Estudo Transversal sobre o Controle da Pressão Arterial no Serviço de Nefrologia da Escola Paulista de Medicina - UNIFESP
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- Maria Vitória Furtado Cunha
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1 Arq Bras Cardiol Artigo Original Freitas e cols Estudo Transversal sobre o Controle da Pressão Arterial no Serviço de Nefrologia da Escola Paulista de Medicina - UNIFESP João Batista de Freitas, Agostinho Tavares, Osvaldo Kohlmann Jr, Maria Tereza Zanella, Artur Beltrame Ribeiro São Paulo, SP Objetivo - Observar as taxas de controle da hipertensão arterial em serviço especializado universitário e a influência do sexo, diabetes, obesidade e estratégias de seu tratamento. Métodos - Estudo transversal, de pacientes em acompanhamento médico, no mínimo por seis meses, com dados coletados de prontuários médicos e de enfermagem, de sexo, idade, peso, altura, circunferências abdominal e do quadril, pressão arterial, classe e quantidade de anti-hipertensivos prescritos. Para a obesidade, usou-se o índice de massa corpórea e a relação cintura/quadril. Considerou-se a pressão arterial controlada quando os níveis pressóricos estivessem abaixo de 140/90mmHg. Resultados - Estudaram-se 73% de mulheres e 27% de homens. A faixa etária de maior concentração (31,7%) para as mulheres estava entre 50 e 59 anos, e para os homens (28,3%) entre 60 e 69anos. A taxa de controle pressórico encontrada foi de 20,9% entre os pacientes e de 23,4% entre os hipertensos diabéticos (n=290). Apesar das baixas taxas de controle, 70% dos pacientes usavam um a dois anti-hipertensivos. Houve uma alta prevalência de obesos (38%) e as mulheres apresentaram maior índice de obesidade abdominal do que os homens (90% vs 82%, p<0,05). Entre eles, os de maior índice de massa corpórea tiveram controle menor da pressão arterial. Conclusão - O percentual de hipertensos com níveis pressóricos controlados foi baixo e está associado à alta prevalência de obesidade. Os dados apontam para a necessidade de uma revisão das estratégias de tratamento global para o hipertenso. Palavras-chave: hipertensão arterial, controle da pressão arterial, tratamento Universidade Federal de São Paulo - Escola Paulista de Medicina Correspondência: Agostinho Tavares - Disciplina de Nefrologia - Rua Botucatu, São Paulo, SP - Recebido para publicação em 31/5/01 Aceito em 12/9/01 A prevalência estimada da hipertensão arterial no Brasil é de 15 a 20% 1. Segundo dados oficiais de 1996, as doenças cardiovasculares são a principal causa de morbi-mortalidade no país 2. Apesar da hipertensão arterial se constituir no principal fator de risco para tais doenças, pouco se conhece sobre seu controle no Brasil. O montante de hipertensos controlados varia de 4 a 12%, dependendo dos critérios utilizados 3. Entre os pacientes em tratamento farmacológico, no entanto, o percentual de controlados atinge 20 a 50% 3-6. Esses dados são conflitantes com a literatura internacional que refere taxas de controle mais baixas para pacientes em tratamento. Entre os países desenvolvidos, os EUA, na sua última investigação, apresentam a maior taxa de controle (27,4%) 7, enquanto que a Inglaterra, a menor (5,9%) 8. Já entre os países em desenvolvimento, a Índia e o Zaire apresentam taxas tão baixas quanto 9% e 2,5%, respectivamente 8. Por essas razões, objetivamos analisar as taxas de controle da pressão arterial em pacientes tratados farmacologicamente na Clínica de Hipertensão da Disciplina de Nefrologia da Escola Paulista de Medicina - UNIFESP. Analisamos ainda a influência do sexo, obesidade, diabetes e a estratégia farmacológica utilizada sobre o controle da hipertensão arterial. Métodos O estudo constitui-se num corte transversal sobre o controle pressórico, realizado em pacientes com mais de 18 anos e cadastrados na Clínica de Hipertensão Arterial da Disciplina de Nefrologia, no Hospital do Rim e Hipertensão, atendidos pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Os critérios de inclusão compreendiam acompanhamento regular por pelo menos seis meses e hipertensão arterial primária. Foram excluídos os pacientes que estavam participando de algum protocolo clínico e os portadores de hipertensão arterial secundária. Os parâmetros foram coletados diretamente do prontuário médico e de enfermagem no dia da consulta, no período de janeiro a maio de Arq Bras Cardiol, volume 79 (nº 2), ,
2 Freitas e cols Arq Bras Cardiol Neste trabalho foram analisados parâmetros demográficos, antropométricos e clínicos. Os dois primeiros incluíram sexo, a idade em anos, o peso em quilogramas (kg), a altura em metros (m) e as circunferências do abdômen e do quadril em centímetros (cm). Derivados desses, calculamos o índice de massa corpórea pela fórmula: Peso (kg)/quadrado da altura (m) 9 e a relação cintura/quadril 10. A classificação de obesidade baseou-se no índice de massa corpórea, seguindo os critérios da Organização Mundial de Saúde 11 : abaixo do peso normal (<18,5), normal (18,5-24,9), pré-obeso (25-29,9), obeso I (30-34,9), obeso II (35-39,9) e obeso III ( 40). Os critérios de obesidade abdominal utilizados foram os pontos de corte de 0,95 para os homens e de 0,85 para as mulheres 12. Os parâmetros clínicos estudados incluíram os valores pressóricos sistólicos (pressão arterial sistólica) e diastólicos (pressão arterial diastólica) em mmhg, do número e das classes de medicamentos anti-hipertensivos receitados e do diagnóstico de diabetes mellitus. Para os valores da pressão arterial foram consideradas as médias de duas ou mais medidas, na posição sentada. Os critérios diagnóstico, de estratificação e de controle da hipertensão arterial seguiram as recomendações do III Consenso Brasileiro de Hipertensão Arterial 1 : pressão arterial normal (<130/85mm Hg), limítrofe ( /85-89mmHg), hipertensão leve ( / 90-99mmHg), moderada ( / mmHg), grave ( 180/110mmHg) e hipertensão sistólica isolada ( 140/ <90mmHg). Para os pacientes diabéticos, os valores de corte para a normalidade foram de 130/85mmHg e considerados diabéticos os indivíduos que apresentassem glicemia de jejum >126mg/dL ou em tratamento com hipoglicemiantes orais ou insulina. As classes dos anti-hipertensivos foram definidas como: diuréticos (tiazídicos, poupadores de potássio e de alça), simpatolíticos (beta-bloqueadores, alfa2- agonistas e alfa1-bloqueadores), bloqueadores dos canais de cálcio, inibidores da enzima de conversão da angiotensina I e os antagonistas da angiotensina II. Para a análise dos resultados, usou-se o teste t de student para a comparação de duas médias quantitativas e o teste de qui-quadrado para a análise de dados categóricos. Fixou-se em 5% o nível de rejeição da hipótese de nulidade. Resultados Tabela I Idade e índices de avaliação de obesidade nos pacientes estudados, agrupados por sexo. Característica Homens Mulheres Todos sexo os pacientes n = 329 (27%) n = 881 (73%) n = (100%) Idade 54,7 ± 13,9 55,5 ± 11,8 55,3 ± 12,4 (20 86) (20 88) (20 88) IMC 28,6 ± 4,5 29,2 ± 5,2 29 ± 5 (18,9 49,4) (13,5 52,7) (13,5 52,7) RCQ 1 ± 0,1 0,93 ± 0,1 - (0,81 1,16) (0,73 1,15) * IMC- índice de massa corpórea; RCQ- relação circunferência abdominal e circunferência do quadril; valores expressos em média ± desviopadrão; valores extremos (mínimo e máximo). Tabela II Distribuição percentual dos pacientes (n=1.210) por sexo segundo faixas etárias. Idade Homens Mulheres ,8 2, , ,4 20, ,9 31, ,3 27, ,7 9, ,9 1,5 Total A tabela I mostra as características demográficas e antropométricas dos pacientes estudados, distribuídos em 329 (27%) homens e 881 (73%) mulheres, com média das idades de 55,3±12,4 anos, e muito semelhante em ambos os sexos. A maior parte dos homens encontrou-se na faixa de anos, e a das mulheres na faixa de anos (tab. II). Os valores médios do índice de massa corpórea mostramnos que a população estudada encontrava-se no limite da faixa de pré-obesidade e obesidade (29±5), e que as mulheres tinham um valor pouco acima da dos homens, com significância estatística marginal (p=0,051). A distribuição do índice de massa corpórea está representada na figura 1, onde se nota que a maioria (68%) encontrava-se nas faixas de pré-obesidade e obesidade I. Ainda, os dados antropométricos revelam que os pacientes atendidos apresentavam, na sua maioria, obesidade centrípeta. Quando, no entanto, comparamos os valores da relação cintura/quadril entre homens e mulheres, observamos que um número maior de mulheres encontrava-se acima dos valores recomendados do que os homens (p<0,05) (fig. 1). Em nossa população de hipertensos, 20,9% dos pacientes apresentavam controle da hipertensão arterial, enquanto a maior parte apresentava níveis compatíveis com hipertensão leve e moderada (fig. 2). A proporção de pacientes controlados entre homens e mulheres apresentou-se bastante semelhante (22,1% e 20,4% respectivamente). Para os hipertensos e diabéticos, a porcentagem de indivíduos controlados foi bastante semelhante, quando consideramos os valores abaixo de 140/90mmHg como limite da normalidade (24,4%). No entanto, devido aos valores de controle diferentes da população geral, apenas 13,4% dos hipertensos diabéticos apresentavam pressão arterial adequadamente controlada (fig. 2). O controle e a distribuição dos valores pressóricos também variaram em função dos índices de quantificação de obesidade. A figura 3 mostranos que o controle da pressão arterial diminui e a proporção de hipertensos graves aumenta à medida que o índice de massa corpórea avança de obesidade I à obesidade III. Observamos que para 70% dos pacientes foram prescritos um ou dois medicamentos para o controle da pressão arterial, sendo que um terço deles estava em monoterapia (fig. 4). Ao analisarmos os níveis pressóricos dos pacientes 118
3 Arq Bras Cardiol Freitas e cols Obeso classe III Obeso classe II Obeso classe I Pré-obeso Peso normal Abaixo do peso Fig. 1 - Distribuições percentuais dos pacientes (n=1.210) pelo índice de massa corpórea e pela relação cintura/quadril segundo o sexo. Fig. 2 - Distribuição percentual dos pacientes hipertensos e hipertensos diabéticos pelos níveis pressóricos. * (p < 0,05) vs homens. Fig. 3 - Distribuição percentual dos pacientes obesos (n=460) pelo índice de massa corpórea e níveis pressóricos. em monoterapia observamos que os indivíduos dos grupos diuréticos e simpatolíticos não apresentavam hipertensão grave, ao contrário de bloqueadores dos canais de cálcio, inibidores da enzima de conversão e antagonistas da angiotensina II (fig. 5). Discussão A análise de prontuários médicos e de enfermagem, de indivíduos hipertensos, revelou que a grande maioria (73%) em nosso serviço era composta por mulheres. 119
4 Freitas e cols Arq Bras Cardiol Fig. 4 - Distribuição percentual dos pacientes (n=1.210) de acordo com o número de drogas anti-hipertensivas prescritas. Esse dado não parece ser explicado pelo fato das mulheres terem mais disponibilidade de ir ao serviço médico, pois dados recentes do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram que as mulheres participam igualmente com os homens da força de trabalho 13. Costa e cols. aventaram a hipótese de que as mulheres seriam mais conscientes que os homens em relação à sua doença e seriam mais aderentes ao tratamento 14, o que pode ser parcialmente corroborado pela nossa análise, pois o maior percentual da população masculina situou-se na faixa etária dos 60 aos 69 anos, ao passo que as mulheres tiveram um maior percentual na faixa dos 50 aos 59 anos, sugerindo que elas procuram serviço médico com mais antecedência. Em relação aos dados antropométricos, chamou-nos a atenção os elevados valores médios do índice de massa corpórea. Ao separarmos o índice de massa corpórea por categorias, constatamos que 38% da população era obesa e apenas 19,6% situavam-se dentro dos valores normais. Embora a prevalência de obesidade venha aumentando no Brasil e em outros países 11, a observada no estudo é muito maior do que a da população brasileira em geral, visto que os dados do IBGE de 1996/7 indicam uma taxa de obesidade de 12,4% para a população da região sudeste 15. Nossos dados provavelmente se baseiam no fato de que a obesidade é um fator de risco para a hipertensão arterial 16, e de que os serviços universitários tendem a aglutinar pacientes de maior risco. Embora o índice de massa corpórea não tenha divergido entre homens e mulheres, a relação cintura/quadril mostrou uma maior obesidade abdominal na população feminina. Vários fatores podem explicar esse achado. Dados recentes mostram que as mulheres em menopausa têm um maior ganho de peso, principalmente às custas da gordura visceral e subcutânea da região abdominal 17,18. Toth e cols. 19 observaram que as mulheres entradas recentemente em menopausa, apresentavam 28% a mais da gordura corpórea total, 49% a mais da gordura visceral e 22% a mais da gordura subcutânea abdominal, em relação a mulheres em pré-menopausa. Observando-se a distribuição por faixa etária das mulheres deste estudo, podemos concluir que a grande maioria encontrava-se em menopausa (70,4% acima de 50 anos). Além disso, outros fatores como o número de filhos, o nível sócio-econômico, o grau de escolaridade, etc., também podem contribuir para a maior deposição de gordura abdominal 17. Esses fatores, contudo, não foram avaliados neste estudo. O controle da pressão arterial, abaixo dos valores de 140/ 90mmHg, como recomendam o III Consenso Brasileiro de Hipertensão 1 e os principais consensos internacionais 7,20, mostrou-se abaixo das nossas expectativas. Apenas 20,9% dos hipertensos analisados, mostravam-se com níveis tensionais dentro da normalidade. Os diabéticos hipertensos apresentavam um controle ainda pior. Apenas 13,4% deles tinham a pressão arterial aos níveis recomendados, isto é, abaixo de 130/85mmHg 1. Dados internacionais e nacionais também mostram um pobre controle da hipertensão arterial 3,7,8. Todavia, alguns dados brasileiros, regionais e com amostragens bem inferiores aos anteriores, mostram índices de controle pressóricos melhores. Fuchs e cols. encontraram 35,5% dos hipertensos controlados num estudo realizado no Rio Grande do Sul 6. Outros autores brasileiros 21,22 ainda mostram taxas de controle como 32 e 50%. Embora, em média, essas taxas de controle também não sejam promissoras, os nossos dados surpreendem pelo fato de se tratar de um serviço universitário, altamente especializado, com atendimento multiprofissional, fornecendo parcialmente medicação aos seus doentes. Observando-se o trabalho de Silva e cols. 5, que analisaram os índices de controle dos níveis tensionais, apenas pela pressão diastólica, em um serviço universitário, concluíram que 32,9% dos hipertensos apresentavam controle da pressão arterial. Não podemos, contudo, comparar nossos resultados com os de Silva e cols 5, devido às metodologias empregadas. Enquanto esses autores analisaram os índices de controle dos níveis tensionais apenas para a pressão diastólica, nosso trabalho incluiu a avaliação da pressão arterial sistólica. Não obstante às dificuldades de se comparar dados dessa natureza, entre os diversos trabalhos, a dificuldade de se controlar a pressão arterial é nítida. Vários fatores podem contribuir para esse pobre controle, incluindo desde a adesão do paciente ao tratamento proposto, até a eficácia do próprio tratamento. Chamou-nos a atenção a quantidade de medicamentos prescritos à nossa população estudada. A grande maioria dos pacientes (70%) tomava apenas um ou dois anti-hipertensivos, e 42,1% dos pacientes encontravam-se nos estágios 2 ou 3 de hipertensão (moderada ou grave). O estudo HOT 23 mostra-nos que para pacientes com níveis tensionais médios (161/98mmHg) houve a necessidade de associações medicamentosas em 63% deles, a fim de reduzir a pressão arterial para 144/85mmHg. Para se controlar a pressão arterial sistólica para 140mmHg, nesse estudo, a porcentagem de pacientes em associações de 120
5 Arq Bras Cardiol Freitas e cols Fig. 5 - Distribuição percentual dos pacientes em monoterapia (n= 210) pelos níveis pressóricos. 121
6 Freitas e cols Arq Bras Cardiol anti-hipertensivos foi de 74%. Assim, nossos dados sugerem que o tratamento anti-hipertensivo medicamentoso no nosso serviço tem sido insuficiente, principalmente para o hipertenso diabético que necessita valores pressóricos menores. Por outro lado, a grande maioria dos médicos e os próprios pacientes acreditam que a hipertensão arterial leve a moderada possa ser facilmente controlada com monoterapia. Essa percepção vem mudando com os últimos ensaios clínicos que tentam controlar a pressão arterial aos níveis recomendados 23,24. Finalmente, os nossos dados mostram que os pacientes que se encontravam em monoterapia, não apresentavam hipertensão grave se estivessem tomando diuréticos (99% tiazídicos) ou simpatolíticos (95% beta-bloqueadores). Esse aparente controle mais eficaz não é devido à maior eficiência dos diuréticos ou simpatolíticos, pois se sabe que todas as classes recomendadas para a monoterapia têm eficácia hipotensora semelhante 1. Provavelmente, o custo do medicamento explique esse fato, já que, não havendo a possibilidade eventual de fornecê-los, o paciente teria condições de adquiri-los, o que não aconteceria com os demais hipotensores que são mais caros. Em conclusão, acreditamos que os baixos índices de controle da pressão arterial no nosso serviço se devam às várias dificuldades de se tratar a hipertensão arterial, à maior gravidade da população atendida, à alta prevalência de obesidade encontrada e ao tratamento medicamentoso pouco agressivo. Torna-se claro que a instituição de um tratamento anti-hipertensivo com enfoque global é necessário para a melhoria dos índices de controle da pressão arterial. Referências 1. III Consenso brasileiro de hipertensão arterial. Rev Bras Clin Terap 1998; 24: Brasil. Ministério da Saúde. PNECHA. Doenças cardiovasculares. [Capturado 12 de outubro de 2000]. Disponível: cardio.htm 3. Brasil. Ministério da Saúde. Controle da hipertensão arterial. 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