Caso Clínico ANGIOSSARCOMA DA MAMA APÓS RADIOTERAPIA BREAST ANGIOSSARCOMA AFTER RADIOTHERAPY
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- Maria Luiza Carvalho de Vieira
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1 ANGIOSSARCOMA DA MAMA APÓS RADIOTERAPIA Leonor Ramos 1, Pedro Simões 2, Miguel Gouveia 1, Neide Pereira 3, José Carlos Cardoso 3, Américo Figueiredo 4 1 Interna(o) da Formação Específica em Dermatovenereologia/Resident, Dermatology and Venereology, Serviço de Dermatologia e Venereologia do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra 2 Interno de Ortopedia e Traumatologia/Resident, Orthopaedics and Traumatology Department, Serviço de Ortopedia e Traumatologia do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra 3 Assistente de Dermatovenereologia /Consultant of Dermatology and Venereology, Serviço de Dermatologia e Venereologia do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra 4 Director do Serviço de Dermatologia e Venereologia do Centro Hospitalar Universitário de Coimbra/Professor of Dermatology and Venereology and Head of the Dermatology Department, Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra Centro Hospitalar Universitário de Coimbra/Coimbra University, Portugal Trabalho apresentado como Poster no 13º Congresso da SPDV (2013); Presented as a Poster at the 13 rd Congress of SPDV, 2013 RESUMO O angiossarcoma da mama é uma neoplasia pouco frequente que se pode classificar em 3 grupos: primário, secundário a linfedema crónico e secundário a radioterapia (RT). Tem por norma mau prognóstico, com má resposta a cirurgia e quimioterapia (QT). Uma doente do sexo feminino foi observada com placa de coloração eritematoviolácea, com halo equimótico periférico, de consistência muito endurecida, que ocupava a mama direita com 8 meses de evolução. Havia história prévia de carcinoma ductal invasivo da mama direita, submetido a tumorectomia e RT local adjuvante 5 anos antes. A biópsia incisional revelou proliferação vascular nodular e difusa, com atipia citológica marcada e expressão intensa de CD31, CD34 e factor VIII, compatível com angiossarcoma pós-rt. A doente foi encaminhada para a Unidade de Tumores Ósseos e de Tecidos moles, tendo iniciado RT e QT neo-adjuvante, sem resposta significativa. Está neste momento a aguardar tratamento com pazopanib. PALAVRAS-CHAVE Angiossarcoma; Neoplasias da mama; Radioterapia. BREAST ANGIOSSARCOMA AFTER RADIOTHERAPY ABSTRACT Breast angiosarcoma is a rare tumor that can be divided in 3 groups: primary, secondary to chronic lymphoedema and secondary to radiotherapy (RT). It has a poor prognosis and a bad response to surgery and chemotherapy (QT). A female patient was observed with a very indurated erythematous-violaceous plaque, with an ecchymotic halo that occupied the right breast, and was evolving for 8 months. The patient had history of breast cancer, treated with surgery (tumourectomy) and local RT 5 years before. The incisional biopsy showed a vascular proliferation, arranged in nodules but also with diffuse growing, with cytological atypia and strong expression of CD31, CD34 and factor VIII, consistent with post-rt angiosarcoma. The patient begun RT and QT, but had no significant clinical response. She is now waiting for approval to begin pazopanib. KEY-WORDS Breast neoplasms; Hemangiosarcoma; Radiotherapy. Conflitos de interesse: Os autores declaram não possuir conflitos de interesse. No conflicts of interest. 593
2 Suporte financeiro: O presente trabalho não foi suportado por nenhum subsídio ou bolsa. No sponsorship or scholarship granted. Direito à privacidade e consentimento escrito / Privacy policy and informed consent: Os autores declaram que pediram consentimento ao doente para usar as imagens no artigo. The authors declare that the patient gave written informed consent for the use of its photos in this article. Recebido/Received - Agosto/August 2014; Aceite/Accepted Setembro/September 2014 Correspondência: Dr.ª Leonor Castendo Ramos Serviço de Dermatologia e Venereologia Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra Praceta Mota Pinto Coimbra, Portugal leonoricr@gmail.com INTRODUÇÃO Os angiossarcomas são tumores de origem endovascular raros 1, sendo a mama uma das localizações mais frequentes. Podem ser classificados em angiossarcomas primários e secundários. Os angiossarcomas primários perfazem cerca de 0,04% de todos os tumores da mama 1, afectando doentes de idade mais jovem (20-40 anos). Os angiossarcomas secundários podem estar associados a linfedema crónico ou ser induzidos por radioterapia (RT). Existem múltiplos casos descritos de angiossarcomas mamários em doentes submetidas a cirurgia conservadora associada a RT por neoplasia da mama. Os angiossarcomas secundários atingem doentes com idade mais avançada, com uma média de idade de 68 anos 1, sendo a incidência estimada 0,05-0.2%.1 O período de latência é variável, com um tempo médio de 4,9-12,5 anos 1,2. Os angiossarcomas primários e secundários têm apresentações clínicas semelhantes: placas ou nódulos, com alterações da tonalidade cutânea, adquirindo frequentemente um aspecto equimótico 3. O diagnóstico desta entidade é difícil e muitas vezes retardado, não só pela sua raridade mas também pela clínica inicialmente inocente, o que torna difícil a diferenciação entre angiossarcoma e alterações cutâneas induzidas pela RT. eritematoviolácea, com halo equimótico periférico, de consistência muito endurecida, que ocupava toda a extensão da mama direita, estendendo-se à região axilar direita (Fig.s 1 e 2). A lesão evoluía desde há 8 meses com crescimento progressivo. Não se palpavam adenopatias locoregionais. Como antecedentes relevantes destacava-se história de carcinoma ductal invasivo da mama direita (G1) em 2008, com receptores de estrogénios positivos e receptores de progesterona e C-ERB negativos. Como tratamento da neoplasia da mama foi realizada tumorectomia, RT local adjuvante (dose total 50Gy CASO CLÍNICO Uma doente do sexo feminino de 61 anos de idade é observada com uma placa de coloração Fig 1 - Placa eritemato-violácea com halo equimótico periférico que ocupa toda a extensão da mama direita. 594
3 Fig 2 - Lesão endurecida e infiltrada com extensão à região axilar direita. Fig 4 - A. Diferenciação vascular com vasos angulados que dissecam os feixes de colagénio; B. Células epitelióides volumosas com atipia citológica e células fusiformes hipercromáticas. Fig 3 - Proliferação vascular na derme superficial e profunda, com disposição nodular e intersticial. em 25 fracções seguido de um boost de 16Gy em 8 fracções) e tratamento hormonal com anastrazol. A doente mantinha seguimento regular em consultas de Ginecologia, sem intercorrências relevantes. A ecografia mamária e mamografia não mostravam alterações significativas, pelo que se optou por se proceder a biópsia incisional. O estudo anatomo- -patológico revelou proliferação vascular na derme superficial e profunda, com disposição nodular ou intersticial (Fig. 3). Observava-se diferenciação vascular com vasos angulados que dissecavam os feixes de colagénio (Fig. 4). As células tinham aspecto epitelióide, eram muito volumosas e apresentavam atipia citológica, detectando-se também células fusiformes hipercromáticas. A actividade mitótica era elevada 595
4 (12 mitoses/10cga). A imunohistoquímica mostrou expressão intensa de CD31, CD34 e factor VIII, compatível com o diagnóstico de angiossarcoma pós-rt. Dada a extensão da lesão e consequente inoperabilidade, a doente foi encaminhada para a Unidade de Tumores Ósseos e de Tecidos Moles. Foi submetida a QT neo-adjuvante (doxorrubicina e dacarbazina associadas a ifosfamida, seguidas de docetaxel e gencitabina) associada a RT (50,4Gy/28F), durante o período total de um ano, para posterior intervenção cirúrgica (mastectomia bilateral). Apesar do tratamento agressivo houve progressão da doença, com crescimento da lesão cutânea para a região axilar e aparecimento de múltiplas ulcerações, pelo que a lesão se mantém inoperável. A doente aguarda neste momento aprovação para iniciar pazopanib. DISCUSSÃO Os angiossarcomas pós-rt são actualmente reconhecidos como uma importante, embora rara, complicação da RT, com uma incidência cumulativa de 0.9:1000 durante um período de 15 anos 4. Os sarcomas induzidos pela RT têm habitualmente comportamento agressivo, sendo na sua maioria tumores de alto grau 1,3. O período de latência entre a RT e o diagnóstico de angiossarcoma é habitualmente longo, com uma média de 4,9-12,5 anos, havendo no entanto casos descritos de maior e menor períodos de latência (desde 1 até 41 anos) 2,3. A sua etiologia permanece controversa, havendo autores que advogam que a RT induz dano irreversível de DNA, com consequente transformação metaplásica. O edema crónico após cirurgia e RT pode também ter um papel no desenvolvimento desta neoplasia de origem vascular 2. O angiossarcoma pós-rt é um tumor cutâneo que atinge a derme dos locais previamente irradiados, desenvolvendo-se muito ocasionalmente no parênquima mamário 3, apresentando-se estes últimos como massas mal definidas e assimétricas. A maioria dos angiossarcomas induzidos por RT surge em doentes que foram sujeitas a doses entre 40-50Gy, sendo difícil estabelecer uma relação entre a dose de irradiação total, a dose fraccionada individual e desenvolvimento do tumor. Esta dificuldade deve-se não só à raridade desta entidade, mas também à dificuldade de obtenção de informações epidemiológicos correctas, dado o longo período de latência entre o tratamento primário e o desenvolvimento do angiossarcoma 1. Os angiossarcomas apresentam-se habitualmente como lesões cutâneas ou subcutâneas, planas ou nodulares, indolores, de tonalidade violácea ou azulada semelhante a equimose, que podem ser facilmente confundidas com angiomas, hematomas ou lesões vasculares atípicas pós-rt 1. O espessamento cutâneo do angiossarcoma pode ser facilmente mal interpretado como sequela de cirurgia e RT. A média do tamanho tumoral é cerca de 7,5cm, podendo variar amplamente (0,4-20cm), e podem ser mesmo multifocais 3,4. Pela sua inespecificidade clínica, e pelo facto de habitualmente não haver um alto índice de suspeição, o seu diagnóstico definitivo é frequentemente atrasado durante vários meses. A ecografia mamária e a mamografia são tipicamente normais ou inespecíficas, sendo difícil a destrinça com espessamento cutâneo pós-rt com estes exames complementares de diagnóstico 3. O estudo histopatológico adquire pois um papel fulcral no diagnóstico desta entidade. O espectro histológico varia desde tumores bem diferenciados (que mimetizam lesões vasculares benignas) a tumores malignos indiferenciados. Os tumores bem diferenciados apresentam canais vasculares irregulares interanastomosantes que infiltram e dissecam o tecido circundante, envolvem o estroma de colagénio e formam estruturas papilares. As alterações citológicas são por regra discretas (ligeiro pleomorfismo, nucléolos proeminentes, mitoses). Os angiossarcomas moderadamente a pouco diferenciados associam alterações citológicas e arquitecturais. As células tumorais podem ser epitelióides, fusiformes ou pleomórficas. A arquitectura pode ser vascular infiltrante, kaposiforme ou mesmo sólida. Nos tumores pouco diferenciados a imunohistoquímica ganha particular importância. A positividade para CD 31, CD 34 e factor VIII indica origem vascular, confirmando o diagnóstico de angiossarcoma 4. Estudos mais recentes revelaram também que a amplificação do gene MYC (um oncogene que promove a angiogénese) se observa nos angiosarcomas induzidos pela RT mas não noutros tipos de proliferações vasculares (nomeadamente nas lesões vasculares atípicas pós-rt, que constituem o principal problema de diagnóstico diferencial dos angiossarcomas bem diferenciados, sobretudo em presença de biopsias de pequena dimensão). Esta amplificação pode ser detectada por métodos moleculares como o FISH (fluorescence in-situ hybridization) ou por imunohistoquímica 5. Além disso, a imunohistoquímica para a proteína MYC poderá ser útil não só no diagnóstico diferencial, mas também a vir a 596
5 ter aplicação terapêutica ao permitir avaliar as margens da ressecção tumoral 6. A ressonância magnética nuclear, apesar de não ser utilizada como ferramenta diagnóstica, é importante na avaliação da extensão da lesão e planeamento operatório 2. Dado o seu comportamento agressivo, carácter altamente infiltrativo e multifocalidade, o tratamento de primeira linha é a ressecção cirúrgica alargada, independentemente do tipo histológico 4. Deverá pois ser realizada mastectomia radical, com eventual reconstrução mamária com retalho do latissimus dorsal. O tratamento conservador está associado a recorrências precoces e metastização, pelo que não deve ser utilizado. O tratamento adjuvante com QT parece ter um papel na redução na taxa de recorrência local. Os esquemas clássicos incluem doxorrubicina (isolada ou em associação a ifosfamida); e docetaxel ou vinorelbina associado a gencitabina 6. Os angiossarcomas são sensíveis aos taxanos (docetaxel) e doxorrubicina lipossómica, podendo ser considerados alternativas aos esquemas tradicionais 3,7. Apesar de antagónico, existem alguns estudos encorajadores relativamente ao uso de RT hiperfraccionada no tratamento dos angiossarcomas de alto grau pós-rt, com diminuição tumoral importante em tumores com crescimento rápido 1,3,7. Estudos mais recentes referem estabilização da doença com a utilização de agentes anti-angiogénicos como pazopanib e sorafenib (inibidores da actividade tirosina-cinase dos receptores do VEGF), embora os dados sejam ainda limitados 7,8. Os angiossarcomas secundários têm mau prognóstico. A sobrevivência é cerca de 1,5-2,5 anos, com taxas de recorrência de 70%, estando intimamente relacionadas com a extensão da ressecção cirúrgica. A incidência de angiossarcoma pós-rt tem vindo aumentar, uma vez que o tratamento cirúrgico conservador e o recurso a RT no tratamento das neoplasias da mama é cada vez mais frequente. Pela sua raridade, e pelo facto de os aspectos clínicos e imagiológicos não serem muitas vezes esclarecedores, o diagnóstico de angiossarcoma é muitas vezes retardado alguns meses. É pois necessário um alto índice de suspeição perante uma lesão relativamente inespecífica em local previamente irradiado. Os autores salientam a importância de realização precoce de biópsia lesional em caso de dúvida, para que se proceda a um diagnóstico precoce e consequente tratamento atempado. REFERÊNCIAS 1. Tahir M, Hendry P, Baird L, Qureshi NA, Ritchie D, Whitford P. Radiation induced angiosarcoma a sequela of radiotherapy for breast cancer following conservative surgery. Int Semin Surg Oncol. 2006; 3: Moe M, Bertelli G. Breast angiosarcoma following lumpectomy and radiotherapy for breast cancer: a case with short latent period and false negative results on biopsies. Ann Oncol. 2007; 18: Glazebrook K, Magut M, Reynolsd C. Angiosarcoma of the breast. AJR. 2008; 190; Lucas DR. Angosarcoma, radiation-associated angiosarcoma, and atypical vascular lesion. Arch Patol Lab Med. 2009; 133: Fernandez AP, Sun Y, Tubbs RR, Goldblum JR, Billings SD. FISH for MYC amplification and anti-myc immunohistochemistry: useful diagnostic tools in the assessment of secondary angiosarcoma and atypical vascular proliferations. J Cutan Pathol. 2012; 39: Mentzel T, Schild Haus HU, Palmedo G, Kutzner H. Postradiation cutaneous angiosarcoma after treatment of breast carcinoma is characterized by MYC amplification in contrast to atypical Vascular Lesions after radiotherapy and control cases. [consultado em 26 Jun 2014]. Disponível em: www. medscape.com/viewarticle/757418_print. 7. Voutsadakis IA, Zalman LS. Breast sarcomas: Current and future perspectives. The Breast. 2011; 20: Casali PG. Histology- and non-histology-driven therapy for treatment of soft tissue sarcomas. Ann Oncol. 2012; 23 (Suppl 10):
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