CAMILA NINA ERBETTA NASCIMENTO E MOURA RELATÓRIO

Transcrição

1 1 CORREIÇÃO PARCIAL Nº 50-3/322 ( ) COMARCA DE CATALÃO IMPETRANTE MINISTÉRIO PÚBLICO PACIENTE JUIZ DE DIREITO DA 1ª VARA DA COMARCA DE CATALÃO RELATORA Dra. CAMILA NINA ERBETTA NASCIMENTO E MOURA RELATÓRIO O representante do Ministério Público com atribuições perante o juízo da Comarca de Catalão interpôs a presente correição parcial contra ato do MM Juiz de Direito da 1ª Vara daquela Comarca que teria interpretado equivocadamente a Lei Maria da Penha e ocasionado inversão tumultuária em um feito em trâmite naquele juízo. Postula, com fulcro no disposto no artigo 389, inciso III do Regimento Interno do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, seja determinada, liminarmente, a suspensão dos efeitos do despacho vergastado, sob pena de ineficácia da correção. Relata que Noé Ferreira da Silva foi denunciado pela prática do crime tipificado no artigo 129, 9º do Código Penal, figurando como vítima sua companheira, Janete Fátima Marques. Alega

2 2 que o dirigente procedimental designou, com fundamento no artigo 16 da Lei nº /06, audiência para o dia 06 de maio de 2009, oportunidade em que a vítima poderia ratificar a representação contra o acusado ou renunciar a esse direito. Sustenta que referido despacho é um atropelo ao tramite normal dos autos, pois a realização da audiência implicará em desdobramentos incompatíveis, tanto com a Lei Maria da Penha, quanto com o Código de Processo Penal e, ainda, com a Constituição Federal naquilo que pertine à titularidade da ação penal. Justifica o seu inconformismo ao argumento de que a Lei nº /06, com o intuito de coibir e prevenir qualquer forma de violência doméstica, teria tornado os crimes de lesão corporal praticados em razão de relações domésticas e familiares, em ação penal pública incondicionada, visando, com isso, impedir que as vítimas, em um momento posterior, renunciassem ao prosseguimento do feito contra seus algozes. Ao final, conclui por pedir a concessão da liminar, a fim de que sejam suspensos os efeitos do ato rechaçado, determinandose a interrupção temporária da realização da audiência nele designada, nos termos do artigo 558 do Código de Processo Penal e artigo 389, inciso III do Regimento Interno do Tribunal de Justiça de Goiás, frente a iminência de dano irreparável. No mérito, pleiteia a cassação do despacho por considerá-lo nitidamente ilegal. O pedido foi instruído nos termos do artigo 387 do Regimento Interno do Tribunal de Justiça de Goiás.

3 3 O magistrado de primeiro grau manteve a audiência designada, nos termos do artigo 16 da Lei nº /06. A liminar foi concedida e determinada a suspensão da audiência de ratificação ou renúncia ao direito de representação, originalmente designada para o dia 06 de maio de O MM Juiz de Direito da 1ª Vara da Comarca de Catalão informou às fls. 35/38 que o despacho judicial questionado pelo representante do Ministério Público encontra-se de acordo com o artigo 16 da Lei nº /06, não havendo plausibilidade na tese de erro de procedimento ou tumulto processual. Concluiu, pontificando ter apenas cumprido a lei, que exige a realização de tal audiência. A douta Procuradoria de Justiça, em parecer da lavra da Dra. Mª da Conceição R. dos Santos, acostado às fls. 41/48, opina pelo conhecimento da Correição Parcial, mas, pelo seu improvimento. É o relatório. VOTO conheço do pedido. Presentes os pressupostos de admissibilidade, Cuida-se de correição parcial proposta pelo representante do Ministério Público com atribuições perante o juízo da

4 4 Comarca de Catalão, contra ato do MM Juiz de Direito da 1ª Vara daquela Comarca, que teria interpretado equivocadamente o disposto no artigo 16 da Lei nº /06 e designado audiência de ratificação ou renúncia ao direito de representação da vítima, por crime tipificado no artigo 129, 9º do Código Penal. conduta ocasiona inversão tumultuária do feito. O douto Promotor de Justiça entende que referida Inicialmente, é necessário enfatizar que a Lei nº /06, intitulada Lei Maria da Penha, tem como objetivo primordial a proteção da mulher contra a violência praticada em seu ambiente doméstico, familiar ou de intimidade. Sua finalidade precípua é coibir com maior eficácia e severidade os crimes cometidos no âmbito doméstico contra mulheres. Isso porque historicamente a mulher, em situação de violência doméstica, vê-se, em regra, desvalorizada, agredida, sem ter a quem recorrer, pois, muitas vezes, depende do agressor, seja afetiva, familiar ou financeiramente 1. Nesse sentido, o artigo 41 do referido diploma dispõe que, independendo da pena prevista aos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher, não se aplica a Lei nº 9.099/95. 1 Cunha, Rogério Sanches. Violência doméstica (Lei Maria da Penha) Lei /06 - Comentada artigo por artigo São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, p. 28.

5 5 Justifica-se a premissa no interesse geral de promover a imediata interferência estatal na responsabilização do autor desses crimes, já que é muito comum o recuo da mulher, que diante de sua dependência emocional e econômica do agressor acaba por ter arrefecido o ânimo de solucionar definitivamente o problema. Conclui-se, pois, que a ação penal relativa aos crimes de lesões corporais leves praticadas no contexto previsto na Lei Maria da Penha, ou seja, no ambiente doméstico e familiar contra a mulher, é pública incondicionada, sendo esse o entendimento majoritário desse e. Tribunal de Justiça. Assim, é descabido se falar em manifestação da acerca da vontade (ou não) da ofendida de ver o agressor processado. A propósito, APELAÇÃO CRIMINAL. LESÕES CORPORAIS E AMEAÇA. LEI /06. REPRESENTAÇÃO. RETRATAÇÃO. INCOMPORTABILIDADE. ABSOLVIÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. REDUÇÃO DA PENA. NÃO CABIMENTO. I - Tratando-se o crime de lesão corporal leve, praticado no âmbito familiar contra mulher, de infração que se procede mediante ação penal pública incondicionada, não há que se falar em renúncia ao direito de

6 representação, motivo pelo qual incabível a designação da audiência prevista no Artigo 16, da Lei /06. II- (Omissis). III - (Omissis). Apelo Improvido (1ª Câmara Criminal AC nº /213 - DJ 312 de 13/04/2009 Rel. Dr. Carlos Elias da Silva). 6 RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. LEI MARIA DA PENHA. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. LESÃO CORPORAL LEVE. AÇÃO PENAL PÚBLICA INCONDICIONADA. TITULARIDADE DO MINISTÉRIO PUBLICO. 1 - A lesão corporal leve praticada contra a mulher no âmbito doméstico e qualificada por força do Artigo 129, parágrafo nono do Código Penal e se disciplina segundo as diretrizes desse estatuto legal, sendo a ação penal pública incondicionada, prescindindo, portanto, da representação da vitima. (Omissis). Precedentes do STJ e desta Corte de Justiça. 2) Recurso Conhecido e Provido (2ª Câmara Criminal RSE nº /220 - DJ 338 de 21/05/2009 Rel. Des. Nelma Branco Ferreira Perilo).

7 7 Abro aqui um parêntesis para ressaltar que, em se tratando da audiência prevista no artigo 16 da Lei nº /06, valem as seguintes observações: Caso se trate de crime de ameaça, no qual é prevista representação, mesmo assim, sua designação intimida (constrange) a ofendida, haja vista que para a vítima a própria iniciativa de formalizar uma denúncia na delegacia já é difícil, quanto mais manter esse firme propósito quando já arrefecidos os ânimos, na frente do agressor que logicamente também comparecerá ao ato, provavelmente junto com ela. Assim, o ideal é que referida audiência seja designada apenas nos casos em que a ofendida demonstrar a intenção de se retratar, nos crimes que comportem essa retratação, a fim de que seja realizada perante o juiz. Esse é o objetivo do artigo 16 da Lei Maria da Penha que eventual retratação se dê perante a autoridade judiciária, não sendo imposição legal a designação de audiência específica para esse fim em todos os procedimentos, apenas naqueles em que houver iniciativa da vítima. Dessa forma, desacolho o parecer ministerial de cúpula, conheço do presente pedido de correição parcial e dou-lhe provimento, determinando o prosseguimento do feito sem a realização da audiência prevista no artigo 16 da Lei nº /06. É como voto. Goiânia, 28 de maio de Dra. CAMILA NINA ERBETTA NASCIMENTO E MOURA Relatora em substituição

8

9 1 CORREIÇÃO PARCIAL Nº 50-3/322 ( ) COMARCA DE CATALÃO IMPETRANTE MINISTÉRIO PÚBLICO PACIENTE JUIZ DE DIREITO DA 1ª VARA DA COMARCA DE CATALÃO RELATORA Dra. CAMILA NINA ERBETTA NASCIMENTO E MOURA EMENTA: CORREIÇÃO PARCIAL. LESÃO CORPORAL LEVE PRATICADA CONTRA MULHER NO AMBIENTE DOMÉSTICO E FAMILIAR. DESIGNAÇÃO DE AUDIÊNCIA PARA RETRATAÇÃO OU RENÚNCIA AO DIREITO DE REPRESENTAÇÃO DA VÍTIMA. INADMISSIBILIDADE. CRIME DE AÇÃO PENAL PÚBLICA INCONDICIONADA. A ação penal relativa aos crimes de lesões corporais leves praticadas no contexto previsto na Lei Maria da Penha Lei nº /06, ou seja, no ambiente doméstico e familiar contra a mulher, é pública incondicionada, sendo descabida a realização da audiência prevista no artigo 16 do referido diploma. RECURSO PROVIDO. A C Ó R D Ã O

10 2 VISTOS, relatados e discutidos os presentes autos de Correição Parcial, nº 50-3/322 ( ), Comarca de Catalão, sendo Requerente Ministério Público e Requerido Juiz de Direito da 1ª Vara da Comarca de Catalão. ACORDAM os integrantes da Quarta Turma Julgadora da Primeira Câmara Criminal do egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, à unanimidade de votos, desacolhendo o parecer da Procuradoria-Geral de Justiça, em conhecer da correição e dar-lhe provimento, nos termos do voto da Relatora. VOTARAM, além da Relatora, a Desembargadora Amélia Martins de Araújo, que presidiu o julgamento e o Desembargador Jamil Pereira de Macedo. Paulo Maurício Serrano Neves. Presente o ilustre Procurador de Justiça, Doutor Goiânia, 28 de maio de Dra. CAMILA NINA ERBETTA NASCIMENTO E MOURA RELATORA EM SUBSTITUIÇÃO