Partículas: a dança da matéria e dos campos. Aula 14 Simetrias Simetrias 2. Grupos e suas propriedades 3. Rotações no espaço-tempo

Documentos relacionados
INE5403 FUNDAMENTOS DE MATEMÁTICA DISCRETA

INE5403 FUNDAMENTOS DE MATEMÁTICA DISCRETA

Capítulo II Relatividade Newtoniana

Lista de Exercícios de Cálculo 3 Primeira Semana

O que é Supersimetria?

aula6 Projeções Planas 2017/2 IC / UFF

Capítulo I Introdução

aula9 Coordenadas homogêneas e projeções 2016/2 IC / UFF

Problemas de Duas Partículas

Unidade 14 - Operadores lineares e mudança de base nos espaços euclidianos bi e tri-dimensionais

Mecânica Clássica Curso - Licenciatura em Física EAD. Profº. M.Sc. Marcelo O Donnell Krause ILHÉUS - BA

(Mini) Apostila de Teoria de Grupos. Dimiter Hadjimichef

Álgebra Linear I - Aula Bases Ortonormais e Matrizes Ortogonais

54 CAPÍTULO 2. GEOMETRIA ANALÍTICA ( ) =

Simetrias C, P e T para férmions

Partículas: a dança da matéria e dos campos

54 CAPÍTULO 2. GEOMETRIA ANALÍTICA ( ) =

Partículas: a dança da matéria e dos campos

Instituto de Física UFRJ

Geometria Analítica. Geometria Analítica 28/08/2012

Centro de Ciências Exatas Departamento de Física Ano Letivo

(Ciência de Computadores) 2005/ Diga quais dos conjuntos seguintes satisfazem o Princípio de Boa Ordenação

No caso do campo, mesmo dentro de um volume finito, a energia total dada pela soma de todos estes modos zero é infinita: ( compare com 33.

NOTAS DE AULAS DE FÍSICA MODERNA

Capítulo 2 Vetores. 1 Grandezas Escalares e Vetoriais

Partículas: a dança da matéria e dos campos

Preliminares de Cálculo

FÍSICA-MATEMÁTICA RUDI GAELZER (INSTITUTO DE FÍSICA - UFRGS)

NOTAS DE AULAS DE FÍSICA MODERNA

Apresentar o conceito de grupo, as primeiras definições e diversos exemplos. Aplicar as propriedades dos grupos na resolução de problemas.

Partículas: a dança da matéria e dos campos

31/05/2017. Corpo rígido. 4 - A Dinâmica do corpo rígido TÓPICOS FUNDAMENTAIS DE FÍSICA. Coordenadas do corpo rígido. Coordenadas do corpo rígido

quinta-feira, 12 de julho de 12

PROGRAMA DE NIVELAMENTO ITEC/PROEX - UFPA EQUIPE FÍSICA ELEMENTAR DISCIPLINA: FÍSICA ELEMENTAR CONTEÚDO: VETORES

Jorge M. V. Capela, Marisa V. Capela. Araraquara, SP

PORQUÊ SIMETRIAS?! Crença de que essas simetrias espelhavam a natureza Leis de Newton e invariância de Galileu

Exame de Ingresso na Pós-graduação

Dado um inteiro positivo n, definimos U(n) como sendo o conjunto dos inteiros positivos menores que n e primos com n. Não é difícil ver que a

Geradores e relações

QFL 2144 Parte 3A: Ressonância magnética nuclear

1 Segmentos orientados e vetores, adição e multiplicação

Universidade de Aveiro Departamento de Electrónica, Telecomunicações e Informática. Transformações 2D

a) A soma algébrica dos valores das cargas positivas e negativas em um sistema isolado é constante.

Partículas: a dança da matéria e dos campos

Álgebra Linear /2 Turma EM1 (unificada)

Simetrias na Mecânica Quântica

Tópicos de Física Clássica I Aula 9 O teorema de Noether; constantes de movimento

Sílvia Mara da Costa Campos Victer Concurso: Matemática da Computação UERJ - Friburgo

MAT 105- Lista de Exercícios

Álgebra Linear. Prof. Ronaldo Carlotto Batista. 20 de março de 2019

Material Teórico - Módulo: Vetores em R 2 e R 3. Produto Vetorial. Terceiro Ano - Médio

A eq. de Schrödinger em coordenadas esféricas

Teoria Clássica de Campos

Curso de CG 2018/2 IC / UFF

produto completamente antissimétrico Definindo a terminologia, dado um bilinear texto pseudo-vetor ou vetor axial tensor antissimétrico

CAPÍTULO 11 ROTAÇÕES E MOMENTO ANGULAR

Curso de CG 2019/1 IC / UFF

Teoria de Grupos e Simetria Cristalina

Física I 2010/2011. Aula 13 Rotação I

Teoria Quântica de Campos I 195 Da mesma forma podemos obter a linha externa do fóton (usando a expansão da pag 149):

Fundamentos Matemáticos de Computação Gráfica

Transformações de Pontos. Computação Gráfica Prof. Dr. Paulo Roberto Gomes Luzzardi Aluna: Karina da Silva Salles

1 Grupos (23/04) Sim(R 2 ) T T

Descrições Espaciais e Transformações

Lista de Exercícios 1: Eletrostática

Física Quântica. Aula 11: Spin do Elétron, Princípio de Exclusão de Pauli. Pieter Westera

Mudança de Coordenadas

Como Entender a Física Quântica em 8 Passos! Passos

ROBÓTICA TRANSFORMAÇÕES MATRICIAIS. Prof a. Dra. GIOVANA TRIPOLONI TANGERINO Tecnologia em Automação Industrial

Apresentações com base no material disponível no livro: Atkins, P.; de Paula, J.; Friedman, R. Physical Chemistry Quanta, Matter, and Change

aula8 Transformações Geométricas no Plano e no Espaço 2016/2 IC / UFF

1 Matrizes Ortogonais

A B C A 1 B 1 C 1 A 2 B 2 C 2 é zero (exceto o caso em que as tres retas são paralelas).

Computação Gráfica. Engenharia de Computação. CEFET/RJ campus Petrópolis. Prof. Luis Retondaro. Aula 3. Transformações Geométricas

1 O Átomo de Hidrogênio

Visualização por Computador: Teoria, Prática e Aplicações

Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro / PUC-Rio Departamento de Engenharia Mecânica. ENG1705 Dinâmica de Corpos Rígidos.

aula6 2018/2 IC / UFF Como representar objetos 3D em dispositivos 2D?

PLANO DE ATIVIDADE ACADÊMICA NOME

Fundamentos da Eletrostática Aula 01 Introdução / Operações com Vetores

JORNADA DE FÍSICA TEÓRICA. U.N.E.S.P. 19 a

Energia potencial elétrica

Transformações Geométricas em C.G.

PLANO DE ATIVIDADE ACADÊMICA NOME

Regras de Feynman no espaço dos momentos (Euclideano): Regras de Feynman para a matriz S (Minkowski / Momentos):

Geometria Analítica? Onde usar os conhecimentos. os sobre Geometria Analítica?

Mecânica Geral Aula 02. Prof. Ettore Baldini-Neto

CENTRO DE CIÊNCIAS E TECNOLOGIA AGROALIMENTAR UNIDADE ACADÊMICA DE TECNOLOGIA DE ALIMENTOS DISCIPLINA: FÍSICA I ROTAÇÃO. Prof.

interação forte (no interior dos núcleos) não depende das massas nem das cargas elétricas

TRANSFORMAÇÕES LINEARES

Tensores Cartesianos

MAT 112 Vetores e Geometria. Prova SUB C

Instituto Superior Técnico Departamento de Matemática Última actualização: 18/Nov/2003 ÁLGEBRA LINEAR A

CAPÍTULO 1 Operações Fundamentais com Números 1. CAPÍTULO 2 Operações Fundamentais com Expressões Algébricas 12

Capítulo 11 Rotações e Momento Angular

Força elétrica e Campo Elétrico

Teoria de Cordas. Nelson R. F. Braga. Instituto de Física UFRJ. Tópicos em Física Geral I, 14 de junho de

Aula 12. (quase) Tudo sobre os átomos. Física Geral F-428

PROPRIEDADES ONDULATÓRIAS DO ELÉTRON

Transcrição:

Partículas: a dança da matéria e dos campos Aula 4 Simetrias - 3. Simetrias. Grupos e suas propriedades 3. Rotações no espaço-tempo

Simetrias Já discutimos o uso de simetria em arte e a importância desse conceito em conexão com as leis da mecânica clássica. No caso do mundo do muito pequeno, as leis de simetria desempenham um papel adicional, na medida em que elas determinam processos que podem ou não ocorrer, colocando ordem no aparente caos gerado pelas incertezas quânticas. Recapitulando:. Conservação da energia invariância por translações temporais.. Conservação do momento linear invariância por translações espaciais, 3. Conservação do momento angular invariância por rotações.

Simetrias As raias espectrais do átomo de hidrogênio não são aleatórias, elas apresentam uma regularidade que se manifesta na cabalística - pelo menos até o momento - expressão de Rydberg: (/l)=(f/c)=r H ((/(k²))-(/(n²))) onde n,k: inteiros; n>k. Na verdade, como veremos quando estudarmos o átomo de hidrogênio, aspectos essenciais dessa expressão estão ligados à invariância rotacional do átomo de H.

Multipletos Num outro setor do mundo do muito pequeno, o da partículas elementares, elas também se agregam em conjuntos - nome técnico correto: multipletos - de massas e demais propriedades muito semelhantes. Um exemplo: o próton e o nêutron Se desconsiderarmos o fato de que o próton tem carga e o nêutron não, eles se comportam como um multipleto de dois estados: as massas são muito parecidas (m próton =938.7 MeV/c m nêutron =939.57 MeV/c ), assim como o são diversos outros comportamentos sob a ação da interação nuclear forte.

Teoria de Grupos Antes de avançarmos na discussão sobre o papel das simetrias nas leis da Física, pode ser adequado um pequeno desvio para falar da matemática conexa à idéia de simetria, a teoria de grupos. Um grupo é definido como um conjunto de operações/ações/transformações (genericamente: elementos ou membros do grupo) que se combinam através de um produto ou lei de multiplicação. Exemplo de transformação: a rotação de uma esfera em torno de um eixo que passe pelo seu centro. Para que um conjunto de elementos constitua um grupo, a lei de multiplicação deve ser tal que as seguintes propriedades ocorram:. Se a e b pertencem ao grupo, então a b também pertence.. É associativa: a (b c)=(a b) c. 3. Existe um elemento identidade, e, tal que: a e=e a=a. 4. Para cada elemento existe um inverso, a -, tal que: a a - =e.

Teoria de grupos: alguns exemplos O conjunto dos números inteiros sob a ação da operação de adição. O conjunto das operações de simetria em um triângulo equilátero:. Rotações de π em torno dos eixos A, B e C (R A, R B e R C respectivamente);. Rotação de π/3 no sentido horário em torno de um eixo perpendicular ao plano da figura e passando pelo baricentro do triângulo (R + ); 3. Rotação de π/3 no sentido anti-horário em torno do mesmo eixo (R - ), além do operação identidade.

Teoria de grupos: alguns exemplos Usando uma notação adequada aos nossos propósitos:. e=(3) representa a identidade (explicitando: o vértice à direita é, o o superior é e à esquerda é 3;. (3) ª R A : a rotação em torno de A (exemplificando: o vértice à direita é, aquele à esquerda é 3 e o superior continua sendo ) 3. (3) ª R B : a rotação em torno de B; 4. (3) ª R C : a rotação em torno de C; 5. (3) ª R + : a rotação horária; e 6. (3) ª R - :a anti-horária. A figura a seguir apresenta as operações de simetria do triângulo equilátero, rotulando-as com essas notações

Teoria de grupos: alguns exemplos 3 B C e R + R - (3) (3) (3) 3 3 3 A 3 Referência R C R A R B (3) (3) (3) 3 3

Referência Teoria de grupos: alguns exemplos B C (3) (3) (3) e (3) e 3 3 3 3 A 3 3 Atuando com (3) (3)(3) (3) e (3) (3) (3) 3 3

Teoria de grupos: alguns exemplos e=(3) (3) (3) (3) (3) (3) e=(3) e (3) (3) (3) (3) (3) (3) (3) (3) e (3) (3) (3) (3) (3) e (3) (3) (3) (3) (3) (3) (3) (3) e (3) (3) (3) (3) (3) (3) (3) e (3) (3) (3) (3) (3) (3) (3) e

Teoria de grupos: alguns exemplos O conjunto das permutações de três elementos: 3 3 3 3 3 3 3 3 3 3 3 3 Todos os grupos mencionados anteriormente são finitos (ou discretos), isto é: tem um número finito de elementos.

Teoria de grupos: alguns exemplos Existem também grupos contínuos:. O grupo de translações em uma dimensão: x x+a. O grupo de rotações em duas dimensões: x y = x = x + cosθ senθ a senθ cosθ x y

Teoria de grupos: alguns exemplos Alguns grupos são equivalentes entre si (isomorfos): p q=r e P Q=R. Exemplos:. Os inteiros 0 e sob a operação de adição módulo. Os inteiros + e - sob a operação de multiplicação. 3. As permutações de dois objetos:

Teoria de grupos: alguns exemplos = 0+0=0 = 0+= (-)= +0= - =- +=0 - -= = = =

Mais exemplos Mais um exemplo de grupos isomorfos:. O grupo das permutações de três elementos e o grupo das operações de simetria de um triângulo eqüilátero. Usando a notação que definimos para as operações de simetria do triângulo eqüilátero e comparando essas operações com as do grupo de permutações de três elementos, pode-se ver claramente que ambos grupos são isomorfos. Na verdade, a maior razão para ter introduzido a notação (3), (3), etc, foi tentar facilitar essa comparação. Há grupos tais que a b=b a (isto é, vale a propriedade comutativa).. Esses grupos recebem o nome de grupos abelianos.. Um exemplo de grupo não abeliano: o grupo de rotações em 3D (note que rotações em duas dimensões são comutativas!).

Rotações 3D como grupo não abeliano O caráter abeliano das rotações bi-dimensionais e o não abeliano das tridimensionais. Rotações formam um grupo.

Mais propriedades de grupos Grupos são entidades matemáticas abstratas e admitem representações, i.e. uma particular realização do grupo. Matrizes são, em geral, representações convenientes; por exemplo, a matriz é uma representação do grupo de rotações em duas dimensões cosθ senθ senθ cosθ

Mais Grupos As representações são elas mesmas utilizadas para caracterizar o comportamento de sistemas sob a ação das operações de simetria do grupo. Em outras palavras, as propriedades de simetria do sistema são rotuladas pelas representações do grupo. Exemplificando no caso do grupo de rotações: uma esfera é um singleto sob rotações espaciais (em outras palavras, a esfera é um invariante sob rotações).

Classificação dos Grupos Os matemáticos trataram de classificar todos os grupos contínuos:. Simetrias rotacionais de esferas com dimensões em N coordenadas reais: O(), SO(3) [o grupo de rotações em 3D], SO(4), SO(5)..., SO(N). Simetrias rotacionais de esferas que vivem em N coordenadas complexas: U() [ O()], SU() [ SO(3)], SU(3),..., SU(N) SU(): Grupo especial unitário em duas dimensões; uma representação particular deste grupo está associada a uma característica dos constituintes do núcleo atômico (próton e nêutron), que é o isospin: se não levarmos em conta que o próton é carregado e o nêutron não é, ambas partículas podem ser encaradas como estados de uma mesma partícula denominada núcleon. Além disso, é também o grupo associado ao spin. SU(3): Grupo especial unitário em três dimensões; associado à interação forte, que age entre os quarks, mediada pelos glúons. 3. Simetrias de osciladores harmônicos em N dimensões (nada terão com as discussões que travaremos ao longo da disciplina): Sp(), Sp(4),..., Sp(N) 4. Grupos Excepcionais: G, F 4, E 6, E 7, E 8. Alguns destes grupos excepcionais têm nexos com aspectos da teoria de cordas.

Rotações no espaço-tempo Uma característica importante da rotações e que ficou mascarada na discussão anterior é o conceito de invariante: a quantidade D²=x²+y²+z² é o que se chama de um invariante sob rotações (já discutimos isso no caso de rotações no plano). A este invariante está associada a idéia de que a esfera é um escalar (i.e., invariante) sob rotações, pois uma esfera é definida como o lugar geométrico dos pontos cuja distância a um dado centro é constante. Sob um ponto de vista mais formal, o grupo de rotações pode ser definido como o conjunto de operações que deixam inalterada a quantidade D²=x²+y²+z². Falaremos mais sobre isso na próxima aula.