A FRAGILIDADE DOS LAÇOS AFETIVOS NA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA E SEUS IMPACTOS NA VIDA DAS PESSOAS
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- Cristiana Camarinho Abreu
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1 FACULDADE DE ESTUDOS ADMINISTRATIVOS DE MINAS GERAIS Curso de Especialização em Psicologia Clínica: Existencial e Gestáltica Odilon Luiz Nogueira A FRAGILIDADE DOS LAÇOS AFETIVOS NA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA E SEUS IMPACTOS NA VIDA DAS PESSOAS Belo Horizonte 2013
2 Odilon Luiz Nogueira A FRAGILIDADE DOS LAÇOS AFETIVOS NA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA E SEUS IMPACTOS NA VIDA DAS PESSOAS Monografia apresentada ao curso de Pós-Graduação em Psicologia Clínica: Existencial e Gestáltica da FEAD, como requisito parcial para obtenção do título de Especialista em Psicologia Clínica: Existencial e Gestáltica. Orientadora: Prof a. Lizandre Lopes Belo Horizonte 2013
3 Agradecimentos Deixando um pouco de lado a forma tradicional de agradecer quero, em primeiro lugar, expressar o meu orgulho e contentamento pela conclusão, após seis décadas de existência, de mais uma etapa de minha formação educacional e profissional. Entretanto, não posso deixar de agradecer a todos os seres-no-mundo que estão mais próximos de mim dentro desta rede de entrelaçamento homem-mundo que, mesmo sem saber, me afetaram, foram afetados por mim, colaboraram e continuam colaborando para que a minha existência seja mais amena, agradável, harmoniosa e mais produtiva. Agora, não posso cometer a injustiça de não registrar aqui o meu agradecimento todo especial a um ser-no-mundo que, com sua gentil e carinhosa forma de criticar, questionar e orientar possibilitou-me construir este trabalho com maior qualidade e, principalmente, considerando as minhas limitações, me manter o mais dentro possível da metodologia fenomenológica existencial. Muito obrigado Professora Lizandre Lopes.
4 RESUMO No período contemporâneo vem ocorrendo mudanças sociais significativas e relevantes tais como a acumulação de capital flexível, a globalização em suas dimensões socioeconômicas, culturais e tecnológicas que, por sua vez vem provocando mudanças avassaladoras e profundas de valores, de comportamentos e de identidades nas pessoas e grupos sociais levando ao desencadeamento de novos tipos de relacionamentos muito mais efêmeros, frágeis e superficiais e interferindo de forma inquestionável no modo de interação entre os membros da sociedade. Com tudo isto, o amor, o afeto, enfim, os sentimentos tornam-se fragilizados e passam a ser um desafio tendo em vista que aprender a respeitar e a entender as diferenças é algo que exige um esforço cada vez maior por parte de todos os membros da sociedade contemporânea. Mesmo assim, os laços afetivos ainda se constituem elementos importantes para a relação humana. A partir desse contexto, este estudo visa proporcionar uma breve reflexão acerca do impacto das transformações socioeconômicas e culturais sobre a sociedade de forma geral, sobre a família, sobre as relações afetivas e sobre o sujeito contemporâneo com base nas mudanças proporcionadas principalmente pelo fortalecimento desta Sociedade de consumo. Palavras-chave: Sociedade Contemporânea. Fragilidade. Laços afetivos. Consumismo.
5 Keywords: ABSTRACT
6 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO A SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA As características da sociedade contemporânea O consumismo O modo de ser contemporâneo OS LAÇOS AFETIVOS O que são laços afetivos A importância dos laços afetivos Laços afetivos frágeis IMPACTOS DA VIDA CONTEMPORÂNEA Impactos na família Impactos no amor Impactos nas emoções e na sensibilidade Impactos no sujeito CONSIDERAÇÕES FINAIS REFERÊNCIAS... 35
7 6 1 INTRODUÇÃO Este trabalho tem a intenção de levar a pensar e buscar a compreensão das transformações e implicações no modo de vida das pessoas, advindas desta época contemporânea marcada por um sistema capitalista baseado no consumismo e no culto ao individualismo. Desde as últimas décadas do século passado e neste início do século atual vem acontecendo mudanças sociais de grande relevância e importância nos diversos contextos sociais: o regime de acumulação de capital flexível; o processo de globalização em suas dimensões socioeconômicas, culturais e tecnológicos. Tudo isso atrelado à fluidez, à novidade, ao efêmero e ao fugido 1, passam a ser valorizados e a fazer parte das práticas que se constituem na contemporaneidade. Tendo como base o mundo de hoje é possível dizer que mudanças avassaladoras e profundas de valores, de comportamentos e de identidades vêm acontecendo. Desta forma, as modificações ocorridas ao longo do tempo possibilitaram o desencadeamento, na contemporaneidade, de novos tipos de relacionamentos muito mais efêmeros, frágeis e superficiais. Nessa perspectiva, a complexidade da dinâmica social traduz-se de forma inquestionável na maneira com que seus membros interagem. Com todo esse aparato de diversidade, o amor, o afeto, enfim, os sentimentos passam a ser também um desafio tendo em vista que aprender a respeitar e a entender as diferenças, aprender a educar os filhos, dentro de suas limitações e dificuldades é algo que exige um esforço cada vez maior por parte de todos os membros da sociedade contemporânea. Por tudo isso, os novos arranjos sociais trazem consigo a necessidade de desenvolvimento de novos processos de adaptação. Verifica-se, com isso, que no âmbito dessa sociedade e consequentemente dentro dos núcleos sociais formadores de personalidades e comportamentos, como é o caso do principal deles que é a família, estão se constituindo novas relações, 1 O termo fugido, neste caso significa algo que se procura, mas que não se encontra, que não se sabe exatamente o que é, que nos escapa, uma coisa meio que obscura
8 7 com o relaxamento do comportamento dos cônjuges, 2 o deslocamento da importância do grupo familiar para a importância de seus membros, a ideia de que o amor constitui uma condição para a permanência da conjugalidade e a substituição de uma educação conservadora, modeladora e corretiva das crianças, por uma prática pedagógica de negociação. Vê-se, com tudo isso, a plasticidade ou flexibilidade que incide nestas novas relações que permeiam esta nova realidade socioeconômica e cultural. Partindo desse conteúdo analítico, o presente estudo tem como objetivo proporcionar uma breve reflexão, acerca do impacto destas transformações sobre a sociedade de forma geral, sobre a família, sobre as relações afetivas e sobre o sujeito contemporâneo, tendo como base as mudanças proporcionadas principalmente pelo fortalecimento desta Sociedade de consumo, transformações estas que já são uma consequência natural do processo de construir e ser construído constante de eu-mundo. Para isto, faremos inicialmente uma incursão sobre o modelo desta sociedade contemporânea, com as suas características principais, o fenômeno do consumismo desenfreado e o modo de ser do homem contemporâneo. Em seguida, discorreremos um pouco sobre os Laços afetivos, seu conceito e importância nas relações, para então entrarmos na questão dos impactos que este modelo de viver vem causando na vida de cada um, na família e nas relações de amor, e em seguida faremos algumas considerações finais. 2 Significa um estilo de relação onde o comportamento e os atos individuais prevalecem em detrimento de um comportamento atrelado ao compromisso do casal para uma vida a dois onde cada um respeite a individualidade do outro, entretanto sempre levando em consideração o compromisso e respeito de um para com o outro.
9 8 2 A SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA Quando nos referimos à sociedade contemporânea estamos, na verdade, querendo falar sobre o homem contemporâneo, ou seja, este homem que é personagem central das últimas décadas do século XX e início do século XXI, que também pode ser chamada, como o é, por alguns autores, de sociedade hipermoderna, sociedade esta organizada a partir das grandes transformações ocorridas no século passado e início do século atual. Na Filosofia existencial Heidegeriana, o homem é um ser-no-mundo, não significando, porém, que este homem seja simplesmente um ser contido neste mundo, como um elemento dentro de outro, pois assim homem e mundo já teriam, cada qual, uma constituição independente. Para Heideger, é a relação que constitui tanto o homem quanto o mundo, portanto, ser-no-mundo indica inerência, uma relação constitutiva, a própria situação ontológica do homem. O homem faz parte do sistema das relações constitutivas da mundaneidade, eles se inter-envolvem. Não há o homem sem o mundo, e nem mundo sem o homem. Deste modo, o homem se encontra inserido numa realidade da qual ele também a constitui, ou seja, a realidade homem e mundo só existem num envolvimento recíproco, eles coexistem entre si. Não há possibilidade de ser sem o outro, ser e mundo estão entrelaçados e como tal, só assim se compreendem. Nesta lógica, o homem, enquanto ser-no-mundo-com-o-outro faz parte desse entrelaçamento eu-mundo e, por outro lado tem ao mesmo tempo, as suas características individuais e a sua dinâmica própria e assim vai construindo o seu percurso, sem deixar de lado a sua singularidade e subjetividade. Esta característica do homem, na concepção existencial, de ser-no-mundo, ou seja, um ser humano que está em permanente interação com o mundo, sendo homem e mundo uma unidade, influenciando e sendo influenciado, recebendo e imprimindo as suas próprias marcas, por vezes é geradora de conflitos, pois nem sempre o ambiente no qual está inserido e o mundo social estão em harmonia com o seu mundo próprio. Desta maneira, podemos dizer que a formação do modo de ser
10 9 ou do modo de existir do homem, só e possível em consonância com o entendimento e compreensão da forma de como esta sociedade funciona e se comporta, na compreensão de como ela se concebe, baseada na sua cultura, na sua política, na sua economia e organização social. Assim, podemos afirmar que o modo de existir, as características e as peculiaridades da existência do ser humano são, definitivamente, influenciadas e caracterizadas naturalmente pelo modo de funcionar de cada época. E como consequência, as formas de adoecimento e sofrimento do ser humano são diretamente ligadas ao modelo de vida e a dinâmica da sociedade em cada época específica. Uma das formas de enfermidade do nosso momento contemporâneo é caracterizada pelo tédio, pelo vazio e pela apatia provocada no homem que, em virtude da massificação imposta pela sociedade, se sente sem estímulos e mesmo impossibilitado de ter atitudes próprias e diferenciadas, o que o conduz a uma vida enfadonha e cheia de rotina, que lhe retira o ânimo, a criatividade e o leva a um sentimento de tristeza. Como método de fuga e procurando se desvencilhar deste impasse existencial, o homem tem buscado a saída através de meios e comportamentos que lhe provoquem emoções, que o faça se sentir vivo. Esta busca pode ser através do jogo, das drogas lícitas ou ilícitas, do sexo desenfreado e da prática de esportes radicais. O que importa neste momento é ter algo que o retire da rotina enfadonha e o livre do sentimento de tristeza por não poder sentir-se dono de suas próprias ações e de sua própria vida. Neste trabalho o que pretendemos é tentar refletir um pouco sobre as questões emocionais e sentimentais do homem desta época e seus reflexos nos laços afetivos. Para isto propomos analisar, inicialmente, as características do homem contemporâneo, em seguida discorrer um pouco sobre os laços afetivos e então falarmos sobre os impactos do modo de vida contemporânea nas relações sociais e afetivas.
11 As características da sociedade contemporânea O consumismo Um dos mais fortes e populares fenômenos que caracterizam a nossa sociedade contemporânea é o fenômeno do consumismo. Ir às compras atualmente é uma forma de se obter prazer e satisfação, o que, além de proporcionar conquistas emocionais, proporciona status, poder e notoriedade social. Bauman (2001) chama estes detentores deste poder dos senhores da arte de escolher. Por outro lado, embora a todo o momento se ouça críticas ao consumismo, este se tornou quase uma necessidade ou um modo específico de se viver, tanto é que a nossa sociedade até já está devidamente nomeada como a sociedade de consumo. Não se compra um objeto ou utensílio simplesmente pela utilidade prática do mesmo, ou pelo que este objeto pode nos proporcionar em termos de necessidade real, mas sim pelo simples fato de que ele nos agrada, satisfaz nosso desejo e nos coloca em posição de igualdade ou de destaque em relação aos outros. Desta forma, temos sempre de estar trocando, substituindo determinado objeto por outro mais novo, de modelo mais atual, mesmo que ele venha carregado de funções desnecessárias ou inúteis para o dia a dia. O consumismo difere do consumo na medida em que o consumo pode ser traduzido como a aquisição de bens ou serviços que sejam necessários para a sobrevivência ou bem estar de quem os está adquirindo, já o consumismo pode ser considerado como o hábito de se adquirir aquilo que não seja necessário, ou seja, algo considerado supérfluo, um objeto de desejo e não de necessidade. Por outro lado, toda a nossa vida contemporânea está baseada no consumo. Se não há consumo, não há indústrias produzindo, não há comércio, não há pesquisas e consequentemente não há empregos, não há geração de riqueza. Então, sob este aspecto, não se vê outra saída, uma vez que o modelo de toda a nossa vida está baseada neste sistema econômico sustentado pelas leis de consumo. Diariamente pode se ver nos meios de comunicação, os quais são parte integrante e fundamental para a manutenção deste modo de vida, as informações sobre a queda nas vendas de determinados produtos com as suas consequentes
12 11 causas catastróficas na economia das nações, no nível de emprego e em seguida, o apelo para que os governantes criem mecanismos para alavancar o mercado, criando condições para que o nível de consumo volte a crescer e assim possa acontecer a retomada normal da vida. Estes mesmos meios de comunicação que incitam ao consumismo com seus métodos cada vez mais convincentes, também se arvoram em tentativas de educar ou conscientizar a população para que aprenda a controlar os seus impulsos consumistas, economizarem e fazer suas reservas financeiras, criando-se assim uma trama cheia de contradições. Esta trama contraditória deixa o homem contemporâneo atrelado a um modo de vida que, ao mesmo tempo em que lhe dá infinitas opções, o escraviza e sufoca na medida em que se vê obrigado a pertencer a um ritmo de vida que nem sempre lhe é totalmente possível ou favorável. Até agora falamos apenas do consumismo visto do ponto de vista de bens e serviços. Entretanto, creio que podemos estender nosso raciocínio a respeito do mundo consumista, também para o nível das relações interpessoais, que traduz o modo de ser e o ritmo de vida do homem contemporâneo. O nível das relações construídas com as pessoas atualmente, muito se parece com o nível das relações com os objetos. Isto pode ser observado tanto nas relações profissionais, nas relações de amizade e até mesmo nas relações amorosas. Esta forma de relacionamento é consequência de um modo de se viver numa sociedade onde tudo é tratado como mercadoria e assim, também as pessoas se transformam em objetos de consumo e, se podem nos ser úteis, valerá então a pena nos aproximarmos e desenvolvermos uma relação quer seja do ponto de vista profissional, de amizade ou numa relação amorosa. Embora o discurso seja contraditório, e isto pode ser visto muito claramente nas organizações onde se diz que as pessoas são importantes e que elas são a razão de ser da instituição, ao menor sinal de que os resultados esperados não são ou não serão obtidos, as pessoas tornam-se descartáveis. De maneira parecida, as relações afetivas também se tornaram objeto de atendimento às necessidades, com a diferença de que aqui as necessidades são de afeto, de aceitação, de
13 12 compreensão, de prazer e, muito frequentemente, são necessidades unilaterais, ou seja, o indivíduo se aproxima do outro, pensando apenas em si próprio, nas suas necessidades, desejos e bem estar. Não há espaço para um relacionamento maduro, gratuito, onde não se coloque interesses pessoais em primeiro lugar. Uma frase inserida no Facebook e atribuída à Publicitária e escritora paulistana Tati Bernardi (2012) traduz este tipo de comportamento: Eu não me contento com pouco (Não mais). Eu tenho muito dentro de mim e não estou a fim de dar sem receber nada em troca. Sob este ponto de vista, podemos afirmar que as relações humanas também passaram a ser objeto de consumo. Os relacionamentos são muito mais medidos em termos quantitativos do que qualitativos. Basta observar os números das redes sociais. As pessoas são tão mais consideradas bem relacionadas quanto maior for o número de seus seguidores no Twiter ou quanto maior for o seu número de amigos no Facebook, no Linkedin e assim por diante. Outra característica que vem reforçar esta linha de pensamento é a facilidade com que tais relacionamentos podem se iniciar ou terminar. Com apenas um simples convite através da rede e o apertar de uma tecla que se ganha um amigo ou um colega nas suas redes sociais. Por outro lado, basta também, apenas um click, para que se descarte determinada pessoa de sua rede de relacionamentos ou de convívio. Tudo é muito fácil, rápido e passageiro. As relações são etéreas e movidas a interesse, não se perde tempo com quem não nos possa ser útil. Esta cultura do consumismo veio como que alterar profundamente o modo de ser do homem contemporâneo. Como diz o Prof. José Paulo Giovanetti (2010, p. 238): Consumir passa a ser um ato de sentido de vida, e a felicidade, a ser substituída pela satisfação dos desejos. Na sociedade do consumo, vivemos para ser felizes, por meio dos objetos que vamos adquirindo ao longo da vida, mesmo que eles não sejam necessários.
14 O modo de ser contemporâneo Envolvido nesta trama consumista da sociedade contemporânea ou hipermoderna, o homem atual se viu forçado a reorganizar a sua vida. Deixou de ser livre, para ser escravo do consumismo, das sensações. Vive preocupado em conquistar espaço social e profissional, cursar boas escolas, cultuar o corpo para se manter em boa e bonita forma física, pois o que importa é a imagem apresentada e não mais o conteúdo. Não vive cada dia como um novo ciclo nem sabe ou lhe interessa obter prazer com os pequenos e simples acontecimentos da vida quotidiana. Tudo tem que ser grandioso, hiper. Estamos na era dos hipermercados, hiperluxo, hiperespetáculos, hiperemoções. Aqui vale dizer que estamos em uma época onde o importante é provocar uma hiperemotividade coletiva. Todos os acontecimentos têm que ser transformados em algo grandioso, em um espetáculo que envolva toda a coletividade, seja que evento for, um crime, um evento esportivo, um escândalo social, uma catástrofe da natureza ou um simples acidente. A emoção foi transformada em objeto de marketing cujo impacto é calculado e trabalhado cuidadosamente pelos meios de comunicação com o objetivo de provocar horror, surpresa, tristeza, indignação, alívio, compaixão, lágrimas ou sorriso, tudo orquestrado de tal maneira que mantenha o homem em constante estado de suspense. Com toda esta carga de informações e exigências midiáticas, o homem já não mais vive a sua vida segundo o próprio sentido, mas sim pelo que sente, ou seja, pela sensação que lhe é imposta. Ele não mais critica aquilo que vê ou sente, apenas segue o que lhe é apresentado insistentemente através de imagens. Como exemplo desta intensa carga de informações, podemos citar os telejornais, que repetem insistentemente durante as suas várias edições diárias as mesmas informações, os jornais e revistas periódicas, onde o conteúdo de informações é baseado muito mais em imagens do que em forma de texto. Em todas estas veiculações o que está sempre em evidência é o sensacionalismo que substitui a informação precisa e imparcial.
15 14 A realidade é criada pela sociedade através de imagens, através do que é insistentemente mostrado e oferecido, criando um estado de excitação geral e, perante esta realidade, os indivíduos respondem freneticamente. A criação de uma identidade só é possível através do reconhecimento do outro, portanto o indivíduo tem necessidade de se apresentar bem, vestido de acordo com a moda, possuindo o que de melhor está à venda, conectado às redes sociais e tecnologicamente atualizado. Ele não precisa mais pensar e ter atitude própria, criar o seu próprio sentido para a vida, o que importa agora é seguir a tendência e curtir a vida. O homem atual é um indivíduo centrado em si mesmo. A sua prioridade é, em primeiro lugar atender às suas necessidades e inclinações pessoais. Primeiro se preocupar com ele mesmo para depois pensar, se possível, no outro. Só se deve gastar tempo e se interessar por determinado objeto ou determinada pessoa, se isto nos for útil, se nos servir para algo. A visão do homem contemporâneo é a de que ele não necessita do outro para ser feliz. A felicidade pode ser obtida através dos artifícios tecnológicos disponíveis. Os computadores e as redes sociais estão aí para nos atender. O que se vê entre as pessoas na contemporaneidade é uma ligação ou conexão e não uma relação entre pessoas. Uma ligação ou conexão significa apenas um modo de convivência onde predomina a individualidade e a satisfação de desejos ou interesses particulares dos elementos que se conectam. Se estiver bom para mim, permaneço nesta conexão, se não está suficientemente confortável, prazerosa ou produtiva a situação, simplesmente me desconecto dela, não perco tempo, não busco identificar as causas ou motivos do empobrecimento da convivência nem muito menos tomar atitudes que possam fortalecer a convivência, revertendo o quadro. Já no Relacionamento, o modo de convivência é diferente. Trata-se de um modo de convivência onde existe um compartilhamento de vida, uma intenção e desejo mútuo de convivência harmoniosa, prazerosa, de construir uma vida ou seguir um projeto onde valores, desejos e interesses são compartilhados com o fim de desenvolvimento e crescimento em conjunto.
16 15 Esta mudança de comportamento ou do modo de ser do homem produz grande impacto na vida do indivíduo e o leva, inexoravelmente, a formas próprias de adoecimento, uma vez que os sentimentos e emoções deste homem contemporâneo estão sendo fortemente influenciados e alterados. Observa-se uma busca incessante pelas emoções e sensações fortes e, em contrapartida um empobrecimento dos sentimentos. É como diz Michel Lacroix (2006, p 11), em O culto da emoção: Emocionamo-nos muito, mas já não sabemos realmente sentir.
17 16 3 OS LAÇOS AFETIVOS Os afetos permeiam a vida de todas as pessoas bem como todo o espaço social. Os episódios da vida dos indivíduos levam sempre a marca da emoção; o primeiro amor, o primeiro emprego, as iniciativas de sucesso e até mesmo os fracassos. As festas, celebrações, encontros especiais e datas decisivas, todos, são eventos envolvidos de sentimentos que nos toca profundamente, sentimentos estes que são os responsáveis pela criação, manutenção e fortalecimento dos nossos laços afetivos (ROMERO, 2011). 3.1 O que são laços afetivos É preciso entendermos o que chamamos de afetividade. Segundo Romero (2011), de uma maneira formal e abstrata, podemos dizer que a afetividade é uma das dimensões da existência humana que abrange todas as formas que possam afetar o ser humano em sua relação com o mundo. Ela pode ser entendida como o conjunto de todos os afetos, negativos ou positivos a que estão sujeitos o homem. Já fenomenológica e existencialmente falando, sabemos que o homem é-no-mundo, e nesta condição, objetos, eventos e pessoas, figuras deste relacionamento, possuem determinado grau de ressonância na existência do sujeito, o que irá, por certo, fazer parte na construção de cada um em diferentes graus de intensidade. A capacidade particular de cada um em sentir ou de ser afetado por estes eventos e o tipo de relação que ele mantem com os objetos e seres de seu ambiente, é o que se chama de sensibilidade. Esta capacidade demonstra que o homem é um Ser sensível e aberto ao que acontece ao seu redor e em si mesmo. A sensibilidade humana está presente em dois planos, segundo Romero (2011): um deles é o plano orgânico, cuja sensibilidade é oriunda dos órgãos sensoriais, os quais permitem ao homem reconhecer as informações senso-perceptivas que lhe permite receber e transmitir
18 17 informações, ou seja, interagir com o mundo externo e que são os chamados cinco sentidos, quais sejam; a audição, a visão, o olfato, o tato e o paladar. O outro plano da sensibilidade, e o qual nos interessa neste trabalho, é o plano dos afetos, cuja importância é crucial para a existência do homem uma vez que, compreendido do ponto de vista da fenomenologia existencial de Heidegger, quando ouvimos ou vemos algo por exemplo, isso já acontece em uma tonalidade afetiva ou emocional. Os afetos são entendidos como sinônimos de sentimentos, entretanto, eles correspondem às unidades específicas e próprias, que se configuram no plano da afetividade e, portanto, no homem como um todo, afetando toda a sua vida e levando-o a experimentar um modo próprio e único de se relacionar com o mundo. Este modo peculiar pode ser identificado por uma emoção (como o medo ou raiva), um sentimento (como a admiração, amor ou ódio), um estado de ânimo (como a angústia ou cordialidade) ou uma paixão, esta última podendo ser uma paixão amorosa ou paixão de outro tipo como, por exemplo, uma paixão pelo jogo, etc.. É interessante observar que quando se quer falar sobre a afetividade das pessoas, o que mais se leva em consideração são as emoções e os sentimentos, sendo que muitas vezes se confunde o entendimento do que sejam as emoções e os sentimentos. Procurando se definir o que seja um e outro, têm-se que as emoções são consideradas as reações afetivas intensas e de curta duração e, por serem intensas tendem a provocar uma desorganização na conduta da pessoa provocando alterações somáticas diversas no sistema fisiológico. Já os sentimentos são menos intensos, entretanto, duradouros. Os sentimentos são adquiridos pelo contato interpessoal e esta é uma das diferenças com as emoções, as quais formam parte do patrimônio genético. Aqui é sempre importante lembrar que, como ser-nomundo, o homem é o tempo todo afetado e sempre que algo o afeta também desperta no mesmo alguma emoção. Desta forma e por serem adquiridos, os sentimentos são fortemente influenciados pelo fator social. Uma vez dito isto, creio podermos dizer que os laços afetivos seriam os níveis de relacionamento, os elos ou vínculos criados no campo afetivo que as pessoas mantêm em seu meio de convivência, quer seja com outras pessoas,
19 18 eventos ou objetos. Estes laços serão tão mais fortes quanto maior for a importância e o grau de ressonância que determinado evento provocará no sentimento da pessoa em relação ao outro. O nível de afetividade e a força dos laços afetivos sentidos pelo homem são os responsáveis pela qualidade e riqueza da sua vida. 3.2 A importância dos laços afetivos Como ressaltado anteriormente, a força e a intensidade dos laços afetivos que envolvem o ser humano poderão determinar a riqueza e o nível de qualidade de vida do sujeito. De todas as dimensões que caracterizam a existência humana, a dimensão afetiva se destaca. Duas razões se destacam em importância para este entendimento. Primeiro é que nela se inscreve de maneira sensível, sentida e vivida, tanto a história do sujeito como a visão de si e do mundo. Em segundo lugar, é pela afetividade que a vida adquire uma feição dramática e cromática, pois, se os eventos do mundo não tivessem a ressonância que adquirem graças a esta dimensão humana, a vida humana seria semelhante à vida de um autômato. O sentimento de dor do fracasso ou a alegria oriunda do sucesso pelo objetivo alcançado é que imprimem o selo da subjetividade humana. Os projetos e compromissos assumidos pelo homem são impregnados de afetos. Uma das Verdades existenciais da dinâmica existencial da pessoa e do seu modo de viver é que a sua existência, só é possível na coexistência. Isto significa que o homem somente poderá viver mais plenamente e mais integralmente se tiver uma coexistência, se estiver em um mundo onde possa dividir, compartilhar a sua existência com o outro e só se divide e compartilha, com aqueles que nos compreendem, nos aceitam, aqueles com os quais mantemos laços afetivos fortes e verdadeiros. Outro ponto onde a importância dos laços afetivos é fundamental está localizado no que chamamos de questões existenciais. As questões existenciais são questões próprias da condição humana e tratam dos desafios do existir e das respostas que temos que dar ao longo da nossa vida. Duas questões existenciais, a meu ver, podem ser fortemente afetadas pelo nível dos laços afetivos existentes: a
20 19 questão da Solidão e a questão da Historicidade. Na questão da solidão, passamos pela experiência de solidão, que se trata da experiência existencial, ou seja, uma experiência consigo mesmo. Além da experiência de solidão, que pode ser entendida como uma experiência onde o outro não está presente existe também o sentimento de solidão, este sim, um sentimento que decorre do isolamento, do afastamento do outro, então, creio tornar-se desnecessário discorrer sobre a importância dos laços afetivos neste quesito. Nestes dois casos, para que possamos vivenciar estas experiências com segurança é necessário sentir-se confiante, possuir forte sentimento de confiança. Este sentimento de confiança, embora se dê interiormente, depende de uma experiência de confiança, experiência esta que requer reciprocidade com o outro, onde mais uma vez a presença deste outro é de fundamental importância. O homem, sem laços afetivos que lhe transmitam segurança, aceitação, compreensão e confiança, torna-se inseguro, sente-se impotente ou mal preparado para enfrentar as dificuldades corriqueiras, desmotivado e sem fôlego para enfrentar os desafios da vida. Ao contrário, aquele que mantém laços fortes, sente-se seguro, forte e capaz de levar adiante os seus projetos profissionais ou pessoais e desta forma deixar a sua própria marca, a sua história. 3.3 Laços afetivos frágeis Com todas as características da nossa sociedade contemporânea e com o modo de ser do homem contemporâneo, conforme visto anteriormente e ainda mais, com o extraordinário avanço tecnológico, notadamente nos meios de comunicação e principalmente com o advento da internet e com ela as redes sociais, o que se pode observar é cada vez mais a individualização e o isolamento do ser humano. Todas estas facilidades de comunicação possibilitaram a formação de uma sociedade virtual, onde o contato face a face perdeu espaço para outros modos de se comunicar. É muito mais fácil se comunicar através de telefones celulares, torpedos, s, Twitter ou outras redes sociais do que uma conversa direta, onde se é necessário enfrentar as reações naturais do nosso interlocutor, com todas as
21 20 consequências que isto pode proporcionar. Dentro deste contexto, torna-se cada vez mais difícil a criação e fortalecimento de laços afetivos, tão importantes na estruturação da vida do ser humano. No livro Amor líquido sobre a fragilidade dos laços humanos, Zygmunt Bauman (2004) diz que na sociedade atual os laços afetivos e a convivência sofreram uma degradação pelo fato de que hoje não mais existem elos ou vínculos afetivos que, verdadeiramente, mantenham e fortaleçam as relações entre as pessoas. Vivemos hoje, segundo o autor, uma modernidade líquida. Em oposição a um relacionamento firme e seguro, estruturado através da consolidação de laços afetivos verdadeiramente fortes, difíceis de se desfazer, o amor líquido é resultante de uma modernidade também líquida a qual foi construída em meio a destruição de valores tais como confiança, solidariedade, tolerância, etc. Bauman (2004) denuncia que nessa sociedade que liquefaz o ser humano não mais existe a preocupação com a construção de parcerias e o que importa é a montagem de redes nas quais se pode e deve adicionar amigos às centenas, mesmo que desconhecidos. Nestas redes não há vínculos ou barreiras, nem liame nem interferência. Aliás, estas são as principais características e formas que permitem a obtenção de tão grande sucesso destas redes, deste modo de relacionamento ou conexão. Se alguém ou alguma coisa o desagrada basta excluí-lo ou bloquear o acesso dele à sua rede. Neste mundo de alta tecnologia uma rede pode nos conectar ou desconectar desse mesmo mundo que nos causa insegurança. Aqui há um grande paradoxo: a mesma rede da qual necessitamos para nos sentir em conexão com o mundo, ao mesmo tempo nos enfraquece, pois ela não nos permite nos apresentarmos conforme realmente somos e mais ainda, não é bom que assim o façamos, pois para os outros componentes desta rede isto não interessa. O que interessa é que nos comportemos de forma homogênea. Caso isto não aconteça, a conexão pode ser desfeita com um simples apertar de botão. Os relacionamentos reais, que nem sempre são passíveis de nossa escolha e de nossos desejos, perdem espaço para os relacionamentos virtuais, uma vez que neste último podemos escolher, selecionar e mudar livremente e por isto mesmo nos oferecem uma grande proteção.
22 21 O ser humano, componente desta sociedade moderna vive perturbado com os conceitos de amor, paixão, sociabilidade e convívio. Um aspecto de relevante importância nos nossos dias é o da vulnerabilidade. Nesta sociedade contemporânea não é permitida a demonstração de insegurança, de vulnerabilidade. Por isso mesmo, todos aqueles sentimentos que exigem uma incondicionalidade, assusta e inviabiliza o compromisso. Neste caso está o amor, este sentimento onde uma de suas principais características é a fragilidade, pois sugere entrega, escolha, afinidade, compreensão. Entretanto, o mundo contemporâneo é um mundo de livre mercado e tem como fundamento principal o consumismo e, como vimos anteriormente quando falamos de consumismo não estamos apenas falando do consumismo comercial, consumismo de coisas e objetos, mas também do consumismo estendido para as relações entre as pessoas. O homem deve se manter aberto a todas as possibilidades. Nossa civilização é voltada para a propaganda, para o consumo e para os conselhos dos especialistas. Desta forma as relações pessoais, incluindo-se o amor, tornaram-se um processo de experiências contínuas, não significando, porém, que sejam ininterruptas. Isto faz com que relações sejam dissolvidas ao menor sinal de desgaste, enfraquecendo ainda mais os já fragilizados laços afetivos humanos, trazendo enormes dificuldades de relacionamento tanto nas relações com o próximo quanto consigo mesmo e com o que lhe é estranho.
23 22 4 IMPACTOS DA VIDA CONTEMPORÂNEA Na nossa sociedade contemporânea, as várias mudanças ocorridas nos planos socioeconômico, cultural e tecnológico, pautadas no processo de globalização, vêm interferindo na dinâmica, na organização e na estrutura de toda a vida e, consequentemente, nos planos social e familiar contemporâneos, além de profundas modificações no modo de ser do sujeito, enquanto indivíduo. Nesse sentido e tendo como base o contexto sócio-histórico em que as relações sociais e familiares foram concebidas é possível dizer que no mundo contemporâneo, tanto as relações familiares como as demais relacões sociais e interpessoais passaram a se constituir sob a ótica do mercado e do consumo. Nas últimas décadas vivencia-se mudanças importantes nos diversos contextos sociais, econômicos, tecnológicos e culturais: vive-se o regime de acumulação de capital flexível; vive-se a globalização em suas dimensões socioeconômicas, culturais e tecnológicas, tudo atrelado à fluidez, à novidade e ao efêmero que passam a ser valorizados e a fazer parte das práticas que se constituem na contemporaneidade. Assim, tendo como base esse modelo de mundo é possível dizer que mudanças avassaladoras e profundas de valores, de comportamentos e de identidades vêm acontecendo e, como consequência, estas mudanças ocorridas levaram ao desencadeamento, na contemporaneidade, de outros tipos de relacionamentos muito mais efêmeros, frágeis e superficiais. Sob esta perspectiva a complexidade da dinâmica social traduz-se de forma inquestionável no modo de interação de seus membros. Com todo esse aparato de diversidade, o amor, o afeto, enfim, os sentimentos e os laços afetivos passam a ser também um desafio tendo em vista que aprender a respeitar e a entender as diferenças individuais, aprender a educar os filhos, impor limites e preparar para enfrentar as dificuldades é algo que exige um esforço cada vez maior do homem contemporâneo.
24 23 Verifica-se, com isso, que no âmbito dessa sociedade estão se constituindo novas relações, com o relaxamento do comportamento conjugal, o deslocamento da importância do grupo familiar para a importância de seus membros, a ideia de que o amor constitui uma condição para a permanência da conjugalidade e a substituição de uma educação conservadora, modeladora e corretiva de seus membros, por uma prática pedagógica de negociação. Observa-se, com tudo isso, a plasticidade que incide nestas novas relações sociais e familiares e que permeiam a nova realidade humana. 4.1 Impactos na família É muito importante compreender que todas as transformações implicam necessariamente em uma desorganização ou reorganização dos modelos então existentes dentro dos núcleos ou células sociais, aí incluída a célula familiar. Já em séculos anteriores, com o advento da burguesia, o núcleo familiar, que antes era visto como responsável por garantir a seus membros um ambiente de ordem e estabilidade e também por assegurar a transmissão da vida, dos bens e dos nomes, também se fortaleceu como uma instituição responsável pelos afetos, sentimentos e amor. Esta nova concepção torna-a responsável pela socialização e pela transmissão de valores, crenças e costumes aos seus integrantes. Com relação à família, Costa (2005) diz que a fim de cumprir todas estas exigências sociais a família passou a operar duplamente como formadora de cidadãos iguais, mas por meio de pessoas desiguais e formar sujeitos realizados, porém por meio de consciências infelizes. Seguindo-se o conceito de Sociedade do espetáculo, definido por Debord (1967), observa-se uma diminuição do espaço para reflexão sobre si, sobre os outros e sobre o mundo, pois o que rege a cultura do nosso tempo é o consumo desenfreado, o individualismo e a busca pelo prazer imediato. Já segundo Sarti (1995), no mundo contemporâneo, a família deixou de ser uma unidade de produção e passou a assumir o papel de unidade de consumo proveniente, principalmente, pela perda do sentido da tradição. Por conta disso, o
25 24 amor, o casamento, a família, a sexualidade e o trabalho antes possuidores de papéis pré-estabelecidos passam a ser concebidos como parte de um projeto onde prevalece a individualidade e adquire cada vez mais importância social e implicações nas relações familiares. Desta maneira, o que se vê é que a célula familiar vem reforçar esta contemporaneidade marcada pela cultura exacerbada do efêmero, da individualidade e do narcisismo. Dentro desse contexto de exacerbação de si e de uma forte desvalorização do outro é que se torna possível melhor compreender a liquidez e a fragilidade dos laços afetivos. Podemos então observar um dos grandes paradoxos existentes nesta cultura contemporânea, tendo em vista que para se desenvolver, o ser humano, enquanto um ser relacional, necessariamente precisa do outro. Imersos nestas profundas transformações e vivendo a cultura do espetáculo caracterizada pela atuação performática do sujeito frente ao outro e, ainda, sendo esta uma sociedade narcísica é que se torna possível dizer que se vive hoje a cultura do fugaz, do efêmero, dos valores superficiais e não mais numa existência baseada nas normas sociais sendo que estas mudanças vêm justificar as novas relações dentro da família, a qual pode ser vista como marco fundamental das relações sociais primárias, como uma célula de fundamental importância na formação e desenvolvimento do ser humano, bem como também se torna responsável pela disseminação do modo de vida contemporâneo e de suas consequentes formas de incertezas, angústias, sofrimentos e neuroses. 4.2 Impactos no amor Não se pode negar a importância da história para a concepção do amor. Pode-se dizer que a experiência amorosa, na antiguidade, ocupava um lugar marginal na vida das pessoas. Mas, com a valorização do homem e do prazer, veio uma mudança na maneira de conceber o amor e afeto, podendo-se mesmo dizer que o amor moderno é fruto da integração entre o desejo e o prazer humano.
26 25 Entretanto, com a necessidade de acompanhar o modo de viver contemporâneo, o amor físico passou a ter uma proporção significativa. Passou a ser característica desta sociedade, os comportamentos e soluções impessoais que não suscitam paixões intensas. Considerando que a sexualidade é uma coisa que pode ser desvendada, pode ser descoberta, mas seguramente não pode ser dominada, os sentimentos foram deixados de lado, sendo dada prioridade às relações simplesmente corporais. Tendo em vista todas estas transformações, observa-se que o amor, nesta época contemporânea está caracterizado por relações cada vez menos rígidas e de curta duração, ficando evidenciada a cada vez maior fragilidade da afetividade, dos sentimentos e a prevalência da sexualidade e superficialidade das relações. Como diz Bauman (2004), na época atual, grande número de pessoas chama de amor mais de uma de suas experiências de vida, não garantindo que o amor atualmente vivido será o último de suas vidas. Mas isto significa apenas a facilitação dos testes pelos quais uma experiência deve passar para ser chamada de amor. Alguns até acreditam que as habilidades em amar tendem a crescer com o acúmulo de experiências e que o próximo amor será ainda mais estimulante do que o atual. Esta é outra ilusão. O conhecimento adquirido nesta série de eventos amorosos é o conhecimento do amor, como episódios de curta duração, desencadeados pela consciência a priori de sua fragilidade e curta duração. Assim a habilidade adquirida trata-se, na verdade, de uma habilidade de terminar rápido e recomeçar do início. Pode se arriscar a dizer que esta habilidade poderia ser traduzida como um desaprendizado do amor, uma exercitada incapacidade para amar. Com base nessas conceituações e também nas mudanças que ocorreram nos relacionamentos amorosos pode-se dizer que o ser humano está cada vez mais à procura de, alterando, por vezes, a maneira de lidar, não somente com sua forma de se relacionar, mas também com o modo de conceber a felicidade, o prazer e a si mesmo. Desta forma e dentro da concepção de que homem e mundo constituem uma unidade, que este envolvimento recíproco é que é o responsável pela realidade do mundo e de si não há como desfazer esse entrelaçamento homem-mundo e, assim,
27 26 este homem ao mesmo tempo modifica e se modifica, num processo contínuo e irreversível, tendo que se adaptar automaticamente às novas situações e à dinâmica da vida e assim vai construindo o seu percurso. O reflexo de tudo isto está demonstrado nos dias atuais, na diminuição da durabilidade dos casamentos e das famílias numerosas, no aumento do número de divórcios e de recasamentos, na regularização das uniões estáveis e no surgimento dos mais variados modelos de famílias. 4.3 Impactos nas emoções e na sensibilidade Observa-se também nos dias atuais uma sensibilidade exacerbada nas pessoas, sensibilidade esta que pode ser traduzida como a capacidade que a pessoa tem de sentir os efeitos de determinado evento. Muito se fala que o ser humano está se tornando insensível, diante de tantos acontecimentos, violência, banalização da vida, competição e consumismo generalizado. Entretanto, o que se observa é que esta insensibilidade é uma característica das pessoas, quando se refere a um acontecimento ou condição voltada para o outro, já que o que importa é somente aquilo que diz respeito a si mesmo. Por isto quando este acontecimento ou condição o toca, diz respeito a si mesmo, o homem está cada vez mais expressando uma afetação de cunho emocional, que o imobiliza. Esta afetação está diretamente ligada ao seu nível de ressonância, ou seja, ao grau de afetação subjetiva do mesmo, que por sua vez depende do significado configurado naquele acontecimento, da característica própria deste evento e também do nível de sensibilidade do sujeito. O homem, este ser-no-mundo, que está entrelaçado com o mundo naturalmente, influencia e é influenciado pelo seu modo de interação com o mundo e o grau de afetação individual varia ao longo de sua vida. É esperado que o grau de emotividade do sujeito varie de acordo com cada uma das suas etapas de vida, ou seja, na infância, na adolescência, na vida adulta e na velhice. Em cada uma destas fases, há possibilidades de que os eventos e situações provoquem diferentes modos de afetação nos indivíduos, tanto na intensidade como em sua duração e assim
28 27 como na ressonância e na expressão. Ressonância é o modo como o sujeito processa o sentimento que lhe foi causado pelo evento ocorrido, já a expressão pode ser vista como o modo que o sujeito foi afetado por tal evento, o que o evento provocou em si, ou seja, como ele reagiu após o evento, visto através de seu comportamento. É esperado que na fase adulta, os sujeitos, ao contrário da infância, sejam sub-emotivos, não implicando, entretanto, que sejam apáticos ou frios. Porém, temse observado que mesmo nessa fase adulta, o nível de sensibilidade das pessoas, com relação aos eventos que lhes tocam pessoalmente, tem se apresentado de certa forma, exacerbado, o que provoca então uma afetação emocional também exacerbada. Augusto Cury (2006), em seu livro O cárcere da emoção, chama de Síndrome trihiper, uma síndrome psíquica que representa uma hipersensibilidade emocional, uma hiperprodução de pensamentos e uma hiperpreocupação com a imagem social. A hipersensibilidade emocional faz com que uma pessoa viva a dor dos outros e sofra intensamente quando ofendida e tenha imensos impactos diante de pequenos problemas. Já a hiperpreocupação com a imagem social faz com que a pessoa espere muito dos outros, gravite em torno do que dizem e são extremamente sensíveis ao que pensam dela. Uma pequena rejeição, crítica, um gesto ou até mesmo uma expressão facial que a desagrade é capaz de estragar o seu dia a dia. Este tipo de comportamento pode ser observado constantemente nas redes sociais, onde as pessoas expõem diariamente seus estados de tristeza ou depressão, na maioria das vezes provocada por acontecimentos, vistos de fora, com olhares imparciais, como banais. Esta hipersensibilidade emocional leva as pessoas a uma fragilização emocional tal que as fazem estar sempre interpretando o que lhes foi dito, colocando uma segunda intenção onde a mesma não existe ou, mesmo quando o objetivo de quem diz é o de se fazer uma crítica construtiva e o outro o interpreta como sendo algo discriminatório, preconceituoso ou ofensivo acaba retroalimentando outra característica bastante evidente nesta fase contemporânea, que são as exigências de comportamentos sempre politicamente e eticamente corretos.
29 28 Esta exigência para que as pessoas se apresentem e comportem sempre politicamente e eticamente corretas, os levam a uma preocupação de maneira exagerada com o modo como falam ou como interpretam o que lhes é dito. Não se pode utilizar termos que, socialmente, estão sujeitos a ser interpretados como politicamente ou eticamente incorretos ou discriminatórios. Uma das hipóteses para este modo de compreensão é que as pessoas estão, considerando o individualismo reinante e o fato de que as relações são baseadas no interesse, acostumadas a observar apenas aquilo que lhes interessa, sob uma ótica pré-determinada. As pessoas estão sempre projetando os seus desejos ou aversões nas questões sociais e em seus relacionamentos intra e interpessoais, o que as levam sempre a atribuir ao comportamento ou fala do outro, intenções e desejos que nem sempre correspondem à verdade. Isto faz com que elas sejam impedidas de buscar o entendimento simples e objetivo daquilo que viram ou ouviram. Aqui faltaria então, a capacidade de pensar e agir fenomenologicamente, tentando buscar a compreensão e aceitar a fala ou comportamento do outro sem ideias preconcebidas nem preconceituosas, ou seja, colocando de lado o pseudo conhecimento sobre a situação ou fato, não fazer uma interpretação baseada num possível conhecimento prévio e sim buscar a compreensão do que foi dito ou feito de forma clara, buscar compreender o significado da fala ou do ato a partir do ponto de vista do outro. 4.4 Impactos no sujeito O constante movimento da sociedade traz consigo, consequentemente, uma alteração da realidade dos sujeitos, nas suas relações de troca, na formação de grupos e nos relacionamentos sociais, tanto os amorosos quanto aqueles de interesse. Bauman (2007), diz que o sujeito pós-moderno ou, usando nossa terminologia, o sujeito contemporâneo, está sempre insatisfeito consigo mesmo, buscando sempre a superação, condição necessária para conseguir viver nesta sociedade que pode ser considerada fragmentada e rigorosa. Sendo esta época marcada pelo capitalismo e consumismo, as pessoas não estão interessadas no
30 29 aprofundamento das relações, mas sim, na produção e consumo de bens. Elas estão voltadas para o presente, para as novidades, atentas às tecnologias que incentivam o consumo exacerbado de futilidades que lhes proporcionem a aceitação na sociedade. As compras funcionam como um antídoto para o tédio e um meio de proporcionar prazer e satisfação que, além de conquistas emocionais, proporcionam status, luxo, poder e notoriedade social. Além disso, como nesta sociedade contemporânea, evidencia-se uma sociedade do espetáculo, onde a afirmação de toda a vida social é pautada pela aparência, o ter ou o parecer ter, a ostentação e o luxo são extremamente valorizados e priorizados. Isto não somente para provocar a admiração e repeito pelos outros, mas também, e principalmente em determinados casos, propiciar a admiração a si próprio, pois somente assim este sujeito se sente parte integrante e atual dentro do seu meio social. Por outro lado, ao mesmo tempo em que o sujeito tem a necessidade de pertencimento, de ser aceito pela sociedade, ele tem receio de tornar-se refém de suas emoções ou sentimentos, de se sentir preso e reprimido. Por isto este mesmo sujeito procura evitar que as emoções se aflorem, que seus reais sentimentos se apresentem de forma clara e transparente, pois teme que isso possa impedir que continue a viver a sua realidade de fantasia e de satisfação imediata. Outra questão interessante é que, como não é possível ao homem, existir sem se relacionar, as pessoas estão sempre procurando se relacionar, porém, ao mesmo tempo tentando evitar criar laços que possam trazer responsabilidades e tensões que não estejam dispostos a enfrentar, uma vez que estas situações podem limitar a sua liberdade (BAUMAN, 2004). A forma de se obter êxito neste plano é a de se manter as relações através dos meios virtuais, onde, ao menor sinal de perigo, simplesmente se desfaz o relacionamento com um simples apertar de uma tecla e busca-se outro mais apropriado para a situação. As relações são muito mais quantitativas do que qualitativas. É importante ter muitos relacionamentos virtuais para que se possa trocar sempre que necessário. São os relacionamentos de bolso (BAUMAN, 2004), os quais são tão descartáveis que podem ser utilizados sempre que necessário e depois dispensados ou guardados para outra ocasião.
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