MÓDULO 08: Princípios do Desenho Animado (Walt Stanchfield)

Transcrição

1 (Walt Stanchfield) Princípios do Desenho Desenhar é muito parecido com matemática: existem algumas regras ou princípios a serem seguidos. Uma regra simples fornece a resposta para 2 x 4, e a mesma regra fornece a resposta para x As regras são bastante simples, mas se ignoradas ou mal utilizadas podem ter efeitos bastante nefastos. Aprender como aplicar os princípios do desenho é um pouco mais complexo, pois existe um escopo mais amplo de problemas para os quais os princípios serão aplicados. Muitas vezes ficamos frente a frente com um problema (talvez não pareça um problema no momento em que o vemos alguém tem que vê-lo e apontá-lo para que percebamos) e nos enganamos em nome do desenho livre esquecendo que é necessário obedecer a alguns daqueles princípios para que o desenho funcione. Esticar, por exemplo. Esticar não se usa somente em alongamentos exagerados de desenhos animados. Existem esticados em todo o desenho que você irá fazer sutis. Toda vez que algo (um braço, uma boca, todo o lado do corpo) é estendido além de seu comprimento normal, é um esticado. E deve ser pensado e tratado como um. Todo desenho que você vier a fazer terá uma base ao nível do olho e conseqüentemente um ponto de fuga, além de todos os outros elementos dos princípios da perspectiva. Não importa o quão imaginativa seja a sua tarefa no desenho, você deve sempre contar com o uso dos princípios de um bom desenho. Na aula, quando alguém desenha um braço com uma bela manga e belas rugas na roupa e unhas dos dedos belamente representadas, eu tenho que dizer, Ei, você desenhou um braço - o que você deveria ter feito é um esticado. A coisa é matemática, se você não usar as regras, seus livros não terão balanço, sua ponte cairá ou seu prédio inclinará. No desenho, você só vai ter um desenho que de alguma forma não funciona bem. Vai caprichar a cena (apenas meramente), mas ninguém vai ficar muito impressionado a respeito.

2 Seria plausível tentar comparar desenhar à ciência da causa e efeito? Vamos dizer que os princípios do desenho são a causa de um bom desenho e quando esses princípios são utilizados o efeito resultante é um bom desenho. Muitas vezes você pode obter um bom efeito simplesmente buscando aleatoriamente, ou por acidente - mas quando você está à procura de um efeito específico, os princípios são a menor distância entre os dois pontos. Não estou dizendo que utilizar os princípios do bom desenho irá tomar o lugar do pensamento criativo essas são duas coisas separadas e que são dependentes uma da outra. Você pode estar apto a identificar cada músculo do corpo, estar apto a falar por um longo tempo sobre os princípios do desenho, mas sem o respaldo da criatividade (atuar é uma grande parte disso) você provavelmente não vai se sair com nenhum bom efeito. Por outro lado, se você é realmente criativo você irá precisar de algumas dessas outras ferramentas como cobertura. Você provavelmente vai chegar mais perto de um bom efeito com uma ênfase pesada na criatividade mas irá precisar ter um bom finalizador extra para dar os toques finais. 2 Então, o conhecimento técnico e o pensamento criativo são suas principais armas. Desenvolva-as até que façam parte de você e possam ser acionadas à vontade, quando necessárias. Vinte e Oito Princípios da Animação Existem alguns princípios da animação que podem ser usados conscientemente em qualquer cena. Eu listei 28 princípios mas é provável que existam até mais. A maioria deles também se aplica ao desenho assim como ao desenho de observação. Ter 28 princípios sugere que uma quantidade bastante grande de pensamento e planejamento é necessária para se fazer um desenho. Pode parecer confuso para a mente algo como tentar encurralar uma dúzia de ovelhas assustadas. Mas uma vez que você pega o jeito, é realmente bastante divertido.

3 Para ilustrar esses princípios, eu havia escolhido uma cena supostamente simples. Quando a cena é analisada, fica aparente o quão longe qualquer um pode ir fazendo uso desses princípios. A ação nessa cena é bem vasta, fazendo com que fique mais fácil de localizar os princípios, mas eles devem ser aplicados a cenas (ações) sutis também. O uso de desenhos não animados com partes que se movem pode ser bastante efetivo, mas apenas se eles contêm a vitalidade de uma ação desenhada. Novamente, o uso desses princípios torna isso possível. O propósito de estudar e analisar uma cena como essa é se familiarizar com as possibilidades no uso dos princípios da animação. No início, eles terão que ser usados conscientemente, mas com a prática, depois de um tempo, terão tornado-se naturais para você. Essas são ferramentas de animação e devem ser usadas sempre que possível. Algumas delas podem acidentalmente tropeçar umas sobre as outras quando se está animando de forma emocional. Mas quando as emoções estão soltas, conhecer esses princípios irá possibilitar ao artista animar sua cena intelectual, lógica e artisticamente, assim como emocionalmente. 3 Aqui vai uma lista dos princípios que aparecem nesses desenhos - a maioria deles deveria aparecer em todas as cenas, pois eles compreendem a base para a animação completa. 1. pose e humor 2. forma e formatos 3. anatomia 4. modelo ou personagem

4 5. peso 6. linha e silhueta 7. ação e reação 8. perspectiva 9. direção 10. tensão no extremo 11. planos 12. solidez 13. arcos 14. amassar e esticar 15. batida e ritmo 16. profundidade e volume 17. sobreposição e arrastar 18. timing (tempo) 19. trabalho pelo extremo 20. formas negativas e positivas 21. retas e curvas 22. ação primária e ação secundária 23. encenação e composição 24. antecipação 25. caricatura 26. detalhes 27. textura 28. simplificação 4 Aqui vai um exemplo das observações que devem ter sido feitas ao estudar apenas os dois primeiros desenhos. Ao mudar os olhos de direção de um desenho para o outro você já vê coisas acontecendo. Observe também as formas negativas mudarem.

5 5 LEGENDAS DA IMAGEM ACIMA: A Note a silueta clara B A carne continua baixa (sobreposta) enquanto a parte superior do corpo se espicha, demonstrando o peso e a força da gravidade C A ponta da cabeça é usada como ponteira, para acentuar a direção do impulso. Observe a simplicidade da linha de ação D Bigodes arrastados E Orelhas também arrastadas pela força da ação F Listras usadas para indicar a perspectiva, volume, esticado e espichado e o contorno do corpo G Bigodes, agora, arrastados no sentido contrário H Queixo agora puxado, para mostrar o peso e força do impulso para cima I O percurso das nádegas, nesse caso a ação principal (primária), é seguido pelo rabo, uma ação Secundária J As patas dianteiras empurram (esticando-se) L Pernas retraem-se fazendo a antecipação para empurrar o corpo (encolher) M Cotovelo se dobra, fazendo antecipação para empurrar N Contato e direção das patas indicam a perspectiva O Sobreposição da ação (parte frontal x parte traseira) incorpora esticar-amassar no mesmo desenho P Pernas esticadas para contato Q Pernas retas demonstram a tensão do esticar

6 R Note a diferença de formato das nádegas em 6 (esticar) e em 7 (espichar) Para continuar nessa linha de investigação, o 8 na página seguinte seria um adeus. Observe que cada linha e forma do desenho ajuda o impulso ascendente. Mesmo o rabo, (o qual ainda está seguindo o caminho designado para ele por sua força primária, os quadris) ajuda pelo contraste e pelo arrastar. Pegue qualquer forma na figura e compare ao desenho 6 acima. Note como cada forma muda para acentuar o formato geral da ação: pescoço, peito, pernas, costas, e por aí vai. Mesmo que esse seja só um desenho, não há dúvida sobre a ação que está ocorrendo nessa parte da cena. Isso deveria ser verdade sobre qualquer desenho em qualquer cena (nesse mesmo assunto qualquer desenho de observação também). Nesse único desenho (tigrão) você vai encontrar a maioria dos princípios do bom desenho de animação. Pose e humor Formato e forma Anatomia Modelo e personagem Peso Linha e silhueta Perspectiva Direção Tensão Planos Solidez Profundidade e volume Amassar e esticar Sobreposição e arrastar Retas e curvas Ação primária e ação secundária Formas negativas e positivas Textura 6

7 Caricatura Simplificação e detalhes À parte de seu propósito na cena, cada desenho pode ser analisado por diferentes aspectos do desenhar. Considere a anatomia separadamente. O corpo todo é uma caricatura de um animal, mas todas as partes de um animal verdadeiro estão presentes. Por exemplo, a cabeça, pescoço, costas, rabo, etc, - e cada um deles funciona de maneira plausível. 7 LEGENDAS DA IMAGEM ACIMA: A Existe uma forma básica do crânio, dos músculos, do nariz, da mandíbula, dos ouvidos, etc B As orelhas mudam de forma radicalmente, mas nunca perdem a personalidade básica C Ainda que parecendo um boneco de pano, percebe-se ombros, braço, cotovelo, antebraço e pulso D Há uma espinha dorsal, ainda que flexível, e o rabo é uma extensão lógica dela

8 E Com alguns ajustes, a figura poderia ser transformada num cão, gato ou cavalo, porque anatomicamente seria plausível F O personagem não é um animal real, mas sua anatomia é como a de um animal real e ele se move como um animal real. Anatomia é essencial para qualquer desenho, tendo ele uma referência direta a natureza ou sendo completamente imaginário. Embora um personagem e/ou sua ação possam ser exageradas ou caricaturadas maravilhosamente, a anatomia, em um senso real, permanece imparcialmente constante: um cotovelo é um cotovelo, somente se curva de uma determinada maneira, e tem suas limitações. Liberdades podem ser tomadas, mas a realidade de até mesmo um desenho animado deve ser mantida ou a credibilidade será perdida. Não é uma coisa fácil converter o conhecimento que alguém tem sobre estrutura de anatomia para o meio do desenho animado. Tem-se dito que a localização de uma junta é mais importante do que a junta em si. Por exemplo, se a forma de um braço foi estabelecida, ela não pode apresentar um cotovelo que se curva em um local improvável, não importa o quão bem desenhado esteja esse cotovelo. Compare o braço do Tigrão para a mesma coisa de um tigre de verdade: 8 Considere o peso. O empuxo da gravidade é um dos mais importantes princípios a se lidar na animação. Tudo tem uma certa quantidade de peso e irá agir e reagir de acordo com isso. Uma maneira fácil de perder a atenção da platéia é ter penas caindo como tijolos e tijolos caindo como penas. Um certo humor pode ser adquirido ao se dobrar as regras, mas deve ser usado somente onde humor ou efeito especial é requerido. Em cartuns curtos, negando as leis da gravidade, peso, velocidade, amassar e esticar, e por aí vai está a regra do esboço. Nos longas de animação da Disney a ostentação deve ser manuseada com abundância de bom julgamento.

9 Desenhando Calorias Muitas pessoas estão conscientes das calorias hoje em dia. Por que não também os artistas? A caloria, aplicada a comida, se refere ao seu calor produzido em valor de energia. Isso significa que os alimentos que comemos mantêm o corpo e fornecem a energia necessária para que sigamos como nossas tarefas diárias. Necessita-se de tantas calorias para manter uma pessoa vigorosa na mente e no corpo. Existem tabelas que indicam valores calóricos das mais variadas comidas e bebidas. 9 Então por que não uma tabela de calorias para desenhos? Vamos dizer que é necessário por volta de calorias de desenhos para fazer um desenho vigoroso e saudável. Elemento do desenhos Valor da "Caloria" Encolher e esticar 500 Anatomia 300 Ângulos 300 Linhas retas X linhas curvas 300 Gesto 750 Sobreposição 500* Redução de dimensão 500* Linhas de superfície 500* Achatar 300* Superfície 400* *Calorias com asteriscos são das regras da perspectivas, descritas anteriormente nesse material.

10 Uau! Acho que excedi a marca de 2.000! Tipo 4,350. Mas não é necessário preocupar-se. Quando me preparo para uma competição de tênis, eu sobrecarrego meu corpo com calorias consumíveis para assegurar montes de energia. E te digo que é quase como trapacear. Depois de uma ou duas horas de intenso exercício, os caras de 30 anos com quem jogo estão arfando, e eu tenho energia para queimar. Então vamos fazer com que nossos desenhos tenham energia para queimar nada de aparência abatida, e sim alegres e expressivos. Eles devem gritar para o espectador, eu dei tudo de mim nessa pose, não tenho nada que me prenda, sem medo de errar. Eu tenho dado tudo de mim, mas com energia reservada para o muito mais que virá. Conhecimento é o que planeja o curso das coisas, mas energia é o que faz tudo acontecer. Então, cuide essas calorias. 10 Aqui vão mais desenhos que tem alta energia. Estude-os para seu uso da lista de calorias citada acima.

11 A Pose é um Extremo Enquanto você está animando, você tem a vantagem de virar o desenho em que você está trabalhando para o extremo anterior, para desenvolver o efeito completo de uma ação. (Olhe de relance para frente e para trás e você pega o efeito.) Esse efeito de movimento fornece uma ampla abertura para visualizar a ação principal, ou seja, a ação primária. Tudo o mais vira uma ação secundária em um nível ou em outro. Um animador nunca permite que uma ação secundária tome precedência sobre a ação primária. Você deve pensar sobre a ação primária como o centro de interesse enquanto todas as outras ações diminuem em anéis concêntricos de importância. 11 Se os olhos do espectador são puxados para alguma atividade distante do centro de interesse, isso se torna um conflito de interesse e o espectador tem que lutar pelo seu ponto de vista ao longo da história, ao invés de ser arrebatado por uma ação bem focada, bem planejada e de fácil leitura. Enquanto se desenha de um modelo existe uma tendência a pensar a pose como uma vida imóvel. Para o bem do estudo da animação, pense na pose mais como uma parte (ou extremo) de

12 uma ação. Você não tem de onde virar para o extremo anterior, mas você tem o senso de movimento para te dar uma idéia de pelo quê o corpo passou para chegar a essa pose. Isso te ajuda a estabelecer o centro de interesse e destacar ou enfatizar a ação importante. Volta e meia nas aulas, se faz uma pose onde o modelo constrói a pose em volta de um adereço, por exemplo, abrindo um guarda-chuva. Cinco minutos de desenho e entre 17 desenhos feitos deve haver 3 ou 4 guarda-chuvas desenhados. A primeira impressão deve ser mulher abrindo guarda-chuva. O centro de interesse! Deve haver uma obsessão irresistível para produzir um desenho que diga mulher abrindo guarda-chuva. Mesmo depois de aceitar o fato do centro de interesse, a batalha recém começou, e o caminho mais curto para a vitória é o uso de todas as regras do desenho: perspectiva, tensão, ângulos, ritmo, amassar e esticar, etc. Cada linha deve apoiar o tema e ajudar a acentuar a essência da ação. O sentimento de movimento, que é o que amplia a ação física para que ela alcance o clímax da pose pode ser conjeturado mentalmente e irá servir como o extremo da animação anterior para virar de modo a alcançar um desenho extremo dinâmico um que diga, por exemplo, mulher abrindo guarda-chuva. 12 Mas qualquer que seja o adereço ou qualquer que seja a ação, existe uma história a ser contada, e um adereço, definitivamente, sugere um tema. Um homem que desenha uma história normalmente só tem um único desenho para descrever uma cena ele deve escolher a que vai ilustrar o ponto da história. Se um guarda-chuva está envolvido, você pode ter certeza que ele vai construir um desenho que contem um guarda-chuva. O roteirista e o diretor podem cuidar menos do quanto o cara do desenho sabe sobre anatomia ou detalhes de desenho, desde que o ponto da história esteja claro. Chega um tempo na carreira de um autor onde ele transcende a obsessão de encontrar a quantidade apropriada de verbos e adjetivos e preposições em uma sentença e se concentra apenas em contar sua história de forma interessante, absorvente, estimulante, envolvente, surpreendente, atraente, que chama a atenção e que entretenha.

13 13 O artista (animador), (você) tem a mesma raison d etre (razão de ser). EXERCÍCIO PARA ENTREGA MÓDULO 08: EXERCÍCIO 01: Utilize o Pencil 2D. Faça três desenhos de um personagem em posição de ação. Você já vai começar a se exercitar para animar, então faça um desenho por frame. Para se tornar mais fácil, deixe a ferramenta transparência ligada. Depois, em um novo layer, faça sobre um destes desenhos, o ponto de interesse da cena e, a partir deste ponto, faça círculos concêntricos partindo da área de maior interesse para a cena (conforme o exemplo da página 11).

14 EXERCÍCIO 02: Abra o seu arquivo do exercício 1 e faça pelo menos um desenho entre esses quadros chaves que você já havia desenhado, intervalando o movimento. Neste raciocínio essa animação deverá ter no mínimo 5 frames, mas fique à vontade em acrescentar mais se achar necessário. Dê o play e confira como ficou o movimento. EXERCÍCIO 03: Você conheceu neste módulo vários princípios da animação que dão vitalidade às ações desenhadas. Faça dois desenhos sequenciais de um movimento em que, ao mudar a direção do olhar de um desenho para outro, seja possível observar, pelo menos 8 princípios listados no módulo. Faça como no exercício 1: um desenho em cada frame e utilize a transparência para realizar os movimentos. Além dos desenhos, crie um novo layer e faça um estudo associando o princípio à imagem escrevendo ao lado dos desenhos (conforme exemplo da p. 5). 14 EXERCÍCIO 04: Pronto! Agora abra o exercício 3 e intervale o movimento dos desenhos seqüenciais. Faça quantos desenhos forem necessários. Não esqueça de utilizar o zoom para que o traço fique bem definido e uniforme!