Universidade Federal Fluminense Instituto de Arte e Comunicação Social (IACS) Programa de Pós-Graduação em Mídia e Cotidiano

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1 Universidade Federal Fluminense Instituto de Arte e Comunicação Social (IACS) Programa de Pós-Graduação em Mídia e Cotidiano DIÁLOGOS DA DIFERENÇA: ALTERIDADE E PRECONCEITO A PARTIR DA NARRATIVA FICCIONAL INFANTOJUVENIL Dissertação apresentada por Milena de Azeredo Pacheco Venancio matrícula M como requisito obrigatório para obtenção do título de Mestre em Mídia e Cotidiano sob a orientação do prof. Dr. Alexandre Farbiarz. IACS/UFF Niterói Março/2017

2 À minha família, meus amigos e meu amor. Sempre.

3 Ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua própria construção. Paulo Freire

4 Agradecimentos Aos meus pais, pelo apoio incondicional. À minha avó Ivone, pelo carinho e por me lembrar que mesmo em meio a toda essa loucura, eu precisava parar para dormir. Ao meu namorado Alexandre, pelo amor, apoio e compreensão. Ao meu orientador Alexandre Farbiarz, pela parceria, disponibilidade e paciência. E, claro, por controlar meu nervosismo. Aos professores Nilton Gamba Jr e Emmanoel Ferreira pelas valiosas contribuições. À professora Patrícia Saldanha pelas contribuições e pelo auxílio sempre tão generoso desde a minha graduação. À professora Denise Tavares, pela dedicação e competência na coordenação do PPGMC, que a tornam uma profissional tão inspiradora. Aos demais professores do PPGMC, por todas as contribuições e crescimento proporcionado ao longo desses dois anos. À Cláudia, por estar sempre disponível a ajudar e ser a solução para todos os nossos problemas. Aos amigos do PPGMC, por tornarem esta caminhada bem mais leve e prazerosa. Aos meus colegas de trabalho, por sempre me ajudarem e por torcerem pelo meu sucesso. À Amanda, minha melhor amiga desde sempre e para sempre, pelo apoio. Aos demais amigos, por manterem meu bom humor e sanidade ao longo do caminho.

5 Resumo A pesquisa Diálogos da diferença: alteridade e preconceito a partir da narrativa ficcional infantojuvenil tem como objetivo compreender como se configura, nas relações de alteridade presentes em narrativas ficcionais infantojuvenis, o potencial educativo sobre a questão do preconceito, sendo o objeto de estudo a série de filmes Harry Potter. Parte-se das definições sobre aspectos do preconceito, tendo nas relações de alteridade um ponto focal. Busca-se discutir como a narrativa ficcional pode enunciar possibilidades de discussão sobre o preconceito, sob a perspectiva da hexis educativa proposta por Sodré (2013). Por fim, a abordagem teórica sustentará o estudo de caso que analisa falas específicas ao longo dos oito filmes da série Harry Potter, com base nos conceitos da sociolinguística interacional. Buscase, portanto, mostrar como a pesquisa proposta responde à hipótese de que Harry Potter pode ser um caso que mostre como determinados elementos constitutivos da narrativa ficcional infantojuvenil podem ser vistos sob uma perspectiva educativa que propicie a reflexão sobre o tema do preconceito junto ao público. Palavras-chave: Comunicação; Educação; mídia, alteridade; preconceito; narrativa ficcional infantojuvenil.

6 Abstract The research "Dialogues of difference: otherness and prejudice from fictional farrative for children and teenagers" aims to understandhow the educational potential on the question of prejudice is configured in the relations of otherness in fictional narratives of children and teenagers, being Harry Potter film series an object of study. It starts from aspects of prejudice, having the relations of otherness as a focal point. It aims to discuss if a fictional narrative can enunciate possibilities of discussion about the prejudice, from the perspective of educational hexis by Sodré (2013). Finally, a theoretical approach supports a study that analyzes specific speeches throughout the eight Harry Potter films based on the concepts of interactional sociolinguistics. Therefore, it aims to show how the research can proves the hypothesis that Harry Potter can be an example that shows how the constituent elements of the fiction narrative for children and teenagers can be seen from an educational perspective that provides a reflection on the theme of the prejudice close to the audience. Keywords: Comunication; Education; media; otherness; prejudice; fictional narrative for children and teenagers.

7 Memorial acadêmico O presente memorial é parte integrante desta dissertação e tem por objetivo relatar minha trajetória acadêmica até o atual estágio da pesquisa Diálogos da diferença: alteridade e preconceito a partir da narrativa ficcional infantojuvenil. Sou mestranda em Mídia e Cotidiano na Universidade Federal Fluminense, com graduação em Publicidade e Propaganda pela mesma instituição. Na minha graduação, o trabalho de conclusão de curso teve como foco o estudo da publicidade, mas já demonstrava interesse por análise do discurso (que posteriormente influenciou meu interesse pela sociolinguística interacional) e apropriações culturais, o que, em certa medida, tem relação com a pesquisa aqui apresentada. Da produção do trabalho de conclusão de curso também se originou meu primeiro trabalho a ser apresentado em um congresso acadêmico, o Intercom Jr da região Sudeste, em Durante esse período foi que, efetivamente, despertou o meu interesse pela vida acadêmica. O que causa até certo estranhamento, visto que trabalho como assistente no setor bancário e minha atução profissional sempre foi na área de finanças, gestão e marketing de relacionamento, ou seja, em uma área um pouco distante de uma carreira acadêmica em Comunicação. No entanto, se queria seguir a carreira acadêmica, me mantive (e me mantenho) firme quanto ao meu objetivo. Em 2012, ainda em processo de conclusão do curso de graduação, fiz minha primeira tentativa de ingresso na primeira seleção do mestrado em Mídia e Cotidiano da UFF, sem sucesso. Até ser aprovada na seleção de 2015, passei por outros processos seletivos na própria UFF e em outras instituições. Paralelamente, comecei em 2014 uma pósgraduação lato sensu em em Marketing e Comunicação Empresarial, na Universidade Veiga de Almeida, a qual interrompi para a dedicação ao mestrado. A primeira ideia do meu projeto de pesquisa, quando comecei a pensar no mestrado, era mais ligada a aspectos da linguagem musical, até por manter assim, de certa forma, uma relação com minha monografia. Porém, ao perceber uma possibilidade de estudar a questão do preconceito na série Harry Potter, e ver que isso despertava o interesse das pessoas com as quais conversava sobre o tema, resolvi estudar a questão. Quando aprovada para ingresso no Programa de Pós-Graduação em Mídia e Cotidiano da UFF (PPGMC UFF), minha proposta de pesquisa se chamava Diálogos da diferença: alteridade e preconceito a partir da narrativa de Harry Potter, pois o texto foi todo construído tendo Harry Potter como objeto de estudo, e não como estudo de caso.

8 A obra Harry Potter foi escolhida pelo fato de me despertar interesse como fenômeno cultural, e porque, entre as mudanças de ideias para o meu projeto de pesquisa, me ocorreu pesquisar o discurso sobre a morte em narrativas infanto-juvenis, e Harry Potter seria um bom exemplo para tal. Porém, sempre me interessei por estudos sobre todas as formas de preconceito, bem como sobre a discussão de características e apropriações presentes em produtos culturais, em especial na cultura pop. No entanto, logo ao ingressar no mestrado, percebi que a questão central que me instigava na pesquisa não era a obra Harry Potter em si, mas a relação entre alteridade e preconceito em produtos culturais, bem como as questões que suscitavam, tendo a história do bruxo inglês como exemplo. Essa percepção foi essencial para a definição do rumo da minha pesquisa, bem como alguns autores que passei a conhecer no mestrado. No primeiro semestre no PPGMC cursei, além das disciplinas obrigatórias Mídia e Cotidiano e Metodologia de Pesquisa, uma disciplina chamada Tempo e Narrativa, que tinha como base teórica a obra homônima de Paul Ricoeur. Neese momento, me interessei pelo autor francês e vi que poderia utilizá-lo em minha dissertação, a partir de seus estudos não só sobre narrativa, mas também sobre alteridade. Do mesmo modo, desde o começo da produção de meu texto, também tinha interesse na perspectiva sobre a questão da alteridade que Bakhtin apresenta, pois o filólogo russo é um autor que eu já conhecia e admirava mesmo antes do ingresso no mestrado. No entanto, fui alertada dos riscos que corria em utilizar ambos os autores, pois são de correntes de pensamento distintas. Então, busquei focar o estudo em Bakhtin, recorrendo à fala de Ricoeur quando interessante para complementar ou contrapor, com os devidos cuidados, o autor russo. Ao longo da minha trajetória no mestrado, no segundo semestre cursei outra disciplina metodológica, de modo a tentar enriquecer meu texto acadêmico, mas que focava mais especificamente o texto científico na área de Comunicação. Já por afinidade com a minha dissertação, também cursei uma disciplina sobre cultura e representação. Porém, me interessei também por cursar uma disciplina que fugia bastante à minha proposta de pesquisa: Comunicação Política e Opinião Pública. Tais disciplinas, mesmo a última, foram de grande contribuição para a produção de meu texto. Em outro semestre, cursei Economia Política da Comunicação, que trouxe novas contribuições e reflexões para a conclusão desta dissertação. Junto à pesquisa e às disciplinas, busco participar de congressos na área, de modo a enriquecer meu currículo. Até o momento participei com a apresentação de trabalhos no V Simpósio sobre o Livro Didático de Língua Materna e Língua Estrangeira e IV Simpósio sobre Materiais e Recursos Didáticos, ambos promovidos pelos Departamentos de Letras e de

9 Design da PUC Rio, em parceria com o PPGMC, com publicação de meu artigo na revista Pesquisas em Discurso Pedagógico. Também tive a oportunidade de participar como congressista, integrante da organização e membro de banca julgadora do congresso nacional de 2015 promovido pela Intercom, e como congressista e membro de banca julgadora na edição de 2016 do mesmo evento. Também me apresentei no II Interprogramas XV Secomunica, em Brasília. Com o ingresso no mestrado, também passei a integrar o grupo de pesquisas educ@midia.com, vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Midia e Cotidiano da Universidade Federal Fluminense. Esse foi, portanto, um breve relato de minha vida acadêmica, e espero que esclareça também alguns pontos da dissertação que se apresenta a seguir.

10 Índice de Imagens Imagem 1: saguão de entrada do Castelo de Hogwarts Imagem 2: Draco comenta a chegada de Harry a Hogwarts Imagem 3: Draco se apresenta a Harry Imagem 4: Draco se dirige a Rony com desdém, após a risada deste Imagem 5: Harry se recusa a apertar a mão de Draco após ele falar de Rony e diz que sabe quem é a pessoa errada Imagem 6: Draco se frustra com a reação de Harry Imagem 7: Draco, Harry e Canino na Floresta Proibida Imagem 8: livraria Floreios e Borrões Imagem 9: livraria Floreios e Borrões Imagem 10: campo de quadribol Imagem 11: Draco se apresenta como novo apanhador do time da Sonserina Imagem 12: Rony e Hermione observam as novas vassouras do time da Sonserina Imagem 13: Hermione provoca Draco ao insinuar que ele não tem talento para jogar Imagem 14: Draco chama Hermione de sangue ruim Imagem 15: Hermione e Harry levam Rony para a casa de Hagrid, após este tentar lançar um feitiço em Draco e vomitar lemas. Os alunos da Sonserina observam, rindo da situação Imagem 16: corredores do Castelo de Hogwarts Imagem 17: sala comunal da Sonserina Imagem 18: casa de Hagrid Imagem 19: Lúcio esnoba a casa de Hagrid Imagem 20: Lúcio entrega a ordem de suspensão para Dumbledore, observado por Fudge Imagem 21: Lúcio esboça um sorriso de costas para Dumbledore, ao dizer que a morte de trouxas seria uma imensa perda Imagem 22: Lúcio reage com ironia à fala de Dumbledore após ser anunciada sua suspensão Imagem 23: sala do Professor Dumbledore Imagem 24: Lúcio entra com Dobby na sala de Dumbledore. O elfo demonstra claramente que tem medo do pai de Draco Imagem 25: Lúcio, em tom de irritação, manda Harry sair de sua frente, afastando-o com a bengala Imagem 26: Lúcio fica pensativo e preocupado ao ver o que Dumbledore sabe sobre o que ocorreu na escola Imagem 27: Lúcio se dirige a Harry com ironia ao saber que este ajudou Dumbledore a salvar a escola dos ataques de Voldemort Imagem 28: Dobby cai após ser chutado por Lúcio do alto da escada da sala de Dumbledore Imagem 29: corredor do Castelo de Hogwarts Imagem 30: bosque em Hogsmeade

11 Imagem 31: bosque em Hogsmeade Imagem 32: Harry e Hermione voltam ao local em que estavam discutindo com Draco Imagem 33: Harry e Hermione veem o momento da discussão deles com Draco Imagem 34: Hermione dá um soco em Draco Imagem 35: Draco sai correndo após o soco de Hermione, enquanto esta e Harry estão escondidos e ouvem o aluno se referindo a ela como sangue ruim Imagem 36: escadaria do estádio onde ocorre a Copa Mundial de Quadribol Imagem 37: sala no Ministério da Magia Imagem 38: porão da mansão dos Malfoy Imagem 39: Belatriz tortura Hermione Imagem 40: Belatriz interroga Hermione Imagem 41: Insatisfeita com a resposta de Hermione, Belatriz volta a torturá-la Imagem 42: Trancados no porão, Rony, Harry, Grampo, Olivaras e Luna ouvem os gritos de Hermione ao ser torturada Imagem 43: Jogada no chão, Hermione observa o corte que Belatriz fez em seu braço, com a expressão sangue ruim Imagem 44: A expressão mudblood que em português foi traduzida para sangue ruim aparece sangrando no braço de Hermione Imagem 45: Belatriz corta o rosto de Grampo ao chamá-lo de mentiroso Imagem 46: Grampo olha com ironia para Belatriz, pois o corte não lhe machuca Imagem 47: Belatriz insinua que continuará torturando Hermione Imagem 48: Após Harry e Rony saírem do porão e invadirem a sala da mansão dos Malfoy, Belatriz faz Hermione de refém enquanto eles lutam contra Lúcio, Narcisa e Draco Imagem 49: cabine no trem para Hogwarts Imagem 50: Rony se surpreende ao saber que conversava com Harry Potter Imagem 51: Harry mostra para Rony sua famosa cicatriz Imagem 52: Rony se empolga ao ver a cicatriz de Harry Imagem 53: Chegada da vendedora de doces Imagem 54: Rony fica constrangido por não ter dinheiro para os doces oferecidos pela vendedora e mostra que levou doces de casa Imagem 55: Harry observa Rony constrangido Imagem 56: Harry mostra dinheiro o suficiente para comprar todos os doces Imagem 57: Rony, surpreso, observa a quantidade expressiva de dinheiro que Harry carrega Imagem 58: quarto de Harry na casa de seus tios Imagem 59: Dobby aparece no quarto de Harry Imagem 60: Dobby se surpreende quando Harry pede para que se sente Imagem 61: Emocionado com o fato de Harry ter pedido que se sentasse, Dobby começa a chorar..150 Imagem 62: Harry, de modo simpático, diz à Dobby que este não conheceu muitos bruxos decentes

12 Imagem 63: Dobby bate com a cabeça na cômoda, de modo a se punir por falar mal da família para a qual serve, enquanto Harry pede que pare de se machucar Imagem 64: casa de Hagrid Imagem 65: Harry conta para Hagrid o que houve no campo de quadribol Imagem 66: Hermione, magoada, explica para Harry o que significa a expressão sangue ruim Imagem 67: Hagrid consola Hermione Imagem 68: Hermione agradece Hagrid com um sorriso Imagem 69: Harry/Goyle (esquerda) chama a atenção de Rony/Crabbe (direita), para que ele disfarce a irritação quando Draco fala mal de sua família Imagem 70: Draco pergunta se alguém é dono do presente que ele encontrou Imagem 71: Harry/Goyle olha com estranhamento para o bolso de Draco, após ele esconder o presente que encontrou Imagem 72: Harry/Goyle segura Rony/Crabbe quando este se levanta para bater em Draco, após este dizer que torce para que Hermione morra Imagem 73: Harry/Goyle diz para Draco que Rony/Crabbe demonstrou irritação por uma dor de estômago Imagem 74: Dobby solta o lustre sobre Belatriz e Hermione, para que esta última se solte e saia correndo Imagem 75: Dobby se irrita com Belatriz e diz que é um elfo livre Imagem 76: Harry, Grampo, Rony e Hermione se seguram em Dobby para fugirem

13 Índice de Gráficos Gráfico 1: Total de cenas com referências a preconceito Gráfico 2: Total de cenas com referências a preconceito nas interações entre personagens Gráfico 3: Total de situações de preconceito retratadas nas cenas Gráfico 4: Total de situações de preconceito retratadas nas cenas de cada filme Gráfico 5: Comparativo do total de situações de preconceito retratadas nas cenas Gráfico 6: Situações de preconceito racial ao longo dos filmes Gráfico 7: Situações de preconceito de classe social ao longo dos filmes Gráfico 8: Situações de preconceito racial ao longo dos filmes de acordo com os personagens que exerciam o preconceito Gráfico 9: Situações de preconceito de classe social ao longo dos filmes de acordo com os personagens que exerciam o preconceito Gráfico 10: Situações de preconceito de classe social ao longo dos filmes de acordo com os personagens que exerciam o preconceito, considerando o núcleo da família Malfoy Gráfico 11: Situações de preconceito do núcleo de personagens da família Malfoy ao longo dos filmes Gráfico 12: Comparativo do total de situações de preconceito apresentadas pelo núcleo de personagens da família Malfoy Gráfico 13: Total de cenas de empatia entre personagens versus preconceito da família Malfoy ao longo dos filmes Gráfico 14: Total de situações com empatia entre personagens versus preconceito da família Malfoy ao longo dos filmes Gráfico 15: Total de situações de empatia diante do preconceito apresentado pela família Malfoy Gráfico 16: Total de alinhamentos verificados na análise de situações de preconceito Gráfico 17: Total de alinhamentos verificados na análise de situações de empatia

14 Glossário Lista de personagens e expressões recorrentes na série Harry Potter 1 Abeforth Dumbledore: irmão de Alvo Dumbledore. Envia Dooby à mansão dos Malfoy para ajudar Harry. Alastor Moody: professor da Escola de Magia e Bruxaria de Hogwarts. Alberto Runcorn: funcionário do Ministério da Magia. Harry utiliza uma poção para se passar por ele e entrar no Ministério para pegar uma horcrux que está com Dolores Umbridge. Alvo Dumbledore/Professor Dumbledore: diretor da Escola de Magia e Bruxaria de Hogwarts e é afastado do cargo na história de Harry Potter e a Ordem da Fênix. É um personagem muito admirado por Harry e o defende várias vezes ao longo da série. Arthur Weasley: pai de Rony. Trabalha no Ministério da Magia. Belatriz Lestrange: uma das mais fiéis seguidoras de Lord Voldemort e irmã de Narcisa Malfoy. Colin Creevey: aluno da Escola de Magia e Bruxaria de Hogwarts. É muito fã de Harry e está sempre com um câmera fotográfica, registrando o que ocorre na escola. Comensais da Morte: forma como são chamados os seguidores de Lord Voldemort, buscando eliminar os seres de sangue ruim, considerados de raça inferior. Cornélio Fudge: Ministro da Magia e autoridade máxima da sociedade bruxa. Crabbe: amigo de Draco, sempre concorda com ele em todos seus posicionamentos. Morre em um incêndio causado por ele mesmo em uma das salas da Escola de Magia e Bruxaria de Hogwarts. Desaparatar: é a capacidade de desaparecer em um lugar e aparacecer (aparatar) em outro quase que instantaneamente. Dobby: elfo doméstico que serve à família Malfoy até Harry libertá-lo, se tornando um de seus melhores amigos. Dolores Umbridge: bruxa de perfil sádico que é nomeada para dar aulas de Defesa contra a arte das trevas na Escola de Magia e Bruxaria de Hogwarts, posteriormente ocupando o cargo de diretora no lugar de Alvo Dumbledore por um período. Também é responsável por alguns interrogatórios ocorridos no Ministério da Magia e demonstra ser contra aqueles que não são bruxos de sangue puro. Draco Malfoy: aluno da Escola de Magia e Bruxaria de Hogwarts. É preconceituoso e está sempre em confronto com Harry. 1 Foram citados somente os personagens da série que são retratados nas cenas analisadas nesta dissertação.

15 Duda Dudley: primo de Harry que constantemente implica com ele. Elifas: bruxo que foi jurista do Ministério da Magia e era amigo próximo de Alvo Dumbledore. Escola de Magia e Bruxaria de Hogwarts: escola em que Harry estuda e onde conhece seu melhores amigos. É dividida em quatro casas que abrigam, cada uma, um grupo de alunos: Corvinal, Grifinória, Lufa-lufa e Sonserina, nomes dados em homenagem aos sobrenomes de cada bruxo fundador da escola. As casas disputam entre si o campeonato de quadribol da escola ao longo do ano. Filch: zelador da Escola de Magia e Bruxaria de Hogwarts. Está sempre acompanhado de sua gata de estimação chamada Madame Norra. Flint: aluno da Escola de Magia e Bruxaria de Hogwarts. É capitão do time de quadribol da Sonserina. Gilderoy Lockhart: bruxo famoso por seus livros, é o professor de Defesa contra a arte das trevas na história de Harry Potter e a câmara secreta. Gina Weasley: irmã caçula de Rony, que tem uma paixão platônica por Harry desde criança. Se torna namorada dele em Harry Potter e o enigma do príncipe. Goyle: amigo de Draco, sempre concorda com ele em todos seus posicionamentos. Grampo: duende que trabalha em Gringotes, o banco dos bruxos. Gringotes: é o banco dos bruxos, onde estes guardam seu dinheiro e itens valiosos. Grope: meio-irmão gigante de Hagrid. Hagrid: guardião das chaves dos terrenos da Escola da Magia e Bruxaria de Hogwarts e muito amigo de Harry, Rony e Hermione. Harry Potter: prontagonista da história. É muito famoso no mundo bruxo por ser conhecido como o menino que sobreviveu após resistir, ainda bebê, a um ataque de Lord Voldemort à sua família. Como marca desse ataque tem uma cicatriz em forma de raio na testa. Hermione Granger: uma das melhores alunas da Escola de Magia e Bruxaria de Hogwarts. É esperta e exigente, além de ser a melhor amiga de Harry. É uma das personagens que mais sofrem preconceito na história por ser filha de trouxas. Horácio: antigo professor da Escola de Magia e Bruxaria de Hogwarts a quem Alvo Dumbledore chama de volta quando a escola está sob ameaçda de ser atacada por Lord Voldemort. Horcruxes: nome dado a sete objetos que carregam, cada um, uma parte da alma de Lord Voldemort. Destruir as sete horcruxes significaria, portanto, matá-lo. Lilian: mãe de Harry Potter. Morre quando Harry é bebê ao ser atacada por Lord Voldemort.

16 Lino Jordan: aluno da Escola de Magia e Bruxaria de Hogwarts. É locutor dos jogos de quadribol na escola. Lord Voldemort: principal vilão da história. Tem um plano de poder que busca eliminar todos aqueles que não são bruxos de sangue puro. Seu nome verdadeiro é Tom Riddle. Lúcio Malfoy: pai de Draco. Trabalha no Ministério da Magia e descobre-se por fim que é um comensal da morte. Luna Lovegood: aluna da Escola de Magia e Bruxaria de Hogwarts. É considerada excêntrica e ingênua pelos colegas. Maria Elizabeth Cattermole: esposa de Reginald Cattermole que é interrogada por Dolores Umbridge por ser nascida trouxa. Mestiço: forma como é chamado quem é descendente de pessoas que não são bruxas, ainda que descenda de bruxos também. O termo também designa quem não é bruxo, mesmo que seja descendente de um. Minerva McGonagall/Professora McGonagall: professora de Transfiguração da Escola de Magia e Bruxaria de Hogwarts. É exigente e uma bruxa extremamente poderosa, assumindo algumas vezes a posição de diretora interina da escola. Ministério da Magia: órgão máximo de poder dentro da sociedade bruxa retratada em Harry Potter. Monstro: elfo doméstico que serve à família Black. É preconceituoso e hostiliza Harry e seus amigos em alguns momentos da série. Muriel: parente da família Weasley. Revela a Harry detalhes sobre a vida de Alvo Dumbledore. Narcisa Malfoy: mãe de Draco e casada com Lúcio. No último filme, mente para Lord Voldemort que Harry está morto, para salvar Draco. Neville: aluno da Escola de Magia e Bruxaria de Hogwarts. É um garoto medroso e atrapalhado nos primeiros filmes, e sofre com o fato de seus pais terem enlouquecido após um feitiço lançado por Belatriz. Já mais velho, é um dos principais parceiros de Harry contra Lord Voldemort. Olivaras: tradicional proprietário de uma loja de varinhas e grande conhecedor do assunto a quem Harry recorre para obter informações. Olívio: aluno da Escola de Magia e Bruxaria de Hogwarts. É capitão do time de quadribol da Grifinória. Pedro Pettigrew: bruxo que, no passado, trai a amizade do pai de Harry, Thiago Potter, entregando a localização dele, Lilian e Harry para que Voldemort pudesse atacá-los. Petúnia Evans: Tia de Harry e irmã de Lilian. Embora o abrigue em sua casa, rejeita o sobrinho por este ser bruxo igual a Lilian, com quem tinha desentendimentos.

17 Pio Thicknesse: funcionário do Ministério da Magia. Quadribol: esporte mais popular do mundo bruxo, que consiste em dois times de sete jogadores voando sobre vassouras e jogando com quatro bolas diferentes, cada uma com uma função determinada. Reginald Cattermole: funcionário do Ministério da Magia. Rony utiliza uma poção para se passar por ele e entrar no Ministério para ajudar Harry a pegar uma horcrux que está com Dolores Umbridge. Ronald Weasley/Rony: melhor amigo de Harry, que se torna namorado de Hermione. Sofre várias humilhações de Draco por ser pobre. Sangue puro: forma como são chamados os bruxos de ascendência totalmente bruxa. Sangue ruim: expressão pejorativa, considerada a mais ofensiva no chamado mundo bruxo, utilizada para designar bruxos mestiços. Senhora Black: Walburga Black, mãe de Sirius Black, padrinho de Harry Potter. Severo Snape: professor de Poções da Escola de Magia e Bruxaria de Hogwarts. É hostil com Harry durante a maior parte da história. No fim, Harry descobre que, secretamente, Snape era um de seus maiores protetores. Era apaixonado pela mãe de Harry e atuou durante um período como Comensal da Morte para ser espião de Alvo Dumbledore. Simas: aluno da Escola de Magia e Bruxaria de Hogwarts e um dos colegas de quarto de Harry. Trouxas: aqueles que não possuem poderes mágicos. Valter Dudley: tio de Harry que o rejeita por ser bruxo. Yaxley: funcionário do Ministério da Magia.

18 Sumário Introdução Capítulo 1 O preconceito na vida cotidiana, a partir da alteridade Capítulo Sobre uma perspectiva filosófica da alteridade O Eu e o outro: perspectiva psicanalítica da alteridade Alteridade, discurso e ação A narrativa à luz das alteridades A formação do preconceito e o olhar sobre o outro A construção social de preconceitos A fé como afeto do preconceito Personalidade autoritária, conhecimento do outro e preconceito O potencial reflexivo e educativo da discussão sobre preconceito: possibilidades para uma hexis educativa A educação contra a barbárie Dimensão da Educação e da Comunicação na influência de comportamentos Sobre a hexis educativa e seu potencial Capítulo 3 A interação face a face: análise das relações de alteridade e preconceito Resumo da obra Harry Potter Os debates sobre preconceito que permeiam a série Harry Potter A interação face a face: análise das relações de alteridade retratadas na série Harry Potter Como as características das interações face a face na narrativa podem contribuir para uma potencial hexis educativa sobre a questão do preconceito? Filme 1: Harry Potter e a pedra filosofal Cena Cena Filme 2: Harry Potter e a câmara secreta Cena Cena Cena Cena Cena

19 Capítulo Cena Cena Filme 3: Harry Potter e o prisioneiro de Azkaban Cena Cena Filme 4: Harry Potter e o Cálice de Fogo Cena Filme 5: Harry Potter e a Ordem da Fênix Cena Filme 7: Harry Potter e as relíquias da morte parte Cena Cena A construção de uma possibilidade de hexis educativa a partir da empatia Análise de relações de empatia entre os personagens Cena Cena Cena Cena Cena Cena Cena Cena Cena Cena Cena Capítulo 5 Discussão dos resultados e Considerações Finais Referências Bibliográficas Anexo I Relatório de cenas de preconceito em Harry Potter Filme 1: Harry Potter e a pedra filosofal (Total: 5 cenas) Filme 2: Harry Potter e a câmara secreta (Total: 17 cenas) Filme 3: Harry Potter e o prisioneiro de Azkaban (Total: 2 cenas) Flime 4: Harry Potter e o cálice de fogo (Total: 3 cenas) Filme 5: Harry Potter e a ordem da fênix (Total: 4 cenas) Filme 6: Harry Potter e o enigma do príncipe (Total: 1 cena)...211

20 Filme 7: Harry Potter e as relíquias da morte Parte 1 (Total: 10 cenas) Filme 8: Harry Potter e as relíquias da morte Parte 2 (Total: 2 cenas) Anexo II Tabela com situações de preconceito em Harry Potter Anexo III Tabela com situações de preconceito exercido pela família Malfoy em Harry Potter Anexo IV Relatório de cenas com situações de empatia em Harry Potter Filme 1: Harry Potter e a pedra filosofal (Total: 2 cenas) Filme 2: Harry Potter e a câmara secreta (Total: 6 cenas) Filme 3: Harry Potter e o prisioneiro de Azkaban (Total: 1 cena) Filme 7: Harry Potter e as relíquias da morte parte 1 (Total: 2 cenas) Anexo V Tabela com situações de empatia entre personagens em Harry Potter

21 21 Introdução Na vida cotidiana, lidar com as diferenças é uma situação constante. Porém, o preconceito pode estar presente nas relações sociais, as quais ocorrem entre seres essencialmente diferentes. A dificuldade em lidar com a diferença do outro permite, então, refletir sobre as relações do indivíduo com toda a heterogeneidade que compõe o cotidiano. Afinal, cada ser é único em sua particularidade e a vida cotidiana é a vida do indivíduo (HELLER, 2000, p. 20). Assim sendo, visto que todo indivíduo é, essencialmente, diferente de outro, sendo particular, mas também se formando no cotidiano, não se pode negar o papel do diferente nesta formação. Logo, a relação com o outro e suas diferenças é fator determinante na construção da identidade. Segundo Ricoeur e Arendt, apud Conceição e Amitrano (2011, p. 1) [...] qualquer postura do sujeito no mundo e diante de si é comprometimento, é ação ética, é identidade. E o outro é condição sine qua non da identidade do sujeito. Nesse sentido, entender a relação do indivíduo 2 com o outro, ou seja, o diferente, permite compreender como o sujeito se apresenta no mundo. E se, como diz Barbosa (2007, p. 13), à luz de Ricouer, narrar é uma forma de estar no mundo e dessa forma entendê-lo, tudo o que o sujeito propõe em sua presença no mundo é, portanto, narrativa. Sob uma perspectiva aristotélica, Ricoeur (2010) pensa a narrativa a partir da ação dos personagens, sendo os próprios considerados em segundo plano. Ora, se a narrativa representa a ação, é através de determinados atos que o sujeito propõe sua presença no mundo. Logo, se o outro é condição sine qua non da identidade do sujeito, este se situa no mundo, de certa forma, em sua atitude em relação ao outro. Nesse sentido, as narrativas presentes na produção midiática, dada a pluralidade (e quantidade) de público que podem alcançar, enunciam possibilidades de reflexão sobre esta atitude em relação ao outro e de abertura ao diferente, caso a abordagem junto ao público apresente relações de alteridade que o levem ao pensamento sobre o diferente de modo a evitar o senso comum. Nesses casos, a reflexão pode ter, inclusive, um potencial educativo, 2 Apesar de existirem diferenças conceituais entre os termos sujeito e indivíduo, esta dissertação utlizará os termos no sentido amplo das palavras, não sendo escopo da pesquisa adentrar nas discussões sobre as distinções entre eles e suas especificidades. Considera-se esta utilização dos termos possível, visto que suas definições não necessariamente se excluem, mas se complementam. Segundo Morin (1999, n. p.), por exemplo, de uma forma mais profunda e básica, a autonomia do indivíduo vivo em especial o humano se afirma em sua condição de sujeito.

22 22 tal como a ideia de que educar é causar um estranhamento que leve à possibilidade de pensar sobre uma determinada questão (SODRÉ, 2013). Um exemplo de como a história apresentada, na forma como se dá sua abordagem, pode enunciar a abertura à questão da alteridade, de modo a promover a reflexão em seu público, é percebido em narrativas próprias da cultura pop 3, visto que, geralmente, são direcionadas a crianças e adolescentes. Não por acaso, este é um público em fase de formação de sua identidade e em momento de aprendizagem sobre como lidar com as diferenças, incluindo as suas próprias particularidades. Há exemplos que ilustram a questão. Pode-se citar as histórias em quadrinhos e filmes da série X-Men e seus heróis mutantes que constantemente sofrem com o preconceito alheio por não serem humanos 4 ; as novas histórias em quadrinhos de outros super-heróis que apresentam maior diversidade e protagonistas que representam minorias como uma mulhergato bissexual 5 ou uma mulher negra no lugar do Homem de Ferro 6, entre outros 7. Este é o caso, também, da série ficcional Harry Potter 8. Segundo estudo publicado pelo Journal of Applied Social Psychology (2015) 9, feito a partir dos livros e filmes de J. K Nesta dissertação será considerada a ideia de cultura pop como cultura popular, de massa, e com alto potencial de consumo. Algumas críticas abordam as questões de preconceito na série X-Men já reconhecidamente de importância na discussão de diferenças desde que foi lançada, em 1963, em meio a fortes discussões sobre direitos civis nos Estados Unidos, seu país de origem. Ver 9 personagens que mostram como X-Men fala sobre preconceito, disponível em < acesso em 02/08/2016, e Os X-Men e o preconceito, disponível em < acesso em 02/08/2016. Ver 13 lições de diversidade que os quadrinhos de super-heróis deram em Disponível em < 2015/#gs.t47dal8> Acesso em: 02/08/2016. Ver Mulher negra substituirá Tony Stark como Homem de Ferro nas HQs. Disponível em < Acesso em: 02/08/ Não são apenas narrativas próprias da cultura pop as responsáveis por enunciar abertura à questão da alteridade, visto que tal característica pode ser percebida mesmo em narrativas mais tradicionais, como Cinderela ou Branca de Neve e os sete anões em suas versões adaptadas para o grande público, por exemplo. No entanto, para fins de recorte de pesquisa, serão consideradas especificamente narrativas próprias da cultura pop, considerando o forte apelo que possuem atualmente. 8 9 Convencionou-se utilizar neste texto o nome Harry Potter em itálico quando se referir aos livros e filmes, e não ao personagem. Vários veículos de comunicação também divulgaram informações sobre o trabalho, como a revista Galileu (disponível em: < Pacific Standard (disponível em: < e Scientific American (disponível em: < Acesso em: 24/07/2015.

23 23 Rowling, foi verificada, a partir do contato com a história, maior tolerância 10 em relação a estratos sociais considerados minoritários, mais precisamente imigrantes, homossexuais 11 e refugiados (VEZZALI et al, 2015). O estudo partia da hipótese de que a exposição a elementos midiáticos apresenta resultados cognitivos e afetivos similares aos efeitos de experiências diretas em diferentes contextos (ORTIZ e HARWOOD 12, 2007, apud VEZALLI et al, 2015). Assim, em articulação com a teoria social cognitiva 13 (BANDURA, e , apud VEZALLI et al, 2015) foram realizados três experimentos que discutiam passagens da história de Harry Potter: um experimento com crianças italianas do ensino fundamental que abordava questões sobre imigrantes, um segundo experimento com estudantes do ensino médio na Itália e com o direcionamento das discussões para a questão dos homossexuais e, por fim, um terceiro experimento com estudantes de graduação do Reino Unido, que abordava questões em relação a refugiados. No caso, o foco foi estudar o preconceito em relação a imigrantes, homossexuais e refugiados, uma vez que é o mais presente em países da Europa, segundo os estudos prévios utilizados pelos pesquisadores (PEREIRA, VALA e COSTA-LOPEZ, ; SCHMID et al, ; WEST e HEWSTONE, ; ZICK, PETIGREW e WAGNER, , apud 10 A palavra tolerância para expressar relações de respeito com as diferenças não é considerada a melhor definição, pois pressupõe algo que se aceita pelo simples fato de não poder ser modificado, mas esvazia a discussão sobre os preconceitos. No entanto, foi mantida essa palavra para referenciar os resultados da pesquisa, pois assim se deveria traduzi-la. 11 Embora haja uma discussão acerca do uso do termo homossexual, muitas vezes sendo sugerido o termo homoafetivo em seu lugar, não se entrará nesta questão, uma vez que isso demandaria outros estudos paralelos, o que não é o foco do trabalho. Se manterá, portanto, o uso da palavra homossexual neste texto, considerando-a equivalente a homoafetivo, visto ser a tradução literal da palavra no texto original ao qual se faz a referência. 12 ORTIZ, M.; HARWOOD, J. A social cognitive theory approach to the effect of mediated intergroup contact on intergroup attitudes. In: Journal of broadcasting and electronic media. N. 51. [S. l.]: Routledge, A teoria social cognitiva tem como principal teórico Albert Bandura, e considera que o indivíduo não recebe passivamente as influências de seu meio, mas também interfere nos processos em que vive. O indivíduo adota, portanto, um comportamento a partir de modelos de experiências de outras pessoas, bem como de acordo com o pensamento que tem sobre suas consequências. Essa teoria será mais discutida no segundo capítulo desta dissertação. 14 BANDURA, A. Self-efficacy: the exercise of control. Nova York: Freeman, BANDURA, A. Social congnitive theory of mass communication. In: J. Bryant; D. Zilmann (orgs.). Media effects: advances in theory and research. Hillsdale: Erlbaum, PEREIRA, C.; VALA, J.; COSTA-LOPEZ, R. From prejudice to discrimination: the legitimizing role of perceived threat in discrimination against immigrants. In: European Journal of Social Psychology. n. 40. Nova York: John Wiley & Sons: SCHMID, K. et al. Secondary transfer effects of intergroup contact: a cross-national comparison in Europe. In: Social Psychology Quartely. n. 75. [S. l.]: SAGE Publishing, 2012.

24 24 VEZZALI et al, 2015). Porém, pode se considerar que tais questões são inerentes ao ser humano, independentemente de sua nacionalidade e, visto que o preconceito a qualquer grupo pressupõe um rebaixamento do outro (SODRÉ, 2011), os resultados podem ser considerados em pesquisas feitas fora desses países e no que diz respeito ao preconceito a outros grupos que não somente os citados. Os estudos também levam em consideração outros trabalhos que demonstram a riqueza de tópicos abordados na história, como o artigo Playing the genre game: generic fusions of the Harry Potter series (ALTON, apud VEZZALI et al, 2015) e o fato de Harry Potter mostrar uma estrutura social em que conflitos entre diferentes grupos são tópicos importantes no enredo, tema do texto Intergroup conflict in the world of Harry Potter (BEERS e APPLE, , apud VEZZALI et al, 2015). O fato de vários trabalhos que abordavam a obra Harry Potter serem utilizados como base teórica para o estudo publicado pelo Journal of Applied Social Psychlogy demonstra que há interesse sobre as questões apresentadas na obra e como se desenvolvem junto ao público. No entanto, ainda são poucas as pesquisas nesse sentido no Brasil, apesar do forte impacto da obra no país, que é de sucesso mundial. Ressalta-se que as estreias dos filmes no Brasil bateram recordes como, por exemplo, o lançamento de Harry Potter e a ordem da fênix, que se tornou à época a maior abertura nacional em uma quarta-feira, arrecadando 2,86 milhões de reais 22. A partir da leitura das narrativas de Harry Potter, percebe-se, então, que o enredo aborda preconceitos e questões culturais que, na estrutura ficcional, podem levar à reflexão sobre a temática do preconceito no cotidiano, a partir das relações de alteridade presentes entre os personagens. Há uma problemática constante no enredo: a contraposição entre o comportamento dos personagens que aceitam o outro e as diferenças entre eles, e aqueles que buscam manter o status quo e as barreiras às relações de alteridade. E a discussão sobre a 18 WEST, K.; HEWSTONE, M. Relatively socially acceptable prejudice within and between societies. In: Journal of Community and Applied Social Psychology. n. 22. Nova York: John Wiley & Sons, ZICK, A.; PETTIGREW, J. F.; WAGNER, U. Ethnic prejudice and discrimination in Europe. In: Journal of Social Issues. n. 64. Nova York: John Wiley & Sons, ALTON, Annie Hiebert. Playing the genre game: Generic fusions of the Harry Potter series. In: HEILMAN, Elizabeth E. (Org.) Critical perspectives on Harry Potter. 2. ed. Nova York: Routledge, BEERS, Melissa. J.; APPLE, Kevin J. Intergroup conflict in the world of Harry Potter. In: MULHOLLAND, Neil (Org.) The psychology of Harry Potter: An Unauthorized Examination Of The Boy Who Lived. Dallas: BenBella Books, Informação disponível em: < +BATE+RECORDE+NO+BRASIL.html>. Acesso em: 25/01/2016.

25 25 relação do indivíduo com o outro e sua diferença está diretamente ligada à questão do preconceito. Nesta problemática sobre o diferente pode residir, assim, um potencial educativo da série ficcional sobre a questão do preconceito, pois, ao se identificar com os conflitos ali presentes, o público pode vir a refletir sobre o tema. Segundo Borelli (2007, p. 9) [...] há, ao mesmo tempo, jovens universais, capazes de ler Harry Potter em qualquer lugar do mundo e de reconhecer nessas narrativas as matrizes culturais originárias por meio das quais eles poderiam projetar referências e identificar-se com a trama proposta. Tais matrizes culturais podem ser entendidas como sendo os textos culturais produzidos através da articulação da lógica de produção com o imaginário social (MARTÍN-BARBERO, 1997). Assim, ainda que dentro de uma lógica de produção que vise o consumo, a trama de Harry Potter pode apresentar um potencial educativo através da identificação do público com a história quando a compara com sua própria realidade social e consciência da necessidade de reflexão. Nesse sentido, verifica-se uma relação na trama de Harry Potter da postura de personagens que possuem uma maior abertura às diferenças, como resultado de atitude baseada na consciência e na responsabilidade de estarem agindo da forma correta, ainda que o sistema em que se inserem abrigue, muitas vezes, ideias e valores que hostilizem o diferente como uma atitude natural na sociedade. Em contrapartida, há o pensamento representado pelos personagens ligados ao vilão da história, os quais, assim como o próprio, recusam a aceitação do outro, uma vez que isso signifique aceitar alguém diferente do que consideram sangue puro. A relação de um personagem com outro, neste aspecto, é essencial para compreender a narrativa como problematização da relação com o diferente e, assim, com a diversidade. Notase, então, o potencial educativo da narrativa de Harry Potter, que está intrinsecamente ligada à compreensão do outro. As analogias ao longo da narrativa fazem da série de livros e filmes, portanto, um interessante objeto de estudo sobre possibilidades de abertura para os princípios da alteridade, contribuindo para a discussão entre seu público acerca do discurso sobre as diversas formas de preconceito ali presentes. Esse potencial educativo remete à possibilidade de se ultrapassar, a partir da educação, a moralidade já estabelecida. Assim também é a proposta de Sodré (2013) com o conceito de hexis educativa. Para ao autor, [...] educar implica ir além da repetição contingente de um costume pela aceitação dos impulsos de liberdade que transformam ethos em hexis (Ibid., p. 84). Tanto ethos quanto hexis são palavras gregas que se referem a costume e modo de agir, sendo o sentido da hexis o de uma prática sem automatismo, em contrapartida ao ethos, que relaciona o costume com

26 26 uma maneira regular de agir, o que pode levar atos que, embora morais, sejam negativos, pois partem de mera repetição dos costumes, e não de uma reflexão independente. Logo, apresenta-se como problema de pesquisa: em que medida as interações entre os personagens da história, e o exercício ou não de alteridade ali representado, apresentam uma potencial hexis educativa sobre a questão do preconceito em narrativas ficcionais infantojuvenis? Para responder à questão proposta, parte-se do pressuposto de que a narrativa ficcional pode enunciar possibilidades de reflexão sobre temas do cotidiano, sendo Harry Potter um caso de relevância em relação à questão do preconceito. Há, portanto, questões a serem abordadas sobre os elementos constitutivos da história, verificando-se nos mesmos o protagonismo de personagens que representam crianças e adolescentes oriundos de diferentes realidades. O objetivo da pesquisa é, portanto, compreender como se configura, nas relações de alteridade presentes em narrativas ficcionais infantojuvenis, um potencial educativo sobre a questão do preconceito, considerando como estudo de caso a série de filmes do bruxo Harry Potter. O percurso metodológico será composto, portanto, por três etapas: a primeira, uma revisão bibliográfica, de modo a discutir autores que apresentem questões primordialmente acerca de alteridade, preconceito, narrativa e educação, bem como seus possíveis diálogos. Junto à revisão bibliográfica, serão discutidos também, ainda que não sejam temas centrais na pesquisa, mas que a tangenciam e são necessários a seu entendimento, estudos sobre discurso. Quando necessárias, serão também utilizadas outras fontes de estudos sobre a série Harry Potter. Com a proposta teórica se sustentará, então, a segunda etapa da pesquisa, a qual é o estudo de caso com a análise de diálogos em trechos dos oito filmes da série Harry Potter que enfoquem as relações de alteridade e, assim, a temática do preconceito entre os personagens. Para tanto, será utilizada a metodologia da Sociolinguística Interacional. A análise a partir dessa metodologia será feita com base nas situações sociais que ocorrem na história, considerando situação social como [...] um ambiente que proporciona possibilidades mútuas de monitoramento, qualquer lugar em que um indivíduo se encontra acessível aos sentidos nus de todos os outros que estão presentes e para quem os outros indivíduos são acessíveis de forma semelhante (GOFFMAN, 2013, p. 17). Nesse sentido, a Sociolinguística Interacional é uma proposta metodológica adequada. Com influência da pesquisa qualitativa empírica e interpretativa, esta metodologia tem origem entre as décadas de 1960 e 1980 e traz como base a Análise do Discurso, buscando compreender a linguagem tal como utilizada em determinada interação social (RIBEIRO e

27 27 GARCEZ, 2013). Segundo Tannen 23 (1992) apud Ribeiro e Garcez (2013), os trabalhos desenvolvidos nessa área podem ser de maior interesse no fenômeno linguístico ou no fenômeno interacional. No caso em questão, o foco do estudo será na relação de interação entre os participantes do fenômeno, pois, um princípio básico da Sociolinguística Interacional é que a interação face a face tem sua complexidade enquanto cenário de construção de significado social. O importante nessa interação é que o agrupamento de pessoas em si não basta para que ocorra o comprometimento do encontro entre essas pessoas. No encontro, há uma orientação de um indivíduo para o outro que os separa dos demais indivíduos no agrupamento, formando o que seria, de fato, o encontro. Esses encontros são analisados na interação entre os personagens de Harry Potter, de modo a verificar como o preconceito se mostra em tais interações, a partir das falas dos personagens. Os diálogos serão observados à luz dos elementos constitutivos da Sociolinguística Interacional por esta também ter como vantagem a sua aplicabilidade em variadas formas de interação social. A metodologia analisa as falas para além dos fatores linguísticos, considerando, também, gestos, silêncios e outros fatores que, associados ao uso da fala, estão presentes na interação. Esta característica a torna pertinente na análise de um filme, em que tais fatores também são importantes para a compreensão da mensagem, especialmente considerando que não se fará aqui uma análise fílmica. Ressalta-se, também, que o objeto de análise proposto são os próprios filmes e não a recepção destes. A partir de resultados já obtidos em outras pesquisas aqui citadas, que consideram a recepção do público, o presente estudo utiliza os filmes como objeto considerando o contexto em que a ação dos personagens se insere, bem como as consequentes relações entre os mesmos. Aliás, a escolha dos filmes e não dos livros de Harry Potter se deu não só pelo grande alcance de público, mas também por possibilitarem uma versão reduzida da história originalmente apresentada, viabilizando a pesquisa em período hábil para que fosse concluída. No entanto, é sabido que, em se tratando de uma pesquisa feita a partir de filmes, a análise fílmica, é a princípio, uma opção pertinente. No entanto, a escolha da metodologia Sociolinguística Interacional se deu pelo fato de o foco da pesquisa não ser a análise de filmes, mas as relações sociais que constroem o discurso presente nos mesmos. Ressalta-se, entretanto, que não serão desconsiderados fatores audiovisuais pertinentes à compreensão da mensagem transmitida. Contudo, estas características não serão foco da análise, o qual estará nas relações entre os personagens através dos diálogos entre eles, uma 23 TANNEN, D. Interacional sociolinguistics. In: W, Bright (org.). International encyclopedia of linguistics. n. 4. Nova York: Oxford University Press, 1992.

28 28 vez que a proposta de pesquisa está nas relações de alteridade e preconceito, e não na narrativa audiovisual em si. Além disso, busca-se uma análise que favoreça a observação do objeto de pesquisa em narrativas de ficção em geral, o que se aplicaria também a livros. As duas primeiras etapas sustentarão a terceira, que busca discutir, com base na Sociolinguística Interacional e nos autores, como o potencial de uma hexis educativa para pensar a questão do preconceito, a partir da alteridade, se configura nas interações entre os personagens, considerando também a identificação, ou não, do público com os mesmos. Assim, propicia-se também a discussão de como a relação com o outro na interação entre os personagens de narrativas de ficção infantojuvenis contribui para a discussão do preconceito, tema de relevância para a sociedade. Juntam-se a essas três etapas a Introdução e a Conclusão da pesquisa, sendo a dissertação composta, então, de cinco partes. A primeira, a presente Introdução, tem por finalidade a apresentação do tema proposto a partir de uma definição sobre aspectos do preconceito tendo as relações de alteridade como um ponto de partida e sobre como a narrativa ficcional pode enunciar possibilidades de discussão sobre a questão, em uma perspectiva da hexis educativa, utilizando como estudo de caso a série ficcional Harry Potter. No primeiro capítulo, busca-se apresentar uma abordagem teórica sobre a questão da alteridade, tal como proposta na obra de autores como Bakhtin (1997, 1999, 2006 e 2010), e Arendt (2002, 2007 e 2008) em suas semelhanças e contrapontos com outros pensamentos, como Ricoeur (2010 e 2014), para então se chegar à discussão do preconceito na visão de Heller (2000) e Adorno (1950). Busca-se entender, então, como a alteridade se configura na linguagem e pode enunciar o aspecto do preconceito, quando expresso nas relações sociais. O segundo capítulo tem como objetivo compreender o potencial reflexivo e educativo junto ao público sobre o preconceito, a partir da alteridade, considerando estudos já realizados sobre a recepção do público a tais questões e o conceito de hexis educativa proposto por Sodré (2013), bem como o pensamento de outros autores na área de educação. Também é proposto, neste capítulo, entender como isso se configura na construção das relações entre os personagens e na identificação do público com os mesmos. O propósito do terceiro capítulo é analisar as relações entre os personagens da série Harry Potter. Serão analisadas falas específicas ao longo dos oito filmes da série com base nos conceitos da Sociolinguística Interacional, de modo a compreender em que medida as interações entre os personagens da história, e o exercício ou não de alteridade ali representado, apresentam uma potencial hexis educativa sobre a questão do preconceito em narrativas ficcionais infanto-juvenis.

29 29 Por fim, busca-se mostrar como o trabalho feito pode responder à pergunta do problema desta dissertação, bem como abrir espaço para pesquisas posteriores que estejam relacionadas à questão proposta. Do mesmo modo, pretende-se refletir sobre a aplicação da pesquisa no estudo de caso e sua relevância para a sociedade no âmbito dos estudos de Comunicação e Educação.

30 30 Capítulo 1 O preconceito na vida cotidiana, a partir da alteridade 1.1 Sobre uma perspectiva filosófica da alteridade Os indivíduos são, essencialmente, diferentes entre si. Entretanto, as diferenças, ao mesmo tempo, são um ponto em comum. Ora, se o que há em comum é o fato de todos serem diferentes, saber lidar com as diferenças deveria ser próprio do ser humano. No entanto, a sociedade mostra que a singularidade de cada um nem sempre é respeitada, sendo inclusive, subalternizada, gerando variadas relações que negam a compreensão do outro. Fato que leva a uma discussão sobre como o indivíduo compreende a alteridade e formula juízos de valor que possam vir a rebaixar o outro em sua condição de sujeito. O ser humano, em sua pluralidade, apresenta tanto o aspecto da igualdade quanto o da diferença (ARENDT, 2007). Afinal, se não fossem iguais, os seres não conseguiriam compreender uns aos outros, e se não fossem diferentes, não haveria a necessidade de se comunicarem para se fazerem entender. Assim, a alteridade não é exatamente sobre a condição de ser o outro, o diferente. Na realidade, a alteridade é que permite definir o que distingue uma coisa da outra. A alteridade é, sem dúvida, aspecto importante da pluralidade; é a razão pela qual todas as nossas definições são distinções e o motivo pelo qual não podemos dizer o que uma coisa é sem distingui-la de outra. Em sua forma mais abstrata, a alteridade está presente somente na mera multiplicação de objetos inorgânicos, ao passo que toda vida orgânica já exibe variações e diferenças, inclusive entre indivíduos da mesma espécie. (Ibid., p. 189) Arendt destaca que o indivíduo é, essencialmente, diferente do outro e que [...] no homem, a alteridade, que ele tem em comum com tudo o que existe, e a distinção, que ele partilha com tudo o que vive, tornam-se singularidade, e a pluralidade humana é a paradoxal pluralidade de seres singulares. Porém, a pensadora entende que ser diferente não equivale a ser o outro, visto que a diferença é essencial ao ser humano, e se manifesta quando este a comunica. Nesse sentido, a alteridade não seria a qualidade de lidar com a diferença, mas uma característica que diferencia os seres ao serem definidos. Por outro lado, Santo Agostinho (2008), influência de Hannah Arendt, evidencia a questão da alteridade na obra Confissões, embora o tema não seja central no livro. No caso, a relação com o outro se apresenta como uma relação com Deus. Para o Bispo, Deus é aquele

31 31 a quem o ser humano deve buscar, de modo a descobrir a si próprio, pois apenas Deus é único em si mesmo. Agostinho de Hipona apresenta um aspecto interessante sobre os seres e sua relação com o outro, quando fala sobre a vanglória. Para o pensador, Deus fez todas as coisas iguais e boas, porém a tentação de ser reconhecido pelos outros provoca a incerteza do ser. O autor diz que, quando outra pessoa o louva pelo que possui de bom, ele se satisfaz. Do mesmo modo, o entristece que alguém o louve por algo que não considera possuir de bom. Mas a incerteza se cria por não saber se isso ocorre por não achar justo ser louvado por algo que não creia merecer, ou se é pelo fato de que outro alguém não concorda com ele. Sendo assim, Santo Agostinho confessa que teme que não tenha uma real preocupação com o outro. Em ti, ó Verdade, eu vejo que não me devo deixar levar pelos louvores por causa de mim, mas por causa do bem do próximo. E não sei se sou assim. [...] Interrogar-me-ei de novo com mais diligência. Se sou levado, nos louvores que me dirigem, pelo bem do próximo, porque é que me impressiono menos, se alguém é vituperado injustamente, do que quando sou eu? Porque é que me morde mais a mim a afronta que é lançada contra mim do que a que, com igual injustiça, é lançada contra o outro, diante de mim? Porventura ignoro também isto? Acaso devo concluir que me engano a mim mesmo, e que não pratico a verdade, diante de ti, no meu coração, e na minha língua? (Ibid., p. 92) A passagem sobre a vanglória evidencia uma questão importante para o presente estudo: até que ponto o ser humano se coloca no lugar do outro? Na busca interior de cada indivíduo, ainda que ser o outro não seja a condição de ser diferente, partindo do pensamento de Santo Agostinho, há de se pensar no outro como necessário à melhora do ser humano e perante Deus, tornando as pessoas menos individualistas e egoístas. A própria percepção da necessidade de se refletir sobre como o ser se coloca em relação ao outro já é uma reflexão sobre a alteridade, o que propicia, portanto, pensar sobre a individualidade como aspecto importante dessa discussão. Embora aqui, até o momento, se apresente a alteridade a partir de uma perspectiva filosófica, se trata de objeto de estudo que não se encerra nesta interpretação e nem com os autores até então referenciados. Nota-se que a questão perpassa variadas vertentes, como a psicanálise, por exemplo, e o discurso, que serão as bases deste estudo para compreender a construção de preconceitos. Do mesmo modo, será considerada, também, uma perspectiva narratológica, visto o objeto de estudo de caso. Portanto, apesar de haver mais possibilidades de abordagem do tema, no presente trabalho, serão abordadas, em associação à perspectiva filosófica até então exposta, mais três

32 32 perspectivas 24 para uma melhor compreensão da alteridade e uma posterior discussão acerca do preconceito: psicanalítica, discursiva e narratológica. 1.2 O Eu e o Outro: perspectiva psicanalítica da alteridade É importante considerar a alteridade a partir de uma perspectiva psicanalítica, uma vez que esta contribui para uma melhor compreensão da formação do preconceito na sociedade, como se verá mais a frente, com o conceito de personalidade autoritária de Adorno (2002). A própria teoria freudiana, aliás, embora não explicitamente, perpassa a questão da alteridade ao longo de sua construção, pois é inerente ao humano e à compreensão do Eu, este essencial na obra de Freud que é, em primeiro lugar, uma reflexão sobre o outro que habita o eu (MOREIRA, 2009, p. 234). Assim sendo, embora o presente estudo não seja sobre psicanálise, se faz necessário um entendimento de como a alteridade é abordada dentro deste campo 25. Em princípio, cabe compreender como se dá o conceito do Eu na psicanálise, a partir da teoria freudiana. Este conceito tem dois momentos e, segundo Moreira (2009), no primeiro momento, o Eu é constituído necessariamente a partir da presença de um Outro, mas este só é percebido pelo Eu como seu próprio reflexo. Isto é, a dimensão da alteridade está presente e implica na constituição do Eu, porém, ainda de forma não tão relevante enquanto relação com o outro. Uma maior aproximação com a questão da alteridade se encontra em um segundo momento, em que esta é entendida como a responsável pela constituição do Eu, no momento em este é uma parte do que Freud (2011) chama de Id, que foi modificado em contato com a realidade. A ideia de Id em Freud tem relação com o prazer, o que seria mais instintivo do ser humano. A modificação sofrida se daria, então, a partir da razão, esta representada pelo Eu. Recorrendo diretamente a Freud, percebe-se esta divisão entre o prazer e a razão. É fácil ver que o Eu é a parte do Id modificada pela influência direta do mundo externo [...]. Ele também se esforça em fazer valer a influência do mundo externo sobre o Id e os seus propósitos, empenha-se em colocar o princípio da realidade no lugar do princípio do prazer, que vigora 24 Cada perspectiva será abordada de acordo com a proposta da presente dissertação. Porém, ressalta-se que este recorte para a discussão da alteridade não se encerra nas perspectivas aqui referenciadas. 25 Se utilizam aqui não somente as leituras da obra de Freud, mas também seu olhar a partir de Jacqueline de Oliveira Moreira, importante pesquisadora que estuda o problema da alteridade na teoria fredudiana, o que contribui com a atualização da visão de Freud para a problemática.

33 33 irrestritamente no Id. A percepção tem, para o Eu, o papel que no Id cabe ao instinto. O Eu representa o que se pode chamar de razão e circunspecção, em oposição ao Id, que contém as paixões. Tudo isso corresponde a notórias distinções populares, mas deve ser entendido tão só como aproximadamente ou idealmente correto. (FREUD, 2011, p ) Nota-se, porém, que essa abordagem do Eu envolve a reflexão sobre outros fatores 26. No entanto, não caberia aqui se aprofundar em tais questões, sendo importante, de fato, compreender que há notoriamente uma relação de alteridade na composição do Eu no pensamento freudiano: um Outro, no caso, a realidade, atua sobre o instinto humano, modificando-o e, então, constituindo o Eu. Essa relação dialógica é essencial na compreensão da questão da alteridade e implica em todas as perspectivas abordadas na presente pesquisa. É importante ressaltar, por outro lado, que a alteridade se dá através de uma atitude do Eu e não do Outro ao entrar em contato com este Eu. Cabe, portanto, questionar: quando ciente da influência do Outro no Eu, uma vez que o que é instintivo e, assim, natural do indivíduo, ainda não está sob tal influência, o indivíduo sabe lidar bem com isto? Uma vez que o Outro represente a diferença, como isso afeta sua própria individualidade? Visto a alteridade não ser a questão central nas teorias psicanalíticas, embora se envolva com tais estudos, uma possibilidade para pensar sobre o que aqui se questiona está na filosofia. Konder (1999) atribui à individualidade uma importante responsabilidade pelo relacionamento que o ser humano tem com o próximo. Não seria, nesse caso, tal como no pensamento de Arendt (2007), quando ressalta que a diferença não é a qualidade de Outro, visto que a individualidade de cada ser é partilhada por todos os seres ao se comunicarem e, assim, se distinguirem. A individualidade, conforme o filósofo, é colocada como um pensamento egocêntrico do indivíduo. Embora a autovalorização do indivíduo seja importante, no momento em que este tem uma visão autocentrada de si mesmo, ainda que seja para construir uma identidade própria e única, atribui a seus eventos vividos uma importância maior do que a real. Esse raciocínio assim se desenvolve porque não se considera que, no momento em que o vivido passa a ser relatado, ele deve estar de acordo com o seu ouvinte. O sujeito vive uma situação de diálogo. Deve ''sair de si mesmo'' para ir ao ''outro''. Precisa levar ao outro seus conhecimentos, o que sabe (ou julga 26 O livro O Eu e o Id. Autobiografia e outros textos Obras Completas, Vol. 16 foi a fonte consultada para a compreensão dos estudos sobre o Eu em Freud. Na obra, que reúne textos essenciais do autor, o texto sobre o Eu e o Id aborda a questão a partir de conceitos como o consciente, inconsciente, pré-consciente, percepção e repressão, que merecem especial atenção em estudos de psicanálise.

34 34 saber). Verificar o que convém levar ao interlocutor (rival?) e o que necessita assimilar dele, prioritariamente. (KONDER, 1999, p. 3) De acordo com essa perspectiva, de que o indivíduo deve sair de si mesmo para ir ao outro, Konder ressalta que lidar com este outro é um desafio para o indivíduo. Afinal, ir ao outro implica em mudança, pois, outro, em latim, é alter que dá origem ao verbo alterar (Ibid. p. 3). E o indivíduo teme a mudança, pois considera que mudar significa perder sua identidade e, assim, sua singularidade. Se propõe, então, uma forma de lidar com esse outro que tanto apavora, uma [...] linha de conduta reveladora de maior disponibilidade para o outro (Id., 1999a, n.p.). Assim, em contrapartida a um pensamento psicanalítico da alteridade que é mais centrado no eu, ao se pensar a alteridade como algo que assusta o indivíduo e independe das escolhas do eu, entra em questão uma relação dialógica muito presente no pensamento bakhtiniano, ao pensar o discurso e a relação do indivíduo com o outro. 1.3 Alteridade, discurso e ação Bakhtin (1997 e 1999) tem a alteridade como uma das questões centrais de sua obra, discutindo a presença do interlocutor na construção do discurso do sujeito. Em sua perspectiva, cada ser ocupa um lugar único e tem conhecimentos e vivências que são apenas seus, os quais são compartilhados com o outro, o qual também possui experiências de vida únicas. Assim, se estabelece o dialogismo: o indivíduo tem uma espécie de troca com o outro, contribuindo para a construção do discurso e da identidade de ambos. Acrescente-se à alteridade e ao dialogismo, também, o conceito de exotopia (Id., 1997), que seria o fato de que, para a vida fazer sentido, e assim poder ser objeto da criação estética, a mesma tem que ser vista através do outro, que a percebe como um todo. Esta exotopia, enquanto condição para o sentido da vida, é rica exatamente porque coloca o indivíduo em contato com a diferença inerente ao outro, que se apresenta como o novo a este indivíduo. E o novo é característico de algo que se inicia, assim como é a ação (ARENDT, 2007) necessária à comunicação entre os seres. A ação e o discurso são necessários e complementares para que os seres se façam compreender. A ação, no caso, pressupõe o início de algo, é a forma de efetivar a condição humana da natalidade, enquanto o discurso é a efetivação da condição humana da pluralidade (Ibid., p. 191). A ação inicia alguém para o mundo, ao passo que é o discurso que revela esta ação. Assim, sem o discurso, a ação deixaria de sê-la, pois o agente também tem

35 35 que ser o enunciador das palavras, bem como sem o discurso, as ações não seriam passíveis de compreensão, não teriam sentido enquanto realização humana. Sem a revelação do agente no ato, a ação perde seu caráter específico e torna-se um feito como outro qualquer. Na verdade, passa a ser apenas um meio de atingir um fim, tal como a fabricação é um meio de produzir um objeto. Isto ocorre sempre que deixa de existir convivência, quando as pessoas são meramente pró ou contra os outros, como ocorre, por exemplo, na guerra moderna, quando os homens entram em ação e empregam meios violentos para alcançar determinados objetivos em proveito do seu lado e contra o inimigo. [...] Neste caso, as palavras nada revelam; a revelação advém exclusivamente do próprio feito, e este feito, como todos os outros, não desvenda o quem, a identidade única e distinta do agente. (Ibid., p. 193) Porém, a ação e o discurso ocorrem em um contexto já existente das relações humanas. Ora, o outro não é necessariamente diferente, mas para o indivíduo se comunicar com outros indivíduos, se apoia em sua própria diferença. Nesse aspecto, Arendt (2007) pode ser vista de modo articulado com Bakhtin 27 (1997) pois, para o filólogo, uma bem sucedida relação humana é aquela em que o outro, externo ao indivíduo, tem a visão deste indivíduo englobada em sua própria compreensão do mundo, agindo sobre o mesmo indivíduo à cuja vida atribui sentido, com sua visão exterior. Assim sendo, se, os seres se revelam em um meio já previamente estabelecido das relações humanas, então, a revelação do que é o indivíduo depende da relação deste com o outro. Porém, o indivíduo se revela no contexto das relações humanas através de interpretações do que este é, e não a partir de toda sua essência. Afinal, o ser humano se revela para o outro, que define para si quem 28 é aquele outro ser. Por outro lado, no momento em que se busca dizer quem o outro é, acaba por se definir o que o outro é, pois [...] enleamos-nos numa descrição de qualidades que a pessoa necessariamente partilha com outras que lhe são semelhantes, passamos a descrever um personagem, na antiga acepção da palavra, e acabamos perdendo de vista o que ela tem de singular e específico (Ibid, p. 194). Vale lembrar que o indivíduo existe, basicamente, porque age e fala, estabelecendo, assim, relações e definições. Assim, determinar o que o outro é a partir das qualidades que partilha em comum, negando o que há de diferente em cada ser, frusta a possibilidade de se definir quem, de fato, é uma determinada pessoa, bem como os seres humanos em geral. 27 Embora os autores sejam distintos em muitas de suas influências, não há nisso um impedimento para a compreensão de uma semelhança de pensamento entre eles na questão exposta. 28 A autora utiliza a fonte em itálico em A condição humana para enfatizar a diferença entre os termos quem e o que no texto A teia de relações e as histórias humanas. Optou-se, aqui, por manter esta formatação, por se considerar essencial o realce dos termos diferentes para a compreensão do pensamento de Hannah Arendt.

36 36 De acordo com o pensamento bakhtiniano, a relação com o outro é essencial à construção do que é o ser humano e para que a vida deste tenha sentido, de modo que os seres troquem visões e experiências entre si, expondo suas diferenças em relações dialógicas. Já no pensamento arendtiano, ao se pensar a alteridade não se considera que ser o outro signifique ser diferente. Se apresenta a negação da diferença como um problema que o indivíduo tem na relação com os outros: embora o ser humano se revele aos outros pelo que possui de singular, é definido por esses outros pelo que possui em comum com os demais seres humanos. Este pensamento leva a refletir se seria essa negação da diferença nas relações humanas fruto do medo de perda da individualidade que o outro causa, como discutido por Konder (1999a). Ora, ao negar a diferença, nega-se a própria essência do outro no relacionamento com o indivíduo. Se o outro é definido a partir do que já se sabe que este tem em comum com os outros e com o próprio indivíduo que o define, o que, afinal, se adquire de saber sobre o outro? De fato, nada é apresentado de novo, o que pode ser um problema para lidar com a diferença, quando esta, inegavelmente, é exposta. Já existe na sociedade um padrão do que é o indivíduo e como este é aceito nas relações humanas, a partir de condições já previamente estabelecidas. Logo, formulam-se juízos sobre o outro que se evita confrontar, levando ao senso comum. Diferente da visão do senso comum, Bakhtin (1999) propõe que se aja de forma motivada pela responsabilidade. Não a responsabilidade no sentido de carregar o peso de algo, mas a responsabilidade no sentido de dar resposta a algo ou alguém. A responsabilidade seria, então, a forma de agir em diálogo com o outro por este ser o necessário a se fazer, e não pela culpa, que paralisa. A necessidade de se agir de maneira responsável viria, portanto, da reflexão. Sendo assim, o ato é guiado pela capacidade de resposta em função de um dever ser. Esse dever ser, no entanto, não parte de uma postura ética, se for considerada a noção de ética como um conjunto de valores estabelecidos dentro de um grupo como corretos, mas sim da premissa de não fazermos para os outros o que não gostaríamos que fosse feito com nós mesmos 29. Logo, a reflexão que leva ao ato em função de um dever ser, advém de uma postura ética que parte da própria consciência do agente. 29 A premissa de não fazer aos outros o que não queremos que nos façam, conhecida como regra de ouro, é aqui observada a partir da discussão proposta por Salles (2013) à luz de Kant e também está muito presente na obra de Ricoeur (1996) que, inclusive, questiona alguns pontos da regra em Entre filosofia e teologia I: a regra de ouro em questão.

37 37 Essa visão bakhtiniana está presente em toda a obra do autor russo, mas no texto Para uma filosofia do ato (1999) 30, o filólogo apresenta o ato como questão central, o qual é ativo, intencional. O agente ativo, então, ao exercer o ato, pensa em sua consequência para os outros. Os atos, ao longo da vida do indivíduo deixariam, então, um legado. A trajetória dos atos é definida a partir de alguns momentos: o postupok, ou seja, o ato singular, o postupleine, o qual é um conjunto desses atos singulares em continuidade; e o resultado final, o legado da postupleine, que, no fim da vida, os atos do individívuo deixaram. Por isso, há a necessidade da reflexão sobre cada ato, sendo esta reflexão, por si só, já um ato, pois o pensar é o que pode levar ou não a agir de determinada maneira, a qual terá consequência sobre o outro. Contudo, cabe ressaltar aqui que Bakhtin diferencia ato de ação, segundo a visão de alguns autores 31 : E o que é o ato segundo Bakhtin? Antes de mais nada, é importante precisar que Para uma filosofia do ato trata do ato de pensar ou de criar. Criação teórica e criação artística como unidades da cultura. Mas, sobretudo, é importante, precisar que Bakhtin distingue ato de ação. A ação é um comportamento qualquer que pode ser até mecânico ou impensado. O ato é responsável e assinado: o sujeito que pensa um pensamento assume que assim pensa face ao outro, o que quer dizer que ele responde por isso. (AMORIM, 2009, p. 22) Embora não tenham como foco a mesma questão, Bakhtin (1999) e Arendt (2007) se aproximam ao discutir, respectivamente, ato e ação, quando a pensadora alemã diz que sem o discurso a ação não teria sentido. Mesmo que sejam perspectivas diferentes, é interessante notar que a ação com o discurso revela o indivíduo para o mundo, o revelando, então, para os outros indivíduos. Por outro lado, o ato demanda um pensamento face ao outro. Assim sendo, a ação e o ato tem em comum o fato de serem diretamente ligados à relação com o outro. O outro é, portanto, condição para a existência da ação que se revela no discurso, para o pensamento sobre o ato e para a própria compreensão que o indivíduo tem de si mesmo. E se, de acordo com Arendt (2007), o ser humano consegue se fazer entender pelo que tem de igual com os outros, o pensamento sobre o ato demanda, inclusive, a compreensão deste outro, pois, de acordo com as palavras de Bakhtin (1997), para que os indivíduos se encontrem no mesmo nível, os mesmos devem se colocar no lugar do outro para, dessa forma, se compreenderem. 30 Para uma filosofia do ato é o nome dado em português para o texto. No entanto, para esta pesquisa utilizou-se a versão em inglês, que se chama Toward a philosophy of the act (1999). 31 Amorim (2009) faz essa diferenciação, no entanto, na versão utilizada nesta pesquisa do texto Para uma filosofia do ato não se notou essa diferenciação. Algumas traduções em português, aliás, várias vezes apresentam as duas palavras como sinônimos. Porém, optou-se por levar em conta as considerações de Marília Amorim, uma vez que é uma grande conhecedora da obra de Mikhail Bakhtin.

38 38 No ato, a partir da consciência sobre como agir em relação ao outro, o indivíduo se situa, portanto, fora do senso comum. Porém, qual seria a importância do discurso propriamente dito nas relações de alteridade? Antes de mais nada, partindo das definições aqui já expostas, o discurso é a palavra com a qual o indivíduo se relaciona com o outro. Para Bakhtin (1997 e 2006), a linguagem é a ponte que liga um indivíduo ao outro, ainda que não seja expressa verbalmente. Assim, não há nada na linguagem que não seja social. A palavra em si é neutra, mas sua utilização não. O uso da palavra tem um propósito que, tal como o ato, considera as consequências junto ao receptor. À luz de Benveniste 32 (1966), Amorim (2002), resume bem esse pensamento do filólogo russo: Benveniste (1966) diz: A linguagem põe e supõe o outro. E conhecemos todo seu conceito de enunciação: tudo que se enuncia supõe um Eu que designa um Tu a quem ele se dirige e fala de um Ele. Esse conceito contém uma oposição entre dois termos: as pessoas Eu-Tu de um lado e a não-pessoa Ele, de outro. A enunciação é lugar de expressão e, mais ainda, de constituição de subjetividade, mas seu sentido só se produz numa relação de alteridade. Em Bakhtin, no entanto, caráter de alteridade do enunciado se radicaliza: desdobrando os lugares enunciativos ao infinito, seu enunciado dialógico merece bem ser chamado de polifônico, pois uma multiplicidade de vozes pode ser ouvida no mesmo lugar. (Ibid., p. 8) Deve-se atentar, portanto, à relação de um indivíduo com os demais através de múltiplas vozes e, consequentemente, múltiplas relações de alteridade. Nesse sentido, vale pensar a alteridade em sua relação com a linguagem. Bakhtin (2010), ao pensar a obra de Dostoiévski, ressalta que a ideia de polifonia, a qual é original da música, foi criada na literatura a partir do romancista russo. Nela, o herói 33 não é simplesmente uma versão final da visão do autor, mas tem independência, poder próprio e provoca respostas. A consciência do herói é dada como a outra, a consciência do outro mas ao mesmo tempo não se objetifica, não se fecha, não se torna mero objeto da consciência do autor. Neste sentido, a imagem do herói em Dostoiévski não é a imagem objetivada comum do herói no romance tradicional (Ibid., p. 18) Assim, transportando a ideia de polifonia do romance de Dostoiévski para o uso da linguagem entre os seres, tem-se que os discursos são compostos por múltiplas vozes que refletem não só o pensamento de seu autor, mas também os pensamentos que os confrontam. Assim, se constrói a narrativa do indivíduo, tal como a narrativa do herói dostoievskiano. 32 BENVENISTE, Emile. Problèmes de linguistique générale. Paris: Gallimard, Algumas traduções de textos de Bakhtin utilizam a palavra personagem em lugar de herói. Se optou, aqui, utilizar cada uma de acordo com a fonte consultada.

39 A narrativa à luz das alteridades Entender a relação do indivíduo com os demais pode auxiliar na compreensão de como o sujeito se situa no mundo. Partindo do que diz Barbosa (2007, p. 13), à luz de Ricouer (1996), que narrar é uma forma de estar no mundo e dessa forma entendê-lo 34, tudo o que o sujeito propõe em sua presença no mundo é narrativa. Logo, visto que o indivíduo se situa no mundo sempre em relação a outro alguém, este outro é parte importante na construção de tal narrativa. Do mesmo modo, este outro contribui na formação do sujeito que narra, ao mesmo tempo em que assimila e altera a narrativa do sujeito para si, para compor a sua própria. Esta relação é uma troca. Ora, se o receptor contribui na formação da narrativa do emissor, suas percepções sobre o que é retratado abrem possibilidades de uma nova visão sobre a mesma, ainda que não seja uma perspectiva a princípio imaginada. E se o outro contribui para a construção narrativa do indivíduo, o pensamento acerca do outro, então, se reflete tanto na narrativa histórica quanto na ficcional, visto que, de acordo com Barbosa (2007), à luz de Ricoeur 35 (1987), a ficção, assim como a história, tem como base a temporalidade da experiência humana. Acrescente se a este pensamento que tal experiência humana se faz diversa, haja vista a heterogeneidade que compõe o indivíduo, e assim, tornando diferente a narrativa proposta por cada diferente sujeito ao se situar no mundo. Mas, se referir a Paul Ricoeur é se referir à temporalidade e, também, à memória. A partir do momento em que se compartilha a narrativa com o outro, se evita, ou ao menos se adia, que se esqueça o sujeito ali referenciado, pois, como diz Rossi (2010, p. 24), a memória [...] sem dúvida tem algo a ver não só com o passado, mas também com a identidade e, assim, (indiretamente), com a própria persistência no futuro. Logo, a compreensão das relações de alteridade na narrativa propicia a discussão acerca da própria formação de identidade do indivíduo. E se o outro é parte essencial na formação do sujeito, é nele também que se perpetua a narrativa deste, mesmo após seu encerramento. Assim sendo, a alteridade pode contribuir para a construção do indivíduo ao longo de sua existência enquanto narrativa. No entanto, é necessário perceber que a narrativa em Ricoeur (2010 e 2014) tem direta relação com o tempo, o que o diferencia de Bakhtin (1997, 34 RICOEUR, Paul. Tempo e narrativa. V. III. Campinas, SP: Papirus, RICOEUR, Paul. De l interprétation. Paris: PUF, 1987.

40 , 2006 e 2010) 36. Para ao autor francês, a narrativa é o meio pelo qual se representa o tempo, através da atividade mimética, pois tudo o que é narrado acontece no tempo, sendo este comum à experiência humana. Contudo, Ricoeur (2014) se aproxima do posicionamento bakhtiniano, ao dizer que, ainda que o sujeito se ponha no lugar do outro, sempre vai observálo sob o próprio ponto de vista. Para o pensador francês, isto se define como ipseidade, ou seja, cada sujeito é único e, assim, produz um pensamento único. Bakhtin (1997 e 1999), embora sob outra perspectiva, também entende que cada ser é único. Ricoeur (2010) utiliza o pensamento grego para se fazer compreender, visto que tem forte influência de Aristóteles. E é no pensador grego que está a base de suas ideias sobre a atividade mimética, ou mimese. Ao refletir sobre as narrativas de ficção, Ricoeur ressalta o que se chama tríplice mimese, conceito importante para compreender como a narrativa de ficção reflete a vida cotidiana. A tríplice mimese tem suas etapas chamadas de mimese I, II e III. A mimese I é momento da compreensão prévia do que é a vida cotidiana. A mimese II é quando se estrutura a narrativa. Por fim, a mimese III é quando a metáfora é o meio através do qual se apresenta o equivalente narrativo da refiguração da realidade. Para Ricoeur há um caminho natural em que qualquer texto que vai de sua configuração interna à influência que passa a exercer fora dele mesmo (refiguração, também chamada referência ou sentido). Todo texto produz sentido e induz à ação. A partir da leitura há, pois, uma mudança intrínseca em quem a realiza. (BARBOSA, 2007, p. 18) Ora, se ação é o novo (ARENDT, 2007), e todo texto produz sentido e induz à ação (BARBOSA, 2007, p. 19), então, o contato com uma obra de ficção pode levar o indivíduo a uma determinada ação, ao novo. O contato com a obra pode levar à reflexão e, se for o caso, a uma nova postura ante determinadas questões que propiciam a construção de sua identidade, visto que esta é, de acordo com Hall (2006), mutável. Portanto, há um contato com um texto que se apresenta como algo de diferente e novo ao interlocutor. Ao perceber que no texto que está assimilando podem ser enunciadas novas formas de lidar com o diferente que o respeite, o indivíduo percebe que ele mesmo pode atuar dessa forma com o outro. 36 Apesar da abordagem diferente de Bakhtin (1997, 1999, 2006 e 2010) acerca do tempo e sobre questões relacionadas à linguagem, é necessário levar em consideração que ambos abordam narrativas de ficção, embora Ricoeur se atenha predominantemente à narrativa histórica. Porém, semelhanças e diferenças são analisadas oportunamente ao longo deste trabalho. Neste momento, é importante discutir como Ricoeur vê a relação da narrativa de ficção com a vida cotiadiana, de modo a compreender posteriormente como pode, também, refletir a discussão sobre o preconceito vigente na sociedade por meio da obra Harry Potter, utilizada na presente pesquisa como estudo de caso.

41 41 No entanto, a ação só se revela em sua totalidade a quem narra a história do que aconteceu. Para o agente, não interessa ter conhecimento do que será narrado, pois para ele o sentido da ação não está em como ela será posteriormente contada. Mas, apesar disso e, ainda que para existir a história tenha que ter anteriormente existido a ação, no fim das contas, não é quem age, mas quem narra, quem acaba por fazer a história (ARENDT, 2007). Essa diferença entre o agir e o narrar também está presente na obra de Bakhtin (2006), sob outra perspectiva, visto sua análise ser sobre a linguagem como um todo. Para o pensador russo, o relato da realidade muda a própria realidade, pois o ser, refletido no signo, não apenas nele se reflete, mas se refrata (Ibid., p. 46). Assim sendo, o signo, ou seja, a palavra, nada mais é que um constructo ideológico e em constante mutação, de acordo com os diferentes desvios de sentido que lhe são atribuídos. Porém, para Bakhtin, o signo tende a ser retrógrado, pois a classe dominante o utiliza de modo a cristalizar o significado que favoreça a manutenção do status quo, o que lhe tira o potencial refratário e mutável. De fato, para o filólogo, o signo se apresenta de forma dialética, porém apropriado pelos detentores de poder, de modo a limitá-lo a seus interesses. No entanto, quem está perdendo a disputa social, pois se encontra no estrato da sociedade que abrange as minorias, quer que não se perca o potencial refratário do signo, quer que a palavra seja dinâmica e também sirva à sua voz. É nessa negação de outras vozes que reside uma das raizes do preconceito. 1.5 A formação do preconceito e o olhar sobre o outro Não há como entender o indivíduo sem considerar o contexto em que está inserido, mas também a particularidade que o compõe. O indivíduo é sempre, simultaneamente, ser particular e ser genérico. Considerado em sentido naturalista, isso não o distingue de nenhum outro ser vivo. Mas, no caso do homem, a particularidade expressa não apenas seu ser isolado, mas também seu ser individual. Basta uma folha de árvore para lermos nela as propriedades essenciais de todas as folhas pertencentes ao mesmo gênero; mas um homem não pode jamais representar ou expressar a essência da humanidade. (HELLER, 2000, p. 20) Assim, a não aceitação das diferenças e a opressão da voz social de minorias se torna um paradoxo, visto que a diferença e, assim, a relação com o outro, são essenciais aos seres humanos. Porém, se, o outro é condição para a existência do discurso e para a própria compreensão que o indivíduo tem de si mesmo (BAKHTIN, 1997), cabe perguntar: uma vez que nem sempre se aceite o outro, o diferente, como se dá a relação com este outro? E

42 42 quando, nesta relação, se subalterniza o outro, como se dá a construção dialógica do indivíduo? Estas relações são, portanto, prejudicadas. Diz-se dialógica pois, a concepção bakhtiniana, a qual é aqui predominate, entende como dialógico o processo de interação entre textos de qualquer natureza, logo, também assim ocorre nas interações no âmbito das relações humanas, estas formadas na ação e concretizadas no discursos. Mas a partir do momento em que se fragiliza a relação com o outro em função de uma subalternização deste outro, nota-se que houve uma interação em que o indivíduo se viu superior ao outro, não encontrou ou não quis, por algum motivo, reconhecer os pontos de identificação com o outro indivíduo. Ora, para que o indivíduo se veja no outro, se nivelando a ele, o caminho de reflexão é bem mais complexo, pois, de acordo com as palavras de Bakhtin, [...] se quero operar uma transposição que nos coloque, eu e o outro, num único e mesmo nível, devo, em meus valores, situar-me fora da minha própria vida e perceber-me como outro entre os outros (Ibid., p. 76). Logo, há a necessidade de uma ação que parta da própria consciência, e não do senso comum. E o senso comum é uma das bases do preconceito. Sodré (2011) acredita que o preconceito é um saber automático sobre o outro. De acordo com esta pertinente fala, portanto, o preconceito é, em princípio, uma ausência de reflexão sobre valores já constituídos, que assim se estabeleceram a partir de juízos formados previamente por diferentes fatores. Nesse sentido, de acordo com o pensamento de Arendt (2008), o preconceito tem relação com a experiência no passado que não foi revista. Logo, para que se reveja um pensamento já estabelecido em experiências do passado, é necessário que haja uma consciência desta necessidade de rever a ideia já dada sobre o outro. A autora alemã fala sobre a formulação de preconceitos a partir de juízos préconcebidos sobre alguém ou uma determinada situação. Juízos estes que não foram revisados e questionados sob uma nova perspectiva. Assim se formaria o pré-conceito, que serve ao senso comum na construção de opiniões sobre algo ou alguém. É importante, portanto, discutir como o rebaixamento do outro ocorre. Segundo Arendt (2002), o verdadeiro preconceito se reconhece no momento em que se localiza no mesmo um juízo formado com origem em uma causa empírica, a qual é apropriada e mantida através dos tempos sem ser revisto, se evitando uma nova e verdadeira experiência com o juízo. A pensadora, aliás, estabelece a existência de dois tipos de juízo: um sem parâmetros, uma vez que se apresenta ante o conhecimento de algo nunca visto antes, e o juízo a partir da subordinação do indivíduo em sua particularidade a algo geral. Neste último, especialmente, se encontra o preconceito.

43 43 [...] só o indivíduo é julgado, mas não o próprio critério, nem sua adequabilidade para o medir. Também o critério foi um dia posto em julgamento, mas depois esse juízo foi assumido e como que se tornou um meio para se poder continuar julgando. (Ibid., p. 11) Ora, se os critérios não são postos a prova, podem ser determinados de acordo com os interesses de quem julga. Visto que o senso comum se alicerça nos critérios de um discurso já difundido na sociedade, subordinar o outro é uma forma de manutenção desse discurso. Isto apresenta um outro problema: a própria negação do preconceito, visto que se pauta em valores já assimilados na sociedade, negando, assim, a condição de subalternização a que se expõe o outro e dificultando a problematização dos preconceitos de modo a revisar o senso comum. Portanto, considerando que o preconceito pode estar presente na relação de alteridade, ao se comparar ao outro e rebaixá-lo, e visto que tal preconceito é construído a partir de juízos preestabelecidos sobre o outro que não são revisados, cabe questionar quais são os valores que levam a tais juízos e, consequentemente, a uma atitude preconceituosa. A fala que segue, do antropólogo Kabengele Munanga (2016, n.p.), reflete sobre o que alicerça o preconceito. [...] preconceito é uma ideia preconcebida, um julgamento preconcebido sobre os outros, os diferentes [...]. Não há uma sociedade que não se define em relação aos outros. E nessa definição acabamos nos colocando em uma situação etnocêntrica, achando que somos o centro do mundo, a nossa cultura é a melhor, a nossa visão do mundo é melhor, a nossa religião é a melhor, e acabamos julgando os outros de uma maneira negativa, preconcebida, sem um conhecimento objetivo. Isso é o preconceito, cuja matéria prima são as diferenças, sejam elas de cultura, de religião, de etnia, de raça no sentido sociológico da palavra, de gênero, até de idade, as econômicas. Todas as diferenças podem gerar preconceitos. Contudo, há outros fatores, além da diferença em si, que são responsáveis pela formação do preconceito nos indivíduos. O presente capítulo buscará, a seguir, elucidar os fatores mais relevantes para a construção do pensamento preconceituoso, bem como entendêlos em comparação com elementos da série Harry Potter, objeto de estudo de caso desta dissertação. 1.6 A construção social de preconceitos Em primeiro lugar, cabe elucidar nesse momento do texto, os diferentes sentidos para a palavra preconceito. Se a ideia de preconceito pode ser analisada como algo que parte de uma ausência de reflexão, ou seja um pré-conceito, por outro lado o preconceito também pode ser compreendido como algo que parte da reflexão que leva ao prejuízo do outro. Na acepção

44 44 da palavra preconceito em português, as ideias de conceito prévio e de conceito formado sem maior ponderação se fundem. No dicionário Petit Robert de poche 2009, o adjetivo préconçu é definido como Élaboré sans jugement critique ni expérience préjugé (2009, p. 565). Na acepção francesa, a palavra é definida pela relação com o julgamento crítico e com a experimentação que são realizados com a indicação através de uma flecha para um possível sinônimo, prejugé. O sentido de julgamento, que não apareceu na definição etimológica do dicionário em língua portuguesa, aparece na definição lexicográfica do Petit Robert. (MACHADO, 2010, p. 84) Logo, de acordo com o sentido etimológico da palavra, o preconceito, especialmente em português, não apresenta uma definição única, a qual se elabora a partir do contexto social em que esteja inserida. Considerando como critério predominante para a abordagem a relação do preconceito com a alteridade, não se buscará aqui escolher uma única definição para preconceito, mas suas diferentes perspectivas. Agnes Heller (2000) e Adorno et al (1950) serão os principais autores nesse sentido, a primeira com uma visão histórico-social e o segundo com uma abordagem que, além disso, considera elementos da psicanálise. Há, portanto, fatores históricos que contribuem para que o preconceito seja elaborado, os quais são diversos. Assim, visto que a história se dá a partir da colisão de fatores heterogêneos, o preconceito, bem como os juízos que o formulam, se dá a partir de valores que são socialmente estabelecidos em detrimento de outros, para assim estarem de acordo com o sistema vigente (HELLER, 2000). Porém, essa sobredeterminação de uns valores sobre outros apresenta riscos a um pensamento crítico, levando a uma ultrageneralização. De duas maneiras chegamos à ultrageneralização característica de nosso pensamento e de nosso comportamento cotidianos: por um lado, assumimos estereótipos, analogias e esquemas já elaborados; por outro, eles nos são impingidos pelo meio em que crescemos e pode-se passar muito tempo até percebermos com atitude crítica esses esquemas recebidos, se é que chega a produzir-se uma tal atitude. Isso depende da época e do indivíduo. [...] A tradição não é sempre a fonte da ultrageneralização, que pode se basear também na experiência pessoal; e a atitude que se contrapõe ao sistema estereotipado tradicional pode conter ultrageneralizações análogas à do próprio sistema ao qual se opõe. (Ibid., p. 44) Nota-se, a partir do pensamento da autora húngara, que a ultrageneralização pode ocorrer por se assumir padrões já elaborados, mas também por uma espécie de naturalização de tais fatores, sendo de certa forma impostos socialmente como se fossem algo já dado e próprio da vida em sociedade. Muitos são os exemplos que se podem ter no cotidiano com

45 45 base nessa linha de pensamento. Quantas vezes não se viu a piada de que mulher loira é burra, por simplesmente ser assumido socialmente o estereótipo da loira burra, entre outros fatores, a partir da música homômina 37? Do mesmo modo, a escravidão durou tanto tempo porque, entre outros fatores, se estabeleceu uma ideia de raça inferior a partir de estudos da época, que buscavam justificar a inferioridade de negros, tornando a submissão daqueles que não eram do tipo homem branco europeu algo ao qual a sociedade não tinha alternativa, algo que era natural, próprio de uma hierarquia racial estabelecida através do evolucionismo 38. Vale lembrar, também, outro exemplo muito marcante na História quanto à discriminação e preconceito: o regime nazista. Tal como no caso da escravidão, guardadas as devidas especificidades, o nazismo ganhou terreno pelo mundo através de um discurso construído e justificado com base em uma hierarquia de raça, onde os arianos deveriam dominar, e assim, naturalizado para ser aceito sem senso crítico pela população alemã. Nesse sentido, muito se vê de semelhanças entre a história do nazismo e elementos da história de Harry Potter. O fio condutor da trama guarda a principal semelhança com o regime de Hitler 39. A história do menino que sobreviveu 40 é sobre a luta deste contra o bruxo que busca eliminar todos aqueles que não são de raça totalmente bruxa, os ditos trouxas. Os próprios pais de Harry Potter são mortos no começo da história por lutarem contra o mesmo bruxo e pelos mesmos motivos, sendo a mãe de Harry e, assim, ele mesmo, de ascendência trouxa. O que é um fato interessante na história, é que Harry mora até completar sua maioridade com os tios, os quais o hostilizam por considerarem bruxos uma raça inferior, alguma forma de aberração. Porém, como se constroem juízos como os dos exemplos citados? Percebe-se, até o momento, uma convergência entre o pensamento de Heller (2000) com a noção de juízo não 37 A música, na verdade, se chama Lôrabúrra, uma espécie de neologismo criado a partir da forma coloquial de pronunciar a expressão. Foi uma canção de sucesso nos anos 90, que se utilizava do estereótipo de loiras burras, para falar de mulheres sem inteligência e oportunistas. Embora não tenha criado tal estereótipo, a música contribuiu para popularizá-lo no Brasil. 38 Ver a ideia de poligenia e frenologia em: SCHWARCZ, Lilia Moritz. O espetáculo das raças. Cientistas, instituições e questão racial no Brasil São Paulo, Ambas as definições foram utilizadas de modo a justificar o racismo, especialmente no século XIX. Enquanto a poligenia era utilizada para determinar características genéticas que justificariam a inferioridade de determinados seres em relação a outros, a frenologia atribui às características do crânio determinados traços da capacidade mental de uma pessoa. 39 Um exemplo da comparação feita está na página Potterish, uma conhecida página sobre Harry Potter no Brasil. Ver Harry Potter e as lições de igualdade. Disponível em < Acesso em: 05/08/ Forma como várias vezes é referenciado o personagem Harry Potter ao longo do enredo.

46 46 revisto de Arendt (2008). Sendo que, aqui, a primeira será mais basilar para o estudo do preconceito, visto apresentar de maneira mais específica como os juízos são formulados. Para Heller (2000) a ultrageneralização é um juízo provisório, pois se antecipa a uma atividade possível nem sempre tendo sua confirmação com a prática. Ora, a prática se relaciona com o pensamento e ação, os quais caracterizam a vida cotidiana. Nesse sentido, estes também são elementos que se expressam na identificação do verdadeiro e correto, pois [...] o que revela ser correto, útil, o que oferece ao homem uma base de orientação e de ação no mundo, o que conduz ao êxito, é também verdadeiro (Ibid., p. 45). Assim, o que é falso conduziria ao fracasso. Portanto, a ultrageneralização pode ser correta, quando corresponde ao objetivo, ou falsa, quando não há como afirmá-la, ou seja, confirmá-la através da prática. Nesse caso em que não seja possível sua confirmação, a ultrageneralização conduz, segundo Heller, ao fracasso. Se observadas as narrativas para jovens de um modo geral, nota-se que o herói geralmente é o que sofre alguma forma de discriminação. Mas também é quem consegue se provar certo e conseguir a vitória ao final da história. Assim é em Harry Potter e em outros exemplos, como os já citados aqui de outras produções da cultura pop. No caso de Harry Potter, mais especificamente na história do livro e filme Harry Potter e a ordem da fênix, o protagonista, bem como um de seus maiores aliados, o professor Alvo Dumbledore, são alvo de constantes de preconceitos de outras pessoas as quais falam que Harry é um garoto problemático e enlouqueceu, como também que Alvo está senil e sua opinião não é válida. Isto ocorre por eles falarem que o vilão da história, o bruxo Voldemort, que se encontrava desaparecido, e voltara a atacar, mesmo contra o divulgado pela mídia e as autoridades da sociedade bruxa. Porém, ao fim, se descobre que Harry e Alvo estavam certos, ao se confirmar o que eles acreditavam ter acontecido. As atitudes que os personagens tomam ao longo da história com base, então, no que era correto para eles levou à vitória sobre o vilão da trama. Houve, por eles, uma antecipação ao fato (o ataque do bruxo Lord Voldemort), que se confirmou. Uma ultrageneralização correta, se o exemplo for observado à luz dos pensamentos de Heller. Por outro lado, em determinados momentos como na história de Harry Potter e a pedra filosofal o personagem Severo Snape, professor da Escola de Magia e Bruxaria de Hogwarts que nutre antipatia por Harry, é acusado pelo protagonista e seus amigos de ser o responsável pelas maldades cometidas na história. O que se confirma com o decorrer dos fatos como uma ultrageneralização falsa, pois o citado professor na verdade, os estava protegendo.

47 47 O caso do personagem Severo Snape, aliás, é um bom exemplo de como exemplificar a ultrageneralização ao longo da história de todos os livros e filmes de Harry Potter, pois em vários momentos o personagem é acusado de estar a favor do vilão Lord Voldemort, quando ao final se descobre que ele era um dos principais protetores de Harry, o que este só compreende quando Severo morre, algo que pode ser considerado o fracasso do protagonista. Logo, não necessariamente a ultrageneralização será algo bom ou ruim e sempre pode ser questionada. O que nem sempre ocorre, visto a necessidade do indivíduo de conformidade. No maior número dos casos, é precisamente a assimilação das normas que garante o êxito (as normas que orientam o homem na maioria das vezes) Essa é a raiz do conformismo. Todo homem necessita, inevitavelmente, de uma certa dose de conformidade. Mas essa conformidade converte-se em conformismo quando o indivíduo não aproveita as possibilidades individuais de movimento, objetivamente presentes na vida cotidiana de sua sociedade, caso em que as motivações de conformidade da vida cotidiana penetram nas formas não cotidianas de atividade, sobretudo nas decisões morais e políticas, fazendo com essas percam o seu caráter de decisões individuais. (Ibid., p. 46) Chega-se, então, à concepção de juízo provisório de Heller. Visto que a ultrageneralização é um tipo de juízo provisório, este é falso quando pode ser corrigido pela experiência. Percebe-se que não há, no caso, necessariamente uma confirmação da ultrageneralização, mas sim seu questionamento e consequente saída de um conformismo que afeta a vida cotidiana do indivíduo. Afinal, não necessariamente, apesar de ser a maior parte dos casos, assimilar as normas e se conformar com elas trará o êxito. Tomar certas decisões a partir não somente de estarem dentro de algo estabelecido socialmente, mas também a partir de um movimento de inconformidade com algo dá a uma atitude frente determinada situação seu caráter de decisão individual. Segundo Heller, um juízo provisório falso é, portanto, aquele que [...] poderíamos corrigir mediante a experiência, o pensamento, o conhecimento e a decisão moral individual, mas que não corrigimos porque isso perturbaria o êxito, a correção evidente, ainda que não moral (Ibid., p. 47). Portanto, muitas vezes, embora refutável mediante comprovações, muitos juízos provisórios se mantém por determinadas pessoas como inquestionáveis. Aí se formulariam os preconceitos. Nesse sentido, há uma dimensão afetiva do pensamento preconceituoso, a qual seria caracterizada pela fé (Ibid.). Porém, há um contraponto aqui a ser feito: mesmo sendo o precconceito construído tal como eluciado aqui, há uma escolha do indivíduo a se guiar ainda que pela fé. O que leva determinados indivíduos a se guiarem por esse caminho ou não? Uma possibilidade é que haja fatores psíquicos responsáveis por determinar o tipo de personalidade

48 48 que se manterá inabalada quanto a um juízo provisóro mesmo contra os argumentos racionais. Assim, serão explicadas as escolhas que levam ao preconceito a partir dessas duas características: a dimensão afetiva da fé e a dimensão psíquica que conduza a uma opção. 1.7 A fé como afeto do preconceito O pensamento preconceituoso não deixa de ser uma escolha entre dois afetos: a fé e a confiança. Porém, é uma escolha baseada em conteúdos de natureza universal para satisfazer a particularidade individual, uma vez que todo ser é particular e genérico. Diferentemente da fé, a confiança enraiza-se no indivíduo. [...] O Eu assume uma certa distância com relação à sua própria particularidade; e essa distância, por sua vez, implica o que é extremamente importante com relação aos preconceitos na possibilidade de outro distanciamento com relação à comunidade ou integração de que se faz parte, com relação à consciência de nós. (Ibid., p. 48) No entanto, diferente da fé, a confiança está apoiada no saber. Assim, uma vez refutada racionalmente, a confiança em relação a algo deixa de existir. Já a fé, segundo Heller resistiria a toda e qualquer sabedoria, pois o pensamento e a experiência que a controlam são inabaláveis. Essa fé, enquanto morada do par amor-ódio (dimensão afetiva), levaria então, à intolerância em relação àquilo que não é objeto da fé e àqueles que não possuem a mesma crença. Assim se explicam, por exemplo, as adesões a regimes fascitas que, aliados ao forte poder de propaganda, ganhavam as massas. A pensadora húngara ressalta um aspecto importante de como os preconceitos são disseminados. Em sua análise, quanto maiores as possibilidades de uma praxis efetiva que produza movimento em uma classe, de menos preconceitos se fariam seus juízos. Assim a atividade política, a qual é a reponsável pelos movimentos e integrações de classe, só seria exitosa quando também livre de preconceitos. Logo, a ciência ou a arte, por exemplo, só perdurariam e produziriam alguma mudança e, considera-se aqui tais atividades como também políticas, a partir do amplo sentido do fazer político uma vez que fossem livres de preconceitos. Ora, se a atividade política busca a mudança da ordem vigente, ela busca alterar uma ordem dominante. Nesse sentido, a classe dominante é disseminadora de preconceitos em potencial, pois, tem poder e aspirações para tal, visto que busca universalizar sua ideologia (Ibid.). Ressalta-se, então, que embora a fé seja sustentada por uma motivação particular, o conteúdo dos preconceitos é de ordem universal, moral ou religiosa. Essse conteúdo é, então,

49 49 difundido de acordo com os interesses da classe dominante. O que é possível perceber em relações no cotidiano, em que muitos estereótipos e preconceitos são amplamente disseminados e apoiados por setores da elite. Há exemplos em situações em que políticos se põem contra um pensamento crítico na escola sob alegação de ser doutrinação da esquerda, ou do humorista que faz piadas de cunho racista e misógino, ou mesmo do jornalista que ataca movimentos sociais 41, muitas vezes apoiados por setores elitistas. Chomsky e Herman (2003), inclusive, explicam que a dfusão de valores contrários à movimentos de esquerda tem apoio das elites junto à mídia. Segundo os autores, são estabelecidos alguns filtros de mídia, de modo que tais setores tenham seus interesses garantidos a partir da manipulação da opinião pública. Dessa maneira, se cria uma imagem de inimigo a ser combatido que é atribuída àqueles que tenham um posicionamento político que se contraponha a interesses elitistas. Na história de Harry Potter há exemplos de como tal construção de discurso pode ocorrer na narrativa ficcional em analogia a questões do cotidiano. Partindo da falácia de doutrinação de esquerda nas escolas brasileiras, se criou o Movimento Escola Sem Partido 42, o qual foi referenciado por fãs da série em postagens no Facebook que comparavam a proposta do Escola Sem Partido com características de personagens e momentos do enredo. Hogwarts 2015: - Bom dia alunos, hoje vamos estudar Historia da Magia Contemporanea. Podem abrir os livros ai na pagina Professor, "queda de Voldemort?" - Isso, hoje vamos estudar como Harry Potter derrotou Voldemort. 41 À época da prova do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) de 2014, os humoristas Léo Lins e Danilo Gentili foram criticados por fazerem no talk-show do útlimo o seguinte comentário sobre o tema da redação, que abordava a violência contra a mulher: Eu já li que a cada 12 segundos uma mulher sofre violência no Brasil, mas estou escrevendo a redação há 30 e não vi nenhuma apanhando. Disponível em: < Acesso em: 26/06/2017. O mesmo Danilo Gentili, é conhecido por várias outras piadas misóginas, bem como já foi acusado também de racismo. Em 2012, Danilo foi processado por ter perguntado a um seguidor negro notwitter, que criticava atitudes do humosita que considerava racistas: quantas bananas você quer para deixar essa história para lá?. Em 2014, porém, Gentili foi absolvido da acusação de injúria racial do seguidor. Disponível em: < Acesso em: 26/06/2017. Por outro lado, a jornalista Rachel Sherazade também conhecida por sua postura polêmica, foi criticada ao se referir a grevistas como asnos quando ocorreu a greve geral em 28 de abril de Disponível em: < Acesso em: 26/06/ Movimento criado em 2004, que se define com o objetivo de combater uma doutrinação marxista que, segundo os representantes do movimento, existe nas escolas. Página disponívem < Acesso em 10/08/2016).

50 50 - Ih... Já vi que esse "professor" é Pottista. - Como é? - É, Pottista, fica ai fantasiando como o mundo com "Potter" é melhor. - Não criança, eu vivi o tempo da guerra, falaremos só sobre fatos. - Pff... fatos... fatos contados pela esquerda potista né? - Esquerda potista? - É, esses loucos que se vestem de vermelho fazendo alusão a Grifinória. Deviam ser presos. - Presos? Porque? O Potter salvou o mundo magico, derrotou junto com seus amigos a ameaça de Voldemort... - Salvou?? Depois que a Hermione libertou os elfos domésticos, sabe quanto custa manter um em casa, com esses direitos trabalhistas? Um absurdo... - É, mas antes o que os bruxos faziam era escravidão, sem nenhuma consideração com os elfos! - Nah... antigamente era melhor... vou começar a fazer uma campanha... "Volta Voldemort". - Pois você acaba de perder 15 pontos para sua casa. - VOCÊ ESTÁ DOUTRINANDO OS ALUNOS? MEU PAI NÃO ACEITA QUE ESSES PROFESSORES POTTISTAS FAÇAM DOUTRINAÇÃO EM SALA DE AULA! - Menos 20 pontos. Qualquer semelhança com a realidade, é mera coincidência. 43 No entanto, a fonte do preconceito não está no grupo dominante em si, nem em qualquer grupo a partir de sua formação. Isto porque a coesão dos grupos não tem razão direta com seus preconceitos, bem como há grupos que são coletivamente ativos, porém livres de preconceitos (HELLER, 2000). O que deve ser destacado, a partir de uma perspectiva helleriana sobre o preconceito, é que este ocorre na esfera da vida cotidiana. Partindo desse raciocínio, portanto, ao ver a reprodução de fatores que refletem o preconceito na ficção, bem como em novas narrativas que esta ficção proporciona, percebe-se que obras ficcionais devem ser consideradas como importantes atores em uma reflexão sobre a problematização do preconceito. Reflexão a qual permite que se saia do senso comum em função da fé. 43 Postagem de usuário do Facebook, compartilhada na página Quebrando o tabu em 27/10/2015. Disponível em: < Acesso em: 10/08/2016.

51 51 No caso específico de Harry Potter, inclusive, a fé religiosa é forte influenciadora de movimentos contrários à narrativa ali proposta, sob alegação de que a história sobre o bruxo poderia ser até mesmo uma apologia ao ocultismo. Segundo Jenkins (2009), embora muitas vezes se admita a possibilidade de letramento apresentada pela obra Harry Potter, há uma apreensão quanto ao conteúdo dos livros e filmes. Para alguns críticos nesse sentido, as obras contribuiríam para o enfraquecimento da influência cristã, em favor de uma espécie de espiritualismo global. (Ibid., p. 269) Como se pode notar, a dimensão afetiva da fé levando o indivíduo a ter determinada opinião ou posicionamento sobre uma obra de ficção, embora tenha espaço em um grupo, está ligada a uma necessidade de satisfazer uma particularidade, levando a intolerância em relação ao outro. Do ponto de vista antropológico, a fé nasce da particularidade individual, cujas necessidades satisfaz. Todo homem é, ao mesmo tempo, ente particular-individual e ente humano-genérico, ou seja, uma singularidade e, simultaneamente, uma parte orgânica da humanidade, da história humana. Com diferenças de grau, todo homem tem motivações que se referem apenas a si mesmo, finalidades que pacificam tão-somente suas próprias necessidades; mas, além disso, está necessariamente inserido no desenvolvimento global da humanidade mediante atividades objetivas (como o trabalho) e pode ter motivações que tendam a encarnar o humano-genérico, objetivos dirigidos para fora. (Ibid., p. 47) Logo, embora vise satisfazer algo da particularidade do indivíduo, o preconceito não se constrói a partir deste isolado. Ainda que a formação de grupos não tenha relação direta, é através das mediações entre os seres e com as situações concretas do cotidiano que os preconceitos vêm à tona. A particularidade não é, portanto, necessariamente algo em que o indivíduo acredita por si só, mas sua relação com objetos da fé e com a necessidade satisfeita pela fé. Assim, o que compõe os preconceitos pode ser de natureza universal, se referir à totalidade de uma classe ou religião, por exemplo. Por outro lado, as motivações que alimentam a fé satisfazem a particularidade (Ibid.). No que diz respeito a uma refutação de ultrageneralizações estabelecidas pela fé, através de comprovações práticas, Horkheimer, no prefácio de A personalidade autoritária (In: ADORNO et al, 1950) lembra de um exemplo que mostra como o racionalismo foi decisivo para um questionamento da crença em fatores espirituais como verdade absoluta. Segundo o pensador, a crença na magia foi destruída uma vez que se tornou cientificamente insustentável.

52 52 Segundo Horkheimer, tão impactante foi, também, a obra de Freud, pois a partir dela teria se tornado mais evidente a conexão entre a repressão infantil e a ignorância a respeito da dinâmica psicológica na vida de crianças e adultos, sendo os eventos da primeira infância de especial importância para a felicidade e o potencial de trabalho do adulto. A partir desta concepção, de acordo com o pensador, houve uma revolução na relação entre pais e filhos até então inimaginável. Assim, há um entendimento de que fatores não só sociais, mas também psicológicos possibilitam que um ser humano autoritário se imponha através de seus preconceitos sobre outros indivíduos. Por outro lado, compreender tais fatores também permitiria compreender os fatores que possibilitem conter esse processo. Desta maneira, se teria maiores chances de um solução ao problema que fosse, de fato, educativa. 1.8 Personalidade autoritária, conhecimento do outro e preconceito Adorno et al (1950), após o regime nazista, estudaram os traços da personalidade dos indivíduos que poderiam levá-los a um pensamento e atitude autorirátias que externassem seus preconceitos. A hipótese que norteava sua pesquisa era a de que as convicções econômicas, políticas e sociais de um indivíduo frequentemente formavam um padrão, como que ligadas por uma mentalidade ou espírito, e que esse padrão era uma expressão de tendências profundas de sua personalidade. De fato, se descobriu que os indivíduos que tinham maior suscetibilidade à propaganda fascista tinham muito em comum. Por outro lado, os indivíduos opositores ao fascismo eram muito mais diversificados entre si. Porém, as mesmas tendências podem ter diferentes fontes em cada indivíduo e, ao mesmo tempo, as mesmas necessidades pessoais podem se expressar em diferentes tendências ideológicas. Assim, a relação de ideologia com preconceito em Adorno et al se assemelha à concepção helleriana, quando considera tanto a universalidade quanto a individualidade em sua formação. O termo ideologia é usado neste livro do modo que é comum na literatura atual, significando uma organização de opiniões, atitudes e valores um modo de pensamento sobre o homem e a sociedade. Podemos falar de uma total ideologia do indivíduo ou sua ideologia com respeito a diferentes áreas da vida social: política, economia, religião, minorias e assim por diante. Ideologias têm uma existência independente de qualquer indivíduo; e aqueles que existem em uma época em especial são resultado tanto de processos históricos quanto de eventos sociais contemporâneos. Essas ideologias têm diferentes graus de apelo para diferentes indivíduos, uma questão que depende das necessidades individuais e do grau em que estas

53 53 necessidades vão sendo satisfeitas ou frustradas. (ADORNO et al., 1950, p. 2) [Tradução Livre] 44 Logo, os indivíduos podem aderir a ideias de diferentes ideologias, mas mantendo certos padrões em comum dentro de um determinado grupo. Porém cabia a Adorno et al compreenderem porque se aceitava certas ideias e outras não. Para obter as respostas necessárias, foram distribuídos questionários entre homens e mulheres de diferentes classes sociais e em ambientes de convívio social, como universidades e igrejas. Nesse sentido, é importante ressaltar que nota-se no estudo que não necessariamente pessoas de mesma condição socioeconômica terão pensamento similar sobre o outro, bem como pessoas de grupos sociais distintos poderão pensar de modo equivalente. Um dos fatores para tal variação estaria na (ausência de) racionalidade. Os pensadores citam como exemplo, um profissional que seja contra a imigração de um refugiado judeu porque este pode ser um concorrente e assim diminuir suas possibilidades de ganho com o trabalho. Isso, afinal, seria racional, embora não seja democrático. Porém, ao atribuir características e males do mundo aos judeus, é necessário ser ilógico, assim como também ao apenas elogiar os judeus. Logo, embora haja uma relação com eventuais frustrações e experiências, uma pessoa que é preconceituosa com uma determinada minoria, assim também tende a ser com as demais minorias, sem que haja base lógica para tal. Há uma generalização com relação ao outro. De certa forma, essa concepção de Adorno et al se aproxima da ideia de Heller (2000), quando esta atribui a generalização a um juízo que não é verificado na prática. Ora, se baseado em alguma racionalidade, haveria comprovação prática e, assim, explicação lógica para a generalização que fundamenta, portanto, o preconceito. Por outro lado, Adorno et al (1950) dizem que tanto quando há atitudes de preconceito, quanto quando há uma aceitação de um determinado grupo em sua condição de diferença, quando ambos são acríticos, muitas vezes tal percepção sobre o outro se baseia na ausência de experiência com este grupo ao qual se é comparado. O que se contrapõe à formação de preconceitos conforme Arendt (2008), quando esta os relaciona à experiência 44 The term ideology is used in this book, in the way that is common in current literature, to stand for an organization of opinions, attitudes, and values a way of thinking about man and society. We may speak of an individual s total ideology or of his ideology with respect to different areas of social life: politics, economics, religion, minority groups, and so forth. Ideologies have an existence independent of any single individual; and those which exist at a particular time are results both of historical processes and of a contemporary social events. These ideologies have for different individuals, different degrees of appeal, a matter that depends upon the individual s needs and the degree to which these needs are being satisfied or frustrated.

54 54 que leva a um juízo que não é revisto. Portanto, há fatores subjetivos, mas também objetivos que estabelecem uma personalidade autoritária e uma postura de preconceito. De um modo geral, a pesquisa de Adorno et al. (1950) estabelece traços de uma personalidade autoritária, a saber, conforme resumido por Teixeira e Polo (1975): convencionalismo, submissão acrítica, agressividade autoritária, destruição e cinismo, poder e rudeza, superstição e estereotipia, exteriorização, projeção, sexo. Algumas características merecem especial atenção no contexto aqui analisado: poder e rudeza. Dentro do proposto na pesquisa de Adorno et al. (1950), tal característica tem relação com a identificação com figuras de poder, o que seria reflexo da ausência de força interior, a qual seria suprida pelo apoio em estruturas poderosas. Teixeira e Polo (1975) citam como exemplo as SS alemães em sua obediência cega ao superior e na tirania desapiedada para com o inferior (Ibid., p. 52). A identificação que faria o fraco se sentir mais forte sob a justificativa de uma raça superior ou mais pura, é a base da hostilização ao outro que permeia toda a narrativa da trama de Harry Potter, bem como a justificativa para a postura apresentada por personagens, como o já citado Lord Voldemort. Porém, uma vez que todos os seres têm defeitos, o que ocorre é um maior ou menor conhecimento dos próprios defeitos, o que levaria a uma conclusão de que há deficiências cognitivas naquele que apresenta comportamento autoritário. O obstáculo é individualizado na intolerância da ambiguidade. Enquanto o igualitário tende a resolver o problema com uma complicação (realística) que lhe permite distinguir, na mesma pessoa e mesmo nós próprios sentimentos, aspectos diversos e até contrastantes, o autoritário resolve o conflito simplesmente negando ou reprimindo o que não lhe agrada. Como consequência direta dessa repressão, aparece a projeção de defeitos e faltazinhas nos grupos exteriores, facilmente vulneráveis por causa de seu status não-privilegiado e minoritário. (Ibid., p. 54) [grifos do autor] Segundo os autores, essa negação do que não agrada, própria de um comportamento autoritário, assim se manifesta porque a personalidade valoriza um determinado status que lhe atribua segurança e poder. Logo, se utilizaria da intransigência para se defender de toda e qualquer ambivalência. Assim sendo, nota-se que as relações de alteridade permeiam as relações humanas e, por consequência, devem ser consideradas para que se compreenda o preconceito. Nesta perspectiva está apenas uma das possibilidades para se lidar com o outro e seus atos, bem como conhecê-lo. No caso da presente pesquisa busca-se compreender a perspectiva educativa que se desdobra em possibilidades de abertura às questões de alteridade aqui propostas, o que parte do pressuposto de que, no caso em que se apresenta através de uma

55 55 obra de ficção, permite discutir e refletir sobre o preconceito, agindo, assim, de modo que o evite. No entanto, um problema maior se apresenta na questão da educação, especificamente no caso do racismo. Segundo Munanga (2015), o racismo se mantém porque as vítimas o aceitam por meio da educação e [...] em todas as sociedades humanas a educação é monopólio do estado (Ibid., n. p.). No entanto, o antropólogo frisa que deve ser considerada a educação no sentido amplo, que começa na educação que se tem no próprio lar e é aí que a socialização deve começar. Logo, a questão da alteridade e seus desdobramentos na questão do preconceito é uma discussão que deve começar na própria educação da família daqueles que podem vir a sofrer ou realizar o preconceito. Deve se dar conhecimento a quem sofre discriminação sobre quem esta pessoa é, de modo a confrontar o não conhecimento que leva ao preconceito alheio, seja por meio do perdão ou da tomada de consciência quanto a quem é o outro. Essa importância das origens para o indivíduo é percebida na fala de Baldwin (1962, p. 112, 116-7) apud Rossi (2010, p. 25) quando afirma: Tenha consciência de suas origens: se conhecer suas origens, aí não haverá limites que você não possa superar. Nesse sentido, ressalta-se a necessidade de conhecimento das origens como projeto pedagógico da própria educação na sociedade brasileira, de modo a combater o preconceito. Este conhecimento produz um pensamento que permite um modelo educativo que se aproprie de grandes produtos da mídia, como é o caso de Harry Potter, mas que evite um modelo europeu de educação que se pauta em preconceitos próprios daquela cultura. Isto é importante, inclusive, para que se possa apresentar uma perspectiva educativa quando ao preconceito que evite que este se realize no ato ou discurso de alguém. [...] se queremos saber quem somos, devemos conhecer todas as nossas raízes, aqueles povos que formaram o Brasil, alguns dizem que somos um país mestiço, mas essa mestiçagem não caiu do céu. Já que não queremos reconhecer a diversidade das coisas, suponhamos que sejamos todos mestiços, vamos pelo menos estudar as raízes da nossa mestiçagem, isso faz parte da nossa cultura. Mas o brasileiro não se incomoda, o brasileiro quer se ver como europeu ocidental, parece que o brasileiro não se enxerga. (MUNANGA, 2016, n. p.) Nota-se que Munanga vê o reconhecimento da diversidade como chave para uma educação que evite que o preconceito se concretize. Logo, a base para uma proposta educativa que permita refletir sobre o preconceito e agir de forma que este não se realize é o reconhecimento do outro em sua diferença, bem como o reconhecimento, pelo indivíduo, de sua própria singularidade.

56 56 Sodré (2012) propõe uma nova educação a partir da diversidade. O autor acredita que educar é socializar e vê na tecnologia uma forma educativa que deve ser considerada. Porém, não se fala, no caso, de tecnologia no sentido meramente técnico, mas sim, dos conteúdos que esta propicia através da mídia. Para Sodré, deve ser levado em conta, nos conteúdos apresentados pela mídia, o que há da ordem do sensível que tenha efeito sobre a formação do indivíduo. Assim, considerando a ideia exposta pelo autor baiano, a mídia, e no caso, a obra Harry Potter enquanto produto midiático, pode apresentar conteúdos que levem a sentimentos, emoções e pensamentos que façam refletir sobre um determinado assunto. Estaria aí, portanto, o potencial educativo da mídia em evitar que se realizem discursos e atos preconceituosos, propiciando a reflexão que os evitem, através elementos da natureza do sensível. É sobre essa perspectiva educativa, portanto, que se dará a discussão no próximo capítulo, considerando, além disso, a construção de comportamentos como fator de importância na assimilação de uma hexis educativa acerca do preconceito, a partir do contato com obras de ficção para crianças e jovens.

57 57 Capítulo 2 O potencial reflexivo e educativo da discussão sobre preconceito: possibilidades para uma hexis educativa 2.1 A educação contra a barbárie Alteridade, preconceito e autoritarismo são temas que se relacionam. Pois, se reconhecer o outro demanda conhecimento, o autoritarismo cria um outro a partir de seus próprios preconceitos e projeta neste outro aquele a ser odiado. Ora, denotamos regime de conhecimento ao falarmos de autoritarismo. Realizamos uma operação mental relacionada ao outro quando falamos de conhecimento. Isso porque conhecimento é gesto cognitivo na direção do outro, do novo, do diferente, em uma palavra, do desconhecido. É justamente o outro que é destruído pelo autoritarismo. O autoritarismo inventa o outro para poder destruí-lo, Nesse sentido, o que chamamos de conhecimento, não acontece de fato no regime de pensamento autoritário. Nele o conhecimento é máscara sem rosto. O que chamamos de ideologia, o ofuscamento das indesejáveis verdades sociais, tem relação direta com esse processo de mascaramento de si pela invenção de um outro a ser odiado. No fundo, uma operação de projeção está em funcionamento. (TIBURI, 2016, p. 40) Pode-se dizer que, em certa medida, a educação tem como motivação evitar a volta da barbárie, tal como ocorreu outrora em regimes autoritários 45 que se espalharam pelo mundo (ADORNO, 2010). Portanto, a educação teria também por finalidade combater os fatores que levam ao autoritarismo e, assim, à barbárie. É nesse sentido que a educação contribui para o enfrentamento do preconceito, como bem lembra Munanga (2016, n.p.), Preconceitos são muitos, por isso você não pode ter uma formula geral para combater todos os preconceitos. Em primeiro lugar, você não se combate com a lei (sic), que combate os comportamentos concretos que podem ser observados, flagrados e punidos. Os preconceitos são em um terreno em que você não combate com a leis, por isso a educação é importante. A educação é um dos caminhos para combater os preconceitos, não as leis. Mas, como mudar esse pensamento que leva ao preconceito? Para Adorno (2010), há pressupostos sociais e políticos difíceis de mudar para se contrapor ao fascismo. Não bastaria o esclarecimento sobre as qualidades das minorias oprimidas, mas buscar perceber o que leva, da parte dos opressores, a cometer tais atos contra essas minorias. Reconhecendo isto, se 45 Adorno, em sua obra, fala da questão do autoritarismo a partir do exemplo de Auschwitz, mas as ideias difundidas a partir de sua percepção são aplicáveis ao autoritarismo e preconceito de modo geral.

58 58 revelariam tais mecanismos aos mesmos, de modo que é despertada uma consciência sobre seus atos. No entanto, essa formação da consciência, de acordo com a Psicologia, se formaria na primeira infância. De fato, muito da luta contra preconceitos se pauta em ressaltar o que os oprimidos têm de bom, que eles não existem como forma de agressão àqueles que acabam por perseguilos. Mas, aqui, pensa-se um pouco equivocado quando Adorno diz não acreditar em [...] apelar a valores eternos, acerca dos quais justamente os responsáveis por tais atos reagiriam com menosprezo (Ibid., p. 121), como também diz não acreditar que [...] o esclarecimento acerca das qualidades positivas das minorias reprimidas seja de muita valia (Ibid., p. 121). Apesar da importância em focar a educação em quem emite o preconceito e não na vítima, deve se considerar, sim, de grande valia trazer à discussão as qualidades das minorias, especialmente através de exemplos e do contato com situações que levem à reflexão, como se discutirá mais à frente nesta dissertação. Defende-se aqui, portanto, utilizar ambos os caminhos. Por outro lado, embora a formação da consciência se dê, de acordo com o pensador alemão, na primeira infância, o mesmo ressalta que a educação após Auschwitz passaria por essa fase da educação infantil e também pelo esclarecimento geral, produzindo um ambiente intelectual, cultural e social que evitaria a repetição do que ocorreu, pois se teria um clima em que os horrores que aconteceram e os fatores que os motivaram se tornariam conscientes de algum modo. Entretanto, em que pesem os fatores a serem considerados para se combater o autoritarismo por esse caminho da educação, uma questão é essencial: o perigo da volta da barbárie está presente, também, em não se admitir o contato com a questão, como se isso acabasse responsabilizando quem levantasse a discussão. E embora Adorno tenha publicado seus pensamentos sobre pontos importantes para a educação contra a barbárie muito antes do discurso de ódio nos moldes em que toma o cotidiano na atualidade, há exemplos atuais para ilustrar a questão, principalmente na Internet. Muitas vezes, quando vários coletivos, movimentos sociais ou mesmo veículos de comunicação de um modo geral, resolvem abrir a discussão sobre a opressão a minorias, muitos que são contra o próprio preconceito que tais minorias sofrem defendem que não se fale no assunto, de modo que ele se esgote por si só e o preconceito acabe. Para citar alguns casos, vale lembrar o já esgotado discurso, muito comum na Internet, de que todos são iguais e assim devem ser tratados, sem a superioridade de mulheres e negros sobre os demais, por exemplo, quando algum ativista se manifesta quanto ao feminismo ou a

59 59 causa negra 46. Ou então falácias como racismo reverso 47 ou não sou machista, nem feminista, quero igualdade 48 expondo uma preocupação com o preconceito, mas adotando um discurso que silencia sua discussão. Muitas vezes, aliás, aqueles que levantam a discussão sobre os preconceitos acabam por serem vistos por aqueles que negam a lembrança como os responsáveis pelos ódio gerado, sob a alegação de que estes respondem preconceito com raiva, pelo fato de terem uma atitude mais incisiva, o que não seria recomendado para a solução dos problemas existentes. Como diz o próprio Adorno (2010, p. 125): [...] o perigo de que tudo aconteça de novo está em que não se admite o contato com a questão, rejeitando até mesmo quem apenas a menciona, como se, ao fazê-lo sem rodeios, este se tornasse o responsável, e não os verdadeiros culpados. Importante a ressalva de que, embora não se possa generalizar, muitos desses casos de silenciamento se dêem exatamente como forma de esconder ou justificar os próprios preconceitos dos que emitem esse discurso. Contudo, não se pode desconsiderar a possibilidade de um medo do retorno de tempos mais sombrios como motivação para ignorar uma discussão aprofundada de determinados temas. Voltando à questão da educação propriamente dita, Adorno expõe dificuldades de acordo com as diferentes localizações daqueles que devem aprender. Uma vez que seu livro foi publicado em uma época em que haviam mais moradores e trabalhadores de campo, isso representaria um dificultador que demandaria alternativas à escolarização formal. Nesse sentido, o frankfurtiano propõe, por exemplo, transmissões televisivas e discussões in loco com voluntários que se dispusessem a se deslocar para o campo. Trazendo essa questão para a realidade atual, em que há mais meios disponíveis e informações circulam mais rápido, vários produtos culturais, uma vez que cumpram com o necessário para tal, podem ser utilizados sob uma perspectiva educativa. Ressalta-se, entretanto, que, embora mais acessíveis hoje em dia, a Internet ainda está distante de uma parcela considerável da população, especialmente em países como o Brasil, com grande desigualdade social. Fato que mantém ainda um domínio da TV no acesso às mídias, o que pode limitar as possibilidades de transmissão de informação na 46 Diz-se aqui causa negra de um modo geral por considerar em sua abrangência, inclusive, o feminismo anteriormente citado. 47 Ver Por que você deve parar de afirmar que o racismo reverso existe?, interessante artigo publicado pelo coletivo Geledés. Disponível em: < Acesso em: 29/02/ Algumas frases como a citada e não sou feminista, sou feminina ou não sou feminista e nem machista, sou humanista são alguns exemplos comuns nesse tipo de discussão, e são citadas em artigo da publicação Carta Capital, chamado Feminismo para leigos. Disponível em: < Acesso em: 29/02/2017.

60 60 sociedade atual 49. Além disso, os índices de analfabetismo funcional ainda são altos no Brasil, com apenas 8% da população entre 15 e 64 anos com plena capacidade de compreender e se expressar por meio de letras e números 50, o que reflete falhas no ensino como um todo, que vão além da discussão foco da presente pesquisa. Porém, é importante enfatizar que neste cenário apresantado, as considerações de Adorno são atuais e pertinentes, ressaltando-se a necessidade de trabalho in loco em conjunto com a interação com diferentes expressões na mídia. No caso em foco nesta pesquisa, será analisada uma obra cinematográfica que também é acessível pela televisão e se expande em outras narrativas, especialmente na Internet. Mesmo em áreas nas quais obras como Harry Potter não sejam tão acessíveis e locais mais afastados de centros urbanos em que, por ventura, outras obras e outras formas de narrativa sejam mais pertinentes, poderão haver características em comum aos diferentes produtos que permitam a discussão de preconceitos. Entretanto, a tendência a agir de modo retrógrado está presente independentemente do contexto e localidade. Segundo Adorno, isso é uma tendência social geral. Nesse sentido, o autor alemão ainda lembra que, uma vez que certas pessoas que sejam mais ignorantes quanto a uma determinada questão sejam exigidas ou criticadas, elas tendem a adotar uma postura ameaçadora, o que se relacionaria com a personalidade autoritária estudada pelo pensador. Isso é basilar de uma estrutura social ligada à autoridade, que também aparece na educação. Tudo isso se relaciona de um modo ou outro à velha estrutura vinculada à autoridade, a modos de agir eu quase diria do velho e bom caráter autoritário. Mas aquilo que gera Auschwitz, os tipos característicos ao mundo de Auschwitz, constituem presumivelmente algo de novo. Por um lado, eles representam a identificação cega com o coletivo. Por outro, são talhados para manipular massas, coletivos, tais como os Himmler, Hoss e Eichmann. (Ibid., p. 127) 49 Segundo dados de 2015 do IBGE, o acesso à Internet cresceu no Brasil, chegando a 57,8% dos lares do país assim como o crescimento do acesso através de smartphones. Além disso, 97, 1% dos domicílios particulares permanentes possuíam TV, sendo considerados o total de 68 milhões de domicílios. Dados da matéria Acesso à internet cresce no país puxada por smartphones, diz IBGE, do site Valor Econômico, disponível em: < Acesso em: 26/02/2017, e da própria pesquisa do IBGE, disponível em < Acesso em: 26/02/ Ver No Brasil, apenas 8% têm plenas condições de compreender e se expressar, matéria do UOL Educação, disponível em: < acesso em: 26/02/2017. O percentual a que se refere a matéria diz respeito aos indivíduos considerados proficientes, nível mais alto da escala de alfabetismo. A pesquisa completa está disponível em: < acessso em 26/02/2017, e foi feita pelo Instituo Paulo Montenegro, que também a disponibiliza na página

61 61 Para se contrapor a um retorno da barbárie, a proposta seria, então, se contrapor ao poder cego de todos os coletivos (Ibid., p. 127). No caso, aqueles coletivos que impõem regras sociais que infligem atos de brutalidade contra o outro, de modo que este possa vir a ser parte de um grupo. Essa ideia disciplinadora da dor seria, portanto, um equívoco, pois o elogiado objetivo de ser duro de uma tal educação significa indiferença contra a dor em geral (Ibid., p. 128). Na história de Harry Potter e a Ordem da Fênix, é retratado um exemplo de como essas relações se dão. Na trama, aparece a professora Dolores Umbridge, que utiliza métodos muito teóricos e pouco práticos em uma disciplina na qual os alunos precisam de aptidão prática, chamada Defesa contra a arte das trevas. Ao ser questionada pelos alunos, a professora até então educada, repentinamente passa a demonstrar agressividade. Para punir e disciplinar Harry quando este faz um desses questionamentos, a bruxa o faz escrever em sua mão a frase eu não devo contar mentiras com uma pena que corta a pele dele, formando a frase com o sangue e as marcas de seu corte. Com o tempo, a professora adquire mais poder dentro da escola e todos os demais alunos que não seguem o padrão de comportamento por ela imposto também passam a ser punidos de modo autoritário. Essa adesão cega a coletivos contribui para que as pessoas passem a ter a disposição a tratar o outro de modo coisificado 51. Voltando à ideia de personalidade autoritária de Adorno et al. (1950), esta denota um caráter manipulador. Se perde, portanto, a real dimensão das relações humanas, o que poderia ser retomado por meio da experiência. Sobre a possibilidade de compreender tais relações e evitar preconceitos a partir da experiência, seja real ou pela observação, é que se seguirá a discussão deste capítulo. 2.2 Dimensão da Educação e da Comunicação na influência de comportamentos Assim como há ligação entre alteridade, preconceito e autoritarismo, Educação e Comunicação são temas relacionados entre si. No entanto, segundo Martín-Barbero (2014), há três dimensões que são as principais norteadoras da educação: além da dimensão da capacitação para o trabalho, também há a dimensão da transmissão de herança cultural entre gerações. Porém, tais dimensões devem ser redirecionadas para que a Educação cumpra com uma terceira função, que lhe deveria ser essencial: a formação de cidadãos. 51 A ideia de coisificação ou reificação perpassa outras discussões econômicas e sociais. No entanto, Adorno et al. (1950) não se estende sobre as demais perspectivas.

62 62 Assim sendo, segundo o autor, o conteúdo audiovisual pode contribuir para a construção de uma educação que forme indivíduos mais justos e comprometidos com uma sociedade mais democrática, uma vez que não seja visto somente como entretenimento, na medida em que apresente elementos que produzam a reflexão através dos modelos retratados e da representatividade. Nesse sentido, os estudos de Albert Bandura (1977), sobre aprendizagem e comportamento, podem trazer importantes observações. Segundo o autor, o comportamento humano é aprendido, predominantemente, pela observação. Com esta conclusão, Bandura desenvolveu a Teoria da Aprendizagem Social, a qual parte do princípio de que o ser humano é um agente intencional e reflexivo e, assim, tem a possibilidade de escolher quanto aos rumos de seu comportamento. À luz de Bandura (1987), La Rosa (2003., p. 73) explica que essa teoria acentua: 1) a capacidade simbolizadora, 2) a capacidade de previsão, incluindo aqui a antecipação de consequências do comportamento, recompensas e punições, 3) a capacidade vicária, ou seja, de aprendizagem através da observação e da modelação, 4) a capacidade auto-reguladora, que supõe padrões pessoais de desempenho, incluindo um sistema de auto-recompensas e um sistema autopunitivo, e 5) a capacidade de reflexão, quer dizer, o indivíduo pensa, tem intenções, projetos e avalia. [grifo do autor] Logo, o ser humano seria capaz de, ao observar um determinado comportamento, interpretá-lo e reproduzí-lo em um determinado contexto, prevendo suas consequências e determinando recompensas para o sucesso desta reprodução, bem como punições em caso de não conseguir fazê-lo. Ressalta-se, porém, que isso não seria a mera imitação do comportamento do outro, mas uma modelação, ou seja, a reprodução de comportamentos estaria mediada por outros fatores de ordem simbólica e autorregulatória. Afinal, os modelos também podem exercer influência na reprodução de comportamentos agressivos (BANDURA, ROSS e ROSS, 1963, apud LA ROSA, 2003). A mediação evitaria a reprodução dos comportamentos negativos pois, ao considerar as consequências dos atos, se estas forem desastrosas, o comportamento tende a não ser reproduzido. Por outro lado, a reprodução é possível se as consequências dos atos forem positivas. Logo, há influência do ambiente e de condições pessoais, além do comportamento em si. A perspectiva congnitivo-social da aprendizagem é, portanto, um modelo de determinação recíproca entre o ambiente, fatores pessoais (cognitivos, emocionais, etc.) e comportamento (Ibid., p. 75). Assim, os fatores de influência podem ter maior ou menor

63 63 peso, dependendo de cada pessoa e seus traços de personalidade. Do mesmo modo, são importantes os processos autorregulatórios para o sucesso da modelação. Durante muito tempo a modelação foi considerada um tópico inconsequente, por duas razões. Primeiro, ela foi considerada uma tendência instintiva, não tinha muito a ser explicado: imitação foi o rótulo que a modelação recebeu, a seguir, algo meramente reprodutivo, sem os processos de mediação simbólica seria um fenômeno próprio de pessoas ansiosas, dependentes e conformistas. (Ibid., p. 76) Da mesma forma, o comportamento observado não pode ser algo simplista, visto que, no caso de um processo cognitivo mais complexo, não se apresentarão resultados partindo de um modelo simples. Por outro lado, padrões mais complexos de comportamento induzem a diferentes estímulos, o que acabava por permitir a reprodução dos padrões de comportamento em diferentes contextos. La Rosa (2003) exemplifica que, uma vez que uma professora, por meio da modelação, ensine como se pega um lápis, embora esta seja uma situação que tenha sua importância em ensinar, se limita à imitação de como se deve coordenar os dedos ao se exercer aquela atividade. Porém, quando uma criança observa o pai sendo cortês com o próximo, seja a esposa, os colegas de trabalho ou amigos, por exemplo, também tratará bem seu próximo em outros contextos, pois não se trata, nesse caso, de uma imitação periférica como pegar um lápis. Aí estaria todo um processo de abstração e reflexão de que se deve tratar as outras pessoas com consideração e respeito. Aliás, a modelação poderia ser até melhor que a experiência direta em situações de preconceito, pois reproduzem os padrões de comportamento em diferentes situações. Esse posicionamento é defendido por La Rosa, conforme entendimento de Bandura (1987). O que é questionável, se forem considerados outros fatores de influência que não somente os cognitivos no processo de assimilação de comportamentos. Contudo, se for considerada a observação e reprodução de comportamentos especialmente a partir de produtos midiáticos, não desconsiderando a experiência real, de fato pode ser importante a modelação a partir desses produtos e o que apresentam às crianças e jovens como padrões a serem seguidos. O desenvolvimento de novas respostas, qualquer que seja o modo de aquisição, requer a organização e a clara representação de elementos de comportamento em padrões de sequências, ou seja, o que vem antes, o que é intermediário, e o que vem depois. Essas informações podem ser dadas através de demonstração física, ou seja, de um modelo vivo, através da representação pictórica, de TV, e, também, por meio de descrição verbal. O comportamento complexo, assim, é decomposto em outros mais simples que devem ser adequadamente sequenciados. (LA ROSA, 2003, p. 78)

64 64 É importante ressaltar quanto a este ponto que, embora a aprendizagem não se restrinja à observação em detrimento da experiência direta, é um dos fatores de formação de comportamentos. No que diz respeito aos produtos midiáticos como modelos de observação, estes possuem relevância, principalmente, se for considerado o atual contexto em que se deve pensar a educação. Como bem destaca Martín-Barbero (2014), à luz de Savater (2001) 52, não se pode pensar a educação apenas baseada em livros, dentro do modelo humanista outrora considerado ideal. Já não há como pensar a Educação sem que esta seja mediada pela Comunicação. Dentro desse contexto, a Teoria da Aprendizagem Social ressalta a importância da modelação sobre a instrução meramente verbal. La Rosa (2003), à luz da teoria de Bandura (1987), especifica duas formas de modelação: a modelação verbal, que seria limitada à instrução verbal, não apresentando modelos vivos para a observação; e a modelação de comportamento, esta sim, eficaz em seu propósito. A distinção entre as duas formas está no fato de que, na modelação por comportamento, é maior o interesse dos observadores, no caso, as crianças junto às quais eram testados os métodos. Mais eficazes ainda são os modelos que vêm dos próprios alunos. De fato, alunos instruindo seus pares seria uma preferência dessas crianças e jovens, o que se explica pela identificação entre eles (JENKINS, 2009). Nesse sentido, destaca-se que a modelação não é apenas a repetição de padrões, mas contribui para novos padrões criativos e inovadores (LA ROSA, 2003). Além disso, não são só os modelos de pessoas conhecidas do observador que são válidos. Com base na Teoria da Aprendizagem Social, se diferencia os modelos em três tipos: vivos, representativos e simbólicos. Os modelos vivos seriam professores, pais, amigos, enfim, pessoas da vida real e, considerando que haja convívio do observador com o modelo, muitas vezes o próprio observador pode servir também de modelo para esta outra pessoa. Já os modelos representativos e simbólicos são encontrados nas formas de comunicação com as quais o observador entra em contato. Os primeiros dizem respeito aos meios audiovisuais e os últimos, diferente dos modelos representativos que, necessariamente, são personagens de narrativas audiovisuais e, assim, fictícios, podem partir de seres reais, mas tem sua particularidade na forma como chegam até o observador: por meio de livros, textos e desenhos, entre outras produções gráficas (BANDURA, 2008, apud LA ROSA, 2003). No presente estudo, portanto, busca-se analisar os modelos representativos e sua relação com a 52 SAVATER, F. Opinión. El País, Madrid, 5 abr

65 65 aprendizagem por meio da modelação. Aí pode estar a chave para que, a partir da observação de modelos, a criança e o jovem adquiram a consciência sobre algo e o entendimento sobre como agir diante da questão do preconceito para além de uma determinação moral sem a devida reflexão. Nesse sentido, chega-se à hexis educativa. 2.2 Sobre a hexis educativa e seu potencial A informação, tal como circula atualmente, é uma das bases da sociedade, formulando uma nova esfera da existência. Segundo a hipótese proposta por Sodré (2013), que parte do pensamento aristotélico 53, esta esfera, ambientada no fenômeno da midiatização, comporia um novo bios denominado de bios midiático, ou bios virtual. O bios midiático implica de fato uma refiguração imaginosa da vida tradicional pela narrativa do mercado capitalista. Frente a ele, é possível pensar no saber comunicacional como uma redescrição da realidade tradicional pelo pensamento que incorpore a nova ordem tecnológica, mas refigurando a experiência do indivíduo em seu relacionamento com o mundo virtual, experimentando por sua vez uma crítica da existência e buscando um sentido eticopolítico para o empenho ativo de reorganização do nosso estar no mundo. (Ibid. p. 255) Na narrativa bios midiática, um aspecto chama a atenção: suas bases no mercado capitalista. A transnacionalização mercadológica estrutura a nova esfera da virtualidade. Em meio a isso, como abrir espaços para a discussão de pautas importantes para minorias e não abarcadas pela lógica do consumo e, assim, do mercado? Esta é uma reflexão necessária, pois se vive em uma sociedade em que cidadania e consumo são cada vez mais associados. Canclini (1999, p. 71) diz que o consumo serve para pensar e que os bens exercem outras funções que não só a de mercado, pois nós, seres humanos intercambiamos objetos para satisfazer necessidades que fixamos culturalmente, para integrarmo-nos com outros e para pensar nossa situação no mundo. Considerando o consumo de entretenimento, então um produto midiático de forte aceitação poderia promover a reflexão sobre a sociedade no público? A resposta não é tão simples e talvez não tão otimista quanto o pensamento de Canclini, mas as questões abrem espaço para se pensar produtos como Harry Potter que, na medida do possível, contribuam para uma reflexão em seu público, e um consequente potencial educativo. A possibilidade educativa presente em obras como Harry Potter pode ser 53 Segundo Sodré (2013), na concepção de Aristóteles há três esferas existenciais na polis grega: a esfera da política, a esfera do conhecimento e a esfera do corpo. O autor brasileiro propõe uma quarta esfera composta de informação e virtualidade.

66 66 vista como uma pedagogia informal (JENKINS, 2009), pela questão do letramento que o contato com a obra propicia. Letramento que, por si só, já provocou reações contrárias, visto que muitos conservadores entendem a pedagogia de uma forma bem diferente e defendem que deve haver um discernimento quanto às possíveis representações religiosas e, na visão de tais conservadores, até mesmo ocultistas, presentes em Harry Potter (JENKINS, 2009). O questionamento conservador apresentado põe em confronto a cultura participativa, que se cria a partir da difusão da obra, com dois fatores essenciais na formação das crianças e dos jovens que, segundo o próprio Jenkins, seriam a educação e a religião. No momento em que conservadores acreditam que a obra passa para as crianças e os jovens uma ideia moral errada, vale considerar que é uma percepção de moral dentro de padrões estabelecidos em seus grupos. Neste sentido, há um pensamento que parte do ethos, ou seja, uma [...] consciência viva do grupo que impõe o sentido de costume como maneira regular ou mecânica de agir (SODRÉ, 2013, p. 84). No entanto, essa percepção pode se tornar problemática, pois pode servir a interesses íntegros ou a atos morais negativos, mas que tenham validade dentro de um determinado grupo. Logo, um pensamento que parta de uma consciência, de sentir-se bem com determinada forma de pensar e de agir, se torna uma possibilidade educativa, retomando a fala de Sodré sobre educar ser incitar no indivíduo a possibilidade de pensar. Afinal, quando o indivíduo enxerga em exemplos com os quais se identifique, ou modelos, conforme a concepção da Teoria da Aprendizagem Social (BANDURA, 1977), a atitude correta a se tomar em relação a uma determinada questão, passa a agir mediante a reflexão provocada, e não mais somente para se enquadrar em uma determinação moral do grupo em que está inserido. Em uma perspectiva comunicacional, tal pensamento reproduz uma dialética hexis versus ethos, apresentada por Sodré (2013, p. 84) na obra Antropológica do espelho, ao debater a hexis educativa. Nela, o autor define a hexis como [...] a possibilidade de instalação da diferença na imposição estaticamente identitária do ethos. No caso de Harry Potter, formula-se, então, um cenário com personagens que partem de uma atitude baseada na hexis, e outros, baseada no ethos, quando este é utilizado em favor de atos morais negativos. Sodré, ao elucidar a ação a partir da hexis, permite compreender de forma análoga na obra de J.K. Rowling o que distingue o pensamento entre os personagens. O sujeito se apropria dos costumes herdados e tradicionalmente reproduzidos (portanto, concretamente, na moral, socialmente condicionada e limitada) com a disposição voluntária e racional de praticar atos justos e equilibrados

67 67 dirigidos para um bem, uma virtude, um dever-ser, ou seja, tudo que reforce a recomendação socrática de evitar a prática de ações com as quais não se possa conviver e assim ser capaz de ganhar um potencial de liberdade e criação. Satisfaz, desse modo, uma exigência propriamente ética que, embora não pertença nesses mesmos termos de realização de uma virtude aos quadros sociais da modernidade hegemônica, vem-se mantendo através dos tempos. (Ibid., p. 84) Assim sendo, a hexis pode ser considerada como uma possibilidade educativa a partir da formação de consciência no indivíduo sobre as consequências de suas escolhas. Nesse caso, portanto, as decisões são tomadas em função de um sentir-se bem consigo mesmo, e não por uma imposição moral estabelecida pelo grupo social no qual a pessoa está inserida. No caso de Harry Potter, essa hexis se expressa na atitude dos personagens que aceitam as diferenças. Do mesmo modo, uma vez que haja identificação com tais personagens pelo público, isto permite o desdobramento em uma atitude mais tolerante do próprio público para com o diferente. Sodré utiliza um exemplo interessante para uma melhor compreensão da hexis educativa. O autor cita histórias de Chuang-Tzu e Eugen Herrigel, que tratam da relação do arqueiro com sua arte: o arco e a flecha. Nessas narrativas, apresenta-se o arqueiro como mais do que mero produto da aptidão, do treinamento e da técnica, mas alguém que transcenda estas características, agindo [...] guiado por uma razão de ser necessária e compatível com os destinos da comunidade humana (Ibid., p. 84). Assim, se ultrapassaria a ethos, pressupondo a existência de uma hexis. Essa atitude é que resolveria a hexis, então, em educação, pois educar seria ir além da mera repetição de um costume determinado, aceitando os impulsos de liberdade que fazem o indivíduo passar do ethos para a hexis. Logo, hexis educativa tem relação com a modelação a partir de modelos representativos, mas vai além desta. Embora a modelação não seja mera repetição de padrões, pois há a mediação que evita a repetição de comportamentos agressivos, a questão é o que leva a essa mediação. Ao se produzir a hexis educativa no observador, não se evita comportamentos de agressividade, por exemplo, somente a partir da ideia pré-concebida moralmente de que aquilo é errado. Provoca-se o estranhamento quanto ao que é errado de se fazer ante uma determinada situação, entendendo que é necessário ir além da imposição da estrutura social em que o indivíduo está inserido, questionando os valores ali determinados quando desrespeitarem o outro. Em outras palavras, de acordo com a própria concepção de Sodré, a hexis pressupõe uma desconfiança do que é considerado um costume. Citando o padre Antonio Vieira, o autor baiano ressalta que os maus costumes tem como principal defeito não serem maus, mas serem

68 68 costumes. Por isso, [...] a educação orienta-se no limite por um empenho que visa a ultrapassar eticamente a circularidade (moral) do costume (Ibid. p. 85). Em um cenário de autoritarismo e preconceito, a hexis educativa tem sua importância enquanto formadora de uma consciência crítica no indivíduo, que o leve a uma postura que rompa com o poder cego dos coletivos, retomando o dito por Adorno (2010). Assim, libertase de meios impositivos que possam se traduzir em uma consciência coisificada do outro, no que diz respeito à questão do preconceito. Entretanto, combater a coisificação do outro é ir contra o próprio espírito do mundo, visto que na configuração da sociedade atual, não é a simpatia ou uma relação que valorize o outro o valor vigente, mas a persecução dos próprios interesses frente aos interesses dos demais (Ibid., p ), o que, segundo o autor frankfurtiano, já teria feito morada no caráter das pessoas. Ressalta-se, nesse sentido, que a proposta de uma hexis educativa esteja presente no processo educacional desde a infância, tal como proposto também pela aprendizagem por modelação de Bandura (1977). Portanto, narrativas como Harry Potter, que tenham crianças e jovens como principal público-alvo, são possibilidades que tendem a ser mais efetivas no alcance de tal propósito, uma vez possuem elementos próprios para a identificação e atenção deste público. Assim se seguirá a análise da obra no próximo capítulo, considerando estudos de Sociolinguística Interacional e narrativa, especialmente a tragédia grega.

69 69 Capítulo 3 A interação face a face: análise das relações de alteridade e preconceito 3.1 Resumo da obra Harry Potter A história de Harry Potter está dividida em sete livros e oito adaptações cinematográficas, começando com Harry Potter e a pedra filosofal até o último livro, Harry Potter e as relíquias da morte, que foi dividido em dois filmes. No primeiro livro, Harry Potter, ainda bebê, é deixado pelos professores da Escola de Magia e Bruxaria de Hogwarts à porta da casa de seus tios, após sobreviver a um ataque do vilão da história, Lord Voldemort. Neste mesmo ataque, os pais de Harry são assassinados, mas ele desconhece a forma como morreram até chegar aos 11 anos, quando recebe sua carta para ingressar na escola de bruxaria, e descobre que seus pais, e ele mesmo, são bruxos. Na escola, conhece Hermione Granger, que é uma bruxa mestiça, e Rony Weasley, bruxo de família pobre. Harry também começa a conhecer mais sobre seu passado e o que ocorre no mundo bruxo, descobrindo que é famoso por ser o único bruxo a ter sobrevivido a um ataque de Lord Voldemort, que lhe deixou apenas uma cicatriz na testa. Ao longo das histórias que se desenvolvem, a partir de então, Harry enfrenta reiteradas vezes Lord Voldemort e seus seguidores, que possuem um projeto de poder dos chamados bruxos de sangue-puro, eliminando os bruxos com ascendência trouxa. Em torno desta narrativa se estendem os outros seis livros, Harry Potter e a câmara secreta, Harry Potter e o Cálice de Fogo, Harry Potter e a Ordem da Fênix, Harry Potter e o enigma do príncipe, e, enfim, o já citado Harry Potter e as relíquias da morte. É interessante notar o amadurecimento das histórias ao longo dos livros, que vão ficando mais sérias conforme os anos vão passando, acompanhando o amadurecimento dos personagens principais e de seu público-alvo. Os filmes, consequentemente, refletem esse amadurecimento, se apresentando mais sombrios, de acordo com as histórias que vão sendo desenvolvidas. Os livros, assim como, depois, os filmes, foram (e são) de grande sucesso até hoje, mesmo com o encerramento da série. Como já referenciado no presente trabalho, a série de filmes alcançou grande sucesso de bilheteria. Além do sucesso de público, a versão

70 70 cinematográfica da história também recebeu ao todo 12 indicações ao Oscar, em categorias predominantemente técnicas, não ganhando, no entanto, nenhuma estatueta 54. Muito ainda se fala e faz sobre Harry Potter e ainda ocorrem diversos eventos de modo a promover as histórias de J. K. Rowling, como exposições e reuniões de fãs 55. Há páginas na Internet, como a Pottermore 56, e comunidades criadas por fãs como, por exemplo, a Potterish 57. Esta última, aliás, é um portal de fãs com mais de 23 mil textos cadastrados na seção de fanfics 58, resultando em mais de 128 mil capítulos 59. Não somente os fãs mantêm Harry Potter em novas narrativas através das fanfics, como, também, a própria autora ainda cria novas histórias em extensão à história principal. É o caso da peça Harry Potter e a criança amaldiçoada, feita em parceria com John Tiffany e Jack Thorne, que estreou em Londres em julho de 2016 com lotes de ingressos esgotados em poucas horas 60. A produção teatral, aliás, gerou rumores, depois desmentidos, de que a Warner Bros teria vontade de transformá-la em filme, tão logo o ator Daniel Radcliffe, que interpretou Harry Potter nos cinemas, tivesse a idade para ser novamente o protagonista, já que a peça se passa com Harry aos quarenta anos e Daniel tem, atualmente, vinte e sete 61. Além disso, há o filme Animais fantásticos e onde habitam, uma espécie de prólogo da história de Harry Potter, que estreou no Brasil em 17 de novembro de 2016, já com o anúncio de J. K. Rowling de mais quatro filmes posteriores para completar a saga Ver Harry Potter e o estranho caso de desprezo do Oscar. Disponível em: < Acesso em: 27 abr Há uma exposição oficial por países da Europa chamada Harry Potter the exhibition, com informações no site: < bem como está programada uma exposição para os 20 anos do lançamento do primeiro livro, em outubro de 2017, conforme informações em: < Acesso em: 08/11/ Página oficial de Harry Potter, disponível em < 57 Página disponível em < 58 Fanfic (fanfiction, ou mesmo fic) é uma narrativa de ficção criada e divulgada por fãs na Internet, em que esses fãs se apropriam de personagens e enredo de um livro, filme ou qualquer outro produto midiático, sem que isso fira direitos autorais do autor ou que se obtenha lucro. A intenção principal de tais criações é estabelecer narrativas paralelas às da história original. 59 Ver < 60 Ver Peça de Harry Potter vende 175 mil ingressos em oito horas. Disponível em: < >. Acesso em: 08/11/ Ver Warner desmente rumores de filme sobre Harry Potter e a criança amaldiçoada. Disponível em: < Acesso em: 08/11/ Ver Animais fantásticos e onde habitam terá cinco filmes, diz J.K. Rowling. Disponível em: < Acesso em: 08/11/2016.

71 Os debates sobre preconceito que permeiam a série Harry Potter Os filmes da série Harry Potter foram escolhidos como estudo de caso para uma análise da questão do preconceito em narrativas infantojuvenis, a partir das relações de alteridade apresentadas ao longo da história. Os fatores para a escolha, além dos já citados na Introdução deste trabalho, também giram em torno de a obra ser bastante abordada para estudos sobre preconceito 63 e já ter se envolvido em casos que a ligam diretamente ao tema. No final de 2015, houve a reação preconceituosa de fãs da série à escolha de uma atriz negra para o papel de Hermione na peça Harry Potter e a criança amaldiçoada. Este caso traz um aspecto interessante à discussão: uma parcela de fãs, embora não se possa dizer que seja a maioria, que demonstrou preconceito de raça, exatamente a questão em torno da qual gira toda a história de Harry Potter. Quando foi anunciado o trio de atores que protagonizam a peça de teatro na Inglaterra, muitos disseram estranhar a escolha da atriz Noma Dumezweni para o papel da personagem Hermione, a qual nos filmes é interpretada pela atriz Emma Watson, de pele branca 64. Quem questionou a escolha alegou que o estranhamento se deu pelo fato de o público já estar acostumado com uma atriz branca para o papel. No entanto, os fatores que envolvem a discussão são mais complexos e preocupantes. Originalmente, não há definição para a cor da pele da personagem nos livros da série Harry Potter. A informação foi confirmada pela autora J. K. Rowlling ao declarar que Hermione era de olhos castanhos, cabelo crespo e muito inteligente 65, lembrando aos fãs da série que não se mencionava nada sobre a cor da pele da personagem. A autora, aliás, também demonstrou estar satisfeita com a escolha da atriz que, inclusive, já foi premiada no teatro inglês 66. Além disso, ressalta-se que uma Hermione negra tende a representar com maior veemência o fato de a personagem sofrer preconceito na história por ser mestiça Um exemplo é a pesquisa feita pela Universidade da Pensilvânia feita antes de Donald Trump ser eleito presidente dos Estados Unidos, demonstrando que, quanto mais se lia os livros ou se via os filmes da série, maior reprovação havia em relação ao republicano e sua postura preconceituosa durante a campanha nas eleições presidenciais. Disponível em: < e < Acesso em 21/10/ J.K. Rowling aprova Hermione negra em peça de teatro de Harry Potter. Disponível em < Acesso em 04/01/ Idem. 66 A atriz Noma Dumezweni já venceu o prêmio Oliver, que reconhece anualmente a excelência do teatro inglês. Ver informação em Apresentados atores que viverão Harry Potter, Hermione e Ron na peça 'Harry Potter and the Cursed Child'. Disponível em: <

72 72 Logo, o fato de que o mais próximo de um debate sobre questões raciais na obra Harry Potter não se baseie na questão da cor, mas da ascendência bruxa ou trouxa, pode ter tornado o debate quanto a esta questão menos proveitoso. Contudo, de alguma maneira, levantou a discussão junto ao público em redes sociais e páginas de cultura para o público jovem 68. Em meio a essa discussão, sobre a cor da pele das atrizes, foi lembrado que, nos filmes Harry Potter e a câmara secreta e Harry Potter e o prisioneiro de Azkaban, em que a personagem chamada Lilá Brown era menos expressiva na história, a interpretação era de uma atriz negra. Porém, no filme Harry Potter e o enigma do príncipe, em que a personagem ganha destaque, coincidentemente ou não, passa a ser interpretada por uma atriz branca, loira e de olhos claros 69. Por outro lado, ocorreram debates sobre a influência da obra em uma perspectiva religiosa, sendo Harry Potter, inclusive, não recomendado para leitura pela igreja católica. Joseph Ratzinger, quando ainda era cardeal, declarou em 2003 que Harry Potter [...] corrompe a alma dos jovens cristãos em uma idade delicada, já que ainda não se formou 70. Posteriormente, a igreja se posicionou favorável à história de J. K. Rowling 71 quando foi lançado o filme Harry Potter e o enigma do príncipe, em Diversos grupos religiosos também criticaram o conteúdo dos livros e filmes, levando a discussões sobre as possibilidades de letramento que a obra acarreta e nas quais influencia. Ocorreram reações contrárias, no que diz respeito ao uso de Harry Potter como recurso pedagógico, visto que muitos conservadores criticam o que acreditam ser a presença de elementos antirreligiosos na história do bruxo. Segundo Jenkins (2009) os reformadores morais, embora em alguns casos admitam que Harry Potter desperte o interesse pela leitura e o aprendizado, têm apreensão quanto ao conteúdo das obras, por considerarem-nas um atores-que-viverao-harry-potter-hermione-e-ron-na-peca-harry-potter-and-cursed-child.html>. Acesso em: 06/01/ Em Harry Potter, a personagem Hermione é constante alvo de preconceito, ao ser chamada de sangue ruim por determinados personagens, com o sentido de ofendê-la. 68 Ver, por exemplo, a página Legião dos Heróis, com mais de 5 milhões de seguidores no Facebook, em que há publicações sobre a escolha de Noma Dumezweni para o papel de Hermione, com comentários e discussões entre os fãs. Disponível em: < Acesso em: 27/10/ Ver 12 personagens de Harry Potter interpretados por mais de um ator. Disponível em: < Acesso em: 27/10/2016. Ver Jornal do Vaticano absolve Harry Potter e diz que este é o melhor filme da série. Disponível em: < JORNAL+DO+VATICANO+ABSOLVE+HARRY+POTTER+E+DIZ+QUE+ESTE+E+O+MELHOR+FIL ME+DA+.html>. Acesso em: 27/10/ Idem.

73 73 enfraquecimento da religião cristã, em favor de outros valores. Alguns críticos mais fundamentalistas chegaram a associar Harry Potter a uma forma de ocultismo ou influência diabólica. O evangelista Phil Arms, por exemplo, descreve Harry Potter e Pokémon (1998) como atrações fatais, atraindo as crianças para o mundo das ciências ocultas: Mais cedo ou mais tarde, todos os que entram no mundo de Harry Potter devem enfrentar a verdadeira face por trás do véu. E quando o fazem, descobrem o que todos aqueles que brincam com o mal descobrem, ou seja, embora talvez só estivessem brincando, o Diabo sempre joga para valer (Ibid., p. 267) Assim, a obra também leva a discussões sobre preconceito religioso, embora não o aborde na história contada. Porém, se apontam referências ao critianismo na história. A própria autora, que é cristã, já disse que houve inspiração na religião para a construção da narrativa 72. É importante notar também que, embora não haja menção na cena equivalente do último filme, no livro Harry Potter e as relíquias da morte (2007, p. 242 e 244) há duas referências a passagens da bíblia, quando Harry visita o túmulo da família de Dumbledore e de seus pais, respectivamente: Porque onde estiver o vosso tesouro, aí estará também o vosso coração (versículo 21, capítulo 6, Evangelho de Mateus) e Ora, o último inimigo que há de ser aniquilado é a morte (versículo 26, capítulo 15, Primeira Carta de Paulo aos Coríntios). 3.3 A interação face a face: análise das relações de alteridade retratadas na série Harry Potter Para uma melhor compreensão de como determinados elementos constitutivos da série Harry Potter podem enunciar uma potencial hexis educativa acerca de questões relacionadas ao preconceito, serão utilizados diálogos dos oito filmes que demonstrem que as situações vividas pelos personagens são análogas a situações de preconceito da vida cotidiana, a partir das relações de alteridade ali representadas. Para tal, será utilizada a análise com base na Sociolinguística Interacional, que tem influência do Interacionismo Simbólico e da Escola de Palo Alto, especialmente a partir de autores como Goffman e Bateson, respectivamente. O Interaccionismo Simbólico tem como premissa básica que os seres atuam sobre as coisas de acordo com os significados que estas tem para eles. Este significado, por sua vez, surgiria das interações entre os indivíduos e seriam utilizados como um processo de 72 Ver J.K. Rowling: Christianity inspired Harry Potter. Disponível em: < Potter.html>. Acesso em: 27/10/2016.

74 74 interpretação do indivíduo no seu relacionamento com as coisas, as quais são modificadas em tal processo. (RIZO, 2004) Já a Escola de Palo Alto tem como premissa que a essência da comunicação está nas relações e interações, bem como todo comportamento humano possui valor comunicativo. Assim, é impossível não comunicar. (Ibid.). Nota-se, portanto, que a partir de ambas as influências, o processo interacional é fundamental na comunicação e, assim, nas relações sociais. Um princípio básico da Sociolinguística Interacional é que a interação face a face tem sua complexidade enquanto cenário de construção de significado social. O importante nessa interação é que o agrupamento de pessoas em si não basta para que ocorra o comprometimento do encontro entre as mesmas. No encontro, há uma orientação de um indivíduo para o outro que os separa dos demais indivíduos no agrupamento. Há uma preferência por uma abertura mútua a toda maneira de comunicação. Há tipicamente também uma aproximação física, um amontoado ecológico dentro do qual os participantes se orientam na direção um do outro e se desviam daqueles que estão presentes na situação mas que não estão oficialmente no encontro. Há regras claras para o início e o término de encontros, para a entrada e a saída de certos participantes em particular, para as exigências que um encontro pode requerer de seus sustentadores e para o decoro de espaço e som que deve ser observado em função dos participantes excluídos mas presentes à situação. (GOFFMAN, 2013, p. 18) Esses encontros são analisados na interação entre os personagens de Harry Potter, de modo a verificar como o preconceito se mostra em tais interações, a partir das falas dos personagens. A partir desses encontros, busca-se entender como as falas reproduzem o senso comum entre os personagens, como estes definem o outro de acordo com suas próprias expectativas de como este outro é. Nas relações de preconceito presentes nas falas em interação, poderão ser observadas como o discurso atribuído aos personagens preconceituosos em relação ao outro reflete as ações destes mesmo personagens ao longo da narrativa. Retomando Arendt (2007), sem o discurso, a ação não existira por si só. Considerando o pensamento da autora, portanto, o uso da Sociolinguística Interacional contribui para a compreensão de significados sociais que se estabelecem no discurso presente nas interações, bem como as ações que se apresentam nos mesmos. Por outro lado, uma relação humana bem-sucedida pressupõe que o indivíduo assimila a visão do outro em sua própria visão de mundo e, ao mesmo tempo, atua na vida do outro de acordo com sua própria visão de mundo (BAKHTIN, 1997). Assim, ver a negação do outro em sua diferença nas interações entre os personagens e as relações de alteridade que se

75 75 apresentam, ou não, entre eles, permitirá alcançar o objetivo da pesquisa. Logo, uma metodologia que tenha como foco a interação de um indivíduo com o outro dentro de um contexto social se tornou a escolha mais pertinente. Além disso, a vantagem em se utilizar a Sociolinguística Interacional está na sua aplicabilidade a variadas formas de interação social. Os trabalhos desenvolvidos nessa área [sociolinguística interacional] variam de acordo com o interesse do pesquisador, que poderá dar maior ou menor atenção ao fenômeno linguístico versus o fenômeno interacional. (TANNEN, apud RIBEIRO e GARCEZ, 2013, p. 8) Será dada maior atenção ao fenômeno interacional, de modo a compreender o objeto de pesquisa com base nas relações de alteridade enunciadas pelos personagens. Cabe, portanto, enunciar os elementos que compõem este fenômeno que serão analisados. Em um primeiro momento, será identificada a situação social em que se dão os diálogos. De acordo com Garcez e Ostermann (2013, p. 264), à luz de Goffman, a situação em uma interação [...] emerge a qualquer momento em que dois ou mais indivíduos se encontram na presença imediata um do outro e dura até que a última pessoa tenha se retirado. No caso da análise aqui proposta, serão identificados estes momentos de interação, de modo a ter um recorte dentro da narrativa em que se perceba uma relação de alteridade que evidencie uma atitude preconceituosa de algum personagem, ou mesmo referências a eventuais situações sociais de tal configuração em alguma cena dos filmes. De modo a melhor delimitar a cena a ser analisada e a situação social ali retratada, será considerada também a noção de cenário, segundo a Sociolinguística Interacional. O cenário, de acordo com a metodologia, é o espaço delimitado do ambiente, [...] definido pelos participantes como socialmente distinto de outros espaços no qual se desenrolam os eventos e as atividades de fala (Ibid., p. 259). Nem sempre o cenário será determinante para se perceber o preconceito evidenciado nas interações, mas é importante saber dentro de que ambiente se desenvolvem as atividades de fala, bem como os elementos cenográficos que contribuam para a percepção das relações entre os personagens e como se situa determinada cena na narrativa. Da mesma forma, a construção do cenário em que ocorrem as interações pode apresentar outras informações relevantes que não estejam nas interpretações dos atores, visto que estes são construídos, seja nos livros ou nos filmes, na composição dos objetivos da cena. É importante descrever o cenário também, visto que é neste que se desenvolve o evento, ou seja, a [...] definição social da atividade de fala que se desenvolve na situação

76 76 (Ibid., p. 261). Já a atividade de fala, segundo Garcez e Ostermann apud Garcez (2013, p. 259), é [...] a unidade básica de interação socialmente relevante em termos da qual o significado é avaliado. Logo, é na atividade de fala que é transmitido o preconceito evidenciado nas relações de alteridade estabelecidas entre os personagens. Para a compreensão de tais fatores, chega-se à definição de enquadre. Enquanto a ideia de situação social, cenário, evento e atividade de fala estão aqui expostas em suas conceituações, mas não serão aprofundadas, sendo citadas para uma definição do que compõe as cenas a serem analisadas, a noção de enquadre merece maior atenção. Basicamente, enquadre é a [...] definição, com base em elementos de sinalização na fala em interação, quanto ao que está acontecendo em uma interação, sem a qual nenhuma elocução (ou movimento ou gesto) pode ser interpretada (GARCEZ e OSTERMANN, 2013, p. 260). Porém, essa definição pode ser diferente de acordo com a interpretação e o repertório de cada participante da interação. Mais do que isso, o enquadre seria a atividade na qual os interlocutores estão engajados (FARBIARZ, 2001, p. 64), ou seja, a intenção de cada participante naquela interação, de acordo com suas expectativas. Tannen e Wallat (2013) propõem uma noção de enquadre associada à noção de esquemas, com as devidas diferenciações. De acordo com as autoras, ambas as noções estão relacionadas com as estruturas de expectativas. Porém, a palavra enquadre se refere à [...] noção antropológica/sociológica de enquadres interativos de interpretação, e esquemas com referência à noção de esquemas de conhecimento sob o ângulo da Psicologia e da Inteligência Artificial (TANNEN e WALLAT, 2013 apud RIBEIRO e GARCEZ, 2013, p. 183). Essa distinção entre os termos é importante, pois, enquanto o enquadre tem relação com o sentido dado às falas na interação, o esquema diz respeito às expectativas criadas quanto ao que está envolvido na interação, de acordo com um conhecimento prévio, o que leva cada participante a adotar diferentes alinhamentos de acordo com cada momento ou cada interlocutor dentro de um mesmo evento. Segundo Goffman (2013, p. 113), o alinhamento, também chamado de footing, seria o porte, ou posicionamento, ou postura, ou projeção pessoal do participante. Assim, no caso analisado nesta dissertação, nota-se que o alinhamento é o modo como o personagem se posiciona na história em relação a outro personagem. Ou, pode se dizer, também, o papel a ser assumido por cada personagem na cena. Tais relações ocorrem em um determinado contexto, que é o [...] ambiente de significação que é interacionalmente constituído mediante o que as pessoas estão fazendo a cada instante em termos de onde e quando elas fazem o que fazem (GARCEZ e

77 77 OSTERMANN, 2013, p. 259). No caso estudado, o contexto das cenas escolhidas é predominantemente o de preconceito racial 73 e de classe social. Porém, as noções de enquadre e esquemas de conhecimento podem levar a diferentes sentidos e expectativas quanto ao que ocorre na interação face a face, fazendo com que cada participante assuma um determinado alinhamento, que pode ser semelhante ou não, dentro do contexto analisado. Já, por outro lado, é necessária a adoção de diferentes formas de se comunicar por cada participante, considerando cada interlocutor a que se direciona. Assim se chega à noção de registro. O termo registro é definido por Ferguson (1985) como as convenções determinantes das escolhas lexicais, sintáticas e prosódicas que sinalizam o esquema de conhecimento utilizado pelos interlocutores e o enquadre em que o discurso está inserido. (FARBIARZ, 2001, p. 68) Logo, o registro é a busca por algo em comum entre os interlocutores, para manter o diálogo, mesmo com as eventuais diferenças entre eles. Assim, enquadres e esquemas de conhecimento se tornam, em certa medida, comuns a todos. 3.4 Como as características das interações face a face na narrativa podem contribuir para uma potencial hexis educativa sobre a questão do preconceito? Para a análise das interações, foram selecionadas as cenas em que as relações de preconceito ficavam mais evidentes, de acordo com a base teórica proposta. Em um primeiro momento, foram verificados nos oito filmes em quais cenas apareciam referências ao preconceito de um modo geral. No total, foram selecionadas 44 cenas 74, a partir deste primeiro recorte. As cenas foram, então, divididas de acordo com os filmes em que apareciam, considerando a ordem cronológica dos mesmos, começando com o filme 1 ( Harry Potter e a pedra filosofal ) e indo até o filme 8 ( Harry Potter e as relíquias da morte parte 2 ). 73 Ressalta-se que a fala racista é geralmente direcionada a uma personagem que nos filmes é branca, no caso, a Hermione Granger. Essa característica pode abrir precedentes para uma posterior discussão sobre o protagonismo nas discussões sobre determinadas formas de preconceito em narrativas ficcionais, o que não é o foco da presente pesquisa. Contudo, a observação é importante para que fique claro que não há uma omissão deste trabalho em relação à necessidade de se discutir o protagonismo de negros em narrativas como Harry Potter. 74 Ver anexo I.

78 Filme 1 Filme 2 Filme 3 Filme 4 Filme 5 Filme 6 Filme 7 Filme 8 Gráfico 1: Total de cenas com referências a preconceito. Fonte: Autora. No entanto, nem todas as cenas apresentavam o preconceito explícito em diálogos e na relação direta de um personagem com outro. Portanto, foram eliminadas as cenas em que as referências a preconceitos apareciam apenas por uma citação ou para os personagens remeterem a algum momento anterior nos filmes 75. Este recorte se fazia necessário pelo fato de que seriam analisadas as interações face a face entre os personagens. Logo, referências indiretas não serviriam aos objetivos da pesquisa aqui empreendida. Nesse momento, se obteve um novo total de 33 cenas coletadas. Estas, então, passaram a ser consideradas, visto o objetivo de analisar o preconceito retratado nas interações entre personagens. 75 Ver anexo II.

79 Filme 1 Filme 2 Filme 3 Filme 4 Filme 5 Filme 6 Filme 7 Filme 8 Gráfico 2: Total de cenas com referências a preconceito nas interações entre personagens. Fonte: Autora. Notou-se que o segundo filme, Harry Potter e a câmara secreta, é que mais faz referências a questões de preconceito, o que é justificável pelo enredo. A história desse filme gira em torno de alguém que seria despertado pela abertura da câmara, e que perseguiria e mataria todos aqueles que não fossem bruxos ou descendessem de pessoas que não tivessem poderes mágicos. Portanto, as referências nesse sentido, aqui classificadas como preconceito racial, eram várias. Porém, foi necessário compreender como diferentes tipos de preconceito foram retratados nas diversas cenas, tornando necessária uma divisão para organizá-los. Esta divisão se deu com base na ideia de preconceito como um rebaixamento do outro, que levava a um julgamento de que este outro era alguém inferior, de acordo com as relações retratadas entre os personagens, demonstrando, assim, o referencial teórico aqui utilizado, especialmente a ideia de preconceito em Arendt (2002, 2007 e 2008) e Heller (2000). Então, foram observadas em cada cena quais características dos personagens correspondiam ao tratamento preconceituoso apresentado por outro personagem. Desta forma, as situações de preconceito mapeadas foram divididas em categorias 76. Após essa divisão, verificou-se quais eram as mais presentes ao longo dos filmes. 76 Ver anexo II.

80 80 A partir desta divisão, foi realizado um levantamento das diferentes situações de preconceito presentes nas 33 cenas da amostragem, segundo os objetivos da pesquisa. O resultado foram 45 situações de preconceito retratadas nas 33 cenas Filme 1 Filme 2 Filme 3 Filme 4 Filme 5 Filme 6 Filme 7 Filme 8 Gráfico 3: Total de situações de preconceito retratadas nas cenas. Fonte: Autora. Ressalta-se que o número de situações mapeadas é maior que o número de cenas pelo fato de que, algumas vezes, na mesma cena aparecerem situações que remetem a diferentes tipos de preconceito. Por exemplo, em uma mesma cena, poderia haver menção a formas de preconceito racial e também de classe social. Neste caso, cada diferente relação de preconceito é computada como uma situação específica. 77 Ver anexo II.

81 Filme 1 Filme 2 Filme 3 Filme 4 Filme 5 Filme 6 Filme 7 Filme 8 Gráfico 4: Total de situações de preconceito retratadas nas cenas de cada filme. Fonte: Autora. Com esta nova amostragem, verificou-se que as relações de preconceito racial (considerando como diferença de raça a diferença entre ter ou não a ascendência bruxa) apareciam 21 vezes e as situações que demonstravam preconceito de classe social entre personagens ocorriam 12 vezes ao longo dos oito filmes. Estas situações eram, portanto, as predominantes. Percebe-se que outras relações eram expostas em menor número ao longo das cenas, como preconceitos de gênero, etário e homofobia. Porém, a quantidade de vezes em que outras relações de preconceito apareciam era menos expressiva e, portanto, não serão aqui analisadas mais detalhadamente.

82 Preconceito racial Preconceito de classe social Preconceito com uma cultura diferente 5 21 Preconceito etário Bajulação Gordofobia Homofobia 12 Preconceito de gênero/machismo Preconceito por questões físicas Gráfico 5: Comparativo do total de situações de preconceito retratadas nas cenas. Fonte: Autora. Notou-se que as demonstrações de preconceito racial e preconceito de classe social, predominantes no cômputo geral, aparecem em praticamente todos os filmes, revelando sua importância ao longo do desenvolvimento da narrativa e uma possível necessidade de reiterar sua relevância na história. As relações de preconceito racial apareciam nos filmes 2, 3, 4, 5, 6 e 7. Já as demonstrações de preconceito de classe social apareciam nos filmes 1, 2, 3, 4, 7 e 8. Isso contribui para uma análise que perpasse o amadurecimento da história ao longo dos anos, de modo a também acompanhar o envelhecimento do público. Assim, a própria maneira como o tema é abordado ganha uma visão menos infantil com o passar dos livros e filmes. Os gráficos a seguir demonstram a proporção de cada aparição de acordo com cada filme.

83 Filme 1 Filme 2 Filme 3 Filme 4 Filme 5 Filme 6 Filme 7 Filme 8 Gráfico 6: Situações de preconceito racial ao longo dos filmes. Fonte: Autora Filme 1 Filme 2 Filme 3 Filme 4 Filme 5 Filme 6 Filme 7 Filme 8 Gráfico 7: Situações de preconceito de classe social ao longo dos filmes. Fonte: Autora. Portanto, a escolha até este momento foi analisar as situações de preconceito racial e de classe social retratadas seguindo a ordem dos filmes, de modo que a história apresentada possa ser contextualizada, considerando que cada filme mantem alguma relação com o anterior. Do mesmo modo, era necessário um novo recorte, visto que as situações envolviam diferentes núcleos de personagens, prejudicando a percepção desta estrutura relacional e tornando a análise extensa em excesso, pela demanda em elucidar pormenores da narrativa de Harry Potter.

84 84 Observou-se que os personagens que apareciam no total de situações de preconceito racial e/ou social eram: Draco Malfoy, Belatriz Lestrange, Lord Voldemort (cujo nome de origem é Tom Riddle), Dolores Umbridge, Lúcio Malfoy, os bandidos que abordam Harry, Rony e Hermione na cena 7.8, Monstro, Senhora Black, Yaxley e Horácio Filme 1 Filme 2 Filme 3 Filme 4 Filme 5 Filme 6 Filme 7 Filme 8 Draco Malfoy Belatriz Lestrange Lord Voldemort/Tom Riddle Dolores Umbridge Lúcio Malfoy Draco e Lúcio Malfoy Bandidos na floresta Monstro Monstro e Senhora Black Yaxley Horácio Gráfico 8: Situações de preconceito racial ao longo dos filmes de acordo com os personagens que exerciam o preconceito. Fonte: Autora. 78 Foram separados como personagens as duplas Draco e Lúcio e Monstro e Senhora Black nas situações de preconceito em que atuavam juntos, de modo a não causar confusão na soma total de situações de preconceito retratadas.

85 Gráfico 9: Situações de preconceito de classe social ao longo dos filmes de acordo com os personagens que exerciam o preconceito. Fonte: Autora. Buscando selecionar um grupo de personagens mais específico para análise, notou-se que as relações de preconceito racial e de classe social retratadas a partir dos personagens do núcleo da família Malfoy 79 eram constantes, ainda que não fossem explícitas no sexto e oitavo filmes Filme 1 Filme 2 Filme 3 Filme 4 Filme 5 Filme 6 Filme 7 Filme 8 Draco Malfoy Lúcio Malfoy Draco e Lúcio Malfoy Belatriz Lestrange Lord Voldemort/Tom Riddle Yaxley Dolores Umbridge Bandidos na floresta Monstro Monstro e Senhora Black Horácio 79 Draco Malfoy, inimigo de Harry em Hogwarts, e seus pais, Narcisa e Lúcio Malfoy, bem como a personagem Belatriz Lestrange, irmã de Narcisa. Essa família aparece em constantes enfrentamentos com o núcleo de personagens de Harry e seus amigos, uma vez que pertencem ao grupo de seguidores do vilão Lord Voldemort, visando, na história, um projeto de poder que pressupõe que devam existir apenas os bruxos de sangue puro, por se considerarem superiores. 80 Ver anexo III.

86 Filme 1 Filme 2 Filme 3 Filme 4 Filme 5 Filme 6 Filme 7 Filme 8 Família Malfoy Lord Voldemort/Tom Riddle Yaxley Dolores Umbridge Bandidos na floresta Monstro Monstro e Senhora Black Horácio Gráfico 10: Situações de preconceito de classe social ao longo dos filmes de acordo com os personagens que exerciam o preconceito, considerando o núcleo da família Malfoy. Fonte: Autora. Porém, embora não aparecessem em referências diretas ao preconceito nesses filmes, o núcleo desses personagens estava presente entre os vilões da história, que tinham como objetivo eliminar as pessoas que consideravam inferiores por não serem de sangue puro. O posicionamento da família Malfoy fica mais explícito, aliás, no segundo filme, onde há mais cenas em que eles rebaixam outros personagens por se considerarem superiores. Assim, de modo a confirmar quais eram as situações de preconceito que mais apareciam junto a essa família, foram selecionadas as 22 situações de preconceitos retratadas, com base na exposição de preconceitos de personagens ligados ao núcleo Malfoy. As referências ao preconceito da família Malfoy aparecem ao longo dos filmes de modo similar ao total de situações de preconceito retratadas. Se observado o Gráfico 3 e, especialmente, os Gráficos 6 e 7, nota-se que que há um aumento significativo do total das situações de preconceito retratadas no segundo filme, com queda no terceiro filme, mantendo pouca variação nas quantidades até o sétimo filme, quando há um novo aumento das situações, ainda que menos substancial que no segundo filme. Da mesma forma, no gráfico a seguir, há esta relação entre as quantidades de situações de preconceito nos filmes envolvendo especificamente a família Malfoy. Evidencia-se, portanto, o papel de destaque desse núcleo de personagens para a compreensão de como o preconceito é retratado na série Harry Potter.

87 Filme 1 Filme 2 Filme 3 Filme 4 Filme 5 Filme 6 Filme 7 Filme 8 Gráfico 11: Situações de preconceito do núcleo de personagens da família Malfoy ao longo dos filmes. Fonte: Autora. Seguindo o procedimento adotado para o total de situações de preconceito, as referentes ao núcleo de personagens da família Malfoy foram separadas entre diferentes formas de preconceito representadas. Verificou-se, pois, que o preconceito racial e de classe social também eram os mais evidentes nas situações em que se manifestavam a partir da família Malfoy. Não por acaso, eram maioria também no total de situações de preconceito anteriormente coletadas considerando todos as personagens, como já demonstrado no Gráfico 5.

88 Preconceito racial Preconceito de classe social Preconceito com uma cultura diferente 10 Preconceito etário Bajulação Gordofobia 10 Homofobia Preconceito de gênero/machismo Preconceito por questões físicas Gráfico 12: Comparativo do total de situações de preconceito apresentadas pelo núcleo de personagens da família Malfoy. Fonte: Autora Assim, optou-se por analisar as 10 situações de preconceito racial e 10 situações referentes a preconceito de classe social, já que são bem mais expressivas que as demais. A maioria das demais situações de preconceito, aliás, sequer aparecem quando considerado só o núcleo de personagens da família Malfoy como emissora do preconceito. Mesmo porque, em algumas vezes, essas outras formas de preconceito aparecem em casos pontuais. Porém, é interessante notar que, antes, sem considerar os núcleos de personagens, as referências a preconceito racial retratadas eram quase o dobro das referências a preconceito de classe social, mas, ao se utilizar o filtro com base no núcleo de personagens da família Malfoy, o número de situações de preconceito de classe social e de preconceito racial passou a ser o mesmo. Uma possibilidade para isso pode estar no fato de que boa parte das cenas são com o personagem Draco Malfoy, que tem um perfil de maior afeição às questões de hierarquia social do que propriamente à questão racial, embora também a explicite em preconceitos. Nota-se na história, inclusive, que o personagem Draco, diferente dos pais - que são Comensais da Morte - reluta em aderir a este grupo de seguidores do vilão Lord Voldemort. Com base nos fatores citados, se passará à análise das cenas propriamente ditas. 3.5 Filme 1: Harry Potter e a pedra filosofal Este é o primeiro filme da franquia. Na história, os personagens são apresentados ao público e a personalidade de cada um é traçada, de modo a já deixar claro quais personagens

89 89 tendem a ser mocinhos e vilões. Trata-se de contar como Harry foi parar na casa dos tios quando era um bebê, após a morte de seus pais por Lord Voldemort, que também tentou matálo, sem sucesso, conseguindo apenas fazer uma cicatriz em sua testa, apesar de ter lhe lançado um feitiço fatal. O menino cresce sendo menosprezado pelos tios, que repudiavam o fato de ele ser filho de bruxos. Aos onze anos, porém, Harry recebe uma carta informando que irá para a Escola de Magia e Bruxaria de Hogwarts, onde conhece Hermione Granger filha de trouxas e Rony Weasley que vem de família pobre. Também em Hogwarts, Harry conhece Draco Malfoy, que viria a ser seu antagonista e tem preconceito por bruxos filhos de trouxas, aos quais chama de sangue ruim. Dentro desse contexto em que é traçado o perfil dos personagens, Harry e os amigos buscam a chamada pedra filosofal, ao descobrirem que Voldemort quer pegá-la, por saber que a pedra daria imortalidade a quem dela se apropriasse. Na busca por essa pedra, Harry reencontra Voldemort, que novamente não consegue matá-lo, nem pegar dele a pedra filosofal. Esta, por fim, é devolvida para Alvo Dumbledore, o diretor que Hogwarts que ajudava a preservá-la em segurança. Estas informações sobre a história tem o intuito de contextualizá-la de modo a familiarizar o leitor com os diálogos entre os personagens. Contudo, o importante, no caso, é perceber que os personagens são apresentados uns aos outros nesse filme, o que denota em diferentes enquadres e na adoção de diferentes alinhamentos nas interações Cena Situação social: Draco se apresenta para Harry. Cenário: saguão de entrada do Castelo de Hogwarts 81 Ver anexo I.

90 90 Imagem 1: saguão de entrada do Castelo de Hogwarts. Fonte:Harry Potter e a pedra filosofal (2001, 39min16seg) Nesta cena, os alunos chegam a Hogwarts e estão parados em frente à entrada do salão principal do castelo em que estudarão, aguardando as orientações dos professores para entrarem. Draco: É verdade, então? O que disseram no trem? Harry Potter veio pra Hogwarts. Estes são Crabbe e Goyle. E eu sou Malfoy. Draco Malfoy. (Rony, que está ao lado de Harry, segura uma risada) Draco se dirige para Rony: Acha meu nome engraçado, não é? Nem preciso perguntar o seu. Cabelo ruivo, vestes de segunda mão. Você deve ser um Weasley. Draco, voltando a falar com Harry: Logo vai descobrir que algumas famílias de bruxos são melhores do que outras. Você não vai querer ser amigo da pessoa errada. Eu posso ajuda-lo nisso. (Draco estende a mão a Harry) Harry, se recusando a apertar a mão de Draco: Eu posso ver sozinho quem é a pessoa errada. Nesse caso, há um enquadre de apresentação de colegas de classe, pois Draco não conhece Harry e Rony. Nota-se, porém, que Draco assume um alinhamento diferente em relação a Harry, a quem Draco tenta bajular para conseguir ser amigo, e em relação a Rony, a quem Draco esnoba em uma atitude de preconceito de classe social, ao dizer que por usar roupas velhas, Rony obviamente pertencia à família Weasley e que algumas famílias de bruxos são melhores que outras, deduzindo que Harry não vai querer amizade com as pessoas erradas. A partir destes registros utilizados na fala, vê-se que o personagem Draco parte de um esquema de conhecimento de que famílias ricas não devem se relacionar com famílias de bruxos pobres (ressalta-se que, na história, embora Harry recebesse dos tios apenas restos das roupas e móveis usados do primo, ao ser chamado para Hogwarts descobre

91 91 que é herdeiro de uma fortuna de seus pais, sendo que bruxos possuem moeda e bancos próprios que não existem no mundo dos trouxas ). A bajulação, portanto, foi retratada aqui como forma de preconceito, conforme demonstram os gráficos 4 e 5, pelo fato de Draco só bajular Harry por achar que este concordaria com seu juízo de que famílias de bruxos ricos são melhores do que famílias de bruxos pobres. Uma mudança de footing implica uma mudança no alinhamento que assumimos para nós mesmos e para os outros presentes, expressa na maneira como conduzimos a produção ou a recepção de uma elocução. Uma mudança em nosso footing é um outro modo de falar de uma mudança em nosso enquadre dos eventos. (GOFFMAN, 2013, p. 112) Assim, as mudanças de alinhamento de Draco fazem com que ele consiga alternar entre os dois enquadres que, de acordo com o esquema de conhecimento dele, se fazem necessários: o enquadre apresentação de colegas de turma e o enquadre de conversa indesejada com um colega de classe social inferior. A mudança de alinhamento (ou footing) explicita, portanto, o preconceito representado pelo personagem Draco. Outro fator importante para compreensão da mensagem e dos diferentes enquadres presentes na cena é mudança na expressão facial do personagem Draco. Enquanto, ao falar com Harry, demonstra um sorriso cortês, o que só muda após a recusa de Harry em cumprimentá-lo, ao se dirigir a Rony altera a expressão de seu rosto para um olhar de desdém e irritação por ter que se dirigir a ele. Do mesmo modo, ao ver que Harry prefere Rony a ele, Draco adota outra mudança de alinhamento na cena, sinalizada pela expressão de descontentamento e irritação de seu rosto. Assim, o personagem Draco passa por três mudanças de alinhamento: o alinhamento de relação entre futuros amigos adotado em um primeiro momento com Harry; o alinhamento de superioridade, ao se dirigir a Rony; e o alinhamento de relação entre futuros inimigos, ao não ser bem visto por Harry. Imagem 2: Draco comenta a chegada de Harry a Hogwarts. Fonte:Harry Potter e a pedra filosofal (2001, 40min32seg 41min17seg)

92 92 Imagem 3: Draco se apresenta a Harry. Fonte:Harry Potter e a pedra filosofal (2001, 40min32seg 41min17seg) Imagem 4: Draco se dirige a Rony com desdém, após a risada deste. Fonte:Harry Potter e a pedra filosofal (2001, 40min32seg 41min17seg) Imagem 5: Harry se recusa a apertar a mão de Draco após ele falar de Rony e diz que sabe quem é a pessoa errada. Fonte:Harry Potter e a pedra filosofal (2001, 40min32seg 41min17seg)

93 93 Imagem 6: Draco se frustra com a reação de Harry. Fonte:Harry Potter e a pedra filosofal (2001, 40min32seg 41min17seg) É importante ressaltar o papel de elementos que não são ditos para a compreensão da cena. Por exemplo, se Draco mantivesse a expressão sorridente ao se dirigir a Rony, se estabeleceria um alinhamento de ironia, por exemplo Cena Situação social: Draco reclama com Harry durante a detenção dos dois. Cenário: Floresta Proibida. Imagem 7: Draco, Harry e Canino na Floresta Proibida. Fonte:Harry Potter e a pedra filosofal (2001, 1h45min38seg) Os colegas de turma Harry e Draco estão cumprindo uma detenção por estarem andando pelo castelo fora do horário permitido. Em função da detenção, eles têm que acompanhar Hagrid na busca por animal machucado na chamada Floresta Proibida da escola (floresta em torno do terreno da escola que é considerada perigosa para os alunos à noite). 82 Ver anexo I.

94 94 Estão acompanhados de Canino, o cachorro de estimação de Hagrid, que está com Rony e Hermione, que também cumprem a detenção, em um local próximo. Draco: Espera até o meu pai saber dessa história. Isso é tarefa pra empregado! Harry: Se não te conhecesse, Draco, diria que está com medo. Draco: Não estou com medo, Potter. (O dois ouvem um ruído estranho) Draco: Ouviu isso? Vamos, Canino. Com medo... Nesta cena, há o enquadre de uma reunião de colegas de turma para cumprir tarefas. Neste enquadre, Draco ainda mantém certa cordialidade com Harry e continua demonstrando seu preconeceito na frente dele em relação a outras pessoas que, no caso, são empregados em geral. O alinhamento de Draco, portanto, é apenas de relação entre colegas de turma. Cabe ressaltar o esquema de conhecimento acionado por Draco: o de que apenas empregados fazem determinado tipo de tarefa, que não considera digna de alguém como ele. Nota-se, também, que os esquemas de conhecimento adotados por Draco são explicitados de forma convicta, o que reflete o comportamento do preconceituoso: ter um determinado juízo prévio sobre algo sem a devida reflexão sobre a origem daquele juízo. De acordo com o perfil traçado para o personagem - de um menino rico filho de pais esnobes e que consideram bruxos superiores a humanos que não são bruxos as experiências vividas levam à criação de um juízo provisório que se traduz em esquemas de conhecimento criados a partir da expectativa de que o outro que não se encaixe nas mesmas condições que ele é um ser inferior. 3.6 Filme 2: Harry Potter e a câmara secreta No segundo filme, descobre-se que há uma câmara secreta na escola de Hogwarts que, uma vez aberta, despertaria o herdeiro de Salazar Sonserina, um dos bruxos fundadores da escola, que acreditava que os trouxas eram uma raça inferior. Assim, quando se espalha a informação de que tal câmara foi aberta, começa a preocupação de professores e alunos (especialmente aqueles de origem trouxa ) em serem alvo de algum ataque do herdeiro de Sonserina.

95 95 Neste filme, Harry também conhece Dobby, um elfo doméstico, que na história é um ser escravizado por bruxos. Sua presença na narrativa tem importância para explicitar relações de preconceito entre os personagens, bem como relações de empatia/solidariedade, especialmente de Harry, que posteriormente o liberta, e Hermione que é solidária à causa da libertação dos elfos. Nos livros, de modo mais específico, a personagem Hermione cria uma associação de luta pela liberdade dos elfos com o nome de F.A.L.E, ou Fundação de Apoio à Libertação dos Elfos-domésticos, conforme tradução dos livros no Brasil. No entanto, embora bastante citada nos livros, essa participação de Hermione não aparece nos filmes. Há somente a demonstração de respeito dela pelos elfos ao longo das cenas Cena Situação social: A família Malfoy provoca Harry e a família Weasley na livraria Floreios e Borrões, após Harry ser reconhecido e fotografado para o Profeta Diário, o principal jornal do mundo bruxo. Cenário: livraria Floreios e Borrões. Imagem 8: livraria Floreios e Borrões. Fonte:Harry Potter e a câmara secreta (2002, 18min06seg) 83 Ver anexo I.

96 96 Imagem 9: livraria Floreios e Borrões. Fonte:Harry Potter e a câmara secreta (2002, 19min38seg) Na cena em questão, Draco e seu pai, Lúcio Malfoy, provocam Harry e a família Weasley na livraria Floreios e Borrões, após Harry ser reconhecido pelo escritor Gilderoy Lockhart, que está lá para uma tarde autógrafos. Harry é fotografado a seu lado para o Profeta Diário, o principal jornal do mundo bruxo, e ao sair com os Weasley, se depara com os Malfoy. Draco, para Harry: Adorou isso, não foi, Potter? O famoso Harry Potter. Não pode nem entrar numa livraria sem parar na primeira página. Gina: Deixa ele em paz. Draco: Olha só, Potter...Arranjou uma namorada. Lúcio: Tudo bem, Draco, vá com calma. (E então, se dirige a Harry) Senhor Potter... Lúcio Malfoy. Enfim nos conhecemos. Com licença (Lúcio puxa Harry para perto de si e começa a analisar a cicatriz em sua testa) Sua cicatriz é uma lenda. Assim como o bruxo que a fez. Harry: Voldemort matou os meus pais. (Harry se afasta de Lúcio) Ele não passava de um assassino. Lúcio: Deve ser muito corajoso para dizer o nome. Ou muito tolo. Hermione: O medo de um nome só faz aumentar o medo da própria coisa. Lúcio: E você deve ser a senhorita Granger. (Lúcio olha para Draco, que confirma acenando com a cabeça que aquela é, de fato, a Hermione) Draco me falou tudo sobre você... E seus pais. Trouxas, não são? (E então, se dirige para Rony) Deixe-me ver... Cabelos ruivos, expressões vazias, livros surrados de segunda mão... Vocês devem ser os Weasley. Arthur: Crianças, está muito cheio, vamos lá pra fora. Lúcio: Ora, ora, ora, Weasley pai. Arhtur: Lúcio.

97 97 Lúcio: Muito trabalho no Ministério, Arthur? Com todas aquelas batidas, espero que paguem hora extra. A julgar pelo estado disto, eu diria que não. (Lúcio mostra o livro que pegou anteriormente na bolsa de Gina, enquanto falava de Rony) De que adianta você envergonhar o nome dos bruxos se nem lhe pagam bem pra isso. Arthur: Nós temos uma ideia muito diferente do que envergonha o nome dos bruxos, Malfoy. Lúcio: É claro. Se associando a trouxas (Lúcio olha com desdém para os pais de Hermione). E eu pensei que sua família não podia se afundar mais. Nos vemos no trabalho. Draco, se dirigindo a Harry e Rony: Nos vemos na escola. Na situação que ocorre na livraria, há um enquadre de conversa entre inimigos, representado no alinhamento de inveja assumido por Draco ao se dirigir a Harry. Em seguida, entra outro participante no encontro, que até então era ouvinte e passa a assumir uma fala: Gina Weasley, irmã de Rony. Ela representa, na cena, o contraponto ao que diz Draco, quando defende Harry, dizendo que Draco tem de deixa-lo em paz. No caso, Gina assume um alinhamento de relação entre amigos entre ela e Harry e, ao mesmo tempo, de relação entre inimigos entre ela e Draco. Gina, então, deixa de ser uma ouvinte para interferir no diálogo. Philips (2013), a partir de Goffman (1974), identifica os interlocutores do encontro como ratificados, ou seja, aquele à quem o falante dirige a palavra, e não-ratificados, que são os demais ouvintes. Na cena em questão, há uma transição dos personagens entre estas categorias de interlocutores, de modo a deixar clara a tensão entre a família Malfoy e a família Weasley, Harry e Hermione. No entanto, embora Gina busque assumir o papel de interlocutora ratificada, Draco não a considera como tal, utilizando sua fala para provocar Harry, mas não se dirigindo à própria Gina. Assim, é reforçado o alinhamento de superioridade constantemente assumido pelo personagem em relação aos Weasley. Em seguida, embora o enquadre de conversa entre inimigos se mantenha com os participantes já presentes até então, com a chegada do pai de Draco se estabelece o enquadre de apresentação entre este e os demais. Lúcio assume o alinhamento de pai que conhece os colegas de escola de seu filho, ponderando o comportamento de Draco ao iniciar sua participação dizendo Tudo bem, Draco, vá com calma., e muda de alinhamento ao ver que Harry mantém seu alinhamento de relação entre inimigos diante dele. A partir de então, Lúcio assume o mesmo alinhamento e passa a hostilizar Harry e seus amigos. No momento em que Lúcio se dirige a Hermione e identifica seus pais como trouxas, e depois, quando volta a se referir a eles ao falar com Arthur, é importante ressaltar

98 98 que, na cena, há uma entonação de superioridade na fala de Lúcio. Nesse caso, a fala em si não determina a breve mudança de alinhamento de Lúcio de relação entre inimigos para superioridade a cada referência à família de Hermione. O alinhamento é identificado pela expressão de Lúcio, uma vez que só chamar alguém de trouxa não é necessariamente um insulto, mas pode ser uma mera definição dada a quem não é bruxo. Já quando Lúcio se refere aos Weasley, nota-se uma escolha de registro que deixa claro que ele parte de um esquema de conhecimento de que sua família é superior à família Weasley. Percebe-se que o personagem mantém um padrão do que é dito pelo filho na cena em que este conhece Rony: Cabelos ruivos, expressões vazias, livros surrados de segunda mão..., quando Draco diz na outra cena: Cabelo ruivo, vestes de segunda mão Cena Situação social: os alunos da Grifinória chegam ao campo de quadribol para treinar e se deparam com os alunos da Sonserina no local. Cenário: campo de quadribol da Escola de Magia e Bruxaria de Hogwarts Imagem 10: campo de quadribol. Fonte:Harry Potter e a câmara secreta (2002, 38min16seg) Nesta cena, os alunos da Grifinória chegam ao campo de quadribol para treinar e acabam encontrando os alunos da Sonserina prestes a treinarem no mesmo local. Ao perceberem isso e verem quem é o novo apanhador do time da Sonserina, os alunos de ambas as casas começam uma discussão na qual Draco termina por ofender Hermione. Olívio: Passei as férias planejando o novo programa de quadribol. Vamos começar a treinar antes, mais forte e por mais tempo. O quê? (Olívio avista 84 Ver anexo I.

99 99 os alunos da Sonserina no campo de quadribol) Ai, eu não acredito. Aonde pensa que está indo, Flint? Flint: Treinar quadribol. Olívio: Eu reservei o campo para a Grifinória hoje. Flint: Calma, eu tenho permissão. Rony, que está longe com Hermione, observa a conversa enquanto os dois resolvem se aproximar do grupo: Ai, lá vem problema. Olívio, lendo a permissão dada a Flint e entregue a ele: Eu, professor Severo Snape, autorizo o time da Sonserina a usar o campo hoje, para treinamento do novo apanhador. Tem um novo apanhador? Quem? (Draco aparece) Harry: Malfoy? Draco: Isso mesmo. E não é a única novidade deste ano. (Draco mostra a vassoura que tem em mãos) Rony: São Nimbus 2001! Como vocês conseguiram? Flint: Presente do pai do Draco. Draco: Sabe Weasley, ao contrário de alguns, meu pai pode comprar o melhor. Hermione: Pelo menos, ninguém da Grifinória pagou pra jogar. Só entrou quem tem talento. Draco se aproxima de Hermione: Ninguém pediu sua opinião, sujeitinha de sangue ruim. Rony: Você vai pagar por isso, Malfoy. Cara de lesma! (Rony aponta a varinha para lançar um feitiço em Draco, mas sua varinha velha não funciona direito e joga o feitiço nele mesmo, arremessando-o ao chão) Hermione: Você está bem, Rony? Diz alguma coisa! (Rony tentar falar e cospe uma lesma. Os outros alunos fazem caretas e demonstram nojo) Collin, enquanto fotografa: Uau! Pode virar ele pra mim, Harry? Harry: Não, Collin! Sai da frente! (Harry se vira para Hermione que, junto com ele, segura Rony em pé enquanto este vomita lesmas) Vamos lá pro Hagrid. Ele sabe o que fazer. (Os três saem apressados e esbarando nos alunos da Sonserina, que estão rindo da situação)

100 100 Eis uma cena que explicita o preconceito racial tal como é retratado na série. Neste caso, em um primeiro momento, nota-se o enquadre encontro de adversários 85, visto que se trata de um caso em que alunos de diferentes times, que posteriormente se enfrentarão no campeonato de quadribol da escola, entram em um impasse quanto a quem utilizará o campo. A partir do momento em que os alunos da Sonserina informam que conseguiram autorização de uso do campo para treinar o novo apanhador do time, entra um novo participante no encontro: Draco Malfoy. Imagem 11: Draco se apresenta como novo apanhador do time da Sonserina. Fonte:Harry Potter e a câmara secreta (2002, 37min57seg 39min51seg) Nesse momento, se estabelece um novo enquadre em que estão Draco, Harry, Flint, Rony e Hermione: enquadre de conversa entre inimigos, visto já haver a inimizade prévia entre os personagens. Com o novo encontro proporcionado pela chegada de Draco, ele, com base no esquema de conhecimento próprio do personagem, que se acha superior por ser rico e ter sangue puro, adota o alinhamento de superioridade em relação a Rony e Hermione. No primeiro caso, este alinhamento está evidenciado na ironia do registro utilizado por Draco: Sabe Weasley, ao contrário de alguns, meu pai pode comprar o melhor, com a intenção de rebaixar Rony a uma condição de inferior por não ter condições de comprar a mesma vassoura que ele, demonstrando preconceito de classe social. Do mesmo modo, no segundo caso, ao se referir a Hermione como sujeitinha de sangue ruim, Draco evidencia, com tal registro, que não tem a intenção de ouvir o que Hermione tem a dizer e que a mesma não é digna de participar da conversa por partir do esquema de conhecimento de que ela pertence a uma raça inferior. 85 Utilizou-se a palavra adversários visto que entre os personagens até então presentes no encontro não havia uma relação entre inimigos, mas apenas a disputa no que se referia ao campeonato de quadribol da escola.

101 101 Imagem 12: Rony e Hermione observam as novas vassouras do time da Sonserina. Fonte:Harry Potter e a câmara secreta (2002, 37min57seg 39min51seg) Imagem 13: Hermione provoca Draco ao insinuar que ele não tem talento para jogar. Fonte:Harry Potter e a câmara secreta (2002, 37min57seg 39min51seg) Imagem 14: Draco chama Hermione de sangue ruim. Fonte:Harry Potter e a câmara secreta (2002, 37min57seg 39min51seg)

102 102 Imagem 15: Hermione e Harry levam Rony para a casa de Hagrid, após este tentar lançar um feitiço em Draco e vomitar lemas. Os alunos da Sonserina observam, rindo da situação Cena Fonte:Harry Potter e a câmara secreta (2002, 37min57seg 39min51seg) Situação social: Harry, Rony e Hermione encontram evidências de que alguém abriu a câmara secreta e são flagrados por outros alunos e professores. Cenário: um dos corredores do Castelo de Hogwarts. Imagem 16: corredores do Castelo de Hogwarts. Fonte:Harry Potter e a câmara secreta (2002, 44min38seg) Na cena que segue, pouco depois da cena no treino de quadribol, Harry, Rony e Hermione veem uma parede em que está escrita uma ameaça a quem é chamado de sangue ruim. Logo após a chegada do trio, vários estudantes e professores se aproximam. 86 Ver anexo I. Harry: Estranho... Nunca vi aranhas se comportando assim. (No momento em que ele, Rony e Hermione observam aranhas andando enfileiradas para entrar em um buraco na janela de um corredor da escola) Rony, assustado: Eu não gosto de aranha! (Os três amigos veem um reflexo na água) O que é isso?

103 103 Hermione, lendo o que está escrito na parede, e que refletiu na água: A câmara secreta foi aberta. Inimigos do herdeiro, cuidado. Foi escrito com sangue. Harry: Ah, não. (Os três notam que, além dos escritos em sangue, a gata Madame Norra está paralisada e pendurada na parede) É a gata do Filch. É a Madame Norra. (Chegam outros alunos e alguns professores ao local) Draco: Inimigos do herdeiro, cuidado. (Draco se vira para Harry, Rony e Hermione) Serão os próximos, sangues ruins. O enquadre é de uma conversa entre amigos enquanto os participantes são apenas Harry, Rony e Hermione. Com a chegada das demais pessoas, torna-se o enquadre um eventual encontro entre inimigos. Assim como na cena analisada anteriormente, Draco utiliza o registro sangue ruim para se referir àqueles que considera inferiores. No caso, o personagem se dirige a Hermione e Harry, que são de família de trouxas e a Rony, por ser amigo deles e ser considerado por Draco também como sangue ruim mesmo não tendo ascendência trouxa. Neste caso específico, por considerar que Rony é sangue ruim por ser amigo de Harry e Hermione, há uma demonstração de preconceito com os três amigos de modo similar à do alinhamento de superioridade adotado por Draco na outra cena, ao se dirigir apenas a Hermione. Draco partiu do esquema de conhecimento de que Harry, Rony e Hermione serão os próximos a serem atacados, por assim merecerem, pois são seres inferiores. Não só nessas cenas, mas ao longo das demais, se nota uma reiteração da postura de Draco até um determinado momento na história em que ele não demonstra ter mais as mesmas convicções em relação a seus preconceitos. Isso fica mais claro nos últimos filmes que, como se nota na amostragem utilizada para análise, são bem menos expressivos com relação ao preconceito demonstrado pela família Malfoy Cena Situação social: Draco conversando com Rony e Harry, enquanto estes se passam por Crabbe e Goyle, respectivamente. Cenário: sala comunal da Sonserina. 87 Ver anexo I.

104 104 Imagem 17: sala comunal da Sonserina. Fonte:Harry Potter e a câmara secreta (2002, 1h22min31seg) Nesta cena, fica mais explícito o fato de o personagem Draco não considerar a família Weasley sangue puro, embora o principal preconceito demonstrado contra eles pela família Malfoy seja o de classe social. No diálogo a seguir, Draco conversa com Crabbe e Goyle, que são seus amigos mais próximos da escola. Porém, Draco não sabe que se tratam, respectivamente, de Rony e Harry, que tomaram uma poção para se passar por Crabbe e Goyle, de modo que pudessem se aproximar de Draco e descobrir se o mesmo era o responsável por abrir a câmara secreta. (Draco se joga no sofá da sala comunal da Sonserina) Draco: Não vão se sentar? (Harry/Goyle e Rony/Crabbe se sentam apreensivos) Draco: Não daria para dizer que os Weasley são puro sangue pelo modo como se comportam. São uma vergonha pro mundo da magia. Todos eles. (Rony/Crabbe fica nervoso e começa a cerrar os punhos) Draco: O que você tem, Crabbe? (Harry/Goyle dá um leve empurrão em Rony/Crabbe para que ele se dê conta da situação) Rony/Crabbe: Dor de estômago. Draco: Sabem, estou surpreso que o Profeta Diário não tenha noticiado todos esses ataques. O Dumbledore deve estar tentando abafar o caso. Papai sempre diz que Dumbledore foi a pior coisa que já aconteceu por aqui. Harry/Goyle, exaltado: Está enganado! Draco se levanta e olha de modo desafiador para Harry/Goyle: O quê? Você acha que tem alguém aqui que seja pior que Dumbledore? Diga. Acha?

105 105 Harry/Goyle tenta disfarçar: Harry Potter? Draco se acalma com a resposta: Gostei. Você tem toda razão. O santo Potter. E as pessoas acham mesmo que ele é o herdeiro de Sonserina. Harry/Goyle: Deve ter alguma ideia de quem está por trás disso. Draco: Sabe que não tenho, Goyle. Te falei isso ontem. Quantas vezes vou ter que repetir? (Draco sacode uma caixinha de presente que encontra em uma mesa enquanto caminha pela sala) Draco: Isso é seu? (Com a expressão de negação de Harry/Goyle, Draco coloca a caixa no bolso) Draco: Mas uma coisa meu pai me disse: tem cinquenta anos que a câmara foi aberta. Não me disse quem foi que abriu, só que a pessoa foi expulsa. A última vez que a câmara secreta foi aberta, um sangue ruim morreu. É só uma questão de tempo pra que um deles morra desta vez. E por mim, torço pra ser a Granger. (Rony/Crabbe se levanta para bater em Draco, mas é segurado por Harry/Goyle) Draco: O que é que vocês têm? Estão agindo muito estranho. Harry/Goyle: É a dor de estômago dele. (Harry/Goyle se vira para Rony/Crabbe e murmura: fica calmo ) Enquanto Draco abre a caixa que tinha pego, Rony/Crabbe olha espantado para Harry/Goyle: Cicatriz! Harry/Goyle também olha espantado para Rony/Crabbe: O cabelo! (Enquanto Draco está distraído, os dois saem correndo) Draco: Ei! Aonde estão indo? Percebe-se, na cena em questão, que a família Weasley não pode ser considerada de sangue puro por Draco pelo fato de ser amiga de bruxos com ascedência trouxa. É interessante notar que Draco fala isso com naturalidade por achar que está conversando com seus amigos. Nesse sentido, apresentam, portanto, dois enquadres: o encontro entre amigos na perspectiva do personagem Draco e o encontro entre inimigos na perspectiva dos personagens Rony/Crabbe e Harry/Goyle. Neste caso, para se manterem de acordo com o enquadre encontro entre amigos, Harry e Rony se utilizam do alinhamento de relação entre amigos para se adequarem ao contexto em que se inserem. Quando, involuntariamente, alteram este alinhamento, passando

106 106 momentaneamente a um alinhamento de relação entre inimigos, causam o estranhamento de Draco. Essa importância do contexto para compreender a situação ali exposta, leva à reflexão de Tannen e Wallat (2013, p. 186), à luz de Kendon 88 (1979): Kendon vê a Análise de Contexto como um modelo conceitual que presume que os participantes não são emissores e receptores isolados de mensagens. Quando as pessoas estão na presença umas das outras, todos os seus comportamentos verbais e não-verbais são fontes potenciais de comunicação, e suas ações e intenções de significado podem ser entendidas somente com relação ao contexto imediato, incluindo o que o antecede e o que pode sucedê-lo. Logo, os personagens Harry e Rony adotam um determinado alinhamento de acordo com o contexto, visto que a presença de Draco influencia nas intenções de comportamento e significados pretendidos por eles. Isso é necessário para que possam conduzir a conversa. Além disso, a mudança no alinhamento para se adequar ao comportamento de Draco é o que permite que se estabeleça ali o enquadre de encontro entre amigos. Esse conflito entre a forma como Draco enxerga a situação social em que se encontra e a forma como Rony e Harry veem a mesma situação também ocorre em função dos diferentes esquemas de conhecimento apresentados. Enquanto Draco parte do esquema de conhecimento de que famílias de sangue puro são superiores a famílias com ascendência trouxa, Rony e Harry partem do esquema de conhecimento de que alguém com as atitudes de Draco com certeza estaria envolvido ou saberia informar algo sobre ataques a bruxos considerados de família trouxa Cena Situação social: Harry e Rony observam escondidos sob a capa da invisibilidade a conversa na casa de Hagrid entre este, Professor Dumbledore, Cornélio Fudge e Lúcio Malfoy. Cenário: casa de Hagrid. 88 As autoras se referem ao artigo Some theoretical and methodological aspects of the use of film in the study of social interaction, publicado por Adam Kendon em 1979 no livro Emerging strategies in social psychological research. 89 Ver anexo I.

107 107 Imagem 18: casa de Hagrid. Fonte:Harry Potter e a câmara secreta (2002, 1h39min43seg) A cena a seguir tem a participação de Lúcio Malfoy que, no enredo do filme, tenta tirar o bruxo Alvo Dumbledore da direção da Escola de Magia e Bruxaria de Hogwarts. Harry e Rony, neste momento, observam escondidos sob a capa da invisibilidade 90 a conversa na casa de Hagrid entre este, Professor Dumbledore, Cornélio Fudge - Ministro da Magia - e Lúcio Malfoy. (Enquanto estão conversando, Hagrid, Harry e Rony ouvem uma batida na porta) Hagrid: Rápido. Pra baixo da capa. Não falem nada. Vocês dois fiquem quietos. (Harry e Rony saem correndo e se escondem com a capa na frente da lareira) Hagrid abre a porta: Ah, professor Dumbledore. Dumbledore aparece acompanhado de Cornélio Fudge: Boa noite, Hagrid. Será que podemos? (Dumbledore faz menção de entrar na casa de Hagrid) Hagrid: Claro. Entrem, entrem. Rony sussurra para Harry: É o chefe do papai. Cornélio Fudge. Ministro da Magia. Fudge: É um assunto sério, Hagrid. Um assunto muito sério. Eu tinha que vir, mais três ataques em alunos nascidos trouxas. As coisas foram longe demais, o Ministério precisava agir. Hagrid: Mas eu nunca... O senhor sabe, professor. Eu nunca Na história de Harry Potter, a capa da invisibilidade é uma capa que pertencera ao pai de Harry e lhe é entregue por Dumbledore, sendo utilizada, como o nome já diz, para tornar invisível quem se cobre com ela.

108 108 Dumbledore: Quero que você saiba, Cornélio, que Hagrid goza de minha inteira confiança. Fudge: Olha Alvo, a ficha do Hagrid depõe contra ele. Eu vou ter que leválo. Hagrid: Me levar? Me levar pra onde? Pra prisão de Azkaban? Fudge: Lamento, mas não tenho outra escolha. (Lúcio Malfoy abre a porta) Lúcio: Já está aqui, Fudge. Ótimo. (Lúcio Malfoy entra na casa) Hagrid: O que está fazendo aqui? Saia da minha casa! Lúcio: Acredite em mim. Eu não sinto o mínimo prazer de estar dentro da sua... Chama isto de casa? Não. Só que liguei para a escola e me disseram que o diretor estava aqui. Professor Dumbledore: E o que exatamente o senhor Lúcio quer comigo? Lúcio: Eu e os conselheiros achamos que está na hora de o senhor sair de cena. Esta é uma ordem de suspensão. (Lúcio Malfoy mostra o pergaminho que tem em mãos. Fudge se precipita a tirá-lo de Lúcio, mas Dumbledore faz sinal para que não se manifeste) Vai encontrar as doze assinaturas aqui. Nós chegamos à conclusão de que não é mais o mesmo. E com todos estes ataques, não sobrarão nascidos trouxas em Hogwarts. (Lúcio se vira e anda pela sala, em direção à lareira) Nem quero pensar na imensa perda que isso seria para a escola. (De costas para Hagrid, Cornélio Fudge e Professor Dumbledore, Lúcio Malfoy esboça um sorriso) Hagrid: Não pode afastar o professor Dumbledore. Se afastá-lo, os nascidos trouxas não terão a mínima chance. Guarde minhas palavras! Vai haver muitas mortes. Lúcio: Você acha mesmo? Professor Dumbledore: Acalme-se, Hagrid. Se o conselho deseja que eu me afaste, é claro que... Que vou me afastar. (Dumbledore começa a andar na direção de Lúcio) Mas vai descobrir que Hogwarts estará sempre aqui para ajudar a todos que nos pedirem. (Sutilmente, Dumbledore se vira para encarar Harry e Rony sob a capa, que se surpreendem) Lúcio, que não compreende a breve mudança de olhar de Dumbledore: Admiráveis sentimentos. Vamos? (Antes de se retirar, Dumbledore novamente fixa o olhar na direção de Harry e Rony) Lúcio, em um sinal de cumprimento: Fudge. Fudge: Venha Hagrid. Bom...

109 109 Hagrid: Ram! Se... Hã... Se alguém está procurando alguma coisa, só tenho um conselho para dar, é o seguinte: sigam as aranhas. É. Elas vão mostrar o caminho. É tudo que tenho a dizer. Ah, alguém precisa dar comida pro Canino enquanto eu estiver fora. Fudge: Muito bem. O alinhamento de superioridade do personagem Lúcio Malfoy, em certos momentos alternado com um alinhamento de ironia, reforça o alinhamento apresentado pelo personagem na cena em que trata mal a família Weasley na livraria, reiterando o motivo de seus preconceitos: o nível social mais baixo, quando fala mal da casa de Hagrid e a relação de bruxos com trouxas, quando esboça um sorriso irônico ao se referir a possíveis mortes dos mesmos. Nota-se que a ironia presente nos registros imensa perda e admiráveis sentimentos é algo atribuído ao personagem e se repete, de modo que ali se estabelece um padrão de comportamento, um perfil que, junto com as referências ao pai na fala de Draco, mostra para o espectador que Lúcio, apesar da calma em sua fala, é um vilão, e é quem influencia Draco a agir de forma preconceituosa. Além dos registros verbais, a ironia também é bem demarcada na mudança de expressões de Lúcio. O perfil atribuído ao personagem reflete, portanto, um esquema de conhecimento de que aqueles que são como ele são superiores aos bruxos de famílias de trouxas, os quais deveriam ser eliminados. Imagem 19: Lúcio esnoba a casa de Hagrid. Fonte: Harry Potter e a câmara secreta (2002, 1h38min37seg 1h42min18seg)

110 110 Imagem 20: Lúcio entrega a ordem de suspensão para Dumbledore, observado por Fudge. Fonte: Harry Potter e a câmara secreta (2002, 1h38min37seg 1h42min18seg) Imagem 21: Lúcio esboça um sorriso de costas para Dumbledore, ao dizer que a morte de trouxas seria uma imensa perda. Fonte: Harry Potter e a câmara secreta (2002, 1h38min37seg 1h42min18seg) Imagem 22: Lúcio reage com ironia à fala de Dumbledore após ser anunciada sua suspensão. Fonte: Harry Potter e a câmara secreta (2002, 1h38min37seg 1h42min18seg) Nota-se, também, que há uma mudança de enquadre com a chegada de Lúcio. Apesar de, a princípio, haver um enquadre de conversa conciliadora, mesmo que mantidos os participantes, cenário e contextos originais, com a chegada de Lúcio e seu alinhamento de superioridade, se estabelece um enquadre de conversa entre rivais.

111 Cena Situação social: Lúcio Malfoy entra na sala do Professor Dumbledore e interrompe sua conversa com Harry. Cenário: sala do Professor Dumbledore. Imagem 23: sala do Professor Dumbledore. Fonte: Harry Potter e a câmara secreta (2002, 2h21min37seg) A cena a seguir mostra Lúcio entrando com Dobby na sala de Dumbledore, que volta a ser diretor da escola após uma suspensão, e interrompendo a conversa deste com Harry. (Lúcio entra com Dobby na sala do Professor Dumbledore enquanto este e Harry estão conversando) Harry: Dobby? Então esse é o seu dono. Você serve à família dos Malfoy. (Dobby fica apreensivo e olha para Lúcio Malfoy) Lúcio, olhando para Dobby: Eu cuido de você mais tarde. (Lúcio, então, anda na direção de Dumbledore e Harry) Saia da minha frente, Potter. (Lúcio se dirige, então, a Dumbledore) Então, é verdade. Você voltou mesmo. Professor Dumbledore: Quando os conselheiros souberam que a filha de Arthur Weasley havia sido levada para a câmara, eles decidiram que eu deveria voltar. Lúcio: Ridículo! Professor Dumbledore: Curiosamente, Lúcio, vários deles tiveram a impressão que você iria enfeitiçar as famílias deles se não concordassem em me suspender da escola. Lúcio Malfoy: Como ousa? Professor Dumbledore: O que disse? 91 Ver anexo I.

112 112 Lúcio: Minha única preocupação sempre tem sido e sempre será o bem-estar desta escola e, é claro, dos alunos. (Lúcio olha para Harry) O culpado já foi identificado, eu suponho. Professor Dumbledore: Oh, sim. Lúcio: E? Quem era? Professor Dumbledore troca olhares com Harry e, então, responde: Voldemort. Lúcio: Ah... Professor Dumbledore: Só que desta vez ele decidiu agir através de outra pessoa usando isto. (Professor Dumbledore mostra o diário de Tom Riddle que está em sua mão) Lúcio fica atordoado e, então, responde: Entendo. (Nesse momento, Dobby disfarçadamente puxa Harry pela manga da camisa, como se quisesse avisá-lo de algo) Professor Dumbledore: Felizmente, nosso jovem Potter descobriu tudo. Só esperamos que mais nenhum material escolar que pertenceu a Voldemort acabe chegando a mãos inocentes. As consequências para por isso serão severas. Lúcio, com desdém: Bom, vamos torcer para que o senhor Potter esteja sempre por perto para nos salvar. Harry: Não se preocupe. Eu vou estar. Lúcio acena que pretende se retirar da sala: Dumbledore. (Professor Dumbledore concede licença a Lúcio Malfoy) Lúcio: Vamos, Dobby. Vamos embora. (Lúcio chuta Dobby que é arremessado para longe e começa a chorar. Lúcio, então, bate em Dobby com a bengala que carrega. O elfo chora mais, demonstrando estar assustado. Ambos saem da sala.) Harry, ao observar a cena, se vira para o Professor Dumbledore: Senhor, será que eu posso ficar com isso? (Harry aponta para o diário de Tom Riddle que está na mesa do Professor Dumbledore) Nesta cena, há uma mudança no alinhamento do personagem Lúcio Malfoy. Diferente da postura irônica e controlada atribuída ao personagem até então, já se nota que ele se torna mais agressivo, aumentando, assim, a relação de animosidade entre ele e Harry.

113 113 Imagem 24: Lúcio entra com Dobby na sala de Dumbledore. O elfo demonstra claramente que tem medo do pai de Draco. Fonte: Harry Potter e a câmara secreta (2002, 2h21min09seg 2h24min11seg). Imagem 25: Lúcio, em tom de irritação, manda Harry sair de sua frente, afastando-o com a bengala. Fonte: Harry Potter e a câmara secreta (2002, 2h21min09seg 2h24min11seg). Os participantes se encontram em um enquadre de conversa entre amigos, enquanto somente Dumbledore e Harry estão na sala, até que o enquadre passe a ser uma conversa entre rivais, com a chegada de Lúcio que, novamente, assume um alinhamento de superioridade, mas com maior agressividade em relação às cenas já analisadas. Este alinhamento de Lúcio só se altera quando Dumbledore demonstra saber que ele planejou sua saída da escola, bem como quando o diretor diz que Voldemort foi o culpado pelos ataques ocorridos. Nesse momento, Lúcio passa a adotar, brevemente, um alinhamento de preocupação, seguido de um alinhamento de ironia, quando se volta para Harry, ao saber que este ajudou a salvar os colegas de escola.

114 114 Imagem 26: Lúcio fica pensativo e preocupado ao ver o que Dumbledore sabe sobre o que ocorreu na escola. Fonte: Harry Potter e a câmara secreta (2002, 2h21min09seg 2h24min11seg). Imagem 27: Lúcio se dirige a Harry com ironia ao saber que este ajudou Dumbledore a salvar a escola dos ataques de Voldemort. Fonte: Harry Potter e a câmara secreta (2002, 2h21min09seg 2h24min11seg). O personagem só retorna ao alinhamento de superioridade e ao tom agressivo quando volta a se dirigir a Dobby para ir embora. Essa atitude de Lúcio demonstra que ele parte de um esquema de conhecimento de que é superior aos que não são bruxos de sangue puro. Imagem 28: Dobby cai após ser chutado por Lúcio do alto da escada da sala de Dumbledore. Fonte: Harry Potter e a câmara secreta (2002, 2h21min09seg 2h24min11seg).

115 115 No caso, porém, assim como nos encontros anteriores, a relação entre inimigos ainda não é explícita, por isso ainda se utiliza a denominação rivais para a relação entre os personagens Dumbledore e Lúcio. A agressividade de Lúcio, então, se torna mais clara na cena que se segue nesta análise Cena Situação social: Harry liberta Dobby e Lúcio o confronta. Cenário: um dos corredores do Castelo de Hogwarts. Imagem 29: corredor do Castelo de Hogwarts. Fonte: Harry Potter e a câmara secreta (2002, 2h25min01seg). Na cena a seguir, Harry liberta Dobby após ver como Lúcio o tratou na sala de Dumbledore. Lúcio, então, se irrita e ameaça matar Harry por ter perdido o criado. (Harry sai correndo atrás de Lúcio Malfoy e Dobby, que acabaram de sair da sala do Professor Dumbledore) Harry: Senhor Malfoy! Senhor Malfoy! (Harry alcança Lúcio) Estou com uma coisa que é do senhor. (Harry entrega o diário de Tom Riddle para Lúcio) Lúcio: Minha? Eu não sei do que está falando. Harry: Eu acho que sabe, senhor. Acho que colocou o diário no caldeirão de Gina Weasley naquele dia, no Beco Diagonal. Lúcio: Você acha, não é? (Lúcio, com rispidez, dá o diário para Dobby segurar) Então por que você não prova? (Lúcio e Harry se encaram por uns instantes) Vamos, Dobby. Harry se vira para Dobby e sussurra: Abre. 92 Ver anexo I.

116 116 (Dobby encontra uma meia dentro do diário entregue por Lúcio Malfoy a ele) Lúcio: Dobby? Dobby: O senhor deu uma meia para Dobby. Lúcio: O quê? Eu não... (Lúcio vê o diário com a meia nas mãos de Dobby) Dobby: Meu dono presenteou Dobby com uma meia. Dobby está livre! 93 (Lúcio, irritado, olha para Harry, que mostra que está sem um pé da meia, a qual ele tirou e colocou dentro do diário antes de entregá-lo) Lúcio: Você me fez perder o meu criado! (Lúcio anda com a varinha em riste na direção de Harry, ao passo que Dobby se coloca na frente do garoto) Dobby: Não vai fazer mal a Harry Potter. (Lúcio ameaça atacar Harry e Dobby se antecipa para defendê-lo, atacando Lúcio e o arremessando longe.) Lúcio se levanta irritado e se dirige a Harry: Seus pais também eram muito intrometidos. Guarde minhas palavras, Potter. Muito em breve vai ter o mesmo triste fim. (Lúcio, então, vai embora.) Nesta cena, o enquadre é claramente o confronto entre inimigos e Lúcio, assim como o filho Draco nas cenas anteriores, passa a assumir mais agressivamente seu alinhamento de superioridade, demonstrando irritação quando a superioridade que supõe ter é derrubada pela atitude de Harry ao libertar seu criado. A palavra criado, aliás, é o registro que enfatiza na cena o esquema de conhecimento já apresentado na cena anterior, de que Lúcio acredita ser superior aos que não são bruxos de sangue puro. Do mesmo modo, Lúcio se mostra ofendido com o fato de Dobby se voltar contra ele e se mostrar mais forte ao derrubá-lo. Assim, ameaça Harry por este ter se intrometido, tal como seus pais outrora fizeram, nos planos de poder de personagens que representam a elite no enredo de Harry Potter. Ressalta-se que o perfil atribuído ao personagem Lúcio reflete o tipo de comportamento que Adorno et al (1950) observam ao apresentar o conceito de personalidade autoritária: poder e rudeza, a partir da identificação com figuras de poder; negação do conhecimento sobre o outro, o qual inferioriza, e reação agressiva ao ser contrariado. Esse comportamento fica explícito exatamente ao se verificar a relação de Lúcio com outros 93 Na história de J. K. Rowling, um elfo doméstico se torna livre a partir do momento em que seu dono lhe dá uma peça de roupa.

117 117 personagens, bem como é observado também no perfil do personagem Draco, como algumas cenas do próximo filme demonstram. 3.7 Filme 3: Harry Potter e o prisioneiro de Azkaban O terceiro filme tem uma história particularmente interessante: gira em torno de uma pessoa que passou anos presa injustamente por um crime que não cometeu e tem que enfrentar o julgamento alheio ao fugir da prisão para tentar provar sua inocência. O personagem em questão se chama Sirius Black e descobre-se, ao longo do filme, que é padrinho de Harry. A história é, basicamente, a busca por Sirius quando este foge da prisão. Porém, quando Harry, Rony e Hermione o encontram, e descobrem a verdade sobre o que aconteceu com ele e sua inocência, passam a ajudá-lo e o foco do filme está na busca de uma maneira de salvar Sirius de ser novamente preso injustamente Cena Situação social: Draco ofende Hermione e Rony em um passeio por Hogsmeade. Cenário: um bosque em Hogsmeade. Imagem 30: bosque em Hogsmeade. Fonte: Harry Potter e o prisioneiro de Azkaban (2004, 1h01min59seg). 94 Ver anexo I.

118 118 Imagem 31: bosque em Hogsmeade. Fonte: Harry Potter e o prisioneiro de Azkaban (2004, 1h02min19seg). A Escola de Magia e Bruxaria de Hogwarts promove um passeio para um local próximo chamado Hogsmeade. Rony e Hermione vão ao passeio e Harry acaba indo escondido com a capa da invisibilidade, pois não possuía a autorização por escrito da família que era exigida pelo colégio para levar os alunos. Enquanto Rony e Hermione ainda estão sozinhos no passeio, Draco os encontra e os ofende. (Hermione e Rony estão conversando sobre a casa que avistam, a qual tem fama de mal-assombrada) Hermione: Dizem que é o prédio mais mal-assombrado da Grã-Bretanha. Eu já falei isso? Rony: Duas vezes. Hermione: Tá... Você não quer chegar mais perto? Rony: Hã? Hermione: Da Casa dos Gritos. Rony: Ah! Ah... Na verdade, é... aqui tá bom. Draco: Ora, ora. Olhem quem está aqui. (Draco se aproxima com amigos) Vão comprar a casa dos seus sonhos? Meio grande pra você, não é, Weasleyzinho? A sua família não vive num quarto só? Rony, constrangido: Cala essa boca, Malfoy! Draco: Uh... Isso não é nada gentil. Pessoal, tá na hora de ensinar o Weasleyzinho a respeitar os seus superiores. Hermione: Hahaha. Não deve estar falando de você. Draco: Como ousa falar comigo? Sua fedelha de sangue ruim.

119 119 Na cena, há o enquadre de conversa entre inimigos, como em outras cenas entre Rony, Hermione e Draco. Novamente, Draco apresenta o alinhamento de superioridade, tanto em relação a Rony, quanto em relação à Hermione, especialmente marcado no uso dos registros Weasleyzinho e seus superiores com o primeiro, e fedelha de sangue ruim com a segunda. Ressalta-se que, assim como na cena na livraria Floreios e Borrões 95, em que Draco ignora a intervenção de Gina em sua conversa com Harry, na presente cena, Draco também considera Herrmione indigna de lhe dirigir a palavra quando pergunta como ousa falar comigo?. Esta fala do personagem ressalta não somente o esquema de conhecimento atribuído a ele, de que, por ser de uma família de bruxos de sangue puro de bruxos e rico, pode se sentir superior aos demais que não se encaixam neste padrão, como também revela traço de machismo no perfil traçado para o personagem, pois, em mais de uma cena, considera menor a intervenção feminina no diálogo Cena Situação social: Harry e Hermione voltam no tempo e veem uma discussão entre eles e Draco. Cenário:.jardins do Castelo de Hogwarts (imagens 33 a 35). Em primeiro lugar, ressalta-se que nesta cena, não há um diálogo direto entre Harry e Hermione com Draco. Mas, a mesma foi considerada na análise, uma vez que Draco é visto por Harry e Hermione quando ofende esta última. Harry e Hermione voltam no tempo e veem uma discussão entre eles e Draco. A volta no tempo dos personagens ocorre porque Hermione ganha da professora Minerva McGonagall um objeto chamado vira-tempo, que tem o poder de levar aquele que o utiliza a algum momento que viveu em um passado recente. Assim, voltam no tempo para salvar Sirius de ser preso injustamente. (Após usarem o vira-tempo, Harry e Hermione voltam no tempo para o horário em que encontram com Draco quando estavam indo visitar Hagrid. Os dois, então, vão correndo para o local onde naquele horário estavam discutindo com Draco) Harry: Hermione! Hermione, espera! (Harry e Hermione continuam correndo) 95 Filme 2: Harry Potter e a câmara secreta; cena Ver anexo I.

120 120 Harry: Hermione, pode me dizer o que estamos fazendo? (Harry e Hermione avistam a eles mesmos discutindo com Draco ao longe) Harry: Mas, somos nós. Isto não é normal. (Hermione encosta Harry contra a parede, para explicar o que está acontecendo) Hermione: Isto é um vira-tempo, Harry. A Minerva me deu no início das aulas. É assim que eu tenho assistido a todas as aulas esse ano. Harry: Então, a gente voltou no tempo? Hermione: É. O Dumbledore devia querer que a gente voltasse pra esse momento. (Hermione e Harry voltam a olhar para a discussão deles com Draco) Aconteceu alguma coisa que ele quer que a gente mude. (Nesse momento da discussão, Hermione dá um soco em Draco) Harry: Lindo soco. Hermione, sorrindo: Obrigada... O Malfoy está vindo! (Harry e Hermione se escondem) Amigo de Draco: Esperem por mim! Draco: Não contem pra ninguém, entenderam? Amigo de Draco: Tá bem! Draco: Vou pegar aquela sangue ruim. Lembrem das minhas palavras! Ressalta-se que nesta cena há dois enquadres: o da discussão entre Harry Rony, Hermione e Draco, que seria o enquadre de discussão entre inimigos; e o enquadre de observação da discussão alheia, em que se encontram Harry e Hermione ao se esconderem para ver o que está acontecendo. Na discussão entre Harry, Hermione, Rony e Draco, percebe-se que, apesar da segurança com a qual Draco se dirige aos outros três, logo após receber o soco de Hermione, sai correndo, não mantendo neste momento o alinhamento de superioridade que demonstra nas demais cenas, mas um alinhamento de medo e surpresa. Por outro lado, após se afastar, retoma o alinhamento de superioridade ao se referir a ela em tom ameaçador para os amigos, como observado no seguinte registro: Vou pegar aquela sangue ruim. Lembrem das minhas palavras!.

121 121 Imagem 32: Harry e Hermione voltam ao local em que estavam discutindo com Draco. Fonte: Harry Potter e o prisioneiro de Azkaban (2004, 1h48min25seg 1h49min27seg). Imagem 33: Harry e Hermione veem o momento da discussão deles com Draco. Fonte: Harry Potter e o prisioneiro de Azkaban (2004, 1h48min25seg 1h49min27seg). Imagem 34: Hermione dá um soco em Draco. Fonte: Harry Potter e o prisioneiro de Azkaban (2004, 1h48min25seg 1h49min27seg).

122 122 Imagem 35: Draco sai correndo após o soco de Hermione, enquanto esta e Harry estão escondidos e ouvem o aluno se referindo a ela como sangue ruim. Fonte: Harry Potter e o prisioneiro de Azkaban (2004, 1h48min25seg 1h49min27seg). Nota-se que, embora o personagem mantenha o esquema de conhecimento de que bruxos de ascendência totalmente bruxa, como ele, sejam superiores, não sabe reagir quando tem sua ideia de superioridade confrontada. Volta-se, portanto, a lembrar o conceito de personalidade autoritária (Ibid.), visto que Draco se torna agressivo quando confrontado diretamente. Ainda que, no caso, não demonstre a agressividade para a pessoa que o confrontou, uma vez que age com espanto diante de Hermione, demonstrando a agressividade na fala posterior, com seus amigos. O personagem, portanto, reflete reiteradamente o tipo de indivíduo preconceituoso que está presente na sociedade contemporânea. 3.8 Filme 4: Harry Potter e o Cálice de Fogo O quarto filme da série Harry Potter gira em torno de uma competição chamada Torneio Tribuxo. Nesta competição, além dos alunos de Hogwarts, também participam alunos das escolas de Durmstrang, da Rússia, e Beauxbatons, da França. Um aluno é escolhido como representante de cada escola na competição, e somente alunos com 17 anos ou mais poderiam se candidatar, visto que a competição era reconhecidamente perigosa. O processo de escolha era feito de acordo com os nomes que eram depositados no chamado Cálice de Fogo, o qual era enfeitiçado para que alunos com menos de 17 anos não conseguissem se inscrever. No entanto, alguém consegue inscrever Harry sem que ele saiba, mesmo que ele estivesse abaixo da idade permitida. Harry não só é inscrito, como é escolhido junto com outro aluno de Hogwarts, Cedrico Diggory, para participar da competição. Mesmo com a pouca idade, Harry consegue superar todas as provas do torneio e chega à final junto com os demais competidores. Na final do torneio, quando está prestes a ganhá-lo

123 123 junto com Cedrico, os dois são surpreendidos pelo retorno de Lord Voldemort, que mata este último. A história do quarto livro e filme tem a particularidade de valorizar as relações interculturais e transmitir a ideia de tolerância entre diferentes culturas, embora não tenha cenas que abordem a questão diretamente. A questão fica mais explícita somente na última cena, quando o personagem Dumbledore, ao lamentar a morte de Cedrico, diz: A dor que todos sentimos por essa terrível perda me faz lembrar, nos faz lembrar, que embora venhamos de lugares diferentes e falemos línguas diferentes nossos corações batem como um só. À luz dos recentes acontecimentos, os vínculos de amizade que fizemos este ano serão mais importantes do que nunca. Lembram-se disso, e Cedrico Diggory não terá morrido em vão. Lembrem-se disso e iremos honrar um rapaz que foi gentil, honesto, corajoso e leal até o último momento. (HARRY POTTER E O CÁLICE DE FOGO, 2005, n.p.) Logo, embora tenha uma mensagem de respeito ao outro na história, esta não é explícita na relação entre os personagens. A própria forma como os personagens de diferentes nacionalidades são retratados, na verdade, não vai além dos estereótipos já conhecidos: a francesa sofisticada e com sotaque acentuado nas letras r, o russo forte e, certas vezes, bruto. Já em relação às demais questões que envolvem a discussão de preconceitos, é um dos filmes que apresenta menos referências, em apenas três cenas, sendo somente uma dentro do recorte aqui utilizado de cenas com a família Malfoy Cena Situação social: Lúcio e Draco esnobam a família Weasley na Copa Mundial de Quadribol. Cenário: escadaria do estádio de quadribol. 97 Ver anexo I.

124 124 Imagem 36: escadaria do estádio onde ocorre a Copa Mundial de Quadribol. Fonte: Harry Potter e o Cálice de Fogo (2005, 1h48min25seg 1h49min27seg). Nas primeiras cenas do filme, ocorre a Copa Mundial de Quadribol, onde Harry conhece Cedrico, cuja família já é amiga da família de Rony. Quando estão no estádio onde assistirão ao jogo de quadribol com Harry e Hermione, Rony e sua família são hostilizados por Draco e Lúcio Malfoy, por estarem em lugares ruins para assistir a partida. (Enquanto os torcedores vão a seus lugares, é anunciado pelo estádio: Comprem a programação da Copa Mundial aqui! Apenas... ) Rony: Caramba, pai! Até onde vamos subir? Lúcio: Veja por esse ângulo: se chover, vão ser os primeiros a saber. Draco, após rir do comentário do pai: Eu e papai estamos no camarote do ministro. Foi um convite pessoal do próprio Cornélio Fudge. Lúcio, batendo em Draco com a bengala: Não fique se gabando. É perda de tempo com essas pessoas. (Harry puxa Hermione para irem embora com os Weasley, mas Lúcio o segura com a ponta da begala prendendo sua blusa.) Lúcio, para Harry: Divirta-se bastante, está bem? Enquanto pode. Nota-se, na cena, que o enquadre é de uma conversa entre inimigos, o que é um enquadre mantido em várias cenas entre o núcleo da família Malfoy e o núcleo da família Weasley. No caso, tanto Draco quanto Lúcio mantém o alinhamento de superioridade, porém, fazem escolhas diferentes no tratamento dado aos demais personagens: enquanto Draco é direto e mais agressivo, Lúcio adota tom irônico, que só se torna mais ameaçador quando se dirige a Harry. Esse alinhamento é evidenciado pela froma como Lúcio utiliza o registro estas pessoas. Percebe-se que, em cenas em que estão presentes tanto a família Weasley quanto Harry, o alinhamento de superioridade não é sempre mantido em relação a este último pelos

125 125 integrantes da família Malfoy. Embora Harry tenha ascendência trouxa, no perfil traçado para os personagens da família Malfoy, há alguma consideração pelo fato de Harry ser rico, e um certo medo por ele ter resistido ao bruxo que consideram o mais poderoso de todos. Logo, se mantém o esquema de conhecimento da família Malfoy de que famílias de bruxos de sangue puro e ricas são melhores que outras. 3.9 Filme 5: Harry Potter e a Ordem da Fênix Neste filme, Harry e o professor Dumbledore sofrem a desconfiança de boa parte da sociedade bruxa por terem afirmado, após o ocorrido no Torneio Tribruxo, que o Lord Voldemort tinha retornado para pôr seu plano de dominação em prática. Ao mesmo tempo, nesse filme, os bruxos adultos começam a formar, junto a Dumbledore, uma nova Ordem da Fênix, grupo de bruxos contra Lord Voldemort que, em uma formação anterior, teve a participação dos pais de Harry. Também é nesse filme que surge a personagem Dolores Umbridge, nova professora de Defesa contra a arte das trevas de Hogwarts, que demonstra claros preconceitos contra alunos de ascendência trouxa e demais seres que não possuem sangue totalmente bruxo. Além disso, tem uma forma de trabalhar que desagrada os alunos por suas punições abusivas e proibições de lições práticas em sua disciplina Cena Situação social: Harry e os amigos enfrentam Belatriz Lestrange e Lúcio Malfoy. Cenário: uma das salas no Ministério da Magia. Imagem 37: sala no Ministério da Magia. Fonte: Harry Potter e a Ordem da Fênix (2007, 1h48min34seg). 98 Ver anexo I.

126 126 Na história de Harry Potter e a Ordem da Fênix, Harry busca uma profecia que se encontra escondida em uma pequena bola de cristal arquivada no Ministério da Magia. Ao localizá-la com seus amigos de Hogwarts, é abordado por Lúcio Malfoy e Belatriz Lestrange. Lúcio: Você viu só o que o Lorde das Trevas queria que você visse. Agora, me dê a profecia. Harry: Se fizer alguma coisa, eu quebro. (Belatriz entra rindo e para ao lado de Lúcio) Belatriz: Ele sabe brincar. Tolo, tolo. Bebezinho. Potter. Neville: Belatriz Lestrange. Belatriz: Neville Longbottom, não? Como vão seus pais? Neville: Melhor agora que vão ser vingados. (Neville ameaça Belatriz com a varinha, mas é contido por Harry) Lúcio: Vamos todos nós ficar calmos. Por favor. Nós só queremos a profecia. Harry: Por que Voldemort precisou que eu viesse pegar? Belatriz: Ousa falar o nome dele? Seu mestiço imundo! Lúcio: Tá tudo bem, é só um rapaz curioso. (Lúcio volta a falar com Harry) Profecias só podem ser retiradas por aqueles de quem elas falam. É muita sorte sua mesmo. Nesta cena, há dois preconceitos demonstrados por Belatriz: o preconceito etário, ao rebaixar Harry a uma condição inferior por ser jovem, quando diz Ele sabe brincar. Tolo, tolo. Bebezinho. Potter. e preconceito de raça, quando o chama de mestiço imundo. O enquadre presente é o de confronto entre inimigos, sendo que Lúcio assume um alinhamento de cautela em contrapartida ao alinhamento de superioridade de Belatriz, nos dois momentos em que demonstra seu preconceito. O uso dos registros tolo e imundo e até mesmo o uso da palavra mestiço que, no caso, assume tom pejorativo, destacam o esquema de conhecimento atribuído à personagem de que ela é superior aos bruxos que está confrontando Filme 7: Harry Potter e as relíquias da morte parte 1 Em primeiro lugar, é importante ressaltar que no sexto filme (Harry Potter e o enigma do príncipe), como já explicado no início deste capítulo, não há demonstrações de preconceito

127 127 explícitas da família Malfoy. É, aliás, o filme com a menor quantidade de cenas de preconceito como um todo, se restringindo a uma breve fala em uma cena de Harry com o professor Horácio no começo do filme. Isso leva, portanto, à análise do sétimo filme. Será também o último filme analisado, visto que no oitavo filme (Harry Potter e as relíquias da morte parte 2) também não há cenas que se enquadrem no recorte proposto. Já no sétimo filme, Harry tem que sair da casa em que vive com os tios e ir morar escondido na residência dos Weasley, para escapar de Lord Voldemort. No entanto, o Ministro da Magia morre, e os Comensais da Morte assumem o poder, passando a perseguir Harry e seus amigos. A história, então, gira em torno das tentativas de escaparem e, ao mesmo tempo, encontrarem as horcruxes que devem ser destruídas para matar Voldemort Cena Situação social: Harry e Rony tentam sair do porão da mansão dos Malfoy, enquanto Hermione é torturada na sala por Belatriz. Cenários: porão da mansão dos Malfoy e sala da mansão dos Malfoy (imagens 38 e 39, respectivamente). Imagem 38: porão da mansão dos Malfoy. Fonte: Harry Potter e as relíquias da morte parte 1 (2010, 2h05min40seg). Neste momento há uma alternância entre duas cenas. Uma é a cena em que Harry e Rony são presos no porão da mansão dos Malfoy, a outra é o momento em que Belatriz tortura Hermione na sala da mesma mansão. (Harry e Rony são jogados no porão por Pedro Pettigrew) 99 Ver anexo I.

128 128 Rony: Harry, onde estamos? Não podemos deixar a Hermione sozinha com ela. Luna: Rony? Harry? (Rony ilumina o porão e ele e Harry avistam Luna) Harry: Luna? (Enquanto isso, Belatriz está na sala sobre Hermione jogada no chão) Belatriz: Era pra essa espada estar no meu cofre em Gringotes. Como você a conseguiu? O que mais você e seus amigos pegaram no meu cofre? Hermione, chorando: Eu não peguei nada. Por favor... Eu não peguei nada. Belatriz: Não acredito. (Belatriz machuca o braço de Hermione, que grita e se contorce de dor. No porão, Olivaras e Grampo também aparecem) Rony: Temos que fazer alguma coisa! Olivaras: Não tem como sair daqui. Tentamos de tudo. Está enfeitiçado. (Enquanto isso, todos continuam ouvindo Hermione gritando e implorando à Belatriz que pare de torturá-la. Harry se abaixa e pega um pedaço quebrado de espelho que carregava guardado em sua meia) Luna para Harry: Você está sangrando. Que coisa curiosa pra se guardar numa meia. Harry se afasta com o espelho, e olhando para ele diz: Nos ajude. (Em vez da imagem de Harry, o espelho reflete a imagem de Aberforth, irmão de Dumbledore. Pedro Pettigrew chega à porta do porão). Rony, para Pedro: Deixe ela em paz. Pedro abre a porta, com a varinha na mão: Para trás. (Pedro olha para Grampo) Você, duende. Venha comigo. (Pedro e Grampo vão embora) (Dobby surge no porão). Harry: Dobby? O que está fazendo aqui? Dobby: Dobby veio salvar Harry Potter, é claro. Dobby sempre vai ajudar Harry Potter. Harry: Tá dizendo que pode desaparatar deste porão? Pode levar a gente com você? Dobby: É claro, senhor. Eu sou um elfo.

129 129 Rony: Pra mim tá ótimo. Harry: Certo. Quero que você leve a Luna e o senhor Olivaras para... Rony: O Chalé das Conchas, perto de Tinworth. (Rony se vira para Harry) Confie em mim. Luna, para Dobby: Quando estiver pronto, senhor. Dobby, para Harry e Rony: Senhor? Eu gosto muito dela. (Dobby, então, dá a mão a Luna e Olivaras, se preparando para ir embora) Dobby: Me encontre no topo da escada. Daqui a dez segundos. (Dobby vai embora, enquanto Harry e Rony se escondem próximos à entrada do porão. Pedro Pettigrew se aproxima para abrir a porta e é atingido nas costa por Dobby, que está no topo da escada de acesso. Harry e Rony saem). Dobby: Quem quer a varinha dele? O preconceito e violência nesta cena estão mais expostos nas agressões físicas. Ao torturar Hermione, não acreditando na resposta que esta dá a sua pergunta, Belatriz entende que pode torturá-la até alcançar seu objetivo: que Hermione confesse como conseguiu sua espada. Imagem 39: Belatriz tortura Hermione. Fonte: Harry Potter e as relíquias da morte parte 1 (2010, 2h03min59seg 2h06min39seg)

130 130 Imagem 40: Belatriz interroga Hermione. Fonte: Harry Potter e as relíquias da morte parte 1 (2010, 2h03min59seg 2h06min39seg) Imagem 41: Insatisfeita com a resposta de Hermione, Belatriz volta a torturá-la. Fonte: Harry Potter e as relíquias da morte parte 1 (2010, 2h03min59seg 2h06min39seg) Imagem 42: Trancados no porão, Rony, Harry, Grampo, Olivaras e Luna ouvem os gritos de Hermione ao ser torturada. Fonte: Harry Potter e as relíquias da morte parte 1 (2010, 2h03min59seg 2h06min39seg) O enquadre neste caso, visto o perigo a que está exposta a personagem Hermine, se torna um interrogatório da agressora com sua vítima. É observado, portanto, o alinhamento de superioridade de Belatriz em relação a Hermione. Essa posição assumida por Belatriz fica mais evidente na cena que segue.

131 131 Novamente, Belatriz parte de um esquema de conhecimento de que ela é superior à bruxa que está interrogando, vista por ela apenas como uma garota. A personagem demonstra o seu alinhamento de superioridade, e o perfil que parte do esquema de conhecimento citado, quando interroga Hermione debruçada sobre ela. Assim, a personagem Belatriz demonstra que submete Hermione à seus poderes. Não há, nesse caso, um registro de ordem verbal que evidencie o preconceito, o qual é retratado na tortura de Belatriz Cena Situação social: Harry, Rony e Dobby salvam Hermione na mansão dos Malfoy. Cenário: sala da mansão dos Malfoy (imagem 47). Na cena em questão, Harry e Rony conseguem sair do porão com a ajuda de Dobby e, escondidos, veem Belatriz interrogando Hermione e Grampo. Por fim, invadem a sala e atacam os Malfoy. (Belatriz, na sala, interroga o duende Grampo) Belatriz: Por que está mentindo pra mim? Só vou perguntar mais uma vez, duende. Pense com muito, muito cuidado antes de responder, duende. Grampo: Eu não sei. Belatriz: Você não sabe? Por que não estava fazendo o seu trabalho? Quem entrou no meu cofre? Quem a roubou? Quem a roubou? Então? (Harry e Rony estão escondidos, esperando para entrar na sala dos Malfoy, e veem Hermione jogada ao chão com a expressão sangue ruim marcada e sangrando em seu braço). Grampo: Não sou mais funcionário do Gringotes há muitas semanas. A última vez que estive no seu cofre, a espada estava lá. Belatriz: Ah, então, quem sabe, ela não saiu andando sozinha, não é? Grampo: Não existe lugar mais seguro que o Gringotes. Belatriz, atinge Grampo no rosto: Mentiroso! (Grampo olha ironicamente para Belatriz, pois ela não consegue machucar-lhe o rosto com o punhal) Considere-se sortudo, duende. O mesmo não será dito pra essa aqui (Belatriz se aproxima de Hermione) Rony: Não! 100 Ver anexo I.

132 132 (Rony se precipita e entra na sala. Harry tenta impedi-lo, sem sucesso. Então, acaba por segui-lo) Rony, na direção de Belatriz: Expelliarmus! (Belatriz é desarmada) Harry, na direção de Lúcio: Estupore! (Lúcio é arremessado para longe. Harry e Rony começam a lutar contra Draco e Narcisa Malfoy) Belatriz: Pare! Larguem as varinhas. (Harry e Rony veem Belatriz segurando Hermione e ameaçando-a com o punhal em seu pescoço) Larguem, eu já disse! (Harry e Rony largam as varinhas) Belatriz: Apanhe-as, Draco. Olha, olha, olha... Olha o que temos aqui. Ah, é o Harry Potter. Ele está claro, brilhando, novinho em folha. Em tempo para o Lorde das Trevas. Draco, chame-o. (Draco hesita em chamar Voldemort e olha assustado para Hermione) Belatriz: Chame-o! (Lúcio se prontifica a chamar Voldemort. Enquanto está prestes a fazê-lo, Dobby surge no lustre da sala, soltando-o na direção de Belatriz e Hermione, obrigando a comensal da morte a soltá-la para se proteger. Hermione corre na direção de Rony e Harry pega de volta as varinhas das mãos de Draco) Harry: Estupore! (Harry impede que, mais uma vez, Lúcio tente chamar por Voldemort) Belatriz: Seu elfo estúpido! Podia ter me matado! Dobby: Dobby nunca quis matar. Dobby somente queria causar um ferimento muito sério. (Narcisa tenta atacar Dobby com um feitiço, mas é desarmada por ele) Belatriz: Como ousa tirar a varinha de uma bruxa? Como ousa desafiar os seu senhores? Dobby: Dobby não tem mais nenhum senhor. Dobby é um elfo livre! E Dobby veio para salvar Harry Potter e seus amigos! (Harry, Rony, Hermione e Grampo se seguram a Dobby para desaparatarem com ele. Belatriz, em uma última tentativa de atacá-los, arremessa seu punhal, que acaba indo junto quando eles somem, matando-o na sequência). Neste caso, há o enquadre de confronto entre inimigos. É interessante notar a transformação das relações entre o núcleo dos personagens próximos de Harry e o núcleo da família Malfoy até culminar em confrontos diretos entre eles nas últimas cenas.

133 133 Ao mesmo tempo, no que diz respeito a Belatriz e Hermione, é mantido o enquadre de encontro entre vítima e agressora, uma vez que nesta cena aparece o resultado da tortura de Belatriz na cena anterior, que é o registro no qual se manifesta o alinhamento de superioridade de Belatriz: a expressão sangue ruim escrita com cortes de punhal no braço de Hermione. Do mesmo modo, essa relação se mantém, uma vez que Belatriz, com a invasão dos amigos de Hermione a torna sua refém, para que os demais larguem as varinhas que estão utilizando. Imagem 43: Jogada no chão, Hermione observa o corte que Belatriz fez em seu braço, com a expressão sangue ruim. Fonte: Harry Potter e as relíquias da morte parte 1 (2010, 2h06min40seg 2h09min35seg) Imagem 44: A expressão mudblood que em português foi traduzida para sangue ruim aparece sangrando no braço de Hermione. Fonte: Harry Potter e as relíquias da morte parte 1 (2010, 2h06min40seg 2h09min35seg)

134 134 Imagem 45: Belatriz corta o rosto de Grampo ao chamá-lo de mentiroso. Fonte: Harry Potter e as relíquias da morte parte 1 (2010, 2h06min40seg 2h09min35seg) Imagem 46: Grampo olha com ironia para Belatriz, pois o corte não lhe machuca. Fonte: Harry Potter e as relíquias da morte parte 1 (2010, 2h06min40seg 2h09min35seg) Imagem 47: Belatriz insinua que continuará torturando Hermione. Fonte: Harry Potter e as relíquias da morte parte 1 (2010, 2h06min40seg 2h09min35seg)

135 135 Imagem 48: Após Harry e Rony saírem do porão e invadirem a sala da mansão dos Malfoy, Belatriz faz Hermione de refém enquanto eles lutam contra Lúcio, Narcisa e Draco. Fonte: Harry Potter e as relíquias da morte parte 1 (2010, 2h06min40seg 2h09min35seg) No perfil traçado para a personagem Belatriz, há uma clara indiferença à dor do outro, ressaltando-se sua falta de empatia, próprio do pensamento de coisificação do outro criticado por Adorno (2003). Por outro lado, Belatriz também se refere a Grampo e Dobby de modo a manter um alinhamento de superioridade, quando utiliza, respectivamente, os registros duende e elfo como vocativos, sem mencionar os nomes próprios de ambos, mesmo tendo conhecimento de quem são. Percebe-se uma generalização e categorização de ambos, em que importa para a personagem ressaltar que nenhum deles é um bruxo, reforçando o esquema de conhecimento já demonstrado pela personagem de que ela é superior aos bruxos de ascendência trouxa, bem como também é superior àqueles que não são bruxos. Também se reforça esse esquema atribuído a Belatriz quando a mesma utiliza o registro elfo estúpido e quando pergunta a Dobby como ousa desafiar seus senhores?.

136 136 Capítulo 4 A construção de uma possibilidade de hexis educativa a partir da empatia Observando as cenas da família Malfoy em que o preconceito está evidenciado, notouse que em várias delas, antes ou depois de tais cenas, existiam outras em um sentido oposto: momentos em que algum personagem demonstrava empatia com outro pelos mesmos motivos que levavam os personagens da família Malfoy a demonstrarem preconceito. Esta percepção levantou novas hipóteses nesta pesquisa: seria a contraposição entre o preconceito e a empatia, para além da representação de preconceitos, a responsável por abrir possibilidades para a produção de uma hexis educativa junto ao público? As situações de empatia, enquanto objeto da modelação, seriam as mediadoras simbólicas dos exemplos dados no filme, de modo a influenciar positivamente em comportamentos, evitando a assimilação do público dos preconceitos presentes nas situações analisadas até aqui? Verificando quantas cenas evidenciavam essa observação, se obteve a quantidade de 11 cenas em que outro personagem, por sua atitude, se contrapunha à postura da família em relação às questões raciais e/ou de classe social Filme 1 Filme 2 Filme 3 Filme 4 Filme 5 Filme 6 Filme 7 Filme 8 Gráfico 13: Total de cenas de empatia entre personagens versus preconceito da família Malfoy ao longo dos filmes. Fonte: Autora 101 Ver Anexo IV.

137 137 Percebe-se que, assim como no primeiro recorte de cenas da família Malfoy analisadas, a proporção entre a quantidade de cenas ao longo dos filmes se manteve semelhante. Isto reflete a relação entre personagens solidários uns aos outros e os preconceitos retratados pelo núcleo Malfoy. Também da mesma forma, novamente o segundo filme é o que possui mais cenas. Do total de cenas, 12 era o total de situações de empatia retratadas, ao se dividir entre a empatia com o outro frente a cada tipo de preconceito 102. Ressalta-se que, neste caso, já foram consideradas apenas as cenas com alguma interação direta entre os personagens envolvidos na relação empatia versus preconceito Filme 1 Filme 2 Filme 3 Filme 4 Filme 5 Filme 6 Filme 7 Filme 8 Gráfico 14: Total de situações com empatia entre personagens versus preconceito da família Malfoy ao longo dos filmes. Fonte: Autora Assim, também foram divididas as situações de preconceito entre racial e de classe social. É interessante notar, porém, que, ao contrário das situações de preconceito pela família Malfoy, neste caso a maior parte das situações retratadas tem a ver primeiro com preconceito de classe social e, depois, o preconceito racial, embora as quantidade sejam bem próximas. 102 Ver anexo V.

138 Empatia diante de preconceito de classe social Empatia diante de preconceito racial Gráfico 15: Total de situações de empatia diante do preconceito apresentado pela família Malfoy. Fonte: Autora Nota-se, porém, que há uma relação direta entre as demonstrações de preconceito e as demonstrações de empatia com o próximo. Essa relação não seria, porém, uma coincidência. Enquanto obra narrativa, Harry Potter, bem como outras criações semelhantes, pode ser analisada sob a perspectiva da tragédia de Aristóteles. Segundo o pensador, a finalidade da tragédia é de provocar a catarse (BOAL, 1991). Logo, trazendo esse pensamento para a narrativa do presente objeto de estudo, essas cenas em que os personagens se solidarizam uns com os outros refletem uma necessidade de expurgo de sentimentos condenáveis. É interessante notar, nesse sentido, a abordagem de Jacob Bernays 103 ao falar sobre a catarse, segundo as palavras de Boal (Ibid., p. 43): Em 1857, Bernays propôs uma inteligente teoria: a palavra catarse seria uma metáfora médica, uma purgação que denota o efeito patológico sobre a alma análogo ao efeito de um remédio sobre o corpo. Bernays toma a definição de Tragédia dada por Aristóteles ( imitação de ações humanas que exercitem a piedade e o terror ); justamente porque essas emoções se encontram nos corações de todos os homens, o ato de exercitá-las oferece, depois, um agradável relaxamento. Esta hipótese seria confirmada por Aristóteles mesmo que declara que nós sentimos piedade pelo destino não merecido do herói, e terror porque esse infortúnio acontece com alguém que se parece com nós mesmos. Não por acaso, as rejeições e preconceitos são sofridos, principalmente, por alguns dos heróis dos filmes: Hermione, Rony e Dobby. Esses momentos entre os personagens refletem 103 Filósofo e filólogo alemão, nascido em 1924.

139 139 as ações humanas que exercitam a piedade e o terror. Essas duas emoções, aliás, são as que baseiam a construção de empatia, um dos pilares do sistema trágico. Boal (1991), que criou o Teatro do Oprimido 104, explica que a empatia é uma relação emocional entre personagem e espectador (Ibid., p. 50). Nesta relação, a base seriam os sentimentos de piedade e terror, podendo incluir também desejo, amor, entre outros. O dramaturgo ressalta, entretanto, que a empatia se dá fundamentalmente em relação à ação do personagem, que seria seu ethos. Para Boal, a atuação do personagem apresenta o aspecto do ethos e a dianoia 105 em conjunto, que constituem, assim, a ação do personagem. Porém, de forma a elucidar melhor a questão, define a ethos como a ação propriamente dita e a dianoia como o pensamento que a justificativa. Portanto, discurso e ação são indissociáveis, o que remete, também, ao pensamento arendtiano sobre discurso e ação. Embora, nas palavras de Boal, o discurso seja, em si mesmo, a ação (Ibid., p. 49), é importante ressaltar que, assim como em Arendt (2007), a ação pressupõe necessariamente um pensamento, um discurso. Assim, o ethos do herói, ou heróis, da narrativa, estaria de acordo com o ethos da sociedade. Logo, tenderia a ser composto somente de características consideradas boas dentro da lógica social, à exceção de uma, a qual é chamada de harmatia, ou seja, a falha trágica (BOAL, 1991) do personagem. Seria, portanto, a característica em desacordo com o que é considerado correto pela sociedade em que a obra se insere. Assim, se chega à relação de piedade e terror que compõem a empatia. [...] existe igualmente uma relação empática diano-ética: dianóia (personagem)-razão (espectador), que equivale à relação ethos-emoção. O ethos estimula a emoção, a dianóia estimula a razão. [...] as emoções empáticas básicas de piedade e terror se estabelecem a partir de um ethos que revela tendências boas (piedade pela sua destruição) e uma tendência má, uma harmatia (terror, porque também nós a possuímos. (Ibid., p. 50) Ou seja, a identificação com o personagem se dá pela piedade que o público sente em relação à destruição sofrida por ele, entendendo como a destruição o mal que lhe é causado, e, ao mesmo empo, pelo terror que caracteriza sua característica negativa, visto que todos possuem algo de negativo e se veem no personagem também em seus defeitos. Nota-se que, 104 Teatro do Oprimido, ou TO, é um método teatral criado pelo diretor Augusto Boal nos anos 1960, cujo intuito era usar o teatro como ferramenta de trabalho político, social, ético e estético. Ver O que é o Teatro do Oprimido?. Disponível em: < Acesso em 21/01/ Segundo Japiassú e Marcondes (2001, p. 54), dianoia é um [...] termo grego que pode ser traduzido por pensamento, intelecto, espírito. A dianoia é o pensamento discursivo, enquanto elaboração, explicitação ou desenvolvimento da noese ou nous, isto é, da razão intuitiva que capta de modo imediato o real.

140 140 na narrativa de Harry Potter, o personagem-título e seus melhores amigos (Rony, Hermione, Hagrid e Dobby) possuem, cada um, um defeito marcante: Harry é impulsivo; Rony é caracterizado, em certos momentos da história, como machista, em outras como ciumento; Hermione é extremante perfeccionista; Hagrid é descuidado e, muitas vezes, ingênuo, e Dobby é inconsequente. Características essas que acabam por levar mesmo os heróis da história a estabelecerem juízos que, posteriormente, através da experiência, demonstram-se incorretos. A estes fatores somam-se outros para chegar à catarse proposta na narrativa, como a peripécia e a anagnorisis. A peripécia é a mudança abrupta na história do personagem, a qual pode se chegar a partir da harmatia do mesmo. Esta mudança para o personagem pode se reproduzir igualmente no espectador, dada a identificação, ou, por outro lado, desconectá-lo empaticamente do personagem com o qual, até então, se identificava. Para que a perda da empatia não ocorra, existe a anagnorisis, que é o reconhecimento da falha do personagem, de sua harmatia, que é explicada pelo discurso utilizado. Assim, busca-se que o público aceite a falha do personagem, por também reconhecer e aceitar suas próprias falhas. Como o público não tem que pagar pelas falhas como o personagem, cria-se a catástrofe, de modo que o espectador tenha a dimensão da consequência dos erros que comete em função de seus defeitos. Nesse caso, aterrorizado pela catástrofe, o espectador se purifica de sua harmatia (Ibid. p. 52). Nota-se uma questão importante, no que diz respeito às características do personagem que é considerado o herói: há uma ação desenvolvida pelo personagem que é o seu ethos, ou seja, o que ele tem de bom, de acordo com os preceitos da sociedade em que se insere. Contudo, não necessariamente o que é bom dentro de uma sociedade, é bom em absoluto. Esse ethos é relativo, de acordo com as determinações éticas de cada sociedade. Vale lembrar novamente aqui, como ressalta Sodré (2013), que o ethos pode permitir atitudes negativas, ainda que sejam moralmente aceitas. Voltando aos estudos de Vezzali et al (2015) e de Bandura (1977), uma questão era essencial para a compreensão de como o comportamento dos personagens, enquanto modelos para o público, pode influenciar no comportamento deste mesmo público: a real identificação com os personagens. Portanto, a hexis educativa aqui discutida é um passo além. Sendo esta uma relação identitária do ethos, a empatia do espectador com a obra se daria através da hexis, mais que do ethos, por este compreender que algo é certo para além de uma mera determinação do meio social em que vive. Afinal, tanto na sociedade retratada na série Harry

141 141 Potter quanto na sociedade contemporânea fora da ficção, muitas formas de preconceitos, ainda que velados, são moralmente aceitos. Como exemplo, as piadas com mulheres, homossexuais e negros, bem como estrangeiros, ainda são comuns, e os movimentos sociais que se levantam contra tais comportamentos, ainda hoje consigam ganhar mais voz, são muitas vezes ridicularizados e hostilizados 106. Bem como os defensores de tais preconceitos, muitas vezes, ainda alcançam um grande número de fãs 107. Em sociedades ainda tão hostis àqueles que não se enquadram em determinados padrões que um determinado grupo impõe como corretos, haver uma abertura ao diferente se dá mais por uma questão identitária genuína do indíviduo com uma determinada postura. Assim seria a identificação entre os personagens e do público com os heróis de Harry Potter. Há, ainda, um fator essencial para a compreensão da abertura ao diferente a partir de questões identitárias: as variadas identidades que compõem um único sujeito. Segundo Hall (2006), o sujeito passou por um processo de mudanças na formação de sua identidade, a partir o Iluminismo. Este sujeito passou a ter consciência de que tinha um papel no mundo e desenvolve uma identidade centrada, em uma concepção individualista que ainda não considerava a relação com o outro na construção de identidades. Já o sujeito do século XX é chamado por Hall de sociológico. Este sujeito passa a questionar o sujeito do Iluminismo e é formado a partir das relações com o outro, considerando as pessoas de importância dentro do seu círculo social. Assim, enquanto o sujeito do Iluminismo entende sua identidade como produto de si mesmo, o sociológico passa a depender do outro. O sujeito atual ou pós-moderno, na concepção do pensador jamaicano passa a ter uma identidade descentrada. Há uma fragmentação do sujeito em várias identidades, a partir da perda do sentido do sujeito em si mesmo, que se inicia no sujeito sociológico. Logo, o sujeito atual tem um processo de identificação variável, pois tem dentro de sí identidades contraditórias, está em constante mudança. Entretanto, apesar de ser continuamente 106 Como um exemplo de como minorias e os ativistas por seus direitos são constrangidos por grupos contrários, ver Alunos hostilizam feministas e ficam nus em trote na USP em São Carlos. Disponível em: < Acesso em 15/01/ Aqui no Brasil, a família do deputado Jair Messias Bolsonaro, que é conhecido por declarações, no mínimo, controversas contra ativistas de diferentes causas, é um exemplo de como os que disseminam discursos que geram preconceitos podem ter grande adesão de fãs e seguidores. Ver: Testado para 2018 : Bolsonaro comemora resultado dos filhos nas urnas. Disponível em: < Acesso em: 21/01/2017. Ver também: Foto com Bolsonaro de superhomem viraliza e deputado agradece apoio. Disponível em: < Acesso em: 22/01/2017.

142 142 deslocado, ainda precisa de um alicerce para se posicionar, o que ocorre pela necessidade de segurança. O sujeito atual precisa da sua própria narrativa para ter segurança, mas tal segurança não existe de fato, o que pode levar à crise de identidade. A partir do pensamento de Hall, percebe-se que, no caso de adolescentes em formação de sua identidade, essa necessidade de segurança e a crise que advém de sua ausência, pode se tornar mais expressiva. Assim, a empatia a partir das características dos heróis, uma vez que estes tem construção mais complexa que os vilões, contribui para a compreensão e aceitação da própria identidade, a qual é mutável e contraditória. No entanto, para que haja a identificação, não há como considerar o outro inferior a si próprio, há de se compreender as relações de alteridade, de modo a evitar um rebaixamento a partir de um juízo prévio. Por isso, a importância das relações de alteridade retratadas a partir da solidariedade entre os personagens, produzindo modelos que, vicariamente, possibilitaram educar o público quanto à questão do preconceito e a necessidade de evitá-lo, uma vez que produzam uma consciência crítica no espectador. É sob tal perspectiva que serão analisadas as próximas cenas. 4.1 Análise de relações de empatia entre os personagens Como várias das referências às relações de solidariedade entre os personagens se encontram em cenas já analisadas sob a perspectiva do preconceito no Capítulo 3, nesses casos se recorrerá à referência à situação social anteriormente analisada e apenas se complementarão as informações Cena Situação social: Harry conversa com Rony no trem e lhe compra doces. Cenário: cabine no trem que leva os alunos para a Escola de Magia e Bruxaria de Hogwarts. 108 Ver anexo IV.

143 143 Imagem 49: cabine no trem para Hogwarts. Fonte: Harry Potter e a pedra filosofal (2001, 34min30seg) Em uma cena, logo no começo do filme, é deixado claro que Harry é uma criança que se importa com o próximo, que exerce a empatia com a dificuldade financeira de Rony poucos minutos após conhecê-lo. Ao pegarem o trem que leva os alunos à Hogwarts, uma vendedora passa por eles com um carrinho cheio de doces e Harry, ao ver que Rony não tem dinheiro para comprá-los, se oferece para comprar todos os doces. Vendedora de doces: Desejam alguma coisa, queridos? Rony, constrangido: Não, obrigado. Trouxe de casa. Harry, vendo que Rony está decepcionado por não poder comprar: Eu fico com tudo. Rony, ao ver Harry pegar o dinheiro para comprar todos os doces: Uau! Antes de a vendedora de doces passar por eles, Harry e Rony se apresentam e começam a conversar. Rony fica surpreso ao saber que conversava com Harry Potter, que era famoso no mundo dos bruxos por ter sobrevivido ao ataque de Lord Voldemort. Para enfatizar os alinhamentos de Rony, seguem três imagens desse primeiro momento da cena, o qual não está transcrito no diálogo acima.

144 144 Imagem 50: Rony se surpreende ao saber que conversava com Harry Potter. Fonte: Harry Potter e a pedra filosofal (2001, 34min20seg 34min51seg) Imagem 51: Harry mostra para Rony sua famosa cicatriz. Fonte: Harry Potter e a pedra filosofal (2001, 34min20seg 34min51seg) Imagem 52: Rony se empolga ao ver a cicatriz de Harry. Fonte: Harry Potter e a pedra filosofal (2001, 34min20seg 34min51seg) Assim, em um primeiro momento os personagens estavam assumindo um enquadre apresentação de colegas de classe. A partir do momento em que chega a vendedora de doces, passa a existir o enquadre relação entre amigos, quando Harry demonstra sua solidariedade a Rony. Isto é, acaba se tornando amigo de Rony ao manter seu alinhamento de simpatia para com ele, mesmo com a mudança de alinhamento de Rony, que antes tinha um

145 145 alinhamento receptivo a Harry e passa a assumir um alinhamento de constrangimento, com a chegada da vendedora. Imagem 53: Chegada da vendedora de doces. Fonte: Harry Potter e a pedra filosofal (2001, 34min52seg 35min09seg) Imagem 54: Rony fica constrangido por não ter dinheiro para os doces oferecidos pela vendedora e mostra que levou doces de casa. Fonte: Harry Potter e a pedra filosofal (2001, 34min52seg 35min09seg) É importante notar, além das interpretações dos atores, que há uma clara distinção entre os doces oferecidos pela vendedora e os que Rony carrega com ele. Este contraste visual contribui para ressaltar a situação financeira de Rony ao apresentá-lo ao público.

146 146 Imagem 55: Harry observa Rony constrangido. Fonte: Harry Potter e a pedra filosofal (2001, 34min52seg 35min09seg) Imagem 56: Harry mostra dinheiro o suficiente para comprar todos os doces. Fonte: Harry Potter e a pedra filosofal (2001, 34min52seg 35min09seg) Imagem 57: Rony, surpreso, observa a quantidade expressiva de dinheiro que Harry carrega. Fonte: Harry Potter e a pedra filosofal (2001, 34min52seg 35min09seg) O constrangimento de Rony se dá pelo fato de que uma pessoa naquela situação tende a ativar em seus esquemas de conhecimento o fato de que será rebaixada pelo outro por não ter boa condição social. Tal fato fica claro em outras cenas já analisadas, onde outros personagens demonstram relegar a família Weasley a uma condição de inferioridade por serem pobres. Ciente disto, de acordo com as experiências vividas no perfil traçado para o

147 147 personagem, Rony tende a se mostrar envergonhado. Uma vez que Harry demonstra não mudar seu alinhamento, afinal, também tem experiências vividas de rebaixamento de sua condição pelo convívio com seus tios, Rony retoma o alinhamento receptivo em relação a Harry. Assim, começa a ser construída a relação de amizade entre os personagens, o que também ocorre ao longo da cena retratada na primeira situação social analisada, em que o personagem Draco se apresenta a Harry na chegada a Escola de Magia e Bruxaria de Hogwarts Cena , 110 Retomando a cena 1.2, vê-se Draco tratar Rony com preconceito de classe social ao conhecer Harry e ele, o personagem-título, deixa claro para Draco que não compactua do mesmo pensamento que ele, conforme demonstra o final do diálogo entre os dois, novamente reproduzido abaixo: Draco: É verdade, então? O que disseram no trem? Harry Potter veio pra Hogwarts. Estes são Crabbe e Goyle. E eu sou Malfoy. Draco Malfoy. (Rony, que está ao lado de Harry, segura uma risada) Draco se dirige para Rony: Acha meu nome engraçado, não é? Nem preciso perguntar o seu. Cabelo ruivo, vestes de segunda mão. Você deve ser um Weasley. Draco, voltando a falar com Harry: Logo vai descobrir que algumas famílias de bruxos são melhores do que outras. Você não vai querer ser amigo da pessoa errada. Eu posso ajudá-lo nisso. (Draco estende a mão a Harry) Harry, se recusando a apertar a mão de Draco: Eu posso ver sozinho quem é a pessoa errada. Draco explicita seu pensamento preconceituoso para Harry, ao expor seu esquema de conhecimento de que famílias ricas não devem se relacionar com famílias de bruxos pobres, ao qual Harry rebate ao demonstrar o esquema de conhecimento de preocupação com o outro, independentemente de sua origem. Este esquema de conhecimento está explícito em toda a postura de Harry na cena, que se mantém com um olhar pouco receptivo para Draco, ficando mais claro no final da cena, quando, além disso, diz que pode ver 109 Ver anexo IV. 110 As cenas que se repetem serão citadas com a referência no anexo IV, onde são selecionadas as relações de empatia entre personagens.

148 148 sozinho quem é a pessoa errada. Especialmente a expressão pessoa errada é o registro que evidencia tanto o preconceito exposto por Draco, quanto a oposição a ele exposta por Harry. Do mesmo modo, há uma contraposição do alinhamento de relação entre futuros amigos de Draco e o alinhamento de antipatia de Harry, que acaba provocando, como já citado na primeira análise desta cena, uma mudança de alinhamento de Draco para relação entre futuros inimigos Cena Situação social: Dobby e Harry se conhecem. Cenário: quarto de Harry na casa dos tios. Imagem 58: quarto de Harry na casa de seus tios. Fonte: Harry Potter e a câmara secreta (2002, 3min16seg) Harry vai para seu quarto na casa dos tios, por ordem destes, que não querem que o menino seja visto pelos convidados que receberão naquela noite. Ao entrar no quarto, Harry se depara com Dobby, um elfo doméstico, pulando na sua cama. Dobby: Harry Potter. Que honra conhecê-lo. Harry: Quem é você? Dobby: Dobby, senhor. Dobby, o elfo doméstico. Harry: Não quero ser grosseiro com você, mas essa não é uma boa hora para eu ter um elfo doméstico no meu quarto. Dobby: Ah, claro, senhor. Dobby entende. Mas é que Dobby veio dizer ao senhor... É... É difícil, senhor. Dobby não sabe por onde começar. Harry: Porque não se senta? 111 Ver anexo IV.

149 149 Dobby: Sentar? Me sentar? (Dobby começar a chorar) Harry: Dobby, olha me desculpe. Eu não quis ofendê-lo, nem magoá-lo. Dobby: Ofender Dobby? Dobby ouviu falar de sua grandeza, senhor. Mas Dobby nunca foi convidado a se sentar por um bruxo, como um igual. Harry, sorrindo: Não conheceu muitos bruxos decentes, então. Dobby: Não, não conheci... Que coisa mais feia para se falar. (Dobby começa a bater com a cabeça na cômoda, dizendo Dobby mau! ) Harry: Para, Dobby, para! Dobby, para, por favor! Dobby! Valter, ao escutar o barulho de Dobby e Harry, fala para os convidados: Não se preocupem, é só um gato... Dobby, dizendo para si mesmo, enquanto continua a bater a cabeça na cômoda: Você vai parar, Dobby! Harry: Dobby! Para Dobby, por favor! Você está bem? Dobby: Dobby tinha que se castigar, senhor... Dobby quase falou mal da própria família! Harry: Da sua família? Dobby: A família de bruxos a que Dobby serve, senhor. Dobby é obrigado a servir a uma família para sempre! Se um dia eles descobrirem que Dobby veio aqui... (Dobby inicia um choro) Mas Dobby tinha que vir. Dobby tem que proteger Harry Potter. Avisar a ele. Harry Potter não pode voltar à Escola de Magia e Bruxaria de Hogwarts este ano. Há uma trama. Uma trama para fazer as coisas mais terríveis acontecerem. Apesar de ter acabado de conhecer Dobby, Harry o trata normalmente como trataria a qualquer bruxo que acabasse de conhecer. Embora o enquadre seja o de uma apresentação de futuros amigos, assim como fez com Rony ao conhecê-lo no trem, Harry se preocupa com qualquer incômodo que possa causar ao elfo, convidando-o a se sentar e se desculpando quando Dobby começa a chorar sem que conseguisse entender o motivo.

150 150 Imagem 59: Dobby aparece no quarto de Harry. Fonte: Harry Potter e a câmara secreta (2002, 3min09seg 5min11seg) Imagem 60: Dobby se surpreende quando Harry pede para que se sente. Fonte: Harry Potter e a câmara secreta (2002, 3min09seg 5min11seg) Imagem 61: Emocionado com o fato de Harry ter pedido que se sentasse, Dobby começa a chorar. Fonte: Harry Potter e a câmara secreta (2002, 3min09seg 5min11seg)

151 151 Imagem 62: Harry, de modo simpático, diz à Dobby que este não conheceu muitos bruxos decentes. Fonte: Harry Potter e a câmara secreta (2002, 3min09seg 5min11seg) Imagem 63: Dobby bate com a cabeça na cômoda, de modo a se punir por falar mal da família para a qual serve, enquanto Harry pede que pare de se machucar. Fonte: Harry Potter e a câmara secreta (2002, 3min09seg 5min11seg) Harry mantém o alinhamento de cordialidade, para que Dobby se sinta mais à vontade para falar com ele, já que o elfo diz ter algo importante a contar. Isso reflete o esquema de conhecimento atribuído ao perfil de Harry, de um personagem que se preocupa com que os outros se sintam bem, fato que se acentua por ele mesmo não ser bem tratado pelos tios. Mesmo quando, aos olhos de Harry, Dobby o assusta parecendo descontrolado, Harry mantém o alinhamento de cordialidade e, até mesmo, de preocupação, ao pedir para Dobby parar de bater com a cabeça e perguntar ao elfo se ele está bem. Do mesmo modo, Harry ressalta que pensa que todos devem ser bem tratados independentemente do que são, ao falar para Dooby que ele não conheceu muitos bruxos decentes, ou seja, a palavra decente é o principal registro que demonstra qual o perfil traçado para Harry: o de alguém que se solidariza com o outro e compreende a dimensão das relações de alteridade.

152 Cena Outra cena já analisada sob a perspectiva do preconceito retratado é a que ocorre quando alunos da Sonserina e Grifinória se encontram sem querer no campo de quadribol: Olívio: Passei as férias planejando o novo programa de quadribol. Vamos começar a treinar antes, mais forte e por mais tempo. O quê? (Olívio avista os alunos da Sonserina no campo de quadribol) Ai, eu não acredito. Aonde pensa que está indo, Flint? Flint: Treinar quadribol. Olívio: Eu reservei o campo para a Grifinória hoje. Flint: Calma, eu tenho permissão. Rony, que está longe com Hermione, observa a conversa enquanto os dois resolvem se aproximar do grupo: Ai, lá vem problema. Olívio, lendo a permissão dada a Flint e entregue a ele: Eu, professor Severo Snape, autorizo o time da Sonserina a usar o campo hoje, para treinamento do novo apanhador. Tem um novo apanhador? Quem? (Draco aparece) Harry: Malfoy? Draco: Isso mesmo. E não é a única novidade deste ano. (Draco mostra a vassoura que tem em mãos) Rony: São Nimbus 2001! Como vocês conseguiram? Flint: Presente do pai do Draco. Draco: Sabe Weasley, ao contrário de alguns, meu pai pode comprar o melhor. Hermione: Pelo menos, ninguém da Grifinória pagou pra jogar. Só entrou quem tem talento. Draco se aproxima de Hermione: Ninguém pediu sua opinião, sujeitinha de sangue ruim. Rony: Você vai pagar por isso, Malfoy. Cara de lesma! (Rony aponta a varinha para lançar um feitiço em Draco, mas sua varinha velha não funciona direito e joga o feitiço nele mesmo, arremessando-o ao chão) Hermione: Você está bem, Rony? Diz alguma coisa! 112 Ver anexo IV.

153 153 (Rony tentar falar e cospe uma lesma. Os outros alunos fazem caretas e demonstram nojo) Collin, enquanto fotografa: Uau! Pode virar ele pra mim, Harry? Harry: Não, Collin! Sai da frente! (Harry se vira para Hermione que, junto com ele, segura Rony em pé enquanto este vomita lesmas) Vamos lá pro Hagrid. Ele sabe o que fazer. (Os três saem apressados e esbarando nos alunos da Sonserina, que estão rindo da situação) Nesta cena, como já explicado, Draco destrata Rony por ser pobre e Hermione por ser filha de trouxas. Porém, Rony e Hermione defendem um ao outro da agressão de Draco. É interessante notar, neste caso, que tanto Rony quanto Hermione mantêm um alinhamento de acordo com o alinhamento apresentado por Draco. Em ambos os casos, em primeiro lugar, Draco apresenta um alinhamento de superioridade. Além disso, há uma ironia na forma como aborda Rony em contrapartida a uma raiva na forma como aborda Hermione. Do mesmo modo, Hermione apresenta um alinhamento de ironia ao defender Rony de Draco e Rony defende Hermione de Draco apresentando um alinhamento de raiva. Visto que a ameaça de Rony, provocada pela raiva e indignação causadas pelas ofensas de Draco à sua amiga, não se conclui da forma como queria, tanto a própria Hermione quanto Harry se manifestam rapidamente em cuidar do amigo, o que está explícito nos pedidos de Hermione para que Rony se manifeste quanto a seu estado ( Você está bem, Rony? Diz alguma coisa! ), bem como na irritação de Harry com a abordagem de Collin e sugestão dada de como resolver o problema. Logo, os personagens Harry e Hermione demonstram que é atribuído ao seu perfil o esquema de conhecimento de que pessoas em apuros devem ser prontamente socorridas. Não há registros específicos que caracterizem o alinhamento de cada personagem que se solidariza com outro, à exceção da expressão cara de lesma, dita por Rony com intenção pejorativa, além de ser o feitiço que queria executar. O que ocorre é uma mudança na forma como expressões usuais como tem talento, vai pagar por isso, diz alguma coisa e sai da frente são ditas, ganhando tom mais ou menos depreciativo.

154 Cena Situação social: Harry e Hermione vão à casa de Hagrid com Rony para tentar recuperá-lo, após o a tentativa frustrada de lançar um feitiço em Draco. Cenário: casa de Hagrid. Imagem 64: casa de Hagrid. Fonte: Harry Potter e a câmara secreta (2002, 39min56seg) A cena que se segue é posterior à cena do desentendimento no campo de quadribol. Harry e Hermione levam Rony à casa de Hagrid para que este os ajude a encontrar uma solução para o feitiço mal sucedido que Rony tentou lançar em Draco. Durante a conversa com Hagrid, Harry explica o que houve e comenta que Hermione foi chamada de sangue ruim. Hagrid, ao dar um balde para Rony cuspir: Isto exige um equipamento especial. Só nos resta esperar que passe, é o jeito. (Rony continua cuspindo lesmas, agora no balde dado por Hagrid) Harry: Ah, tudo bem... Hagrid: Melhor cuspir que engolir. (Vira-se para Harry) Quem foi que o Rony tentou enfeitiçar? Harry: Malfoy. Ele chamou a Hermione... (Harry para de falar por um instante, ao ver que Hermione se entristece) Ah, bom, eu não sei direito o que quer dizer. Hermione: Me chamou de sangue ruim. Hagrid, com espanto: Ele não fez isso! Harry: O que é sangue ruim? 113 Ver anexo IV.

155 155 Hermione: Quer dizer sangue sujo. Sangue ruim é a pior ofensa para alguém que nasceu trouxa, cujos pais não sejam bruxos. Alguém como eu. Não é coisa que se diga numa conversa civilizada. Hagrid: O problema, Harry, é que há bruxos, como os da família de Malfoy, que se acham melhores do que todos por ser o que os outros chamam de sangue puro. Harry: Isso é horrível! Rony interrompe a conversa enquanto cospe lesmas: É nojento. Hagrid: E é ridículo falarem isso. Sangue sujo... Não existe um bruxo hoje que não seja mestiço ou coisa pior. O importante é que ainda não inventaram um feitiço que nossa Hermione não consiga fazer. (Hagrid, então, estende a mão à Hermione) Vem cá. Não ligue pra isso, Hermione. Não quero que pense nisso nem mais um minuto. Tá bem? (Hermione agradece Hagrid com um sorriso) Essa cena é onde se esclarece a gravidade de se chamar alguém de sangue ruim na sociedade bruxa retratada pela série. Seria, no caso, a expressão mais ofensiva e racista que se poderia usar contra outro bruxo. Sendo um enquadre de encontro entre amigos, ficam mais evidentes os laços de solidariedade de um personagem com outro que a cena busca demonstrar. Imagem 65: Harry conta para Hagrid o que houve no campo de quadribol. Fonte: Harry Potter e a câmara secreta (2002, 39min52seg 41min27seg)

156 156 Imagem 66: Hermione, magoada, explica para Harry o que significa a expressão sangue ruim. Fonte: Harry Potter e a câmara secreta (2002, 39min52seg 41min27seg) Imagem 67: Hagrid consola Hermione. Fonte: Harry Potter e a câmara secreta (2002, 39min52seg 41min27seg) Imagem 68: Hermione agradece Hagrid com um sorriso. Fonte: Harry Potter e a câmara secreta (2002, 39min52seg 41min27seg) Vê-se que no perfil traçado para o personagem Harry Potter, não há um esquema de conhecimento que o permita entender o que significa exatamente a expressão sangue ruim. No entanto, ele percebe que se trata de algo ruim, visto que Draco entristeceu Hermione ao chamá-la assim, provocando também a raiva de Rony.

157 157 Harry, em um primeiro momento, tem um alinhamento de constrangimento, ao achar que Hermione, por estar triste, não gostaria de ouvir que foi chamada de sangue ruim. No entanto, como não sabe o que significa a expressão, mantém também, posteriormente, um alinhamento de curiosidade, para entender melhor o que tinha acabado de ocorrer. Hagrid, ao tomar conhecimento por Hermione do que ela foi chamada, apresenta um alinhamento de espanto, o qual muda para um alinhamento de solidariedade, ao ver que a menina está triste. Da mesma forma, Harry passa a adotar também um alinhamento de espanto quando Hagrid explica o significado de sangue ruim. Percebe-se que em nenhum momento a expressão sangue ruim é naturalizada. Inclusive, quando Hagrid diz ele não fez isso! é destacado que seria impossível imaginar que uma criança viesse a chamar seu colega de turma por uma expressão tão preconceituosa. Também o registro adotado por Harry ao dizer que aquilo era horrível deixa chamar outro bruxo assim é condenável por pessoas boas como eles, ficando explícito na cena que os personagens daquele grupo têm preocupação com o outro e exercem a empatia, reforçando o esquema de conhecimento atribuído aos personagens de que todas as pessoas devem ser bem tratadas. Assim, a cena demonstra qual o perfil dos participantes, bem como mostra a relação de amizade entre eles Cena Nesta cena, também já analisada anteriormente, Draco está conversando com Rony e Harry, enquanto estes se passam por seus amigos Crabbe e Goyle, respectivamente. A intenção deles era descobrir se Draco tinha alguma relação com os ataques que ocorriam na escola. (Draco se joga no sofá da sala comunal da Sonserina) Draco: Não vão se sentar? (Harry/Goyle e Rony/Crabbe se sentam apreensivos) Draco: Não daria para dizer que os Weasley são puro sangue pelo modo como se comportam. São uma vergonha pro mundo da magia. Todos eles. (Rony/Crabbe fica nervoso e começa a cerrar os punhos) Draco: O que você tem, Crabbe? 114 Ver anexo IV.

158 158 (Harry/Goyle dá um leve empurrão em Rony/Crabbe para que ele se dê conta da situação) Rony/Crabbe: Dor de estômago. Draco: Sabem, estou surpreso que o Profeta Diário não tenha noticiado todos esses ataques. O Dumbledore deve estar tentando abafar o caso. Papai sempre diz que Dumbledore foi a pior coisa que já aconteceu por aqui. Harry/Goyle, exaltado: Está enganado! Draco se levanta e olha de modo desafiador para Harry/Goyle: O quê? Você acha que tem alguém aqui que seja pior que Dumbledore? Diga. Acha? Harry/Goyle tenta disfarçar: Harry Potter? Draco se acalma com a resposta: Gostei. Você tem toda razão. O santo Potter. E as pessoas acham mesmo que ele é o herdeiro de Sonserina. Harry/Goyle: Deve ter alguma ideia de quem está por trás disso. Draco: Sabe que não tenho, Goyle. Te falei isso ontem. Quantas vezes vou ter que repetir? (Draco sacode uma caixinha de presente que encontra em uma mesa enquanto caminha pela sala) Draco: Isso é seu? (Com a expressão de negação de Harry/Goyle, Draco coloca a caixa no bolso) Draco: Mas uma coisa meu pai me disse: tem cinquenta anos que a câmara foi aberta. Não me disse quem foi que abriu, só que a pessoa foi expulsa. A última vez que a câmara foi secreta foi aberta, um sangue ruim morreu. É só uma questão de tempo pra que um deles morra desta vez. E por mim, torço pra ser a Granger. (Rony/Crabbe se levanta para bater em Draco, mas é segurado por Harry/Goyle) Draco: O que é que vocês têm? Estão agindo muito estranho. Harry/Goyle: É a dor de estômago dele. (Harry/Goyle se vira para Rony/Crabbe e murmura: fica calmo ) Enquanto Draco abre a caixa que tinha pego, Rony/Crabbe olha espantado para Harry/Goyle: Cicatriz! Harry/Goyle também olha espantado para Rony/Crabbe: O cabelo! (Enquanto Draco está distraído, os dois saem correndo) Draco: Ei! Aonde estão indo?

159 159 Como já observado na análise anterior da cena, há uma alternância de alinhamentos de Harry e Rony de relação entre amigos, que é o alinhamento necessário pela presença de Draco, e o alinhamento de relação entre inimigos que, involuntariamente, demonstram de acordo com cada fala de Draco que inferioriza as pessoas de quem gostam, como Dumbledore, Hermione e a própria família Weasley. Não há registros específicos que demonstrem, mas os gestos feitos por Rony/Crabbe e Harry/Goyle em reação à fala de Draco reforçam a alternância de alinhamentos. Imagem 69: Harry/Goyle (esquerda) chama a atenção de Rony/Crabbe (direita), para que ele disfarce a irritação quando Draco fala mal de sua família. Fonte: Harry Potter e a câmara secreta (2002, 1h22min28seg 1h24min56seg) Essa alternância de alinhamentos, provocada pelo sentimento de que devem defender as pessoas sobre quem Draco comenta, é o que demonstra a preocupação que os personagens têm com o outro e com o fato de não poderem defendê-los. Da mesma forma, embora seja em um momento breve da cena, é interessante notar que Harry e Rony ficam constrangidos com o fato de Draco se apossar do presente de outra pessoa. Imagem 70: Draco pergunta se alguém é dono do presente que ele encontrou. Fonte: Harry Potter e a câmara secreta (2002, 1h22min28seg 1h24min56seg)

160 160 Imagem 71: Harry/Goyle olha com estranhamento para o bolso de Draco, após ele esconder o presente que encontrou. Fonte: Harry Potter e a câmara secreta (2002, 1h22min28seg 1h24min56seg) Imagem 72: Harry/Goyle segura Rony/Crabbe quando este se levanta para bater em Draco, após este dizer que torce para que Hermione morra. Fonte: Harry Potter e a câmara secreta (2002, 1h22min28seg 1h24min56seg) Imagem 73: Harry/Goyle diz para Draco que Rony/Crabbe demonstrou irritação por uma dor de estômago. Fonte: Harry Potter e a câmara secreta (2002, 1h22min28seg 1h24min56seg) Portanto, a cena demonstra que a preocupação dos personagens com outras pessoas e o sentimento de solidariedade são genuínos, colocando até em risco o plano que elaboraram para ajudar os outros colegas de escola. Por outro lado, como já observado na análise anterior da cena, Rony e Harry partem do esquema de conhecimento de que alguém com as

161 161 atitudes de Draco com certeza estaria envolvido ou saberia informar algo sobre ataques a bruxos considerados de família trouxa. É interessante notar também que, no momento em que Harry e Rony criam um juízo de valor de que Draco é o responsável pelos ataques ocorridos na escola, sem nada de concreto que possa levá-los a afirmar isso, acabam por exercer o mesmo tipo de juízo que pode levar aos preconceitos, ainda que a intenção seja combatê-los Cena Nesta cena, na análise anterior foi dada atenção ao tratamento preconceituoso de Lúcio com Dobby quando entra com ele na sala de Dumbledore, enquanto este conversa com Harry. (Lúcio entra com Dobby na sala de Dumbledore enquanto este e Harry estão conversando) Harry: Dobby? Então esse é o seu dono. Você serve à família dos Malfoy. (Dobby fica apreensivo e olha para Lúcio Malfoy) Lúcio, olhando para Dobby: Eu cuido de você mais tarde. (Lúcio, então, anda na direção de Dumbledore e Harry) Saia da minha frente, Potter. (Lúcio se dirige, então, a Dumbledore) Então, é verdade. Você voltou mesmo. Professor Dumbledore: Quando os conselheiros souberam que a filha de Arthur Weasley havia sido levada para a câmara, eles decidiram que eu deveria voltar. Lúcio: Ridículo! Professor Dumbledore: Curiosamente, Lúcio, vários deles tiveram a impressão que você iria enfeitiçar as famílias deles se não concordassem em me suspender da escola. Lúcio Malfoy: Como ousa? Professor Dumbledore: O que disse? Lúcio: Minha única preocupação sempre tem sido e sempre será o bem-estar desta escola e, é claro, dos alunos. (Lúcio olha para Harry) Lúcio: O culpado já foi identificado, eu suponho. Professor Dumbledore: Oh, sim. Lúcio: E? Quem era? Professor Dumbledore troca olhares com Harry e, então, responde: Voldemort. 115 Ver anexo IV.

162 162 Lúcio: Ah... Professor Dumbledore: Só que desta vez ele decidiu agir através de outra pessoa usando isto. (Professor Dumbledore mostra o diário de Tom Riddle que está em sua mão) Lúcio fica atordoado e, então, responde: Entendo. (Nesse momento, Dobby disfarçadamente puxa Harry pela manga da camisa, como se quisesse avisá-lo de algo) Professor Dumbledore: Felizmente, nosso jovem Potter descobriu tudo. Só esperamos que mais nenhum material escolar que pertenceu a Voldemort acabe chegando a mãos inocentes. As consequências para por isso serão severas. Lúcio, com desdém: Bom, vamos torcer para que o senhor Potter esteja sempre por perto para nos salvar. Harry: Não se preocupe. Eu vou estar. Lúcio acena que pretende se retirar da sala: Dumbledore. (Professor Dumbledore concede licença a Lúcio Malfoy) Lúcio: Vamos, Dobby. Vamos embora. (Lúcio chuta Dobby que é arremessado para longe e começa a chorar. Lúcio, então, bate em Dobby com a bengala que carrega. O elfo chora mais, demonstrando estar assustado. Ambos saem da sala.) Harry, ao observar a cena, se vira para o Professor Dumbledore: Senhor, será que eu posso ficar com isso? (Harry aponta para o diário de Tom Riddle que está na mesa do Professor Dumbledore) Em primeiro lugar, ressalta-se, como já observado na análise anterior, que se trata de um enquadre em que Harry tem um alinhamento de desafio, deixando claro para Lúcio que está sempre à disposição para salvar quem precise, em contrapartida ao alinhamento de superioridade de Lúcio. Da mesma forma, Harry demonstra preocupação com Dobby ao pedir o diário que está na mesa de Dumbledore, já que o objeto será usado por Harry para esconder uma meia e perssuadir Lúcio a entregá-lo a Dobby e libertá-lo. Assim, Harry muda para um alinhamento de solidariedade, mas ambos os alinhamentos são motivados por sua preocupação com o outro e o esquema de conhecimento de que se deve ajudar o próximo.

163 Cena Esta cena, que também já foi analisada, é a cena posterior ao momento em que Lúcio sai da sala de Dumbledore agredindo Dobby, que na qual Harry o liberta. (Harry sai correndo atrás de Lúcio Malfoy e Dobby, que acabaram de sair da sala do Professor Dumbledore) Harry: Senhor Malfoy! Senhor Malfoy! (Harry alcança Lúcio) Estou com uma coisa que é do senhor. (Harry entrega o diário de Tom Riddle para Lúcio) Lúcio: Minha? Eu não sei do que está falando. Harry: Eu acho que sabe, senhor. Acho que colocou o diário no caldeirão de Gina Weasley naquele dia, no Beco Diagonal. Lúcio: Você acha, não é? (Lúcio, com rispidez, dá o diário para Dobby segurar) Então por que você não prova? (Lúcio e Harry se encaram por uns instantes) Vamos, Dobby. Harry se vira para Dobby e sussurra: Abre. (Dobby encontra uma meia dentro do diário entregue por Lúcio Malfoy a ele) Lúcio: Dobby? Dobby: O senhor deu uma meia para Dobby. Lúcio: O quê? Eu não... (Lúcio vê o diário com a meia nas mãos de Dobby) Dobby: Meu dono presenteou Dobby com uma meia. Dobby está livre! (Lúcio, irritado, olha para Harry, que mostra que está sem um pé da meia, a qual ele tirou e colocou dentro do diário antes de entregá-lo) Lúcio: Você me fez perder o meu criado! (Lúcio anda com a varinha em riste na direção de Harry, ao passo que Dobby se coloca na frente do garoto) Dobby: Não vai fazer mal a Harry Potter. (Lúcio ameaça atacar Harry e Dobby se antecipa para defendê-lo, atacando Lúcio e o arremessando longe.) Lúcio se levanta irritado e se dirige a Harry: Seus pais também eram muito intrometidos. Guarde minhas palavras, Potter. Muito em breve vai ter o mesmo triste fim. (Lúcio, então, vai embora.) 116 Ver anexo IV.

164 164 Na cena em questão, efetivamente Harry e Lúcio passam a se tratar como inimigos, com o segundo inclusive ameaçando matar o primeiro, ao ver que perdera seu criado. O enquadre, como já identificado na análise anterior é o de encontro entre inimigos. O alinhamento de sarcasmo de Harry no começo da conversa, ao citar o ocorrido com Gina é adotado para que ele deixe claro para Lúcio que sabia o que o este tinha feito com sua amiga. Por outro lado, há o alinhamento de solidariedade de Harry quando sussurra para Dobby que abra o diário, voltando ao alinhamento adotado no final da cena anteior. Por fim, o esquema de conhecimento demonstrado por Harry é o de que ele deve ajudar aqueles que são rebaixados a uma condição inferior, o que é similar ao esquema de conhecimento atribuído à personagem Hermione, que também o evidencia ao longo das cenas Cena Segue mais uma cena já analisada, em que Rony e Hermione estão observando uma casa em Hogsmeade e Draco chega com seus amigos para tratá-los com preconceito. (Hermione e Rony estão conversando sobre a casa que avistam, a qual tem fama de mal-assombrada) Hermione: Dizem que é o prédio mais mal-assombrado da Grã-Bretanha. Eu já falei isso? Rony: Duas vezes. Hermione: Tá... Você não quer chegar mais perto? Rony: Hã? Hermione: Da Casa dos Gritos. Rony: Ah! Ah... na verdade, é... aqui tá bom. Draco: Ora, ora. Olhem quem está aqui. (Draco se aproxima com amigos) Vão comprar a casa dos seus sonhos? Meio grande pra você, não é, Weasleyzinho? A sua família não vive num quarto só? Rony, constrangido: Cala essa boca, Malfoy! Draco: Uh... Isso não é nada gentil. Pessoal, tá na hora de ensinar o Weasleyzinho a respeitar os seus superiores. Hermione: Hahaha. Não deve estar falando de você. Draco: Como ousa falar comigo? Sua fedelha de sangue ruim. 117 Ver anexo IV.

165 165 Nesta cena, assim como na cena no campo de quadribol, Hermione defende Rony de Draco utilizando um alinhamento de ironia em contrapartida ao alinhamento de superioridade de Draco, rebaixando-o, quando este se diz superior a Rony. Hermione demonstra, assim, se solidarizar com Rony, quando Draco o humilha. O perfil traçado para a personagem de Hermione atribui a ela um esquema de conhecimento de que ela deve defender os outros indivíduos, quando estes são rebaixados a uma condição inferior. Assim, nesse alinhamento de ironia pode-se enxergar, também, um alinhamento de solidariedade. Com a resposta de Hermione, mais uma vez a reação agressiva de Draco reflete um perfil traçado para o personagem de uma pessoa que reage agressivamente ao ser confrontada, tal como o perfil da personalidade autoritária (ADORNO et al, 1950). Principalmente pelo fato de, mais uma vez, se tratar de Hermione, a qual ele considera de sangue ruim Cena Na penúltima cena a observar, sob uma perspectiva da empatia de um personagem com o outro, volta-se ao momento em que Belatriz está torturando Hermione, enquanto Harry e Rony são jogados no porão da mansão dos Malfoy. (Harry e Rony são jogados no porão por Pedro Pettigrew) Rony: Harry, onde estamos? Não podemos deixar a Hermione sozinha com ela. Luna: Rony? Harry? (Rony ilumina o porão e ele e Harry avistam Luna) Harry: Luna? (Enquanto isso, Belatriz está na sala sobre Hermione jogada no chão) Belatriz: Era pra essa espada estar no meu cofre em Gringotes. Como você a conseguiu? O que mais você e seus amigos pegaram no meu cofre? Hermione, chorando: Eu não peguei nada. Por favor... Eu não peguei nada. Belatriz: Não acredito. (Belatriz machuca o braço de Hermione, que grita e se contorce de dor. No porão, Olivaras e Grampo também aparecem) Rony: Temos que fazer alguma coisa! 118 Ver anexo IV.

166 166 Olivaras: Não tem como sair daqui. Tentamos de tudo. Está enfeitiçado. (Enquanto isso, todos continuam ouvindo Hermione gritando e implorando a Belatriz que pare de torturá-la. Harry se abaixa e pega um pedaço quebrado de espelho que carregava guardado em sua meia) Luna para Harry: Você está sangrando. Que coisa curiosa pra se guardar numa meia. Harry se afasta com o espelho, e olhando para ele diz: Nos ajude. (Em vez da imagem de Harry, o espelho reflete a imagem de Aberforth, irmão de Dumbledore. Pedro Pettigrew chega à porta do porão). Rony, para Pedro: Deixe ela em paz. Pedro abre a porta, com a varinha na mão: Para trás. (Pedro olha para Grampo) Você. duende. Venha comigo. (Pedro e Grampo vão embora) (Dobby surge no porão). Harry: Dobby? O que está fazendo aqui? Dobby: Dobby veio salvar Harry Potter, é claro. Dobby sempre vai ajudar Harry Potter. Harry: Tá dizendo que pode desaparatar deste porão? Pode levar a gente com você? Dobby: É claro, senhor. Eu sou um elfo. Rony: Pra mim tá ótimo. Harry: Certo. Quero que você leve a Luna e o senhor Olivaras para... Rony: O Chalé das Conchas, perto de Tinworth. (Rony se vira para Harry) Confie em mim. Luna, para Dobby: Quando estiver pronto, senhor. Dobby, para Harry e Rony: Senhor? Eu gosto muito dela. (Dobby, então, dá a mão a Luna e Olivaras, se preparando para ir embora) Dobby: me encontre no topo da escada. Daqui a dez segundos. (Dobby vai embora, enquanto Harry e Rony se escondem próximos à entrada do porão. Pedro Pettigrew se aproxima para abrir a porta e é atingido nas costa por Dobby, que está no topo da escada de acesso. Harry e Rony saem). Dobby: Quem quer a varinha dele? Embora na primeira análise dessa cena o foco tenha sido a questão do preconceito retratado nas atitudes da personagem Belatriz, esta é uma cena que evidencia mais a solidariedade de Harry e Rony com Luna, Olivaras e, principalmente, Hermione.

167 167 O enquadre é de uma conversa entre aliados, uma vez que todos que foram deixados no porão estão contra a família Malfoy. Não se trata de uma conversa entre amigos, uma vez que só Harry, Rony e Luna são amigos. Grampo e Olivaras são apenas aliados que em algum momento ajudaram Harry, Rony e Hermione a conseguir o que queriam para derrotar Voldemort e os Comensais da Morte. Mas todos guardam em comum um alinhamento de preocupação, sendo o caso de Harry e Rony uma genuína preocupação com o outro, e dos demais, pode-se considerar, uma preocupação consigo mesmo. Nota-se, porém, que a conversa se dá por causa de uma personagem que não é participante do encontro: Hermione. As falas de Rony ( temos que fazer alguma coisa e deixe ela em paz ) demonstram isso. Quando Pedro chega e leva Grampo, no momento em que está no porão o enquadre passa a ser o de um confronto entre inimigos, visto que Rony o enfrenta para que não maltrate Hermione. Pedro, porém, se utiliza de um alinhamento de indiferença com ele. A partir do momento em que Grampo, Olivaras e Luna saem, e Dobby chega, o alinhamento passa a ser de uma relação entre amigos, visto que, além do elfo, só estão Harry e Rony no porão. Com a chegada de Dobby, aliás, embora ainda mantenha a preocupação, Harry, por um momento, adota um alinhamento de surpresa. Dobby, no entanto, demonstra que é leal a Harry, adotando um alinhamento de solidariedade. Um fator importante está na fala de Luna ao se dirigir a Dobby. Visto que ele é um elfo doméstico, fica surpreso ao ver que a menina, ao utilizar o registro senhor para tratálo, adota um alinhamento de respeito com ele, o que não é comum na forma como é tratado na história. Luna, portanto, o trata bem porque no perfil atribuído à personagem há o esquema de conhecimento de que todos devem ser tratados com calma e educação. Dobby se surpreende e demonstra gostar dela, porque o personagem parte do esquema de conhecimento de que, por ele ser um elfo doméstico, todos o tratarão mal Cena Por fim, volta-se mais uma vez à continuação da cena no porão da mansão dos Malfoy, em que Harry e Rony veem Hermione sendo torturada por Belatriz após conseguirem escapar e se esconderem na sala. (Belatriz, na sala, interroga o duende Grampo) 119 Ver anexo IV.

168 168 Belatriz: Por que está mentindo pra mim? Só vou perguntar mais uma vez, duende. Pense com muito, muito cuidado antes de responder, duende. Grampo: Eu não sei. Belatriz: Você não sabe? Por que não estava fazendo o seu trabalho? Quem entrou no meu cofre? Quem a roubou? Quem a roubou? Então? (Harry e Rony estão escondidos, esperando para entrar na sala dos Malfoy, e veem Hermione jogada ao chão com a expressão sangue ruim marcada e sangrando em seu braço). Grampo: Não sou mais funcionário do Gringotes há muitas semanas. A última vez que estive no seu cofre, a espada estava lá. Belatriz: Ah, então, quem sabe, ela não saiu andando sozinha, não é? Grampo: Não existe lugar mais seguro que o Gringotes. Belatriz, atinge Grampo no rosto: Mentiroso! (Grampo olha ironicamente para Belatriz, pois ela não consegue machucar-lhe o rosto com o punhal) Considere-se sortudo, duende. O mesmo não será dito pra essa aqui (Belatriz se aproxima de Hermione) Rony: Não! (Rony se precipita e entra na sala. Harry tenta impedi-lo, sem sucesso. Então, acaba por segui-lo) Rony, na direção de Belatriz: Expelliarmus! (Belatriz é desarmada) Harry, na direção de Lúcio: Estupore! (Lúcio é arremessado para longe. Harry e Rony começam a lutar contra Draco e Narcisa Malfoy) Belatriz: Pare! Larguem as varinhas. (Harry e Rony veem Belatriz segurando Hermione e ameaçando-a com o punhal em seu pescoço) Larguem, eu já disse! (Harry e Rony largam as varinhas) Belatriz: Apanhe-as, Draco. Olha, olha, olha... Olha o que temos aqui. Ah, é o Harry Potter. Ele está claro, brilhando, novinho em folha. Em tempo para o Lorde das Trevas. Draco, chame-o. (Draco hesita em chamar Voldemort e olha assustado para Hermione) Belatriz: Chame-o! (Lúcio se prontifica a chamar Voldemort. Enquanto está prestes a fazêlo, Dobby surge no lustre da sala, soltando-o na direção de Belatriz e Hermione, obrigando a comensal da morte a soltá-la para se proteger.

169 169 Hermione corre na direção de Rony e Harry pega de volta as varinhas das mãos de Draco) Harry: Estupore! (Harry impede que, mais uma vez, Lúcio tente chamar por Voldemort) Belatriz: Seu elfo estúpido! Podia ter me matado! Dobby: Dobby nunca quis matar. Dobby somente queria causar um ferimento muito sério. (Narcisa tenta atacar Dobby com um feitiço, mas é desarmada por ele) Belatriz: Como ousa tirar a varinha de uma bruxa? Como ousa desafiar os seu senhores? Dobby: Dobby não tem mais nenhum senhor. Dobby é um elfo livre! E Dobby veio para salvar Harry Potter e seus amigos! (Harry, Rony, Hermione e Grampo se seguram a Dobby para desaparatarem com ele. Belatriz, em uma última tentativa de atacá-los, arremessa seu punhal, que acaba indo junto quando eles somem). Como já dito na análise anterior da cena, há um enquadre de confronto entre inimigos, à exceção do enquadre específico que ocorre entre Belatriz e Hermione. A solidariedade exposta pelos personagens que se solidarizam com um outro está mais explícita nas ações, que refletem um alinhamento de impulsividade na cena, quando Rony se precipita a entrar na sala quando Dobby solta o lustre. Imagem 74: Dobby solta o lustre sobre Belatriz e Hermione, para que esta última se solte e saia correndo. Fonte: Harry Potter e as relíquias da morte parte 2 (2010, 2h06min40seg 2h09min35seg)

170 170 Imagem 75: Dobby se irrita com Belatriz e diz que é um elfo livre. Fonte: Harry Potter e as relíquias da morte parte 2 (2010, 2h06min40seg 2h09min35seg) Imagem 76: Harry, Grampo, Rony e Hermione se seguram em Dobby para fugirem. Fonte: Harry Potter e as relíquias da morte parte 2 (2010, 2h06min40seg 2h09min35seg) Do mesmo modo, há um alinhamento de lealdade de Harry, ao ver que Rony invade a sala e vai junto com ele, bem como de Hermione que se preocupa em pegar as varinhas para devolvê-las para seus amigos. Dobby também demonstra este alinhamento ao deixar claro para Belatriz que é um elfo livre e foi ao local para salvar seus amigos. Embora não seja a intenção da cena, quando Dobby fala que é livre e que foi para a mansão dos Malfoy para salvar seus amigos, evidencia-se o perfil traçado para o personagem de alguém que se preocupa com o outro e quer espontaneamente ajudar o próximo, desde seja uma pessoa boa. Por outro lado, Dobby demonstra que não vê problemas em machucar quem faz algo contra os amigos dele, quando diz que apenas queria causar um ferimento muito sério à Belatriz. Deve-se reparar, também, que desde o começo da história Dobby tenta salvar Harry, mesmo que não seja da melhor maneira e, também, mesmo antes de conhecê-lo. Isso também demonstra que o perfil traçado para Dobby é o de um personagem que demonstra um esquema de conhecimento de genuína preocupação com o outro.

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