Notações para Ação Vocal Teatral: Revisão, Proposição e Estudo de Caso
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- Stéphanie Pedroso Salazar
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1 Notações para Ação Vocal Teatral: Revisão, Proposição e Estudo de Caso Marina Florentino Garcia 1 Orientador: Prof. Dr. Maurílio Andrade Rocha 2 A ideia para este artigo surgiu da busca de uma solução para o seguinte problema: até hoje, na literatura técnica teatral, não existe um consenso sobre uma notação para o registro escrito de ação vocal. Consideremos aqui o caso de uma montagem baseada em um texto dramático. Para que se consiga desenvolver e manter as nuances das falas de um personagem durante os meses de ensaio e apresentações, faz-se necessário ao ator construir um registro de suas escolhas interpretativas, ao qual possa recorrer ao longo desse período. A bibliografia disponível sobre o assunto raramente apresenta métodos práticos ou didáticos sobre a forma de se elaborar essas partituras vocais, ao contrário do que acontece, por exemplo, no ensino da música. As partituras musicais possuem um método com simbologia própria, historicamente consolidado para a notação da música ocidental. No entanto, o processo de esquematização de partituras vocais para o teatro se encontra ainda hoje em construção, por isso a importância dessa linha de estudos. Acontece que estou no momento em meio à construção de um espetáculo, e pelas razões acima, decidi que faria esta revisão do assunto e das propostas de partituras disponíveis para a partir daí, reapropriando e transcriando essas propostas, chegar a uma notação que considere suficientemente abrangente e aplicável à minha própria experiência de montagem. Para começar a mostrar os resultados dessa pesquisa, devemos primeiro esclarecer alguns termos e definições. Ação vocal 1 Bacharel do curso de graduação em Teatro, EBA/ UFMG. 2 Prof. Dr. Do Departamento de Fotografia, Teatro e Cinema, EBA/UFMG.
2 O termo ação vocal, introduzido primeiramente por Constantin Stanislaviski ( ), deriva de um outro termo do mesmo autor que é o núcleo central de toda a sua pesquisa: a ação física. Seria esta uma ação corporificada que possui uma intenção, um objetivo no momento em que é executada e que possui um efeito modificador da realidade. Segundo Luiz Otávio Burnier, As ações físicas se configuravam para Stanislavski como o meio pelo qual o ator podia edificar sua arte. Ele constatou que as emoções pertenciam a um universo subjetivo do qual não tínhamos controle (BURNIER, 2009, p. 32) Stanislavski também defendia que o ator possuía um eixo corpo-voz, e não dois polos distintos, sendo então necessário pensá-los conjuntamente. Assim entrou a voz nesse mesmo conceito de ação. Agir por meio da palavra. Com essa ideia concorda Lúcia Helena Gayotto, que ainda acrescenta que: Essa voz capaz de metamorfose pode se materializar nas nuanças dos recursos vocais trabalhados para aquele personagem. As palavras na ação vocal são como estratégias para se alcançar um determinado objetivo, uma intenção, para transmitir um subtexto, para estar em situação.(2002, p. 35) Portanto, para que a ação (tanto pelo corpo quanto pela voz) seja realmente eficaz e modificadora, é necessário que se tenha domínio sobre os recursos disponíveis. Partitura Vocal Da necessidade no teatro de vínculo entre a emissão das palavras, de outros sons e seu contexto vivo, emergiu esta (re)conceituação de ação vocal e a elaboração/análise das partituras vocais, pois estas permitem captar as características da voz cênica em momentos diversos do processo criativo do ator, em ensaios e espetáculos. (Gayotto, 2002, p. 36) Como coloca Gayotto no trecho acima, é essa a função e a definição de uma partitura vocal: um ponto de apoio do ator, onde ele possa registrar suas escolhas interpretativas para reflexão durante a criação e também posteriormente, como forma de resgate, de memória do que foi criado. É também importante definir o termo recursos vocais, pois serão eles que, de forma prática, serão notados na partitura. Novamente segundo Gayotto:
3 Tudo o que se dispõe para falar, [os recursos vocais] compreendem: os recursos primários da voz respiração, intensidade, frequência, ressonância, articulação; os recursos resultantes, que são dinâmicas da voz projeção, volume, ritmo, velocidade, cadência, entonação, fluência, duração, pausa e ênfase. (2002, p. 20) Para a construção da partitura apresentada em Voz: partitura da ação, Gayotto elege os recursos que considera mais pertinentes de serem registrados. São eles pausas (lógica, psicológica e luftpause ), ênfase, curva melódica, intensidade, articulação, duração, velocidade, cadência. Stanislavski também diz de recursos vocais, em A Construção da Personagem, e foca principalmente quatro deles: entonação, pausas, acentuação/palavra expressiva e tempo-ritmo. Quanto à Matteo Belli, ator e estudioso italiano dedicado às ações vocais, se permite uma aproximação maior com o universo musical e chega a sugerir que o texto deve ser entendido de forma sinfônica. Também inova quanto à organização da partitura, que prefere denominar partitura prosódica. A partitura prosódica é constituída da sobreposição de seis sub-partituras: Partitura intencional onde se manifesta a impressão afetiva, a intenção subjetiva e individual de cada ator. Partitura tímbrica onde se registram os timbres e ressonadores utilizados no trecho descrito. Partitura tonal a mais próxima da partitura musical em si. Ela se apresenta dentro de um pentagrama, mas serve mais como referência tonal relativa. Partitura textual onde se registra o texto propriamente dito. Pode conter sinais indicando duração, pausas, acentos, etc. Partitura rítmica: composta simplesmente por pequenos pontos, cuja proximidade ou afastamento denotam o tempo das palavras. Partitura dinâmica: novamente utilizando recursos musicais, as intensidades da fala são relacionadas com os símbolos pp (pianíssimo), p (piano), mp (meio piano), mf (meio forte), f (forte) e ff (fortíssimo). Sobre o nível de detalhamento da partitura de Belli, Juliana Mota escreve:
4 A presença da partitura detalhada possibilita ao ator retomar um texto montado há dois, cinco, dez anos, recuperando as propostas sugeridas na época. Não se trata de uma tentativa de engessar o texto ou de estabelecer uma forma única de se dizer um texto, mas da criação de uma ferramenta que ajuda o ator a explorar o universo sonoro/vocal de uma forma mais consciente e precisa. (2008, p. 74) Relato de construção Tomando como ponto de partida a estrutura de marcas sugerida por Gayotto e a ideia de linhas de sub-partituras proposta por Belli, cheguei em um modelo de partituras que possibilita um registro conciso, prático de ser aplicado e que não exige do ator um grande conhecimento teórico musical. Para a notação desta nova partitura, proponho uma subdivisão em três camadas, inspiradas no método de organização de Matteo Belli. Na figura abaixo, temos um exemplo de uma partitura feita pelo próprio autor. Imagem 01 Partitura prosódica criada por Matteo Belli. Para aprender a observar: em busca de uma atuação polifônica. Juliana Mota, pág. 76 Este propõe um partitura dividida em seis camadas como uma tentativa de abordar o conteúdo dramático de uma fala de uma forma mais complexa. Acredito que esse nível de detalhamento, apesar de completo, torna o trabalho de difícil execução, sendo mais
5 apropriado para um tipo de trabalho onde se tem uma maior necessidade de precisão vocal, como é o caso de sua pesquisa, que é voltada para experimentos vocais. Quanto às marcas e símbolos a serem acrescentados a essas três camadas, apropriome do que foi sugerido por Gayotto, já que seu Guia de Marcas apresenta-se bastante completo, de fácil leitura e escrita e compreensível para atores sem conhecimento musical, o que não é tão certo nas propostas de Belli. Chegamos, então, à seguinte organização: Imagem 02 Guia de marcas. Voz: partitura da ação. Lúcia Helena Gayotto, p. 55
6 A partitura proposta é composta por três linhas simultâneas. Na primeira linha, localizada na parte superior, registraremos as características rítmicas e melódicas do trecho de fala em questão. As pausas, subdivididas entre lógicas, psicológicas e respiratórias (divisão proposta por Gayotto, 2002), serão representadas por barras simples, duplas, ou pelo símbolo v. As curvas melódicas são representadas por setas ascendentes ou descendentes, ou horizontais quando não houver variação. Para o registro de velocidade, aproprio-me da marca sugerida na partitura prosódica de Belli por uma questão de organização. Os traços segmentados que são a sugestão de Gayotto podem ser confundidos com ênfase e articulação, que são por ela notados por símbolos muito semelhantes. Ficamos então com um sequência de pontos que quando muito próximos representam velocidade rápida e lenta quando afastados. Passemos agora para a segunda linha. Nesta teremos o texto propriamente dito, as palavras que devem ser enunciadas pelo ator em cena. Juntamente com esse texto, marcamse as ênfases, que são as palavras vivas, que devem ser enfatizadas. Estas serão representadas por um grifo abaixo da mesma. O parâmetro intensidade será representado por setas verticais apontando para cima ou para baixo, quando da necessidade de um acréscimo ou decréscimo significativo de voz. Um exagero na articulação da alguma palavra ou trecho do texto também é registrado nessa segunda camada, sendo representado por um grifo ondulado abaixo deste. Por último, uma duração alongada de alguma letra (vogal ou consoante) poderá ser descrita por um pequeno círculo acima desta. Este também é um símbolo presente nas proposições de Gayotto. A terceira e última linha/camada é constituída não por símbolos, mas por anotações de intenções, subtextos e marcas que se queira dar ao trecho que é dito. Estas são anotações pessoais de cada ator, que registra o que é necessário para seu próprio entendimento de intenções. Também é um espaço para se registrar quais timbres predominam enquanto se diz essas palavras. Essa mescla das proposições feitas por Gayotto e Belli representam minhas escolhas pessoais, meus hábitos de notação e se aproximam do que acredito que se deva registrar para uma partitura vocal eficiente e possível.
7 Notação proposta visual. Aqui temos um esquema de como seriam as marcas descritas acima, para referência Linha 1: Rítmica/melódica: Pausas - lógicas / - psicológicas // - respiratórias v Curva melódica - agudizando - agravando - monotonal Velocidade - rápida. - lenta.... Linha 2: Textual Texto dramático você Ênfase você Intensidade - forte - fraco Articulação forte ~~~ Duração alongamento Timbre Linha 3: indicativa intencional/tímbrica Intensão/subtexto Nasal Confusa, com medo
8 Conclusão O registro das opções interpretativas das falas de um personagem durante o processo de ensaio pode ser uma experiência enriquecedora para a técnica do ator e também útil para o desenvolvimento deste mesmo processo. É certo que a confecção da partitura vocal exige disciplina e determinação por demandar tempo, mas o próprio processo de construção é um treinamento de auto-observação muito válido. Durante a elaboração da partitura, é necessário que o ator se ouça. Ele primeiro precisa perceber exatamente o que faz em cena, quais recursos utiliza em cada momento e como os utiliza. Acontece que muitas vezes conseguimos um efeito desejado para uma palavra dita, mas ou por que tal efeito lhe é muito natural ou por que já registramos internamente o processo para consegui-lo, não damos devida atenção para a morfologia daquele som. Por isso a utilidade de se escutar, racionalizar e registrar em palavras ou símbolos essas nuances vocais; é um processo de autoconhecimento. Sobre a aplicação desta partitura proposta em minha própria experiência de montagem, observo que me foi útil tanto pelos motivos acima citados quanto para um retorno ao início do processo. Perceber quais mudanças foram feitas intencionalmente e, até, inconscientemente, é muito interessante. Alguns trechos onde no início dos ensaios havia escolhido uma variação dramática de timbre ou de velocidade, acabaram por fim com nuances mais sutis, ou intenções reinterpretadas, enquanto outros trechos permaneceram praticamente intactos; e quando se compara duas partituras de uma mesma frase feitas em momentos diferentes do processo é que se percebe o real crescimento e profundidade obtidas em um personagem. Percebi também que o método de registro é muito pessoal, e que cada um em cada momento da vida, utilizará um esquema de notação diferente, mais adaptado às necessidades e capacidades próprias (e do personagem). O conhecimento de propostas e métodos, como os que analisei neste artigo, é importante para que se tenha um referencial, exemplos que foram bem aplicados, mesmo que não se vá segui-los à risca. Realizar essa revisão das definições, termos e propostas de registro de ações vocais em partituras vocais me foi muito enriquecedor e gratificante. Construir minha própria versão de uma proposta de registro tendo diferentes autores e leituras como referência me
9 fez abrir o olhar para diferentes possibilidades, todas muito válidas e eficientes para os mais diferentes focos e objetivos de um processo de construção vocal cênica. Seguem alguns trechos de partituras elaboradas sobre o texto dramático Loucos de Amor, de Sam Shepard, utilizando o esquema que apresento neste artigo. Exemplos da Partitura Proposta aplicada Imagem 03 Partitura vocal do texto Loucos de Amor criada por Marina Florentino Imagem 04 Partitura vocal do texto Loucos de Amor criada por Marina Florentino
10 Imagem 05 Partitura vocal do texto Loucos de Amor criada por Marina Florentino Imagem 06 Partitura vocal do texto Loucos de Amor criada por Marina Florentino
11 Referências BURNIER, Luis Otávio. A Arte de Ator: da Técnica à Representação. 2ª ed. Campinas, SP: Editora da Unicamp, GAYOTTO, Lucia Helena. Voz: partitura da ação. 2ª ed. São Paulo: Plexus editora, MOTA, Juliana Alves. Para Aprender a Observar: em busca de uma atuação polifônica f. Dissertação (Pós-graduação em Artes) Escola de Belas Artes, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, PAVIS, Patrice. Dicionário de Teatro. São Paulo: Editora Perspectiva, 2005, STANISLAVSKI, Constantin. A Construção do Personagem. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 10ª ed., 2001.
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