PSICOMOTRICIDADE RELACIONAL NA EDUCAÇÃO INFANTIL: A EVOLUÇÃO DAS CRIANÇAS



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Transcrição:

PSICOMOTRICIDADE RELACIONAL NA EDUCAÇÃO INFANTIL: A EVOLUÇÃO DAS CRIANÇAS Ana Eleonora Sebrão Assis* RESUMO Este trabalho é resultado do estágio supervisionado III do curso de pós-graduação lato-sensu em Psicomotricidade Relacional, realizado em uma instituição de Educação Infantil de Porto Alegre, no primeiro semestre de 2010, com oito crianças com idades entre 1 e 2 anos, com a duração de quinze sessões. Tem por objetivo fazer uma revisão bibliográfica da obra de André e Anne Lapierre, O adulto diante da criança de 0 a 3 anos: Psicomotricidade Relacional e formação da personalidade (2002), no tema A evolução das crianças, fazendo um paralelo com a evolução das crianças atendidas no estágio. O trabalho apresenta ainda uma contextualização da criança de 1 a 2 anos na perspectiva de Piaget e Gallahue e Ozmun, demonstrando ao final as semelhanças e diferenças observadas. Palavras-chave: Psicomotricidade Relacional. Educação Infantil. Evolução. *Ana Eleonora Sebrão Assis é graduada em Educação Física, especialista em Natação e Educação Física Pré-Escolar e Escolar. É aluna do curso de Pós-Graduação lato-sensu: Formação Especializada em Psicomotricidade Relacional Centro Internacional de Análise Relacional (CIAR) e Faculdade de Artes do Paraná (FAP) É professora da Secretaria Municipal de Esportes, Recreação e Lazer de Porto Alegre e também da Universidade Luterana do Brasil Ulbra campus Guaíba. E-mail: anaassis.ez@terra.com.br

2 INTRODUÇÃO A prática da Psicomotricidade Relacional com crianças em idades tão tenras é desafiadora e prazerosa, pois cada sessão é recheada de descobertas pessoais e do mundo. As crianças de 1 a 2 anos estão no início da caminhada que as levará a dominar o ambiente em que vivem. Sua atividade é muito intensa, tanto no campo motor, quanto no afetivo, e suas relações com o mundo estão impregnadas de fantasia. Neste período a criança vive cada dia intensamente, e suas descobertas vão fazendo parte do repertório que, sem saber, estão montando gradativamente. As experiências vividas são únicas e intransferíveis, como escreve Madalena Freire (1984, p. 15) [...] o ato de conhecer é tão vital como comer ou dormir, e eu não posso comer ou dormir por alguém. [...] assim, a busca do conhecimento não é preparação para nada, e sim VIDA, aqui e agora. Na prática deste estágio, Já nas primeiras sessões percebi o quanto era diferente a caminhada de cada criança: o ritmo, a busca pelo material; a exploração do espaço; o contato com as outras crianças... mas em especial, a aproximação do meu corpo. Apenas duas crianças me acessavam livremente, enquanto as outras me observavam, se esquivavam, ficavam imóveis ou indiferentes. Era uma comunicação basicamente visual, pouco tônica. A palavra ainda não era dominada pelas crianças, apenas sons significativos e gestos expressivos. Mas ao mesmo tempo em que as crianças evoluíam de maneira diferente, havia uma semelhança sutil entre elas. Busquei na literatura da Psicomotricidade Relacional a obra de André e Anne Lapierre (2002) que relata a experiência vivida por eles com crianças da mesma faixa etária com que trabalhei, e então fui compreendendo melhor o que se passava no setting do meu estágio. Além disso busquei também contextualizar a criança nos dois primeiros anos de vida, tendo como foco seu desenvolvimento e capacidades motoras.

3 A CRIANÇA DE 0 A 2 ANOS A criança, ao nascer, é caracterizada por reagir aos estímulos do ambiente de forma automática, a partir dos reflexos que já traz consigo como ferramenta de sobrevivência. Aos poucos estes reflexos vão regredindo e dando lugar a movimentos intencionais, que agem na criança nos aspectos locomotores, manipulativos e estabilizadores. A atividade motora passa a ser cada vez mais intensa, oportunizando que a criança explore o ambiente e os objetos que dele fazem parte. Piaget denomina este período como sensório-motor, onde a criança aprende por meio de suas interações corporais com o mundo, amplia seu deslocamento espacial, modifica sua postura corporal em resposta aos inúmeros desafios que se apresentam, e principalmente se diferencia e se percebe. Segundo Freire (1997, p. 33): Para Piaget, a partir do momento em que as funções nervosas permitem à criança libertar-se dos automatismos, aquilo que era reflexo começa a dar lugar ao aprendido. Ou seja, aparece no indivíduo o comportamento inteligente, os esquemas motores correspondendo, no plano da inteligência corporal, às representações mentais ou pensamentos no plano da inteligência conceitual. Do ponto de vista do desenvolvimento motor, GALLAHUE (2005, p.59) situa esta faixa etária como fase dos movimentos rudimentares. Esta fase é subdividida em dois estágios: o estágio de inibição dos reflexos (de 0 a 1 ano aproximadamente) e o estágio de pré-controle (de 1 a 2 anos aproximadamente): No estágio de pré-controle as crianças aprendem a obter e a manter seu equilíbrio, a manipular objetos e a locomover-se pelo ambiente com notável grau de proficiência e controle, considerando-se o curto período que tiveram para desenvolver essas habilidades. PSICOMOTRICIDADE RELACIONAL Esta prática pedagógica foi criada há 45 anos pelo francês André Lapierre e destaca-se como uma ferramenta importante no processo de desenvolvimento

4 integral das crianças, já que ao longo das sessões elas enfrentam novos desafios, experimentam materiais específicos (bolas, cordas, tecidos, bambolês, bastões, caixas, jornal) e vivenciam sentimentos ligados à descoberta e resolução de problemas. Através desta atividade as crianças exercitam sua criatividade, brincam espontaneamente e convivem melhor com seus colegas, pois a socialização decorrente faz com que percebam as habilidades e respeitem as diferenças entre elas. EVOLUÇÃO DAS CRIANÇAS André e Anne Lapierre documentaram suas experiências com Psicomotricidade Relacional em uma escola de Educação Infantil,durante o período de dois anos, na França. Ali trabalharam com crianças de 0 a 3 anos e registraram suas impressões e percepções acerca do que foi vivido, tanto pelas crianças quanto pelos adultos envolvidos. No decorrer desses dois anos foi surgindo pouco a pouco um esquema de evolução comum ao conjunto do grupo, ao conjunto das crianças. Certamente este esquema não é linear ou monolítico; há em todas as crianças períodos de ambivalência, de regressão, há ritmos diferentes de uma para outra, evoluções bloqueadas, retardadas, atípicas. Mas dessa diversidade depreendemos uma certa coerência, que pode servir, não de norma, mas sim de linha diretriz, assinalada por fases muito características. (2002, p. 65) Os autores então estabeleceram seis fases evolutivas - inibição; agressividade; domesticação; fusionalidade; agressividade simbólica e, jogo e independência. Na primeira fase - Inibição - as crianças não estão ainda acostumadas a adultos que ficam à disposição, sem propor nenhuma atividade, com o seu corpo ao alcance do delas. Então ficam confusas e se colocam distantes, apenas se comunicam com o olhar. Segundo André e Anne Lapierre (2002, p.66) os objetos servem de pretexto para uma comunicação à distância, mas também podem ser utilizados para a criança se refugiar numa atividade solitária. Esta é a fase predominante nas primeiras sessões.

5 Na segunda fase agressividade - muitas crianças passam inicialmente por esta forma de relação, em que a agressão contra o adulto é aparentemente gratuita. Ele é agredido porque representa ser símbolo da autoridade, do poder, mas esta agressão não é racional, é apenas uma pulsão do seu inconsciente, que provoca produções imaginárias em que ele é o lobo, o bicho, um ser ameaçador. Todas as crianças guardam em si essas fantasias, esses desejos agressivos, mas para que possam exprimi-los é preciso que o adulto os compreenda e os aceite (2002, p. 67). Na terceira fase - domesticação a criança se sente livre para matar o adulto, já que ele perdeu seu poder. A partir desse momento existe uma inversão de papéis: se antes o adulto era o lobo, agora passa a ser um animal domesticável, cavalo, gatinho, que as crianças podem manipular. Elas então passam a impor seu desejo de mandar neste adulto, domando-o, cavalgando-o, prendendo-o com cordas, fazendo entrar nas caixas, etc. (2002, p. 72) Na quarta fase fusionalidade a criança procura situações de bem-estar, de prazer corporal e calor afetivo. Pode ocorrer logo após a liberação da carga agressiva. A criança procura um contato estreito com o adulto, como se fosse dentro dele. Este momento é garantido pelo adulto que não deixa que nada interfira nessa relação. (2002, p. 73). Na quinta fase agressividade simbólica a agressão torna-se um jogo de provocação, de pedidos e respostas. A criança já não procura machucar e então finge, controla os seus gestos. Agora ela não depende tanto do adulto e começa a estabelecer mais relações com as outras crianças. (2002, p. 76). Na sexta fase jogo e independência as crianças são capazes de estruturar brincadeiras e jogos entre si, sem a participação do adulto, ainda que eventualmente precisem da habilidade e ajuda dele. Estão independentes e plenos. (2002, p.77). CONSIDERAÇÕES FINAIS Analisar a prática realizada faz com que tenhamos uma nova perspectiva do que foi vivido. Assim pude perceber que as quinze sessões não foram suficientes

6 para que as crianças passassem por todas as fases citadas por André e Anne Lapierre. É claro que não cabe aqui fazer um comparativo com o trabalho realizado por eles, visto que o tempo de um e de outro são desiguais, assim como a realidade das crianças em contextos históricos diferentes, mas o relato que deixaram pode ser utilizado como uma referência. Faço então a análise da evolução das crianças por mim atendidas. Iniciando pelo desenvolvimento motor, na perspectiva de Gallahue e Ozmun, é importante salientar que todas as crianças demonstravam estar no estágio de précontrole da fase dos movimentos rudimentares, pois já se deslocavam com habilidade pelo espaço físico e manipulavam os materiais com habilidade. Quanto ao desenvolvimento infantil na perspectiva piagetiana, as crianças demonstravam estar no período sensório-motor, pois realizavam interações corporais com os materiais, deslocavam-se por toda a sala, criavam movimentos corporais para enfrentar os desafios com que se deparavam. Em relação às fases evolutivas de André e Anne Lapierre, cinco crianças ficaram muito tempo na primeira fase, a inibição, não chegando a vivenciar as fases seguintes; outras duas já iniciaram o processo na fase da domesticação, passando pela agressividade simbólica e chegando ao jogo e independência, e uma criança iniciou pela fase da fusionalidade, alternando com jogo e independência no decorrer do processo. No entanto, sabendo que todas elas estão centradas em si mesmas, descobrindo o próprio corpo e seus desejos, procurei, com a Psicomotricidade Relacional, oferecer materiais e situações onde pudessem vivenciar plenamente suas fantasias, oferecendo meu corpo como parceiro nesta relação e buscando com o olhar garantir suas conquistas e afirmações. Gostaria de ter mais tempo para elas, para poder vê-las mais independentes e seguras no contato corporal comigo e com as outras crianças, pois com certeza a Psicomotricidade Relacional foi uma ferramenta facilitadora neste processo de descoberta de si e do mundo.

7 REFERÊNCIAS FREIRE, Madalena. A paixão de conhecer o mundo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1984. FREIRE, João Batista. Educação de corpo inteiro: teoria e prática da Educação Física. São Paulo: Scipione, 1997. GALLAHUE, David & OZMUN, John. Compreendendo o desenvolvimento motor: bebês, crianças, adolescentes e adultos. 3e. São Paulo: Phorte, 2005. LAPIERRE, André & LAPIERRE, Anne. O adulto diante da criança de 0 a 3 anos: Psicomotricidade Relacional e formação da personalidade. 2e. Curitiba: Ed. da UFPR: CIAR, 2002. RABINOVICH, Shelly Blecher. O espaço do movimento na Educação Infantil: formação e experiência profissional. São Paulo: Phorte, 2007. VIEIRA, J.L.,BATISTA, M.I.B. & LAPIERRE, A. Psicomotricidade Relacional: a teoria de uma prática. 2e. Curitiba: Filosofart, 2005.