O DOENTE CRÍTICO NUM SERVIÇO DE URGÊNCIA PEDIÁTRICO
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- Manuella Carla Flores
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1 FACULDADE DE MEDICINA DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA O DOENTE CRÍTICO NUM SERVIÇO DE URGÊNCIA PEDIÁTRICO José Filipe Caetano Silva 1 Patrícia Alexandra Batista Mação 1,2 Fernanda Rodrigues 1,2 1. Mestrado Integrado em Medicina, Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra, Portugal 2. Serviço de Urgência, Hospital Pediátrico, Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, Portugal jozesilv@gmail.com 1
2 RESUMO: Introdução: O atendimento de doentes críticos nos serviços de urgência pediátricos (SUP) é pouco frequente, mesmo em hospitais terciários, no entanto estes devem estar preparados para identificar e estabilizar este tipo de doentes, de todas as idades e com patologia variada. Foi objectivo deste estudo caracterizar o perfil do doente crítico observado num SUP, de forma a otimizar a organização e gestão do serviço e as competências dos profissionais. Métodos: Estudo retrospetivo de 5 anos ( ), efectuado num SUP polivalente. Foram incluídos todos os episódios de crianças/adolescentes (<18 anos) triados com prioridade I (cor vermelha), de acordo versão portuguesa adaptada da escala de triagem Canadian Paediatric Triage and Acuity Scale (PaedCTAS). Foram analisadas variáveis demográficas, períodos de observação, proveniência e tipo de transporte, antecedentes patológicos, queixa principal e diagnóstico, orientação no SU e evolução clínica. Foi feita analise estatística com recurso a SPSS 23. Resultados: Foram incluídos 178 episódios, com distribuição crescente ao longo dos anos (mediana 37 casos/ano). A idade mediana foi 6,2 anos (AIQ 2,3-13,3), e 62,9% eram do sexo masculino. Houve admissão de doentes críticos em todas as horas mas com maior número de casos no período da tarde, entre 16 e 24 horas (53,4%). Em 65,6% dos casos foi utilizado transporte medicalizado e em 24,3% meios próprios. A atribuição de triagem nível I foi determinada por trauma em 33,7% dos casos, dificuldade respiratória em 23,0%, convulsão em 22,5% e alteração do estado de consciência em 10,7%. Foram realizados exames complementares de diagnóstico em 86,0%. Em 12 casos (6,7%) foram efectuadas manobras de ressuscitação cardiopulmonar. O diagnóstico final mais frequente foi trauma (38,2%). Registaram-se sete óbitos (3,9%) no SU, todos com trauma grave. Em seis casos havia registo de 2
3 paragem cardio-respiratória pré-hospitalar. A maioria dos casos teve evolução favorável, no entanto registaram-se 17 óbitos no global (9,6%). O diagnóstico de trauma (p=0,001), o transporte medicalizado (p=0,003) e a paragem cardio-respiratória (p<0,001) foram os fatores que se associaram a mortalidade. Não se verificaram diferenças significativas na evolução tendo em conta a idade, sexo e período de observação. Discussão e conclusão: Os doentes críticos são raros no SUP, no entanto apresentaram, neste estudo, uma tendência crescente. O diagnóstico mais frequente foi trauma. A mortalidade foi baixa, mas fortemente associada ao diagnóstico trauma, transporte medicalizado e paragem cardio-respiratória prévia. É importante implementar medidas de prevenção de acidentes na comunidade e optimizar o funcionamento das equipas de emergência, que devem ter um carácter multidisciplinar e treino contínuo em ressuscitação e trauma. Palavras-chave: doente crítico; pediatria; serviço urgência; trauma ABSTRACT Introduction: Critically ill patients in pediatric emergency departments (PED) are rare, even in tertiary care hospitals, however these departments should be prepared to identify and stabilize these patients, with a variety of ages and pathology. The objective of this strudy was to characterize the critically ill patient profile that presents to PED, in order to optimize the organization of the department and professionals skills. Methods: Retrospective study of 5 years ( ), performed in a tertiary PED. All the episodes of children and teenagers (<18 years) sorted as priority I (red color), according to the portuguese adapted version of the Canadian Paediatric Triage and Acuity Scale (PaedCTAS) were included. Demographic variables, observation periods, 3
4 place of origin and transportation, relevant pathologic background, major complaint and final diagnosis, management in the PED and outcome were analyzed. Statistical analysis with SPSS 23. Results: 178 episodes were included, with increasing distribution over the years (median 37 cases/year). The median age was 6,2 years (AIQ 2,3-13,3), and 62,9% were male. Critically ill patients were admitted in every hour of the day, but the largest number of cases were during the afternoon period between 16 and 24 hours (53,4%). In 65,6% of cases medical transportation were used and 24,3% were bought by own means of transportation. The attribution of triage level I was determined by trauma in 33,7% of cases, respiratory distress in 23,0%, seizure in 22,5% and altered mental status in 10,7%. In 12 cases (6,7%) cardiopulmonary resuscitation maneuvers were performed. Trauma was most frequent final diagnosis (38,2%). There were 7 deaths (3,9%) in the PED, all with severe trauma. In 6 cases there were records of pre-hospital cardiopulmonary arrest (CPA). The majority had a good outcome, however 17 deaths (9,6%) were recorded in total. Diagnosis of trauma (p=0,001), medical transportation (p=0,003) and cardiopulmonary arrest (p<0,001) were the factors related with mortality. There were no significative differences in mortality related to age, sex and observation period. Discussion/Conclusions: Critically ill patients are rare in PED, however in this study, they appeared to be increasing. Trauma was the most frequent diagnosis. Mortality was low, but strongly associated with the diagnosis of trauma, medical transportation and CPA. 4
5 It is important to implement measures of accident prevention in the community and optimize emergency teams, which should be multidisciplinary and have continuous training in resuscitation and trauma. Keywords: critically ill; pediatrics; emergency services; trauma 5
6 Introdução Os serviços de urgência pediátricos (SUP) têm como missão a prestação de cuidados médicos e cirúrgicos emergentes ou urgentes às crianças com idade inferior a 18 anos. As emergências, ou doentes críticos, são definidos como os atendimentos com um maior grau de complexidade para a sua resolução e que apresentam risco de vida ou risco de sequelas graves permanentes. O prognóstico nestes casos depende da monitorização e intervenção terapêutica imediata e sistemática. O atendimento de doentes críticos nos SUP é pouco frequente, representando menos de 1% do total de admissões. (1,2,3) Esta é uma situação transversal à maioria os SUP, em Portugal e em vários países da Europa, mesmo em hospitais terciários de referência para este tipo de doentes. (1,3) Apesar da maioria das observações em urgência serem situações banais e autolimitadas, os SUP devem estar preparados para identificar e estabilizar crianças gravemente doentes, de todas as idades e com todo o tipo de patologia, desde causas infecciosas a trauma grave. A sobrelotação das urgências hospitalares com casos não urgentes, interfere com a dinâmica de funcionamento dos próprios serviços, tornando claramente necessários sistemas de triagem que permitam identificar e prestar prontamente cuidados adequados nos casos verdadeiramente urgentes. Existem várias escalas de triagem para a idade pediátrica, sendo as mais usadas a Manchester Triage System (MTS) e a Canadian Paediatric Triage and Acuity Scale (PaedCTAS) ambas com cinco níveis de prioridade. É também reconhecida a importância da existência de equipas de emergência prédefinidas e dedicadas, com treino em situações graves, incluindo trauma e ressuscitação, na abordagem de doentes pediátricos críticos, com impacto positivo na evolução clínica e prognóstico. (4) 6
7 Este estudo pretende caracterizar o perfil do doente crítico observado num SUP pediátrico, de forma a poder otimizar a organização e gestão do serviço e as competências dos profissionais envolvidos neste atendimento. 7
8 Material e Métodos Foi efetuado um estudo observacional descritivo com colheita de dados retrospetiva, no Serviço de Urgência do Hospital Pediátrico, Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra (HP), referente a um período de cinco anos (de fevereiro de 2011 a janeiro de 2016). Trata-se de um SUP polivalente, referência para a região centro do país, com cerca de 63 mil atendimentos/ano e cuja idade limite para admissão é de 17 anos e 365 dias. Foram incluídos no estudo todos os episódios referentes a crianças e adolescentes triados com prioridade I (cor vermelha), de acordo versão portuguesa adaptada da escala de triagem PaedCTAS. Esta escala classifica os doentes em cinco níveis (I a V), com prioridade decrescente, aos quais atribui um tempo de espera aconselhado para atendimento médico: nível I (imediato); nível II (15 minutos); nível III (30 minutos); nível IV (60 minutos); nível V (120 minutos). (5) São classificados com nível I de prioridade os seguintes casos: paragem cardíaca ou respiratória, dificuldade respiratória grave, choque, perda de consciência com escala de Glasgow menor ou igual a 9 pontos, convulsão ativa, trauma grave e comportamento bizarro incontrolado ou comportamento iminente de auto-agressão ou agressão de outros. Foram analisadas variáveis demográficas, incluindo sexo, idade e data do episódio (hora, mês e ano). Definiram-se três períodos de observação: manhã, entre as 8 e as 16 horas; tarde, entre as 16 e as 24 horas e noite, entre as 0 e as 8 horas. Recolheram-se também dados relativos à proveniência (exterior não referenciado ou transferência de outra unidade de cuidados de saúde), tipo de transporte (ambulância não medicalizada, ambulância medicalizada, helicóptero ou meio próprio); antecedentes patológicos relevantes; queixa principal que motivou triagem com nível I; diagnóstico final; 8
9 orientação no serviço de urgência, nomeadamente necessidade de manobras de ressuscitação ou cirurgia emergente, exames complementares de diagnóstico (ECD) efectuados e evolução. O registo e codificação de dados foi feito com recurso ao programa Microsoft Office Excel 2010 para Windows e a análise estatística foi realizada com o programa Statistical Package for the Social Science versão 23. Procedeu-se à caraterização da população por cálculo de medidas de tendência central e de dispersão para variáveis quantitativas e pela determinação de frequências absolutas e relativas para variáveis qualitativas. As variáveis foram correlacionadas com recurso a estatísticas descritivas. Para comparar variáveis nominais, foram utilizados os testes de qui-quadrado ou exato de Fisher, de acordo com as regras de Cochran. Em relação às variáveis numéricas foram efetuados os testes t-student (amostra paramétrica) ou U de Mann-Whitney (amostra não paramétrica) após a aplicação de um teste de normalidade (Shapiro-Wilk). Considerou-se um nível de significância de 5%. 9
10 N.º casos Resultados Durante o período de estudo foram incluídos 178 episódios triados com nível de prioridade I, correspondentes a 173 crianças. Houve três crianças responsáveis por dois episódios e uma por três. Este grupo representa 0,06% do total de admissões no SUP- HP no período em estudo. Verificou-se um ligeiro predomínio do sexo masculino (112/178, 62,9%). A idade mediana à data de admissão foi de 6 anos e 2 meses (AIQ 2,3-13,3 anos), com um mínimo de 9 dias e máximo de 17 anos e 11 meses. Cerca de metade (44,4%) dos casos tinham idade inferior a cinco anos e 39,9% eram adolescentes. A distribuição ao longo dos anos teve uma tendência crescente, com 12 casos no primeiro ano do estudo e 49 no último (mediana 37 casos/ano) (Fig. 1) Ano 1 Ano 2 Ano 3 Ano 4 Ano 5 Ano de admissão no SU Figura 1. Distribuição anual dos casos de nível I de prioridade admitidos no SU-HP (12 meses, de fevereiro a janeiro) (n=178) Na avaliação da distribuição mensal, observa-se que Janeiro foi o mês que registou maior afluência (28 casos; 15,7%) em todo o período de estudo (Fig. 2). 10
11 N.º casos Mês Figura 2. Distribuição por mês dos casos de nível I de prioridade admitidos no SU-HP (n=178) Quanto à hora de observação, 95 casos (53,4%) recorreram ao SU no período da tarde, entre as 16 e as 24 horas (Fig. 3). Embora tivesse havido admissão de doentes críticos em todas as horas do dia, destaca-se as 19 horas, na qual foram observados 19 casos (10,7%). 19,6% Noite [0-8h[ 53,4% 27,0% Manhã [8-16h[ Tarde [16-24h[ Figura 3. Distribuição por hora dos casos de nível I de prioridade admitidos no SU-HP (n=178) Relativamente ao meio de transporte, em 97 casos (65,6%) este foi transporte medicalizado (viatura médica de emergência e reanimação: VMER, helicóptero, 11
12 transporte especializado pediátrico: STEP-INEM), em 15 casos (10,1%) por ambulâncias não medicalizadas e em 36 casos (24,3%) o doente foi trazido por meios próprios. Nos restantes 30 casos (20,3%) não havia registo do meio de transporte utilizado. Foram transferidos 30 casos (16,9%) de outras unidades de cuidados de saúde. A atribuição de triagem de nível I foi determinada por trauma em 60 casos (33,7%), dificuldade respiratória em 41 (23,0%), convulsão em 40 (22,5%) e alteração do estado de consciência em 19 casos (10,7%). Em conjunto, estes quatro motivos foram responsáveis por cerca de 90% destas admissões (Tabela 1). Queixa principal n.º casos % Trauma grave 60 33,7% Dificuldade respiratória 41 23,0% Convulsão activa 40 22,5% Alteração do estado de consciência 19 10,7% Choque 6 3,4% Queimadura 4 2,2% Paragem cardio-respiratória 2 1,1% Outros 6 3,4% Total % Tabela 1. Queixa principal que motivou triagem de nível I nos casos admitidos no SU- HP (n=178) Foram realizados exames complementares de diagnóstico (ECD) em 153 casos (86,0%), predominantemente analises de sangue e exames imagiológicos. Nos casos em que não foram pedidos ECD o diagnóstico mais frequente foi patologia respiratória, nomeadamente crise de asma. Em 12 casos foram efectuadas manobras de ressuscitação cardiopulmonar (RCP) (6,7%) e em 46 casos (25,8%) intubação traqueal. Necessitaram de transfusão de glóbulos 12
13 vermelhos três casos (1,6%), de fluidoterapia 21 (11,8%), e de aminas vasoactivas 15 (8,4%). Foram submetidas a cirurgia urgente 31 casos (17,4%), nomeadamente neurocirurgica e ortopédica. O diagnóstico final mais frequente foi trauma (68 casos; 38,2%), seguido por patologia respiratória (43 casos; 24,2%) e patologia neurológica (42 casos; 23,6%) (Tabela 2). No grupo com idade inferior a cinco anos o diagnóstico mais frequente foi patologia respiratória (37,9%) e no grupo dos adolescentes foi trauma (60,3%). Diagnóstico final n.º casos % Trauma 68 38,2% Patologia respiratória 43 24,2% Patologia neurológica 42 23,6% Distúrbio metabólico/hidroelectrolítico 6 3,4% Intoxicação 5 2,8% Patologia infeciosa 4 2,2% Outros 10 5,6% Tabela 2. Diagnóstico final dos casos de nível I de prioridade admitidos no SU-HP (n=178) O tipo de trauma mais frequente foi o traumatismo crânio-encefálico (46 casos; 25,8%). A patologia respiratória mais comum foi a crise de asma com 14 casos (7,9%) e a epilepsia foi a patologia neurológica mais comum (25 casos; 14,0%). Tinham antecedentes patológicos relevantes 78 casos (43,8%), nomeadamente paralisia cerebral, epilepsia e asma. Registaram-se sete óbitos (3,9%) no SU, todos com diagnóstico de trauma grave. Em seis casos havia registo de paragem cardio-respiratória pré-hospitalar, e destes três apresentavam mídriase fixa à admissão no SU. Foram internados 126 casos (70,8%), dos quais 73 (41,0%) em cuidados intensivos, maioritariamente com diagnóstico de trauma grave (44/73) e patologia neurológica (14/73) e 23 casos (12,9%) apenas em Unidade de Internamento de Curta Duração 13
14 (UICD), sendo os diagnósticos mais frequentes a patologia neurológica (9/23) e respiratória (7/23). Em 45 casos (25,3%) foi dada alta diretamente para o domicilio, na maioria com patologia neurológica (20/45) e patologia respiratória (14/45). A maioria dos episódios teve evolução favorável (148; 83,1%), no entanto no total foram registados 17 óbitos (9,6%). Além disso, em 13 casos (7,3%) estão descritas sequelas neurológicas permanentes. Na Tabela 3 são apresentadas características do grupo de óbitos e do casos sem óbito. Óbito (n=17) Sem óbito (n=161) Idade, anos 7,7 5,9 p=0,590 Sexo masculino 12 (70,6%) 100 (62,1%) p=0,491 Período observação - Manhã - Tarde - Noite 5 (29,4%) 11 (64,7%) 1 (5,8%) 43 (26,7 %) 84 (52,1%) 34 (21,1%) p=0,780 p=0,325 p=0,201 Transporte (n=148) - Meios próprios - Ambulância - Transporte medicalizado Diagnóstico - Trauma - Patologia respiratória - Patologia neurológica (100,0%) 36 (27,1%) 15 (11,2%) 82 (61,7%) p=0,022 p=0,366 p=0, (76,5%) 2 (11,7%) 1 (5,9%) 55 (34,2%) 41 (25,5%) 41 (25,5%) p=0,001 p=0,370 p=0,078 Antecedentes patológicos 3 (17,6%) 75 (46,6%) p=0,022 Paragem cardio-respiratória - Pré-hospitalar 8 (47,1%) 7 (41,1%) 4 (2,5%) 2 (1,2%) p<0,001 p<0,001 Tabela 3. Comparação dos casos de nível I de prioridade admitidos no SU-HP de acordo com a mortalidade (n=178) Legenda: Valor de p obtido pela aplicação do teste Quiquadrado ou do teste exacto de Fisher (se pelo menos 20% das células têm um valor esperado inferior a 5) O diagnóstico de trauma (p=0,001), o transporte medicalizado (p=0,003) e a paragem cardio-respiratória (p<0,001) foram os factores que se associaram mais significativamente a mortalidade. A presença de antecedentes patológicos significativos 14
15 esteve associada a uma menor mortalidade (p=0,022). Não se verificaram diferenças significativas na evolução tendo em conta a idade, sexo e período de observação. 15
16 Discussão Estão publicados vários estudos, nacionais e estrangeiros, que caracterizam o doente pediátrico que se apresenta no SU, no entanto este é um trabalho pioneiro a nível nacional, dado ser o primeiro a focar exclusivamente o doente pediátrico crítico neste ambiente. O número de casos incluído no estudo é pequeno, inferior a 0,1% do total de admissões, e semelhante ao descrito em outros serviços com funcionamento semelhante. As percentagens mais elevadas de doentes críticos nos SUP, correspondem a cerca de 2,5% e, foram verificadas em países do norte da Europa em que a afluência aos SUP é menor por questões organizacionais. (6,7) Ainda assim, apesar do doente crítico pediátrico ser pouco frequente, pela sua gravidade, exige meios e preparação de forma a proporcionar os cuidados mais adequados, melhorando desta forma o prognóstico. A maioria dos casos admitidos era do sexo masculino, transversal ao descrito na literatura. (3,8-10) A idade foi variável, desde recém-nascidos até adolescentes, com cerca de metade dos casos com idade inferior a cinco anos (44,4%). Destaca-se também a faixa etária dos adolescentes, responsável pela maioria dos casos de trauma. Segundo o Centers for Disease Control and Prevention os acidentes são a principal causa de morte em adolescentes dos 12 aos 19 anos, e por isso considerados um problema de saúde pública. (11) Além de equipas de urgência treinadas na abordagem do trauma pediátrico, são também necessárias medidas de prevenção de acidentes e comportamentos de risco nesta faixa etária, que se caracteriza por uma tendência à impulsividade. Verificou-se uma tendência crescente do número de casos triados com prioridade I, 16
17 apesar de não se terem verificado alterações das condições no período em estudo, nomeadamente adaptações na escala de triagem ou alargamento da idade pediátrica. Estas mudanças não se registaram noutros centros, nomeadamente no Canadá, podendo múltiplos fatores estar envolvidos, tais como o aumento da sinistralidade rodoviária em Portugal.. (12-14) Não se registaram diferenças na distribuição mensal de casos, apenas com discreta predominio do mês de janeiro, não consistente mas já previamente referido em outras casuísticas e em provável relação com uma maior afluência aos SU nos meses de inverno. (1) No que diz respeito à hora de apresentação, os dados encontrados são concordantes com os já conhecidos, revelando um maior frequência durante o período das 16 e 24 horas. (8,15) São períodos em que a criança/adolescente está em atividades de lazer, por vezes sozinha e potencialmente de maior risco. Com base nestes dados poderemos sugerir um reforço das equipas nesta altura particular do dia, em que classicamente também se verifica uma maior afluência à urgência e que poderia comprometer a abordagem imediata do doente crítico. Relativamente ao meio de transporte utilizado, registou-se um claro predomínio do transporte medicalizado (nomeadamente VMER e helicóptero), tornando-se imperativo uma formação adequada e continuada dos profissionais do pré-hospitalar na área pediátrica. Observou-se também um elevado número de casos que recorreu através dos próprios meios, provavelmente pelo mais fácil e rápido acesso e disponibilidade de transporte privado na população estudada. (9) Verificou-se que a maioria nos casos considerados críticos se apresentaram com queixas de trauma, convulsões ativas, dificuldade respiratória e alteração do estado de consciência. Torna-se importante favorecer/investir na formação da triagem avançada 17
18 realizada pelas equipa de enfermagem e que pode variar desde a administração de oxigénio suplementar em situações de dificuldade respiratória e hipoxémia até ao início de manobras de suporte básico de vida. É fundamental também uma abordagem estruturada e célere do doente crítico, com base em procedimentos, vias verdes e protocolos que devem ser conhecidos por todos os intervenientes na prestação de cuidados a estes doentes. É também fundamental/ de extrema importância o treino das equipas de urgência na abordagem de situações de paragem cardio-respiratória, pois, apesar de raras, são um dos fatores que mais significativamente se associou à mortalidade. Esta associação já tinha sido descrita por vários autores e já foi alvo de estudo, salientado-se pior prognóstico em casos de paragem pré-hospitalar. (6,16). O uso quase generalizado de exames complementares era expectável, sendo até ligeiramente inferior aos dados de outros países europeus. (17) Constatou-se que grande parte dos doentes críticos necessitaram de internamento em cuidados intensivos, confirmando a gravidade do quadro. No entanto, mais de 30% dos casos justificaram apenas internamento em UICD ou tiveram alta diretamente para o domicílio, correspondendo a casos de patologia neurológica e respiratória. Poderíamos especular que nestas situações houve uma avaliação incorreta pelo sistema de triagem, com uma sobrestimativa da gravidade, no entanto existem dados em serviços que utilizam outros sistemas de triagem com percentagens de internamento bastante inferiores, o que provavelmente está relacionado com o tipo de queixas, p.e. convulsão febril que cede espontaneamente ou após terapêutica com benzodiazepinas e também crise de asma com dificuldade respiratória que melhora após terapêutica inalatória. (18) É reconhecido que o envolvimento de equipas de emergência pediátrica com uma boa coordenação com as diferentes especialidades se traduz num melhor prognóstico para o 18
19 doente. (19) O número substancial de casos de ressuscitação e cirurgias urgentes corroboram essa hipótese. A mortalidade foi reduzida, tal como noutros estudos de países europeus e asiáticos. (20,21) Esteve significativamente associada ao tipo de transporte sendo maior quando este foi medicalizado, incluindo ambulâncias medicalizadas, helicóptero ou transporte especializado pediátrico, muito provavelmente em relação com uma maior gravidade destes casos. No que diz respeito ao diagnóstico, o trauma foi significativamente mais frequente nos casos com evolução desfavorável, justificando a implementação de medidas legislativas de prevenção da sinistralidade rodoviária e também de treino das equipas préhospitalares e hospitalares na abordagem do trauma pediátrico. A PCR, principalmente se ocorrida fora do hospital, foi o principal fator associado a mortalidade. Torna-se por isso imperativo que os SUP tenham profissionais capazes de identificar e abordar prontamente estes casos. Este trabalho tem como limitações o seu carácter retrospectivo e a inclusão de apenas um centro hospitalar terciário. Seria importante verificar se esta realidade se confirma em outros serviços do país, incluindo serviços menos diferenciados de forma a optimizar os recursos e o funcionamento dos serviços de urgência pediátricos a nível nacional. Salientamos ainda que podem existir outros casos de doentes críticos que não foram incluídos neste estudo, dado que foi apenas considerado o nível de triagem atribuído na admissão. 19
20 Conclusão Os doentes críticos são raros no SUP, no entanto apresentaram, neste estudo, uma tendência crescente. Têm idade variável, desde recém-nascidos a adolescentes. Foram admitidos maioritariamente no período da tarde, e encaminhados através de transporte medicalizado. O diagnóstico mais frequente foi trauma. A mortalidade foi baixa, mas fortemente associada ao diagnóstico trauma, transporte medicalizado e paragem cardiorespiratória prévia. É importante implementar medidas de prevenção de acidentes na comunidade e optimizar o funcionamento das equipas de emergência, que devem ter um carácter multidisciplinar e treino contínuo em ressuscitação e trauma. A utilização de triagem avançada, com protocolos e vias verdes deve ser reforçada. 20
21 Agradecimentos: Aos meus amigos, ao meu pai e à minha mãe, pela inexorável paciência, apoio, compreensão e estímulo ao longo do desenvolvimento deste trabalho. 21
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