URBANIDADE E ARQUITETURA NA PERIFERIA
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- Júlio Vilarinho Carneiro
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1 CONCURSO RENOVA SP Sehab, IAB-DF, PMH São Paulo, SP urbanismo URBANIDADE E ARQUITETURA NA PERIFERIA Projetos vencedores do Renova SP levam qualidade construtiva à periferia de São Paulo. Mas ainda falta discutir a distribuição populacional da cidade POR PATRÍCIA SAMORA 52
2 Na página ao lado, Meninos 1, de Luis Mauro Freire. Abaixo: proposta para o terreno Antônio Sampaio, de Fábio Rago Valentim (Una Arquitetos); Morro do S4, de Hector Vigliecca, e Cabuçu de Baixo 12, de Mônica Drucker A porção periférica e informal da cidade de São Paulo, com seus graves problemas habitacionais e ambientais decorrentes da sua ocupação desordenada e improvisada foi objeto do Concurso Público Nacional de Arquitetura e Urbanismo Renova SP. Organizado pela Secretaria Municipal de Habitação de São Paulo (Sehab), o Renova SP integra o Programa de Urbanização e Regularização de Assentamentos do Plano Municipal de Habitação (PMH), e tem por meta urbanizar 209 assentamentos, com moradias. A partir da existência, inédita na cidade, do Habisp, base de dados cadastrais de toda a precariedade habitacional municipal (que inclui favelas, loteamentos irregulares e cortiços), a Sehab selecionou 22 Perímetros de Ação Integrada (PAI), divididos a partir de sub-bacias hidrográficas que se mostraram prioritários para intervenção na avaliação de índices como infraestrutura, saúde, risco, vulnerabilidade social, entre outros. Foram premiados 17 projetos com primeiro lugar, cinco projetos com segundo prêmio e dois com menções honrosas. Segundo o júri, em cinco perímetros não houve propostas que atendessem plenamente aos critérios de seleção. Com mais de 3 milhões de habitantes, favelas e loteamentos irregulares de São Paulo concentram deficiências ambientais e urbanas e sofrem explosão populacional desde a década de 1970, quando os bairros mais centrais passam a perder moradores. Urbanizar e integrar estas áreas à cidade é condição básica para a superação de problemas como as ocupações em risco e o acesso universal ao saneamento, além de outros. Dentre as equipes escolhidas, algumas foram premiadas em concursos recentes de urbanização de favelas e qualidade da habitação social, tais como as lideradas por Patricia Padilha, Paulo Emílio Buarque Ferreira ou Hector Vigliecca, vencedores do concurso Morar Carioca, da Prefeitura do Rio de Janeiro. Outras, como a de Monica Drucker, destacaram-se no Habitação para Todos, da Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano do Estado de São Paulo (CDHU). Estes profissionais e seus trabalhos dão materialidade às atuais políticas públicas, cada vez mais sensíveis ao fato de que a moradia digna não é apenas um problema de quantidade ou custo, mas sobretudo significa a qualidade do ambiente construído, com forte impacto no modelo urbano decorrente do tecido habitacional produzido. Os trabalhos abordam carências urbanísticas que vão além de problemas como o risco de escorregamentos de encostas íngremes. Um exemplo foi o tratamento dado pela equipe de Paulo Emilio Buarque para o Jardim Japão, que enfrentou o problema do adensamento populacional e a insalubridade das moradias considerando como unidade de projeto a quadra, e não o lote. A estratégia permitiu redesenhar a quadra removendo seus setores mais precários, sobretudo os encravados no interior. Os espaços livres resultantes podem receber novas moradias, áreas de uso comum, equipamentos públicos, a depender de diagnóstico. Outra proposta interessante foi a de Hector Vigliecca para o Morro do S4, na qual a implantação de 53
3 PERÍMETROS DE AÇÃO INTEGRADA Sé Grupo 1 Vencedores 4 MORRO DO S 4 8 CABUÇU DE BAIXO 5 17 ÁGUA VERMELHA 2 20 ORATÓRIO 1 HÉCTOR ERNESTO VIGLIECCA GANI MARCELO DE OLIVEIRA MONTORO CLAUDIO LIBESKIND FÁBIO RAGO VALENTIM Grupo 2 1 PIRAJUSSARA 5 3 PONTE BAIXA 4 6 RIBEIRÃO DOS PERUS 6 11 CABUÇU DE CIMA 8 13 JARDIM JAPÃO 1 21 MENINOS 1 CLAUDIO LIBESKIND DANIELA RAMALHO HÉCTOR ERNESTO VIGLIECCA GANI* PABLO EMILIO ROBERT HERENU PAULO EMILIO BUARQUE FERREIRA LUIS MAURO FREIRE Grupo 3 7 CABUÇU DE BAIXO 4 9 CABUÇU DE BAIXO CABUÇU DE CIMA ARICANDUVA 5 PAULO EMILIO BUARQUE FERREIRA MONICA TEOFILO DRUCKER CATHERINE OTONDO Grupo 4 2 PIRAJUSSARA 7 5 RIBEIRÃO JAGUARÉ 5 10 CABUÇU DE CIMA 7 14 ARICANDUVA 3 16 LAJEADO 1 18 TIQUATIRA 2 19 ÁGUA ESPRAIADA CORDEIRO 1 PATRICIA GARCIA PADILHA MÔNICA TEÓFILO DRUCKER* PEDRO TUMA VIRGINIA MURAD PAULO J. V. BRUNA CAROLINA HAGUIARA CERVELLINI *MENÇÃO HONROSA 54 novas moradias respeita o gabarito e topografia locais, em conjuntos inseridos no tecido preexistente que atuam na costura entre a cidade formal e a informal. O repertório quanto às soluções de drenagem foi bastante esmiuçado pelas equipes, que devolveram aos cursos d água áreas generosas. Desocupação de margens de rios e implantação de parques lineares foram recursos utilizados por muitas equipes, tais como a de Marcelo Montoro no projeto para Cabuçu de Baixo 5 e Luiz Mauro Freire, para Meninos 1, em oposição à arraigada e insustentável prática de ocupação dos fundos de vale por avenidas, comum em programas de desfavelamento que até pouco tempo tiveram espaço na cidade. O concurso exigia o desenvolvimento de projetos habitacionais para três áreas de provisão com o coeficiente de aproveitamento (CA) de 2,5, segundo o Plano Diretor Estratégico. Imagens do entorno dos terrenos demonstram que se tratam de bairros-dormitório periféricos, com moradias populares em regiões com poucos postos de trabalho. Três equipes obtiveram menções honrosas neste quesito: Paulo Emílio Buarque Ferreira no terreno Antônio Sampaio, Marcelo Montoro para Nicolo Prieto e Hector Vigliecca para André Almeida. Todas destacam-se por propor diversidade tipológica e recursos de qualificação urbana, tais como a adoção de unidades comerciais, praças e espaços livres de uso de todo o bairro. No entanto, a adoção de empreendimentos habitacionais com alta densidade populacional e pouca mistura social não auxilia a qualificar as localidades a que se destinam e, talvez, por esta razão, nem todos os projetos alcançaram o máximo coeficiente de aproveitamento (impensável, do ponto de vista urbano, neste programa habitacional). Nos últimos dez anos, a habitação popular vem sendo discutida em alguns ainda poucos concursos
4 Na página ao lado, acima, mapa de São Paulo mostra os perímetros que receberam projetos de urbanização. Abaixo, na mesma página, Jardim Japão, de Paulo Emílio Buarque Ferreira. Nesta página, acima, Pirajussara 5, de Claudio Libeskind e Cabuçu de Baixo 5, de Marcelo de Oliveira Montor, abaixo brasileiros, trazendo resultados reveladores e interessantes dos modelos urbanos propostos por cada um destes certames. Mitificada pelo movimento moderno como ícone representativo das suas premissas sociais no Brasil, a habitação social sofreu percalços advindos da inadequação das políticas implementadas, que raras vezes produziu exemplos de urbanidade com qualidade. Tais políticas deram forma a cidades injustas e excludentes, compostas por extensos conjuntos habitacionais. Edificando a periferia, o modelo teve importante papel no processo de espraiamento das cidades brasileiras ao mesmo tempo em que foi incapaz de atender à demanda por habitação, necessidade que foi suprida, em grande parte, pela produção informal da moradia que concursos como o Renova SP pretendem integrar à cidade. Concursos de arquitetura e urbanismo proporcionam momentos de reflexão sobre as cidades do futuro e, neste sentido, podem mudar paradigmas ou preservar o status quo, a depender do enfoque adotado. No caso da habitação social brasileira, país onde a desigualdade social expressa no acesso à moradia digna é notória, a contribuição de arquitetos no desenho da moradia para as camadas de baixa renda já é, por si, um fato a ser comemorado. O Renova SP é uma iniciativa louvável por qualificar espaços urbanos carentes com boas propostas de desenho urbano. Contudo, o concurso não rediscute a presente dinâmica urbana paulistana, fortemente relacionada com a desigualdade no acesso à terra urbana e à moradia digna, que resultou numa enorme periferia onde abundam assentamentos precários. Ao associar a urbanização da periferia, necessária para eliminação dos riscos e para dar dignidade aos cidadãos já nela instalados, com a provisão habitacional também periférica, conforme os terrenos de provisão propostos no concurso, perde-se a oportunidade de se produzir modelos urbanos mais adequados, levando à ocupação de bairros centrais também por moradia de baixa renda. As cidades terão muito a ganhar quando as políticas urbanas enfrentarem mazelas como trânsito, poluição ambiental e destruição de áreas protegidas em um de seus aspectos cruciais: a distribuição desequilibrada da população no território. 55
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