CENTRO DE ESTUDOS PSICANALÍTICOS CEP FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE O SELFIE PÓS-SEXO E O EXIBICIONISMO: UM OLHAR PSICANALÍTICO
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1 CENTRO DE ESTUDOS PSICANALÍTICOS CEP FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE O SELFIE PÓS-SEXO E O EXIBICIONISMO: UM OLHAR PSICANALÍTICO CAROLINA CARDINAL DUARTE CAMPAÑA MAIA CICLO I 4ª FEIRA PERÍODO MANHÃ SÃO PAULO SP 2014
2 O Selfie Pós-Sexo e o Exibicionismo: Um Olhar Psicanalítico No mês de abril de 2014, algumas notícias veiculadas pela internet apresentaram um conteúdo inusitado, conforme os seguintes títulos: Selfie aftersex: usuários de redes sociais postam fotos depois do sexo 1. Selfie pós-sexo? Veja aqui a nova moda do Instagram 2. A febre atual do selfie pós-sexo 3. O fenômeno do mundo virtual conhecido como selfie (neologismo de self-portrait, que significa autorretrato; foto tirada e compartilhada na internet) ganhou um novo objeto: o registro de imagens de casais após a prática de relação sexual e o compartilhamento (consensual de um ou de ambos) dessas imagens nas redes sociais. Provavelmente, as pessoas que aderiram à moda, não satisfeitas em de se fotografar em cenários de viagens, festas, eventos sociais e profissionais, álbuns de família ou qualquer outra cena trivial do cotidiano, passaram a adotar essa nova forma de autoexposição: o selfie pós-sexo. As fotos não mostram os corpos que acabaram de praticar o ato sexual, mas apenas revelam os rostos das pessoas envolvidas, insinuando o pós-coito. 1 Disponível em Acesso em Disponível em Acesso em Disponível em Acesso em
3 Esse fato nos leva a pensar para além da banalização do sexo e, também, acerca da inexistência de limites claros para o que ainda nos resta de privacidade. Parece haver uma confusão entre as fronteiras do que é público e privado, principalmente quando o assunto envolve sexualidade. Assim, o fenômeno social aqui relatado convida-nos a refletir sobre o seu sentido e a fazer uma leitura à luz do conceito psicanalítico de exibicionismo. No texto de Freud Os instintos e suas vicissitudes, também traduzido como As pulsões e seus destinos 4, alguns caminhos possíveis para as pulsões sexuais foram enumerados, tais como: (a) a reversão no contrário; (b) o voltar-se contra a própria pessoa; (c) a repressão (ou recalque); e (d) a sublimação. É na reversão no contrário, ou seja, na conversão da atividade em passividade, que se encontra o par de opostos: escopofilia (voyeurismo) o prazer de olhar e exibicionismo, o prazer de ser olhado 5. No par de opostos voyeurismo-exibicionismo, nota-se que há um redirecionamento da meta da pulsão: a atividade do olhar (satisfação de ver o membro sexual do outro) é substituída pela passividade do ser olhado, mostrar-se, exibir-se (satisfação de ser alvo do olhar do outro). 4 FREUD, Sigmund. Os instintos e seus destinos (1915) in Obras Completas de Sigmund Freud. Trad. Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 2010, v.12, p Voyeurismo e exibicionismo são considerados tipos de perversão sexual.
4 O exibicionismo inclui: a contemplação do próprio corpo. A observação analítica também mostra, sem deixar margem para dúvidas, que (...) e que o exibicionista se compraz com seu próprio desnudamento. O essencial nesse processo é, portanto, a troca do objeto sem alteração da meta. 6 Em princípio, a pulsão de olhar é autoerótica (narcisismo), pois se satisfaz ao olhar o próprio corpo. Em um segundo momento, a pulsão troca de objeto, situado no corpo do outro. Na sequência, o redirecionamento da meta da pulsão volta-se para o próprio corpo do exibicionista, satisfazendo, assim, a excitação sexual de ser olhado pelo outro (o prazer de exibir-se, mostrar-se). Segundo Freud 7, o destino da pulsão sexual contra a própria pessoa e a transformação da atividade em passividade constituem processos relacionados à organização narcísica do eu e são afetados pelas marcas dessa fase. No contexto do fenômeno social denominado selfie pós-sexo, observa-se que a necessidade de registrar e compartilhar um momento de intimidade do casal (sexo) consiste em alimentar o olhar do outro, como se fosse algo imprescindível para manter a circulação do desejo sexual. Mais do que isso, em tempos de neonarcisismo (termo utilizado por Fuks 8 ), a autoexposição exagerada dos selfies (in casu, o selfie pós-sexo), sugere uma estratégia inconsciente das pessoas envolvidas na cena de reafirmar a sua própria existência e 6 FREUD, Sigmund. Pulsões e Destinos da Pulsão (1915) in Escritos sobre a Psicologia do Inconsciente. Obras Psicológicas de Sigmund Freud. Trad. Luiz Alberto Hanns. Rio de Janeiro: Imago, 2004, v.1, p Op. cit., p Ibidem., p.36.
5 reassegurar a prática do ato sexual por meio do testemunho dos outros (eu só existo pelo olhar do outro; se o outro viu, então eu fiz). A foto tirada e compartilhada nas redes sociais é a prova de que o ato aconteceu. Ante a confusão dos papeis e dos lugares do feminino e do masculino na contemporaneidade, é possível pensar que o selfie pós-sexo é uma prova da masculinidade do homem, ao passo que para a mulher é a comprovação de sua liberdade sexual (ser dona do próprio corpo e do próprio desejo sexual). A palavra exibicionismo provém do latim exhibere e significa mostrar. O exibicionista obtém satisfação sexual ao mostrar os genitais para outrem. Para a Psicanálise, o exibicionismo consiste em uma modalidade de perversão sexual, na medida em que há uma substituição da relação sexual propriamente dita pela satisfação pulsional de exibir-se. Isso revela uma regressão a uma forma de sexualidade mais infantil, conforme nos ensina Brett Kahr 9. Fato curioso é que o exibicionista (na acepção psicanalítica do termo) normalmente é uma pessoa do sexo masculino, pois exibe o próprio pênis como uma tentativa de defesa contra a angústia de castração. Já as mulheres, por não terem o pênis e sentirem inveja por não o possuírem, exibem o corpo inteiro, preocupando-se com a forma física e com os padrões de beleza vigentes. No entanto, o exibicionismo pode ser compreendido de forma mais ampla, como o caso do selfie pós-sexo, por exemplo. Não há a exibição dos genitais ou partes íntimas 9 Conceitos da Psicanálise: Exibicionismo. Trad. Carlos Mendes Rosa. Rio de Janeiro: Relume Dumará: Ediouro; São Paulo: Segmento-Duetto, 2005, p.52.
6 ao público, porém, há a exibição de um momento íntimo do casal (o pós-sexo) como uma tentativa de reconhecimento pelo outro. É certo que está na ordem do discurso social atual um imperativo de ser feliz e obter o máximo de prazer, de forma imediata e a qualquer custo. Além disso, a sexualidade humana deixou de ser uma questão privada e íntima, para assumir um caráter público e escancarado, isento de qualquer tipo de censura, seja em nome da liberação sexual, da competição acirrada entre os sexos masculino e feminino ou até mesmo como pano de fundo para reivindicações dos direitos das minorias. Muito embora haja uma expansão de possibilidades na obtenção de prazer sexual, parece que a liberação sexual não veio acompanhada do aumento da satisfação das pulsões sexuais e, por consequência, a garantia da circulação do desejo. Ao contrário, depara-se, atualmente, com a perda de sentido dos afetos nas dinâmicas sexuais, a dificuldade na formação de vínculos e o automatismo do sexo. Disso resulta um empobrecimento no interjogo do prazer, comprometendo as relações humanas e provocando novos sintomas. Notam-se, também, a fragilidade das relações humanas e, por que não dizer, o enfraquecimento da condição de sujeito, visto que as pessoas se encontram cada vez mais alienadas à demanda do social (do outro), não havendo espaço para exercitarem sua singularidade. Dessa forma, pode-se entender o selfie pós-sexo como uma moda que pegou entre os perversos virtuais de plantão ou simplesmente narcisistas alienados de seu próprio desejo, da sua condição de sujeito no mundo.
7 BIBLIOGRAFIA CONSULTADA: FENICHEL, Otto. O Desenvolvimento Psíquico Inicial (Continuação); Desenvolvimentos dos Instintos; Sexualidade Infantil in Teoria Psicanalítica das Neuroses. Rio de Janeiro: Editora Atheneu, 1981, p FREUD, Sigmund. Os instintos e suas vicissitudes (1915) in Edição Stantard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1996, v. XIV, p Pulsões e Destinos da Pulsão (1915) in Escritos sobre a Psicologia do Inconsciente. Obras Psicológicas de Sigmund Freud. Trad. Luiz Alberto Hanns. Rio de Janeiro: Imago, 2004, v.1, p Os instintos e seus destinos (1915) in Obras Completas de Sigmund Freud. Trad. Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 2010, v.12, p FUKS, Lucia Barbero. Narcisismo e Vínculos: ensaios reunidos. Coleção Clínica Psicanalítica. 1ª ed. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2008, p KAHR, Brett. Conceitos da Psicanálise: Exibicionismo. Trad. Carlos Mendes Rosa. Rio de Janeiro: Relume Dumará: Ediouro; São Paulo: Segmento-Duetto, 2005.
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