SEGUNDA CÂMARA CRIMINAL HABEAS CORPUS Nº 817/ CLASSE CNJ COMARCA CAPITAL

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1 IMPETRANTE: PACIENTE: DR. AIR PRAEIRO ALVES - DEFENSOR PÚBLICO WASHINGTON MOREIRA DA SILVA Número do Protocolo: 817/2009 Data de Julgamento: EMENTA HABEAS CORPUS - CRIME DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA MULHER - ART. 147, CAPUT, C/C O ART. 61, INCISO II, ALÍNEA F, AMBOS DO CÓDIGO PENAL - PRETENDENDO O SOBRESTAMENTO DO FEITO - ADUZ QUE A AUTORIDADE ACOIMADA COATORA NÃO DEVERIA TER RECEBIDO A DENÚNCIA, DANDO PROSSEGUIMENTO AO PROCESSO SEM A REALIZAÇÃO DA AUDIÊNCIA PREVISTA NO ARTIGO 16 DA LEI Nº /2006, SOB A ALEGAÇÃO DE QUE SERIA ESTA A OPORTUNIDADE ÚNICA PARA A VÍTIMA RETRATAR-SE DA REPRESENTAÇÃO - INADMISSIBILIDADE - AUDIÊNCIA PRELIMINAR QUE SÓ DEVE SER DESIGNADA QUANDO A VÍTIMA MANIFESTAR VOLUNTARIAMENTE O DESEJO DE RENUNCIAR ANTES DO RECEBIMENTO DA DENÚNCIA - ORDEM DENEGADA. Em nenhum momento, a Lei Maria da Penha cogitou-se de impor realização de audiência preliminar para a ofendida ratificar a representação ou confirmar o seu interesse no prosseguimento. Somente havendo pedido expresso da ofendida ou evidência da sua intenção de retratar-se, e desde que antes do recebimento da denúncia, é que designará o juiz audiência para, ouvido o ministério público, admitir, se o caso, a retratação da representação. Nada impede que a vítima, por livre e espontânea vontade, procure a Justiça para encerrar o caso, todavia, deverá fazê-lo antes do recebimento da Fl. 1 de 9

2 denúncia. Depois do início do processo, a responsabilidade estatal será exclusiva para apurar a notícia criminosa e aplicar a lei penal como de direito. Ordem denegada. GEACOR Fl. 2 de 9

3 IMPETRANTE: PACIENTE: DR. AIR PRAEIRO ALVES - DEFENSOR PÚBLICO WASHINGTON MOREIRA DA SILVA RELATÓRIO EXMO. SR. DES. PAULO DA CUNHA Egrégia Câmara: Cuida-se de ordem de Habeas Corpus, impetrado pelo ilustre Defensor Público, DR. AIR PRAEIRO ALVES, em favor de WASHINGTON MOREIRA DA SILVA, apontando como autoridade coatora o Juízo da Segunda Vara Especializada de Violência Doméstica e Familiar Contra Mulher. Sustenta o impetrante que o paciente foi denunciado como incurso nas sanções cominadas ao delito descrito no artigo 147, caput, c/c o artigo 61, inciso II, alínea f, todos do Código Penal Brasileiro. Assevera que foi designada audiência para a oitiva da vítima, a fim de manifestar-se com relação ao interesse no prosseguimento da ação em relação ao crime de ameaça, por cuidar-se de ação penal pública condicionada. Entretanto, conforme noticiado pelo Sr. Oficial de Justiça, não foi possível localizar a vítima, razão pela qual a mesma não compareceu à respectiva sessão, tendo a nobre Magistrada de piso determinado o prosseguimento da ação penal, ignorando a única oportunidade em que a vítima teria de manifestar sua desistência. Aduz, ainda, ser inadmissível a intervenção do Estado num núcleo familiar, obrigando-o a uma demanda criminal indesejada, devendo, a seu ver, sempre prevalecer o espírito conciliador entre as pessoas da mesma família. Entende que a representação é necessária por conveniência política, eis que permite que a vítima desista de ver o agente do fato punido, harmonizando-se todas as questões litigiosas entre ambos. Consigna, também, que dar início à ação penal consubstanciada em um termo de representação administrativo é caminhar na contramão da intenção do legislador, Fl. 3 de 9

4 admitindo-se que o Estado decida no lugar da ofendida, sem levar em conta suas verdadeiras convicções, ou seja, interferindo no processo decisório pessoal. Assim, entendendo que o paciente encontra-se sofrendo constrangimento ilegal, em virtude do recebimento da denúncia, sem a realização da audiência prevista no artigo 16 da Lei nº /2006, pleiteia, liminarmente, seja determinado o sobrestamento do feito até que a ofendida seja intimada para manifestar sua intenção no prosseguimento do processo e, ao final, seja confirmada em definitivo a ordem. A impetração veio escoltada com os documentos de fls. 14/74. A liminar foi indeferida às fls.81/82. As informações solicitadas foram prestadas pela autoridade acoimada como coatora a fls. 90. A cúpula Ministerial, em judicioso parecer da lavra do eminente Procurador de Justiça, Dr. HÉLIO FREDOLINO FAUST, às fls. 94/99, opinou pela denegação da ordem. É o relatório. P A R E C E R (ORAL) A SRA. DRA. KÁTIA MARIA AGUILERA RÍSPOLI Ratifico o parecer escrito. Fl. 4 de 9

5 VOTO EXMO. SR. DES. PAULO DA CUNHA (RELATOR) Egrégia Câmara: Analisando detidamente estes autos, verifico que a pretensão do Impetrante não merece agasalho. Vejamos. A irresignação funda-se na não realização da audiência preliminar, uma vez que seria esta a oportunidade única da renúncia por parte da vítima em relação ao processo. Tratando-se o crime de ameaça como crime de natureza pública condicionada, o fato é que não houve renúncia ou retratação da representação antes do oferecimento da denúncia, o que impede, a meu ver, a designação da audiência de que trata o artigo 16 da Lei nº /2006. O ponto de partida de interpretação da Lei Maria da Penha está em seu art. 4º, senão vejamos: Na interpretação desta Lei, serão considerados os fins sociais a que ela se destina e, especialmente, as condições peculiares das mulheres em situação de violência doméstica e familiar. Portanto, toda interpretação que não se atenta aos fins sociais a que ela se destina deverá ser afastada, sabendo-se que a lei não foi editada para afrouxar a resposta estatal nos casos de violência doméstica. Muito pelo contrário, ela veio para impor um tratamento mais rigoroso contra aqueles que agridem seu próprio ente familiar. Assim, não seria razoável designar a audiência do artigo 16 em caso de inexistência de retratação antes do oferecimento da denúncia, pois a nova lei estaria concedendo uma chance não existente no regramento anterior. Ademais, a designação desta audiência estaria praticamente instigando a vítima a se retratar, a qual, até o momento, manifestou o desejo de representar o agressor, conforme se vê do Termo de Representação acostado a fls. 23. Fl. 5 de 9

6 Vale ressaltar que apenas quando as vítimas manifestarem, voluntariamente, interesse em renunciar, é que o juiz irá designar a audiência. Tal manifestação deve ser feita antes do recebimento da denúncia. É defeso à Justiça contatar a vítima através de oficial de justiça, por correspondência ou telefone ou por qualquer outro meio, sem a manifestação dela, espontânea e prévia, no sentido de renunciar. Quem deve procurar as autoridades para o encerramento do caso é a vítima, e não o Estado. Este deve apenas cumprir seu dever legal. Portanto, se a vítima, por livre e espontânea vontade, quiser procurar a polícia, o Ministério Público ou a Justiça para encerrar o caso, deverá fazê-lo antes do recebimento da denúncia. Depois do início do processo, a responsabilidade estatal será exclusiva para apurar a notícia criminosa e aplicar a lei penal como de direito. Alguns magistrados estão promovendo audiências em todos os casos, mesmo sem o pedido das vítimas, para questioná-las sobre seu desejo de renunciar ao processo. Com esse procedimento equivocado, confundem as disposições da Lei nº 9.099/95 com as da Lei nº /06, que são diametralmente opostas e incompatíveis entre si. Isso se dá porque a Lei n 9.099/95, conforme visto, previa a realização de uma audiência preliminar na qual, após a tentativa de conciliação e composição de danos, as vítimas exerceriam seu direito de ratificar a representação. Na ausência das vítimas, restavam os procedimentos arquivados por renúncia tácita, instituto popularizado nos juizados especiais criminais, que, como sabemos, passaram a arquivar liminarmente mais de 90% de todas as causas relacionadas à violência doméstica e familiar. Tal disposição, porém, não mais se aplica às causas de violência doméstica contra a mulher, em razão da expressa derrogação da Lei 9.099/95, operada pelo artigo 41 da Lei /2006. Sobre o tema, leciona Guilherme de Souza Nucci que: (...) o artigo 41 da Lei nº /06, firmou o entendimento de que os crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher não são de menor potencial ofensivo, pouco importando o quantum da pena, motivo pelo qual não se submetem ao disposto na Lei 9.099/95. E acrescenta: Fl. 6 de 9

7 (...) embora severa, a disposição do art. 41, em comento, é constitucional (in Leis Penais e Processuais Comentadas, 2ª ed. São Paulo - Revista dos Tribunais, 2007, p ) Além de tudo, o artigo 16 ora comentado, tem disposição frontalmente contrária à da Lei derrogada, com a finalidade clara de abolir a renúncia extrajudicial e a renúncia tácita. A diferença de tratamento é patente. Enquanto para a Lei n 9.099/95, que visava evitar o máximo possível o processo criminal, a vítima devia comparecer em juízo para ratificar a representação, no novo sistema de proteção integral às vítimas, instituído pela Lei nº /06, é a renúncia à representação que deve ser ratificada em Juízo. A eminente tratadista Maria Berenice Dias, em sua obra A Lei Maria da Penha na Justiça, p. 114 e 115 acrescenta: (...) de todo descabido que o magistrado, antes de receber a denúncia, intime a vítima para que ela se manifeste sobre o eventual desejo de desistir da representação apresentada na polícia. Tal providência, além de não estar prevista na lei, retardaria em muito o início da ação penal e desconstruiria a nova sistemática que veio exatamente para não permitir que a vítima sinta-se pressionada a abrir mão do direito de processar o seu agressor, como ocorria nos juizados especiais (...). Nesse mesmo sentido foi o entendimento do Egrégio Tribunal do Distrito Federal quando do julgamento da Reclamação nº RCL, Rel. Mario Machado - DJU: : Reclamação. Lei nº /2006. Violência doméstica e familiar contra a mulher. Decisão do juiz pela qual, oferecida a denúncia pelo ministério público, determina o seu arquivamento em pasta própria, em cartório, aguardando-se o inquérito policial. Inexistência de recurso próprio. Cabimento da reclamação. Procedência do pedido. Admissível a reclamação intentada com base no artigo 184, I, do Regimento Interno, inexistindo contra a decisão recurso específico. Fl. 7 de 9

8 Com o artigo 16 da Lei nº /2006, colima-se fiscalize o juiz a renúncia, na verdade a retratação da representação da ofendida para evitar que ela ocorra por ingerência e força do agressor. Nada mais. Em nenhum momento, cogitou-se de impor realização de audiência para a ofendida ratificar a representação ou confirmar o seu interesse no prosseguimento. Somente havendo pedido expresso da ofendida ou evidência da sua intenção de retratar-se, e desde que antes do recebimento da denúncia, é que designará o juiz audiência para, ouvido o ministério público, admitir, se o caso, a retratação da representação. O artigo 16 da Lei nº /2006, dispõe que: Nas ações penais públicas condicionadas à representação da ofendida de que trata esta Lei, só será admitida a renúncia à representação perante o juiz, em audiência especialmente designada com tal finalidade, antes do recebimento da denúncia e ouvido o Ministério Público (grifo meu). Em assim sendo, tendo em vista que a vítima já manifestou o desejo de representar o agressor a fls. 23, motivo pelo qual, antes de uma possível retratação, o Ministério Público ofereceu denúncia, a qual fora acertadamente recebida, tenho que a ação penal deve prosseguir em seus ulteriores termos. À vista de todo o exposto e em consonância como parecer da douta Procuradoria Geral de Justiça, denego a ordem. É como voto. Fl. 8 de 9

9 ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a SEGUNDA CÂMARA CRIMINAL do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência do DES. MANOEL ORNELLAS DE ALMEIDA, por meio da Câmara Julgadora, composta pelo DES. PAULO DA CUNHA (Relator), DES. GÉRSON FERREIRA PAES (1º Vogal) e DES. MANOEL ORNELLAS DE ALMEIDA (2º Vogal), proferiu a seguinte decisão: POR UNANIMIDADE, DENEGARAM A ORDEM, NOS TERMOS DO VOTO DO RELATOR. Cuiabá, 27 de fevereiro de DESEMBARGADOR MANOEL ORNELLAS DE ALMEIDA - PRESIDENTE DA DESEMBARGADOR PAULO DA CUNHA - RELATOR PROCURADOR DE JUSTIÇA GEACOR Fl. 9 de 9