A importância da História na Escola Inglesa de Relações Internacionais
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- Vergílio Cordeiro Varejão
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1 Sérgio Ricardo da Mata, Helena Miranda Mollo & Flávia Florentino Varella (org.). Caderno de resumos & Anais do 2º. Seminário Nacional de História da Historiografia. A dinâmica do historicismo: tradições historiográficas modernas. Ouro Preto: EdUFOP, (ISBN: ) A importância da História na Escola Inglesa de Relações Internacionais Gustavo da Frota Simões 1. Introdução O presente artigo tratará da importância que tem a História para a tradição gnosiológico dos teóricos da Escola Inglesa de Relações Internacionais. A importância dessa Escola é fundamental para a compreensão de alguns conceitos utilizados na literatura especializada, tais como sociedade internacional e sistema internacional. O presente artigo se dividirá em três partes, a saber: (i) principais idéias da Escola Inglesa, (ii) obras de autores mais importantes como Hedley Bul, Martin Wight e Adam Watson, justamente por serem aqueles que mais ressaltaram que o conhecimento histórico é fundamental para a construção de uma teoria de relações internacionais, e por último, (iii) conclusão. A primeira parte do artigo recairá sobre as principais idéias dessa corrente de pensamento e o porquê dela ter sido exaustivamente debatida, além de uma breve descrição histórica da Escola Inglesa. Os principais conceitos dessa escola de pensamento como a distinção entre as idéias de Sistema Internacional e Sociedade Internacional, assim como o conceito de Ordem e Anarquia no Sistema Internacional serão discutidos nessa seção. A segunda seção será a respeito de obras específicas da Escola Inglesa. Livros clássicos como A Sociedade Anárquica de Hedley Bull serão examinados. Falaremos também da obra de Adam Watson intitulada A evolução da Sociedade Internacional, assim como A política de poder de Martin Wight que de uma forma ou outra fazem do estudo histórico um requisito para a construção de teoria em relações internacionais. Faremos uma análise dessas três principais obras de autores claramente identificados com a Escola Inglesa e uma pequena resenha de seus livros. Na parte final, chegaremos a conclusões a respeito das principais idéias da Escola Inglesa procurando incluir seu pensamento com destaque que seus teóricos deram para o enlace 1
2 do estudo histórico e uma construção de uma teoria em relações internacionais. Destacaremos também a influência desse método na construção de uma teoria de relações internacionais brasileira. 2. Descrição histórica e principais idéias da Escola Inglesa O autor italiano Brunello Vigezzi, estudioso da Escola Inglesa, na segunda parte de seu livro 1, concentra-se na evolução histórica do British Committee, do seu nascimento, passando pela fase de busca de fundamentos e conceitos, até a formulação do conceito de sociedade internacional que conferiu peculiaridade à Escola Inglesa. Vigezzi propôs a seguinte descrição evolutiva da Escola Inglesa 2 : I Nascimento do British Comittee ( ); II O British Committee aprende fazendo. O universo da política externa e a busca de fundamentos ( ); III O que é a sociedade internacional? Um grande debate ( ); IV Entre a História e a Teoria ( ); V Após o De systematibulus civitatum ( ); VI O desafio da ética ( ); VII A expansão da sociedade internacional as razões para a História ( ); VIII De 1985 até o presente 1 VIGEZZI, Brunello. The British Committee on the theory of international politics ( ): The rediscovery of History. Milano:Unicopli, Idem. 2
3 Essa divisão permite analisarmos a evolução da Escola Inglesa ao longo dos anos. Se o primeiro momento foi marcado pela atuação da chamada primeira geração (Butterfield, Wight, Bull, Williams, Mackinson, Howard), o sexto momento da divisão de Vigezzi, o assim chamado desafio da ética se deve pela morte de Martin Wight, assumindo a liderança do British Committee Adam Watson. Watson propôs uma expansão do número de membros do Comitê Britânico. Num momento anterior, o paper de Wight intitulado De systematibulust civitatum discorre sobre a visão de sociedade internacional na Antiguidade, nesse momento o Comitê vivenciava uma diversificação de pesquisas. Em 1985, com a morte de Hedley Bull, o comitê foi formalmente dissolvido. Apesar disso, a Escola Inglesa continua a existir, tendo se revigorado e se tornado uma importante referência na construção e crítica das teorias e da história das relações internacionais. Diversos autores como John Vincent, James Mall, Robert Jackson, James Mayall, Cornelia Navari e outros, prosseguem no desenvolvimento das idéias da escola. O nome Escola Inglesa foi dado por Roy Jones em 1981, que, com sua crítica severa, inicia o ciclo de reflexões sobre a situação da corrente. A evolução histórica da Escola Inglesa não nos permite, contudo, avaliar a importância dessa tradição de teoria das relações internacionais. Somente com as principais contribuições dos seus membros podemos fazer uma análise dessa Escola e porque foi ela considerada como um middle-course 3 da Teoria das Relações internacionais. A elaboração do conceito de Sociedade internacional é uma das principais contribuições da Escola à análise de relações internacionais, para Bull 4 : A society of States (or international society) exists when a group of states, conscious of certain common interests and common values, form a society in the sense that they conceive themselves to be bound by a common set of rules in their relations with one another and show in the working of common institutions. Esse conceito, entretanto, não é estanque, ou seja, ao longo do tempo, os teóricos identificados com a Escola Inglesa procuraram incorporar elementos da atualidade aos seus 3 SARAIVA, José Flávio Sombra. Revisitando a Escola Inglesa in: Revista Brasileira de Política Internacional, vol. No. 49, no. 1, pp BULL, Hedley. The Anarchical Society: A Study of Order in World Politics. London: Mcmillan, 1977, p
4 conceitos. No momento que Vigezzi identifica como a de expansão da Sociedade Internacional no final dos anos 1970 até 1985 é um momento de revisão desse conceito tão caro à tradição inglesa das relações internacionais. Por sistema internacional, tal qual definido na obra de Martin Wight A Política do Poder (2002) e repetido no trabalho de Hedley Bull A Sociedade Anáquica (2002), entende-se um ambiente constituído pela interação entre unidades soberanas, os estados, que reconhecem-se como tal. A definição de sociedade internacional, também abordada em ambas as obras, leva em consideração os aspectos cooperativos da interação entre estados e constiui-se em um conjunto de estados, que embora soberanos, partilham certos valores e concordaram em submeter suas ações a um conjunto de regras e normas de interação, formando assim uma comunidade. Por trás da distinção observada na historiografia inglesa de relações internacionais entre os conceitos de sistema internacional e sociedade internacional, alicerçando tais conceitos tão caros a esta interpretação histórica particular, está o conceito de ordem. A ordem tal qual estabelecida pela Escola Inglesa resolve o clássico problema hobbesiano do estado de natureza que caracterizaria o cenário internacional, que carece de um poder hegemônico como no nível doméstico. Devemos à esta tradição, e mais especificamente a Bull cujo subtítulo de sua principal obra é Um Estudo da Ordem na Política Mundial (A Sociedade Anárquica, 2002), a didática diferenciação, tantas vezes repetida posteriormente pelos teóricos do campo, entre caos e anarquia. Após expor os principais conceitos da Escola Inglesa, Sistema, sociedade internacional e ordem, passamos agora a examinar as principais obras dessa tradição e a sua ligação com a História. 3. Principais obras e autores da Escola Inglesa 4
5 Nessa seção discutiremos as obras mais importantes e faremos uma resenha das mesmas. Trataremos da obra de Hedley Bull, A Sociedade Anárquica, assim como da obra de Adam Watson. Falaremos também do livro de Martin Wight, A política do poder. A sociedade anárquica foi a obra mais importante de Hedley Bull. Nascido e graduado (Filosofia e Direito) na Austrália, obteve o título de Mestre em Ciência Política na Universidade de Oxford, Inglaterra. Ali, tornou-se o mais brilhante discípulo de Martin Wight, segundo o qual a análise das RI deve ser feita a partir das idéias centrais das três maiores tradições do pensamento ocidental: o Realismo de Maquiavel; o Racionalismo de Hugo Grotius; e o Revolucionismo de Kant. Com a Sociedade Anárquica (1977), Bull tornou-se conhecido como o mais importante representante da corrente teórica conhecida como Escola Realista Inglesa. O autor define o projeto de uma teoria normativa das RI que considera perfeitamente possível o estabelecimento de critérios de objetividade (despidos de valores) que fundam a ordem internacional. Tal linha de reflexão desperta críticas, principalmente, por parte daqueles que entendem que todas as variações das teorias das RI partem das mesmas matizes excludentes: a realista e a idealista. Ao longo do texto, o autor discute com profundidade o conceito de ordem mundial, questiona sua existência e como ela é mantida na política mundial. Confronta a ordem com a justiça na política mundial. Argumenta que há relações entre a ordem internacional e os conceitos de equilíbrio de poder, de direito internacional, de diplomacia, de guerra e as das grandes potências. Bull sempre enumera essas instituições dando exemplos históricos, especialmente europeus. Para ele, a idéia de Sociedade Internacional nada mais é que a evolução da Sociedade de Estados Europeus Mordena. A evolução da Sociedade Internacional é a obra de Adam Watson a que daremos destaque a seguir. O livro trabalha com o conceito-chave de sistema internacional, além de propor profundas questões metodológicas. Essas questões se devem pelo fato de Watson também ter feito parte do British Committee. Pautado pela diversidade de seus membros, o comitê, assim como Watson, critica o princípio da teoria realista que acredita que o sistema internacional estaria em sua condição pré-social. Consequentemente é criticada nessa corrente realista uma visão empobrecida dos sistemas internacionais já que o excessivo presentismo e eurocentrismo acarreta uma visão muito pouco sofisticada da estrutura. O trabalho de Watson 5
6 dentro do comitê é muito diferente dos dos outros o que acarreta em um trabalho diferenciado. Enquanto Bull e Butterfield queriam colocar as questões do comitê dentro da sociedade contemporânea européia, Watson queria discutir não só outros sistemas independentes de Estados, mas outros tipos de sistemas em si, como os suseranos e os hegemônicos, por exemplo. Essa inovação em relação aos seus colegas traduz o desejo, que a união da teoria com a história não só expande o universo empírico o qual a teoria das relações internacionais deve endereçar, como coloca o pluralismo metodológico em uma perspectiva mais sistêmica. A evolução da sociedade internacional é lançado no contexto do fim formal do comitê após a morte de Hedley Bull em Porém, esse fim formal não colocou fim na tradição gnosiológica de relações internacionais inglesa. O livro se propõe a fazer uma ampla abordagem histórica, estudando sistemas de Estados antigos como a Suméria e o sistema Islâmico até os nossos dias. Nessa análise histórica Watson reconhece que as distinções entre sistemas de Estados independentes, suseranos ou impérios são muito amplas para descrever a realidade. Dessa forma, o melhor meio de enquadrar esses sistemas é utilizar as noções entre os tipos ideais de independências anárquicas e o império absoluto como categorias explicativas. Watson ao fazer essa análise histórica ampla encontra algumas tendências dos Estados. A primeira tendência é a de propensão à hegemonia, ou seja, o sistema de Estados é considerado mais estável se tiver essa primeira tendência. Watson reconhece inclusive o uso da força para manter ou se buscar essa hegemonia. A segunda tendência dos sistemas de Estados é o da legitimidade. Historicamente, o sistema é mais estável se está fundado em alguma legitimidade do agente hegemônico. O autor ainda fala das especificidades do conceito de soberania europeu, além de tecer comentários sobre a vertente cultural de cada sistema de Estados, assim como o legado do passado, que como bom historiador não poderia deixar de levar em consideração. O terceiro livro que abordaremos é o de Martin Wight, grande mentor de Bull e membro do comitê britânico. A política do poder não foi um livro escrito todo de uma vez. A maior parte deriva de um artigo de 1946 com o mesmo título. O objetivo, entretanto, não se alterou. Destacam-se cinco aspectos dos moldes contemporâneos de estudo de Relações Internacionais nas quais a obra se enquadra. A primeira é o caráter eurocêntrico de algumas 6
7 premissas e conceitos. A segunda seria a marginalidade com outros atores internacionais e das relações internacionais. A terceira seria a negligência da dimensão econômica das Relações Internacionais, Wight é mais um historiador essencialmente político. A quarta é a sugestão, pelo título do livro e pelo conteúdo, de que as Relações Internacionais se reduzem a política de poder, embora Wight não defenda explicitamente essa idéia, ele a coloca como uma possibilidade. A quinta é a de que a política de poder não tenta fazer um aggiornamento conforme foram sendo feitas as críticas pela literatura acadêmica ao longo do tempo. O livro se divide em vinte e quatro capítulos nos quais o autor faz uma análise dos diferentes tipos de poder. O primeiro capítulo o autor fala das potências, categorizando-as num contexto amplamente europeu. Os três outros capítulos, Wight fala das potências dominantes, diferenciando-as de potências pequenas e de potências mundiais. Para Wight, as dominantes são aquelas potências que podem medir poder contra todos os rivais juntos. Já as grandes potências são aquelas potências européias que podem exercer seu poder fora do continente europeu. As menores são aquelas que ficam restritas ao seu âmbito de poder regional, tais como o Brasil, a África do Sul e o Egito, por exemplo. Nos outros capítulos, Wight fala sobre os diferentes tipos de poder. No capítulo cinco ele discorre sobre o poder marítimo e o poder terrestre e como esses diferentes tipos de poder afetam as potências. Wight também discorre sobre como as revoluções, os interesses vitais e a anarquia afetam a política de poder. Wight também fala sobre como se dá a configuração de poder e discorre sobre como a ONU e a Liga das Nações afetam o equilíbrio de poder. No capítulo vinte, ao falar sobre a ONU, o autor é descrente assim como o é com relação a Liga. Para ele, seria mais correto dizer que as Nações Unidas aumentaram a intensidade da luta pelo poder travada entre os have-not e as potências do status quo. A existência das Nações Unidas exagerou a importância internacional das potências have-not, permitindo a elas se organizarem para formar um grupo de pressão diplomático e propagandístico muito maior do que seriam capazes de obter de outra forma. 5 Nos últimos capítulos, Wight fala sobre a corrida armamentista, o desarmamento e o controle de armamentos e como esses influenciam a política do poder. O último capítulo é 5 WIGHT, Martin. A política do poder. IPRI, Ed. Universidade de Brasília, Brasília Brasil,
8 nomeado além da política do poder, onde Wight faz sua conclusão dizendo que a manutenção da prática da manutenção da política do poder, no sentido popular, depende do interesse das potências. Caso o seu interesse seja a segurança, diz Wight, a política internacional continuará sendo a política do poder Conclusão A análise dessas três principais obras nos levam a concluir que pela primeira vez no campo de construção de Teoria em Relações Internacionais foi conferida à história um papel primordial. Diferentemente dos seus pares norte-americanos que desenvolveram a disciplina ancorada nos centros de ciência política, os ingleses escolheram para a composição do seu British Committee uma mistura de historiadores e cientistas políticos. Foram estes primeiros que deram a particularidade que a Escola Inglesa possui. Ademais, os estudos em relações internacionais efetuados pelos ingleses contam com um antecedente histórico peculiar, qual seja: seu colonialismo. O império inglês, decadente à época da criação do comitê britânico, foi um império nitidamente mercantilista e colonialista, logo influências culturais dos povos dominados faziam parte do estudo dos ingleses. Os americanos, ao contrário, possuíam um imperialismo financista, no qual as vertentes locais poucou ou nenhuma influência têm nas decisões dos povos dominantes. Por fim, cabe destacar o estudo de sociedades antigas para a confecção de uma teoria em relações internacionais. Ao estudarem a Antiguidade, os ingleses buscavam comprovar a existência de uma sociedade internacional desde tempos remotos. Ao olhar para trás, a Escola Inglesa foi construindo sua teoria para analisar o presente. Foi desse modo de se construir conhecimento que nasceu a influência da história para a compreensão de eventos contemporâneos no campo das relações internacionais. Hoje em dia, os ingleses não se encontram mais sozinhos ao colocarem historiadores e cientistas políticos na tentativa de construção de uma teoria em Relações 6 Idem. 8
9 Internacionais. A Escola de Brasília é herdeira dessa tradição e seu centro de Relações Internacionais se divide em duas áreas de concentração: História das Relações Internacionais e Política Internacional e Comparada. Bibiliografia: BULL, Hedley. A Sociedade Anárquica. IPRI, Ed Universidade de Brasília, Brasília Brasil, BUZAN, Barry. From International System to International Society: Structural realism and Regime Theory meet the English School. International Organization, v. 47, n. 3, p , USA CARR, Edward. Vinte Anos de Crise. IPRI, Ed Universidade de Brasília, Brasília Brasil, DUNNE, Tim. Inventing International Society: A history of the English School. Machmillan, London UK, SARAIVA, José Flávio Sombra. Revisitando a Escola Inglesa. Revista Brasileira de Política Internacional, vol. 49, n. 1, p , Brasília Brasil, VIGEZZI, Brunello. The British Committee on the theory of international politics ( ): The rediscovery of History. Milano:Unicopli, WATSON, Adam. A evolução da sociedade internacional. IPRI, Ed Universidade debrasília, Brasília Brasil, WIGHT, Martin. A Política do Poder. IPRI, Ed Universidade de Brasília, Brasília Brasil,
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