Seminário: Perversão - ano: IV prof. Flávio Carvalho Ferraz
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- Ágata Figueiredo Fonseca
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1 ENTRE O TERROR E O EROTISMO (Alguns aspectos da questão da perversão em psicanálise) João Carlos de Araujo Seminário: Perversão - ano: IV prof. Flávio Carvalho Ferraz Resumo: A perversão tem sido uma questão controversa em psicanálise. Na obra de Freud podemos encontrar esse conceito em momentos distintos quanto à articulação teórica. Tomando tanto o Complexo de Édipo como o Complexo de Castração como norteadores para as discussões, chegaremos à posições teóricas posteriores a Freud que mostram a perversão como uma forma de salvaguardar a vida erótica e psíquica da destruição. Sob esse ponto de vista, a sexualidade perversa é entendida como produto de uma defesa mais primitiva na tentativa de alguma estruturação do sujeito. A sexualidade do perverso nesse sentido está entre o terror e o erotismo, na medida que ela é uma sexualidade defensiva contra o terror não só da castração como diante da possibilidade da destruição psíquica, repetindo uma situação traumática, ao mesmo tempo que triunfa sobre ela. ENTRE O TERROR E O EROTISMO (Alguns Aspectos da Questão da Perversão em Psicanálise) João Carlos de Araujo A Perversão em Freud A perversão tem sido uma questão controversa em psicanálise. Há autores que a situam dentro das categorias psicopatológicas ao lado das neuroses e da psicose, e outros, como estrutura. Em seu livro sobre o tema, Ferraz, F.C. (Perversão, Casa do Psicólogo, 2ª edição ampliada, São Paulo, 2002) afirma que a perversão na obra de Freud passou por sucessivas e significativas alterações e mostra três momentos essenciais dessa teorização. O primeiro modelo freudiano baseia-se no axioma da neurose enquanto o negativo da perversão. A perversão é o resultado da fixação da libido, no adulto, num estágio da sexualidade pré-genital, ou seja, é a manutenção da sexualidade infantil na vida adulta. O segundo momento da perversão na obra de Freud relaciona-se com a formulação do complexo de Édipo; núcleo das neuroses, mas também das perversões. A entrada e passagem do sujeito pelo conflito edípico marcará a possibilidade da instauração da sexualidade genital como eixo central na vida adulta, além de implicar em inúmeras outras aquisições, resultando nas identificações sexuais, na eleição de um objeto sexual, no contato com a angústia da castração, na possibilidade de
2 renúncia pulsional ao objeto incestuoso, na entrada na fase de latência, na implicação com o desejo,etc. Essas possibilidades e aquisições se darão a partir da renúncia à posição incestuosa que a criança mantinha em relação à sua mãe por temor ao rival paterno, ao qual atribui a castração materna. Assim, o Édipo está intimamente articulado a outro complexo, o de Castração, mencionado por Freud pela primeira vez em 1908, com referência às teorias sexuais das crianças que atribuindo um pênis a todos os seres humanos, só podem explicar através daquela a diferença anatômica entre os sexos (Laplanche, J. & Pontalis J. -B. Vocabulário da psicanálise. Martins Fontes, São Paulo, 1997). [Freud reserva a expressão Complexo de Castração para a situação relacionada à fantasia de perda do pênis, embora não rejeite o reconhecimento das origens da castração nas experiências de separação oral e anal, nem o significado organizador sobre o eixo genital dessa fantasia em relação às experiências anteriores]. A Castração está situada na categoria das fantasias originárias, já que para produzir seus efeitos, a ameaça não precisa ser formulada pelos pais; originária' também na medida em que é na castração que se origina, se estrutura e se especifica o desejo sexual do ser humano. (Laplanche, op.cit.). Do ponto de vista libidinal, o efeito desse Complexo vai levar à centralização da sexualidade prégenital em torno da zona genital e à entrada pela criança numa fase de latência, caso o mecanismo predominante seja o do recalque. No entanto, sobre o ego, diante do horror à possibilidade de castração poderá operar ainda um outro mecanismo, resultando numa cisão. Lançando mão desse tipo de defesa, mais antiga que o recalque, a saber, a recusa, essa reação violenta do ego contra uma percepção (da ausência de pênis na mulher), vai implicar na manutenção de duas posições opostas em relação à realidade. No artigo de 1923, A organização genital infantil, Freud apresentou o mecanismo da recusa, quando escreveu que o menino rejeita o fato de que não viu um pênis e ainda assim insiste na crença de que viu um onde não havia. O tipo de estruturação psíquica [neurose, psicose ou perversão] vai decorrer do mecanismo defensivo básico predominante ativado a partir do conflito edípico e do seu desfecho. Do ponto de vista estrutural, na solução neurótica, predominará o recalque. Na solução psicótica, prevalecerá a recusa [da percepção da realidade]. Já no caso da perversão, deverá ocorrer um mecanismo de cisão interna ao ego, que em parte recusa e em parte reconhece a realidade. O peculiar dessa solução é o modo desintegrado ao sujeito com que será tratada daqui para frente a angústia relativa à ameaça da castração. O resultado disso, devido à cisão produzida sobre seu ego, é que o perverso não poderá [evitar] se furtar totalmente em acreditar na realidade da castração para explicar a diferença anatômica entre os sexos, o que significa permanecer no registro de um pensamento infantil. A consolidação da defesa psíquica da recusa não é peculiar à perversão. A saída perversa pressupõe também o mecanismo de cisão no ego. Pereda, M.C. (Recusa, seu efeito estrutural e sua dimensão patogênica. Revista Brasileira de Psicanálise, 30(3), 1996) afirma que a recusa, além da dimensão patogênica também tem um efeito estrutural sobre o psiquismo. Esse efeito estrutural seria produto do trabalho de recusa, através do qual cada criança só poderá registrar internamente e apreender a presença do outro ao recusar a sua
3 ausência. O trabalho estrutural da recusa sustenta a ilusão e as crenças infantis que expressam o desejo ou vão resultar nele. Diferente dessa função estrutural, é a persistência da recusa no adulto que vai definir sua dimensão patológica e dificultar todo trabalho de separação e de simbolização. [A recusa é sempre a recusa da realidade, da ausência do objeto e ela não se verifica só em relação à visão do órgão genital feminino no Édipo. Nesse caso ela reedita e organiza em torno do eixo genital outras ausências relativas à sexualidade pré-edípica e pré-genital: a perda do seio, das fezes, do objeto materno, a perda do amor do objeto, etc. A reafirmação da sexualidade [genital], a sustentação do desejo sobre o objeto, implicam num esforço do sujeito de superação da angústia da castração e na superação dos desejos incestuosos com a possibilidade de substituição do objeto materno. Manter em suspenso o conflito edípico, sob esse ponto de vista, é manter em suspenso, sem resolução, o desejo. No caso da perversão, o predomínio da recusa representa uma obstrução ao trabalho do recalque, com a respectiva perturbação da trama edípica, o que favorece a confusão entre os papéis e contornos sexuais.(ferraz, p.34)] O terceiro momento da teorização de Freud sobre a perversão se dá no artigo O Fetichismo, de Nesse artigo Freud vai se perguntar sobre a origem e o sentido do fetiche. Freud afirma que o fetiche é um substituto do falo materno, ou seja, um modo de manter no psiquismo a crença infantil na existência do pênis da mãe [fortemente, já que dissociada da percepção da realidade]. Por isso, o fetiche adquire um alto grau de valorização para o perverso já que vai servir como proteção contra o horror à ameaça da castração e ao mesmo tempo, sustentar o sujeito no registro da ilusão: da crença da realidade' do falo materno e a crença da realidade' da castração. A Solução Perversa Enquanto Possibilidade de Estruturação Psíquica Diante da impossibilidade da integração das questões relativas à Castração e ao Édipo no psiquismo, podemos pensar que tais conteúdos permaneceriam em suspenso, funcionando a exemplo de situações traumáticas, convocando não à elaboração, mas à atuação. De fato, alguns psicanalistas depois de Freud têm contribuído para a compreensão da sexualidade perversa enquanto atuação, revelando o traumático da sexualidade. Para Joyce McDougall (Em defesa de uma certa anormalidade. Artes Médicas, Porto Alegre, 1898) a cena que o perverso monta como um teatro visa provar ad infinitum a inexistência da castração. No entanto, a solução perversa revela-se também um falso triunfo sobre a castração e sobre o pai - suposto agente da castração materna -, no sentido de que o sujeito não faz mais do que tentar enfraquecer e minimizar a importância da ambos. O perverso vai estar condenado a provar que pode triunfar sobre e humilhar um pai que talvez tenha mais a ver com um pai biológico marcado como omisso e secundário - mas pouco pode fazer para aplacar o terror em relação a um outro pai, o terrível castrador das fantasias infantis. Nesse sentido, não é o prazer e o desejo que move, essencialmente, a sexualidade perversa, mas
4 uma necessidade de erotização como tentativa de triunfo para aplacar a angústia da ameaça da castração e, por isso, o sujeito é compelido a atuar suas fantasias. A compulsão na sexualidade perversa, entretanto, não parece coincidir com a compulsão à repetição tal como escreveu Freud em O mal-estar na civilização de Trata-se, menos de uma repetição compulsiva da cena traumática, e mais de uma encenação produzida e modificada pelo sujeito, que se não retira o caráter traumático da vivência, revela uma possibilidade de controle e erotização da mesma. [Freud (1920) escreveu sobre a brincadeira das crianças, nas quais estas encenam certas vivências para poderem lidar, elaborar e superar experiências sobre as quais não têm domínio. No entanto, na brincadeira infantil, a encenação é movida pelo prazer, e já na sexualidade perversa, pela necessidade]. Nesse sentido, a angústia da castração na sexualidade perversa estaria a meio caminho de ser elaborada, mas, indefinidamente, já que está indisponível ao sujeito por permanecer barrada pelo mecanismo dissociativo. Perverso Drama Familiar Para Stoller, R.J. (Perversion: the erotic form of hatred. Karnak, New York, 1986) a sexualidade perversa remete, de fato, a um prejuízo sofrido nas experiências familiares na infância e é não só uma criação defensiva, mas também a encenação e reconstrução de um trauma infantil. Esse trauma refere-se a determinada dinâmica familiar que, induz ao medo e força a criança a evitar o enfrentamento da situação edípica: omissão ou consentimento paterno e a sedução materna estão envolvidos nessa trama. O resultado será uma dificuldade para lidar simbolicamente [e menos com atuações] com o significado da castração. Segundo Stoller na perversão o trauma infantil não foi completo, mas resultou na manutenção precária da função sexual, não da sua destruição. Nesse sentido, a perversão vem proteger e manter viva a função sexual do sujeito. Stoller aposta também que há uma correspondência entre os eventos históricos na vida do sujeito que se fazem representar em detalhes no ato sexual manifesto perverso. Entretanto, talvez a perversão sexual tenha mais a ver com o ódio e a agressividade no que se revela como erotização e sedução, marcada pelo uso da criança, mais como objeto dos pais do que depositária de seus desejos narcísicos. Assim, para Stoller a hostilidade em relação ao objeto, no ato perverso, é também uma característica central com um predomínio da agressividade em detrimento do erótico. A cena perversa assume a forma de uma fantasia de vingança e tem a função de transformar um trauma infantil em triunfo adulto. A Clínica da Dissociação Sobre o trabalho analítico neste campo vale recorrer ao texto de Gurfinkel. D. (A clínica da dissociação. In: Fuks, L.B. & Ferraz, F.C. A clínica conta histórias. São Paulo, Escuta, 2000) sobre a clínica da dissociação.
5 Segundo o autor, Winnicott aponta para uma diferença fundamental quanto aos efeitos entre os mecanismos psíquicos do recalcamento e da dissociação: no primeiro, o material inconsciente permanece dentro dos limites do psiquismo, e pode emergir através dos sonhos, atos falhos, análise. O trabalho do analista se dá buscando esse material reprimido. Já os fenômenos dissociativos ocorrem de modo desintegrado do sujeito. A clínica, nesses casos, deve buscar elucidar a cisão na pessoa do paciente. Segundo Gurfinkel, os fenômenos dissociativos se referem a um momento inicial do psiquismo no qual não havia um eu ainda constituído. Por esse motivo, a cisão não pôde ocorrer por intermédio do eu (mecanismo de recalcamento propriamente dito) mas no próprio eu (dissociação). [Winnicott localiza os fatores que provocam a cisão básica citando algumas condições desse ambiente traumático: violência, invasão, instabilidade, depressão materna, cuidado mecânico e impessoal, impossibilidade da mãe de oferecer o seu rosto para o self do bebê, etc]. Nesse sentido, Ferraz afirma que o objeto do perverso tem o valor de objeto transicional, pois na medida em que se presta a obedecer, ser manipulado, submetido a abusos, destruído, idealizado, o sujeito na relação com esse objeto busca curar-se de sua falta de integração egóica. (Ferraz, p.88) A própria encenação perversa, então, pode mostrar um caminho, na melhor hipótese, intermediário, e na pior, incipiente, para se relacionar com a realidade e tentar integrar aquilo que escapa ao sujeito sobre si mesmo. Considerações Finais No perverso, a sexualidade está marcada pela compulsão e pela necessidade de reconstrução de uma cena traumática. Do ponto de vista psicopatológico, devido a predominância do mecanismo de recusa e dissociação vão restar, em certa medida e, até certo ponto, inalcançáveis, a crença na realidade da castração [como explicação infantil para a diferença entre os sexos] e o horror à ela. A construção do fetiche revela-se um recurso possível de estruturação de uma vida libidinal. Se os objetos são usados, manipulados, o são como estratégia para salvaguardar a vida psíquica. A sexualidade perversa, sob esse ponto de vista, estaria situada entre o terror e o erotismo, na medida que cumpre uma função defensiva contra o terror não só da castração mas também diante da possibilidade de destruição psíquica. O trabalho do analista neste campo talvez esteja mais voltado para aquilo que se situa desintegrado ao sujeito, quando isso leva à impossibilidade de mover-se em busca de algum reconhecimento de si, do outro e do desejo. Se essa alienação pode não provocar sofrimento, é preciso poder passar pela apropriação e equacionamento dessas questões, internamente, antes de buscar solução para qualquer coisa que o afete.
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