e a busca constante de estímulos sensoriais; demonstraram insaciedade sensorial e, alguns casos, também alimentar, dificultando a assimilação do que recebiam. Alterações no sentido do movimento (proprioceptivo), geram movimentos descoordenados, quedas freqüentes, inabilidade de segurar objetos sem olhá-los, dificuldade na manutenção da postura, em moderar a força de preensão de objetos, do movimento em geral, incoordenação de movimentos no espaço (derrubam objetos ao redor quando se movimentam), necessidade de olhar para os pés quando andam, dificuldade na diferenciação e repetição de formas (letras). As crianças apresentavam pouco domínio do movimento; além disso, todo movimento externo suscitava um movimento da própria criança, o que demonstra imaturidade. Alterações no sentido do equilíbrio (sentido vestibular) levam a desorganização espacial e insegurança ao mover-se, além de inabilidade nas atividades que exigem coordenação motora fina, dificuldade em lidar com conceitos espaciais como dentro-fora, em cima-embaixo, e ainda retardo no estabelecimento da lateralidade; as mesmas dificuldades são transferidas para o papel ao escrever (espaçamento inadequado entre as palavras, dificuldade na diagramação e na localização espacial das letras, má caligrafia). 7 Três das crianças demonstraram alterações do equilíbrio estático e dinâmico, necessitando recorrer ao apoio visual para mantê-lo. 7. Ver referência nota 1, pg. 19.

7 Tabela 4 - Observação dos processos de percepção visual e auditiva. VISÃO Dificuldade no processamento, memória e seqüência. Movimento ocular associado ao da cabeça. Aprendiz visual. Está associada a outros sentidos, sobrecarregada, prejudicando a concentração, aprendiz visual. Dificuldade no processamento e foco, pouca memória, movimento ocular associado ao da cabeça. AUDIÇÃO Dificuldade no processamento, análise, síntese e seqüência. Falha na discriminação e memória Aprendiz auditivo, repete as ordens, fala muito, sem interiorização. Sem convergência, sem controle para Esquerda, movimento ocular associado ao da cabeça. Repete as ordens. Movimento ocular associado ao da cabeça, presença de barreira mediana vertical. Necessita repetição de ordens Ainda quanto aos sentidos, verificamos que tanto a visão, quanto a audição dois sentidos importantes na integração da pessoa com seu meio ambiente e no processo de aprendizado apresentavam dificuldades. A percepção e processamento visual são de suma importância na interação com o meio ambiente; auxiliam a compreensão das percepções de outros sentidos, a noção espacial, a representação mental, a capacidade de diferenciação entre dois planos (figurafundo) e o estabelecimento de ordem lógica (seqüenciamento). A percepção e o processamento auditivos interferem também na localização espacial, proporcionam a diferenciação de sons, têm importância em sua priorização quando múltiplos (figura-fundo) e para o seqüenciamento auditivo (capacidade de estabelecer uma ordem rítmica em uma frase sonora). 8 O processamento visual representa a maneira como a informação visual chega à criança, assim como o percurso da percepção visual para realizar a representação. Todas as crianças observadas moviam simultaneamente a cabeça ao acompanhar a trajetória de um objeto com os olhos. Esta é uma reação imatura que dificulta a observação do mundo e a distinção dos elementos que fazem parte dele; percorremos com os olhos as formas dos grafemas (letras) ao acompanharmos os pequenos movimentos das letras que formam as 8. Ver referência nota 1, pg. 20 e 21.

8 palavras. Parte desta maturação se dá com a convergência dos olhos que se estabelece por volta dos sete anos de idade. Em relação ao processamento auditivo, avaliamos como se organiza uma resposta a partir da informação que chega por essa via, quer seja motora, falada, ou escrita, etc. As crianças apresentavam falhas nesse aspecto; repetiam em voz alta as ordens dadas de forma a facilitar a percepção através da fala. Tabela 5 - Observação dos processos vitais de respiração e nutrição e dos sentidos medianos. RESPIRAÇÃO HÁBITOS ORAIS SONO ALIMENTAÇÃO SENTIDOS MEDIANOS Normal Nenhum Bom Muito seletivo, hipersensibilidade no olfato e paladar. Hipersensibilidade olfato e paladar, indiferenciação térmica. Respirador oral Nenhum Alterado com medos Seletivo Normal Respirador oral Suga polegar Agitado, dificuldade para adormecer. Seletivo Normal Respiração oral Nenhum Normal Normal Normal Respiração oral Rói unha Dificuldade para adormecer e despertar Tem fases de compulsividade Normal Entre os processos vitais, analisamos a respiração e a nutrição. O processo respiratório não ocorre somente na via respiratória propriamente dita, mas no sistema rítmico como um todo, no adormecer e acordar, na interação social e nos processos de compreensão. 9 Encontramos alteração da via respiratória no que diz respeito à respiração; quanto ao processo da nutrição, foram encontrados os seguintes aspectos: insaciedade, seletividade e hipersensibilidade em relação à textura dos alimentos, o que relacionamos ao sentido do tato. Em vista das necessidades e dificuldades individuais, cada terapeuta desenvolveu um programa de atendimento individual que buscava a integração das respostas motoras reflexas, o desenvolvimento neuro-motor, desenvolvimento dos sentidos, noção espacial, 9. STEINER, R., Antropologia Meditativa, cap. 3, SP, Ed. Antroposófica, 1997.

9 visando a melhora da representação mental. Além disso, baseados em nossas avaliações, foram feitos encaminhamentos para profissionais de outras áreas tais como Massagem Rítmica, Quirofonética, Ortóptica. Tabela 6 - Resultados obtidos. RENDIMENTO ESCOLAR COMPORTAMENTO SOCIAL AUTOCONSCIÊNCIA Alfabetizou-se, rendimento escolar melhorou Variável Melhorou muito Melhorou a principio, piorou com as dificuldades familiares Melhorou na classe, passou a apresentar entristecimento junto com dificuldades familiares Começou a dissociar seus sentimentos do ambiente Alfabetizou-se Melhorou Melhorou Melhorou a princípio, voltou a decair Melhorou Melhorou Melhorou muito Melhorou Melhorou CONCLUSÃO O rendimento escolar melhorou, sendo que as crianças não receberam nenhum tipo de reforço escolar. Entendemos que essa melhora se deu pelo trabalho realizado com os elementos necessários para facilitar a representação mental, a geografia corporal, a noção espacial e a consciência da tridimensionalidade, através da organização do sistema postural, do desenvolvimento neuro-motor e dos sentidos. As crianças atendidas melhoraram sua capacidade de lidar com as informações visuais e auditivas que recebiam, integrando-as, e assim facilitando o processo de aprendizado. O comportamento social também apresentou melhora que foi atribuída, em parte, ao desenvolvimento dos sentidos. O sentido do tato melhorou a noção de limite, tanto corporal, como relacional; o sentido vital ajudou-os a se aquietarem, uma vez que podiam estar confortáveis em suas corporalidades; o movimento aquietou-se devido à melhora da consciência corporal, e os movimentos vindos do meio externo passaram a interferir menos sobre a movimentação própria. A melhora do equilíbrio favoreceu a quietude e a segurança, possibilitou a presença de referência interna. Uma melhor percepção de si em contraposição ao ambiente fez com que as crianças lidassem de forma mais autônoma com seus impulsos. O método Extra-Lesson, usado em conjunto com as demais intervenções terapêuticas, forneceu subsídios para que os sintomas do TDAH fossem atenuados,

10 auxiliando os pacientes na integração consigo mesmos mas, principalmente, com a família e a escola. Apesar de não ser esse nosso primeiro objetivo, observamos que também atingimos alterações de comportamento significativas a partir da organização estrutural das crianças atendidas. A organização postural é adquirida pela criança durante os primeiros sete anos de vida através do meio ambiente que a cerca e de seus cuidadores, o que nos leva a questionar a forma como temos conduzido nossas crianças culturalmente, uma vez que o número delas que apresenta comportamentos de TDA/H parece aumentar dia após dia. Bibliografía complementar: 1. AMEN D.G., Transforme seu Cérebro, transforme sua vida: um Programa revolucionário para vencer a ansiedade, a depressão, a obsessividade, a raiva e a impulsividade, SP, Ed. Mercuryo, 2000. 2. BENCZIK E.B.P., Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade, SP, 2ª Ed., Casa do Psicólogo, 2002. 3. BENCZIK E.B.P., Manual da Escala de Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade, SP, Casa do Psicólogo, 2002. 4. HALLOWELL E.M., e RATEY J.J., Tendência à Distração: Identificação e Gerência do Distúrbio do Déficit de Atenção da Ifância à Vida Adulta, RJ, Ed. Rocco, 1999. 5. KONIG, K., Os três primeiros anos da criança, SP, Ed. Antroposófica, 4ª. Ed., 2006. 6. LENT R., Cem bilhões de neurônios, SP, Ed. Atheneu, 2005. 7. MC ALLEN, Audrey, Método Extra Lesson, Vol.2, SP, Ed. Antroposófica, 2006. 8. SCHWARTZMAN J.S., Transtorno de Déficit de Atenção, SP, Ed. Memnon, 2001. 9. STEINER, R. Psicosofía Psicología del cuerpo alma y espíritu, Buenos Aires, Ed. Antroposófica, 1ª. Ed.,2005. 10. SILVA A.B.B., Mentes Inquietas: entendendo melhor o mundo das pessoas distraídas, impulsivas e hiperativas, SP, Ed. Gente, 2003. 11. WAGNER, F. Rudolf, La dyslexia y su hijo, México, Ed. Diana, 1978. AUTORIA Rosana Cristina Torlay Fonoaudióloga, Formação em Pedagogia Waldorf, Formação em Reorganização Neuro-Funcional, Formação em Recursos Especiais em Pedagogia Waldorf (Extra-lesson), Atua em consultório na Casa 44. Regina Célia Salvetti Bióloga, Formação em Pedagogia Waldorf, Formação em Pedagogia Curativa, Formação em Recursos Especiais em Pedagogia Waldorf (Extra-lesson), Experiência como Pedagoga Curativa em Educação Infantil na Associação Beneficente Parsifal.