UNIVERSIDADE FEDERAL DO AMAZONAS INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E LETRAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SOCIOLOGIA MARCO ANTONIO DE SOUZA BRITO

Tamanho: px
Começar a partir da página:

Download "UNIVERSIDADE FEDERAL DO AMAZONAS INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E LETRAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SOCIOLOGIA MARCO ANTONIO DE SOUZA BRITO"

Transcrição

1 UNIVERSIDADE FEDERAL DO AMAZONAS INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E LETRAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SOCIOLOGIA MARCO ANTONIO DE SOUZA BRITO AMBIENTES, PRÁTICAS DE PESCA E TERRITORIALIDADE NO USO DO LAGO GRANDE DE MANACAPURU (AM) Manaus Amazonas 2010

2 MARCO ANTONIO DE SOUZA BRITO AMBIENTES, PRÁTICAS DE PESCA E TERRITORIALIDADE NO USO DO LAGO GRANDE DE MANACAPURU (AM) Dissertação de Mestrado apresentado ao Programa de Pós-graduação em Sociologia da Universidade Federal do Amazonas, como requisito para a obtenção do grau de Mestre em Sociologia. ORIENTADOR: PROF. DR. ANTONIO CARLOS WITKOSKI Manaus Amazonas 2010

3 (Catalogação realizada pela Biblioteca Central da UFAM) B862a Brito, Marco Antonio de Souza Ambientes, práticas de pesca e territorialidade no uso do Lago Grande de Manacapuru (AM) / Marco Antonio de Souza Brito. - Manaus: UFAM, f.; il. color. Dissertação (Mestrado em Sociologia) Universidade Federal do Amazonas, Orientador: Prof. Dr. Antonio Carlos Witkoski 1. Pesca de subsistência - Amazônia 2. Pescadores Amazônia Condições sociais 3. Territórios de pesca 4. Conhecimentos tradicionais I. Witkoski, Antonio Carlos II. Universidade Federal do Amazonas III. Título CDU (811.5)(043.3)

4 MARCO ANTONIO DE SOUZA BRITO AMBIENTES, PRÁTICAS DE PESCA E TERRITORIALIDADE NO USO DO LAGO GRANDE DE MANACAPURU (AM) Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação em Sociologia da Universidade Federal do Amazonas, como requisito para a obtenção do grau de Mestre em Sociologia. BANCA EXAMINADORA PROF. DR. ANTONIO CARLOS WITKOSKI Programa de Pós-graduação em Sociologia - UFAM PROFª. DRª. LÚCIA DA COSTA FERREIRA Núcleo de Estudos e Pesquisas Ambientais - UNICAMP PROF. DR. MANOEL DE JESUS MASULO DA CRUZ Programa de Pós-graduação em Geografia - UFAM

5 AGRADECIMENTOS A Agradeço à FAPEAM Fundo de Amparo à Pesquisa na Amazônia pela bolsa de estudo concedida. À Universidade Federal do Amazonas pela realização das atividades do Programa de Pós-Graduação em Sociologia PPGS / UFAM. Aos ribeirinhos e pescadores das localidades Cajazeira, Jaiteua de Baixo e Jaiteua de Cima pela minha inserção no mundo da pesca. Sou eternamente grato pelos seus ensinamentos. Ao professor Dr. Antonio Carlos Witkoski pelo esforço, dedicação e comprometimento ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia, e com mesmo empenho e paciência nos momentos de orientação desse trabalho, que foi desde o empréstimo de vários livros, perpassando pelas idéias e elaboração de formulários de pesquisa e pelas discussões coletivas envolvendo o grupo de pesquisa por ele organizado projeto PPG7. Aos colegas de pesquisa do projeto rede BASPA / PPG7 pelos ensinamentos e esclarecimentos sobre o tema principal da pesquisa: recursos pesqueiros. Especialmente ao Sérgio (Serginho), à Suzy C. P. Silva, ao Pedro Rapozo e ao Raniere Garcez pelo apoio intelectual e produção dos gráficos inseridos neste trabalho. Aos professores Henrique do S. Pereira, Márcia R. Calderipe e Manoel de J. Masulo da Cruz pela leitura, críticas e colaborações dadas a este trabalho. Aos meus pais, que mesmo à distância me deram e dão total apoio, carinho e boas energias. Ao meu tio César, Giane e família pelo apoio incondicional em minha formação acadêmica e, acima de tudo pela afetividade e solidariedade. Sou eternamente Grato. À Kariny Texeira de Souza, minha companheira de todas as horas, de amor e paciência no dia a dia de nossas vidas. Aos professores do Programa de Pós-Graduação em Sociologia (PPGS /UFAM) pelo incentivo e apoio intelectual durante este período de nossa formação. As aulas e as trocas de idéias em sala de aula foram valiosas. Aos colegas do Programa de Pós-Graduação em Sociologia, obrigado pelo companheirismo e apoio intelectual. Agradeço aos amigos do NUSEC / UFAM pela amizade profissional e lazer de todas as horas, em especial à professora Therezinha de Jesus Pinto Fraxe pelos ensinamentos, oportunidade e apoio intelectual. Aos professores visitantes do nosso Programa de Pós-Graduação em Sociologia, somos gratos pela participação e incentivo ao início desse compromisso social e acadêmico.

6 À memória de meu avô Pedro Lobato Brito

7 RESUMO Este trabalho aborda as práticas de pesca e a territorialidade dos pescadores de subsistência e pescadores comerciais das localidades Cajazeira, Jaiteua de Baixo e Jaiteua de Cima no uso do lago Grande de Manacapuru (AM). O estudo realizado a partir das fases do ciclo hidrológico da região (enchente/cheia/vazante/seca) ressaltou a importância do conhecimento dos pescadores como a dimensão por excelência das práticas de pesca que viabilizam, por intermédio de práticas tradicionais, o manejo e a conservação da natureza dos peixes e seus habitats. Na ocasião das atividades, verificou-se que o ponto de pesca mais praticado é o lanço de igapó, local bom de captura, sendo também o momento da aprendizagem das crianças a serem socializadas na atividade pesqueira. Acompanhando as rotinas de trabalho, observou-se que o lago Grande e o Paraná do Anamã são lugares aquáticos vitais para estas localidades, pois não secam totalmente em períodos de estiagem (seca). Este fato permitiu compreender os acordos informais subjacentes às práticas de pesca, bem como identificar os principais conflitos e as possíveis iniciativas locais de intervenção na apropriação desses e de outros ambientes e seus recursos, com base nos interesses e necessidades das próprias localidades. Palavras-chave: Conhecimento; Práticas de pesca; território de pesca..

8 ABSTRACT This works approach about the subsistence and commercial fishermen s fishery practice and territoriality from the Cajazeira, Jaiteua de Baixo and Jaiteua de Cima localities at the Manacapuru Big Lake (Amazon). This study was realized starting in the regional hydrological cycle (rising/flood/receding/dry) and shows the importance of fishermen knowledge as a Excellency dimension for the fishery practice that was possible due to its be intermediated by the traditional practice, management and the environment conservation fish and its habitats. During the fisheries practice, was verified that the fisheries sector more used was the lanço de igapó, good place for fish capture, be came also the learning time from kids that was socialized with fisheries activities. Accompany the works routine we observed that the Manacapuru Big Lake and the Paraná do Anamã were the vital aquatic places for these localities, because these fisheries place does not dry completely during the dry season. This fact permit us to understand the informal agreements congruent with the fisheries practice, as well to identify the main fisheries conflicts and the possible local initiative for interventions the appropriation of the fisheries environment and other resources, based on localities interest and needs. Key word: knowledge; fishery practice; fishery territory

9 LISTA DE FIGURAS Figura 1 Localização do rio Manacapuru e do lago Grande Figura 2 Comunidade Nossa Senhora do Perpétuo Socorro Cajazeira Figura 3 Comunidade Nossa Senhora Aparecida Cajazeira Figura 4 Comunidade Santo Antonio Jaiteua de Baixo Figura 5 Comunidade Nossa Senhora do Perpétuo Socorro Jaiteua de Cima 23 Figura 6 Comunidade Santa Izabel Jaiteua de Cima Figura 7 Comunidade Assembleia de Deus Tradicional Jaiteua de Cima Figura 8 Comunidade Assembleia de Deus Jaiteua de Cima Figura 9 Mapa da área de estudo: comunidades participantes da pesquisa Figura 10 Paisagem do lago Grande de Manacapuru Figura 11 Paisagem do Igarapé da Cajazeira no período da seca Figura 12 a) Terraço que geralmente inunda; b) Terraços possíveis de 36 inundação dependendo da intensidade da cheia (espacialidade e volume)... Figura 13 Terra alta: lugar possível de inundação Figura 14 O lago Grande: entremeado por ilhas Figura 15 Imagem de satélite do lago Grande de Manacapuru: período da seca 42 / 2005; Período cheia / Figura 16 O igapó Figura 17 a) Comunidade Nossa Senhora do Perpétuo Socorro; b) Comunidade 51 Nossa Senhora Aparecida -- Cajazeira... Figura 18 a) Cajazeira: período da seca; b) Cajazeira: período da cheia Figura 19 a) transporte; b) pontes; c) varadouros; d) cacimbas Figura 20 O calendário das atividades produtivas Figura 21 Produção de farinha Figura 22 O período da seca em Jaiteua de Baixo Figura 23 Cacimba Figura 24 Trapiche: lugar para lavar utensílios domésticos e ponte improvisada 65 Figura 25 O calendário das atividades produtivas em Jaiteua de Baixo Figura 26 Paraná do Tauari no período da seca Figura 27 Paraná do Seringa no período da seca Figura 28 Território da comunidade Nossa Senhora do Perpétuo Socorro sujeito à inundação. Jaiteua de Cima... 70

10 Figura 29 Ponte improvisada Figura 30 Calendário das atividades produtivas realizadas em Jaiteua de Cima 72 Figura 31 O roçado em Cajazeira Figura 32 Pescadores citadinos Figura 33 Preparo de um lanço (floresta alagada): época da seca Figura 34 Pesca no lanço (floresta alagada): época da enchente Figura 35 Preparo de um lanço de terra firme: época da seca Figura 36 Preparo e atuação da pesca de lanço de terra firme no lago São 122 Lourenço, Manacapuru... Figura 37 Perfil da malha, instrumentos de confecção de malhadeiras e 126 malhadeiras coloridas... Figura 38 Peixe preso na tramalha Figura 39 Caniços Figura 40 Composição do arco e flecha; 2) flecha montada; 3) partes físicas da 128 flecha azagainha; 4) ilustração da montagem; 4) o pescador manuseando-a... Figura 41 O arpão. Da esquerda para direita: 1) tipos de arpão; 2) haste e 129 manuseio; 3) arpoeira; 4) ponteira perfurante do arpão; 5) orifício de encaixe da ponteira... Figura 42 Pontos de desmatamento às margens do igarapé da Cajazeira Figura 43 Imagem de satélite do lago Grande cheia Figura 44 Imagem de satélite do lago Grande seca

11 LISTA DE GRÁFICOS Gráfico 1 Intensidade da atividade pesqueira dos pescadores de Cajazeira. 53 Enchente: o melhor preço do pescado e média dificuldade de captura; Vazante/Seca: períodos de maior fartura e captura em quantidade de pescado. Pescado barato... Gráfico 2 Intensidade da atividade pesqueira dos pescadores de Jaiteua de 62 Baixo. Enchente: o melhor preço do pescado no mercado, porém de difícil captura; Vazante/Seca: períodos de maior fartura, facilidade de captura em quantidade de pescado, porém preço barato no mercado... Gráfico 3 Intensidade da atividade pesqueira dos pescadores de Jaiteua de 71 Cima. Enchente: melhor preço do pescado no mercado e relativa facilidade de captura; Vazante/Seca: períodos de maior fartura, facilidade de captura em quantidade de pescado, porém preço barato no mercado... Gráfico 4 Instituições religiosas Gráfico 5 Pescadores de subsistência e pescadores comerciais Gráfico 6 Atividades criatórias Gráfico 7 Peixes mais comercializados e capturados nos lanços de pesca Gráfico 8 Apetrechos de pesca mais utilizados para pesca comercial e 125 subsistência... Gráfico 9 Territórios de pesca: Cajazeira Gráfico 10 Apetrechos de pesca Gráfico 11 Territórios de pesca Gráfico 12 Apetrechos de pesca Gráfico 13 Territórios de pesca: Jaiteua de Baixo Gráfico 14 Apetrechos de pesca

12 LISTA DE QUADROS Quadro 1 Critérios para escolha das comunidades Quadro 2 Associações de comunidades Quadro 3 Nível de participação social e política na Colônia de Pescadores de 82 Manacapuru Z 9... Quadro 4 Nível escolar Quadro 5 O cultivo nos quintais das moradias em Cajazeira Quadro 6 Indicação dos elementos presentes na pesca do lanço Quadro 7 Critérios biológicos e ecológicos para confecção dos apetrechos de 123 pesca... Quadro 8 Ambientes de pesca

13 SUMÁRIO INTRODUÇÃO CAPÍTULO I A DINÂMICA ECOLÓGICA DO LAGO GRANDE DE 30 MANACAPURU O lago Grande de Manacapuru O tempo ecológico do ciclo das águas nas localidades Cajazeira, Jaiteua de Baixo e Jaiteua de Cima Cajazeira Jaiteua de Baixo Jaiteua de Cima CAPÍTULO II PESCADORES E PESCARIAS A vida comunitária dos pescadores e de suas famílias nas localidades 76 Cajazeira, Jaiteua de Baixo e Jaiteua de Cima A família do pecador como unidade de trabalho nas atividades produtivas Pescadores de subsistência, pescadores comerciais e pescadores de fora Reflexões sobre tempo ecológico e tempo social na pequena produção mercantil simples A pesca no lanço: o conhecimento básico para o manejo da pesca de 110 subsistência e pesca comercial Apetrechos de pesca CAPÍTULO III TERRITÓRIOS DE PESCA NO USO DO LAGO GRANDE DE MANACAPURU A noção de território de pesca Territórios de pesca e as relações sociais estabelecidas Cajazeira Jaiteua de Cima Jaiteua de Baixo CONSIDERAÇÕES FINAIS REFERÊNCIAS ANEXO

14 14 INTRODUÇÃO O estudo objetivou identificar e compreender as práticas de pesca e as territorialidades dos usuários dos recursos ictiofaunísticos do lago Grande de Manacapuru, a partir de agentes sociais estabelecidos em três localidades rurais do município de Manacapuru (AM): Cajazeira, Jaiteua de Baixo e Jaiteua de Cima. A caracterização espacial (física) do lago Grande Manacapuru também compôs os objetivos da pesquisa. Para esclarecimento do leitor, o termo localidade para cada um dos nomes acima, e apenas como condição operacional da pesquisa, refere-se aos locais onde estão estabelecidas as comunidades ribeirinhas situadas nas proximidades das margens do lago Grande de Manacapuru. Os nomes dados às localidades são de autoria dos moradores e convencionado historicamente por eles, cuja forma de classificação ou nomeação do local de moradia não consta nas definições do IBGE 1 ou em mapas (na época do estudo exploratório) de identificação de bairros ou assentamentos do município de Manacapuru. O principal referencial geográfico dado às localidades por trabalhadores do Terminal Pesqueiro 2 de Manacapuru, era de estarem próximas ao lago Grande de Manacapuru ou identificadas por comunidades próximas à sede do município. A comunidade Nossa Senhora das Graças, por exemplo, situada às margens do rio Solimões e área focal dos estudos do PIATAM 3 / UFAM cedeu informações sobre a localização e identificação das lideranças dessas localidades. A importância da pesca na Amazônia é antiga e fundamental para a economia das populações ribeirinhas (BATISTA et al., 2004). A pesca comercial e a pesca de subsistência são, sem dúvida, as principais atividades aquática da várzea, onde a maior parte dos moradores pescam por meio período ou em tempo integral. Portanto, o peixe é a principal fonte de proteína e de renda (BARTHEM et al., 1995; ALMEIDA et al., 2006). Bayley & Petrere Jr. (1989) estimaram que em 1980 cerca de 61% do total de capturas do Estado do Amazonas (125,665 t) era de origem do mercado local e das pescarias de subsistência. O lago Grande de Manacapuru é uma região de alto potencial pesqueiro onde os moradores e pescadores utilizam o pescado para o consumo e para abastecer os mercados locais e de outros municípios. O volume de pescado comercializado no mercado de Manacapuru é considerado o terceiro maior do Estado do Amazonas, depois de Manaus e 1 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. 2 Este terminal pesqueiro flutuante fica atracado na beira do Rio Solimões, em frente à cidade de Manacapuru e recebe o pescado vindo de embarcações maiores conhecidos localmente como motores de pesca. Furtado (1993) reconhece como barcos geleiros. 3 Projeto Inteligência Socioambiental Estratégica da Indústria de Petróleo na Amazônia PIATAM.

15 15 Tabatinga (RUFFINO et al., 2004). A maior parte desse pescado é proveniente da pesca de subsistência e comercial realizada nos lagos do sistema lago Grande de Manacapuru e rio Solimões. Diante deste contexto de intensificação da pesca mercantil realizada no lago Grande Manacapuru, a problemática da pesquisa sugere se a experiência de vida, as práticas de pesca e a territorialidade dos pescadores das localidades Cajazeira, Jaiteua de Baixo e Jaiteua de Cima podem ser pensados como elementos culturais de iniciativas para o manejo racional dos recursos pesqueiros. Esta hipótese parte do princípio que é preciso entender que as culturas tradicionais possuem singularidades por se desenvolverem como forma de produção mercantil simples onde não prevalece a acumulação capitalista em grande escala, já que o uso da força de trabalho assalariado é reduzido e as atividades econômicas são de pequena escala. A combinação das atividades econômicas para garantir a subsistência (agricultura, pesca e extrativismo) com o uso de tecnologias simples, de pouco impacto ambiental e de forte identificação entre os grupos sociais em razão de sua cultura, contribuem para as possibilidades do manejo racional dos recursos pesqueiros (DIEGUES, 1983). Deste modo, trabalhamos com comunidades rurais que se apropriam dos ambientes aquáticos e terrestres para aquisição dos seus meios de vida. Não se tratando necessariamente de comunidades de pescadores. O conceito de territorialidade utilizado na pesquisa se configura como um importante referencial para entender o esforço coletivo dos pescadores das localidades Cajazeira, Jaiteua de Baixo e Jaiteua de Cima em usar, ocupar e controlar parcela específica de seu meio social e biofísico os pontos de pesca, e com ela se identificar, convertendo-a em seu território território muitas vezes bem delimitado e conflitante (LITTLE, 2002). Neste estudo, subjaz à noção de territorialidade, o conhecimento e as ações dos pescadores ao se apropriarem dos recursos ictiofaunísticos do lago Grande de Manacapuru, necessários à manutenção do seu modo de vida. As motivações da pesquisa, num período anterior ao estudo, surgiu do meu interesse associado às motivações de um grupo de professores da Universidade Federal do Amazonas 4 4 Esta pesquisa foi coordenada pela profª. Dra. Therezinha de Jesus Pinto Fraxe e pelo prof. Dr. Antônio Carlos Witkoski (NUSEC/UFAM). Este projeto fez parte de um projeto interdisciplinar chamado Bases Para Sustentabilidade da Pesca na Amazônia Central (BASPA) e constituído de outros projetos sub-redes sob coordenação dos seguintes pesquisadores e respectivos projetos: Prof. Dr. Alexandre Almir Ferreira Rivas Estimativa de Valor de Não-Uso de Recursos Ambientais na Região do Lago de Manacapuru (AM); Prof. Dr.

16 16 (UFAM), interessados em estabelecer uma proposta de manejo e uso coletivo de recursos comum (nesse caso, recursos pesqueiros), envolvendo as comunidade ribeirinhas e os pescadores da sede de Manacapuru e de outras áreas vizinhas que utilizavam o lago Grande de Manacapuru. As hipóteses para a intenção do manejo para as comunidades ribeirinhas no âmbito do lago Grande de Manacapuru, partiram dos pesquisadores tendo como fundamento a sobrepesca de algumas espécies da ictiofauna deste complexo, como é o caso do tambaqui (Colossoma macropomum) e do tucunaré (Cichla monoculus), o primeiro, já em condição de sobrepesca, e o último, próximo desta condição como previsto por Soares (et al., 2008). Para levar adiante esta proposta, os professores coletivamente elaboraram um projeto interdisciplinar chamado BASPA Bases Para a Sustentabilidade da Pesca na Amazônia, um projeto guarda chuva (amplo) envolvendo algumas disciplinas acadêmicas, tais como biologia, engenharia de pesca, economia e sociologia. Este projeto foi financiado pelo PPG7 5 em parceria com MCT/CNPq. Eu, na condição de aluno de graduação e bolsista de iniciação científica, fiquei interessado em participar da pesquisa, tendo como orientador o Prof. Dr. Antonio Carlos Witkoski, sob o projeto O caboclo ribeirinho e as modalidade de pesca no uso do lago Grande de Manacapuru. Metodologia A pesquisa de campo foi realizada por meio do método etnográfico. A opção pela etnografia teve como propósito converter o observador em parte da observação, na medida em que reinterpreta as representações sociais dos informantes, através do enfoque interpretativo desses atores sobre o fato ou fenômeno interpretado e compreendido pelo Carlos Edwar de Carvalho Freitas Estratégias de Manejo Pesqueiro na Amazônia; Profª. Dra. Maria Gercília Mota Soares Biologia e Ecologia de Peixes de Lago de Várzea: subsídios para conservação e uso dos recursos pesqueiros da Amazônia; Prof. Dr. Antônio José Inhamuns da Silva Manejo Tecnológico Racional do Pescado em Comunidades Rurais no Estado do Amazonas; Prof. Dr. Miguel Petrere Jr. Manejo em Lagos de Várzea Utilizando Modelos de Produção; 5 O Programa Piloto para a Proteção das Florestas Tropicais do Brasil - PPG7 é uma ação conjunta do governo brasileiro, da sociedade civil brasileira e da comunidade internacional, visando à conservação das florestas tropicais do Brasil. Entre os subprogramas que compõem o Programa Piloto, o Subprograma de Ciência e Tecnologia - SPC&T Fase II tem como objetivo promover e disseminar, de forma coordenada, pesquisas científicas e tecnológicas em áreas relevantes do conhecimento, visando contribuir para a conservação e o desenvolvimento sustentável da Região Amazônica.

17 17 pescador. Ou seja, transformar o exótico (o pouco conhecido ou o diferente) em familiar (em conhecimento) (DAMATTA, 1987). Geertz (1989) percebe o trabalho etnográfico sob a seguinte perspectiva: Fazer a etnografia é como tentar ler um manuscrito estranho, desbotado, cheio de elipses, incoerências, emendas suspeitas e comentários tendenciosos, escritos não com os sinais convencionais do som, mas com exemplos transitórios de comportamento modelado (GEERTZ, 1989, p. 20). O estudo etnográfico se revela um método de observação eficaz, pois pela intensidade do trabalho de campo permite apreender os significados das práticas e representações sociais, ou seja, começamos com as nossas próprias interpretações do que pretendem nossos informantes ou que achamos que eles pretendem, e depois passamos a sistematizá-las para melhor compreendê-las (GEERTZ, 1989, p. 7). Para Geertz (1989) o trabalho etnográfico enfrenta as seguintes dificuldades: [o exercício etnográfico envolve] uma multiplicidade de estruturas conceptuais complexas, sobrepostas ou amarradas umas às outras, que são simultaneamente estranhas, irregulares e implícitas, e que ele [o etnográfico] tem que, de alguma forma, primeiro apreender [o fenômeno] e depois apresentar. E isso é verdade em todos os níveis da atividade do seu trabalho de campo (p. 7). Nessa perspectiva etnográfica é que focalizamos, por exemplo, os aspectos sociais na pesca de lanço e as regras sociais estabelecidas em seu uso pelos pescadores das localidades pesquisadas. Área de estudo O município de Manacapuru está localizado na 7ª Sub-Região na região dos rios Negro Solimões, com altitude de 34 m acima do mar, tendo uma área territorial km² (Biblioteca Virtual do Amazonas, 2007). O acesso a Manacapuru pode ser via rodovia, através da estrada Manuel Urbano AM-070 que liga o município à cidade de Manaus. O acesso pode ser feito também por via fluvial através do rio Solimões. Manacapuru se encontra distante de Manaus por via terrestre a 85 km e por via fluvial a 102 Km. Nessa região está situado o lago Grande de Manacapuru. Esse lago é caracterizado pela flutuação do nível das águas com cerca de 10 m, os quais resultam em períodos de cheia e seca bem definidos (FREITAS & GARCEZ, 2004). É formado por uma rede de ambientes aquáticos que se conectam ou se separam durante as fases do ciclo hidrológico

18 18 (enchente/cheia/vazante/seca), por canais, lagos, furos, igarapés, paranás e restingas que formam uma grande área de várzea. Essas áreas são habitadas por grande variedade de espécies de peixes migradoras e residentes (FREITAS & GARCEZ, 2004), sendo por isso, de interesse amplo para a pesca comercial regional. As principais atividades do setor primário no município de Manacapuru se encontram, em sua maioria, na zona rural. Entre elas, destacam-se, como produção de várzea, a agricultura da mandioca, juta, milho, feijão e hortaliças em geral. E na produção da fruticultura, destacam-se o cultivo do maracujá, cupuaçu, mamão, abacaxi, banana e abacate. O extrativismo vegetal ainda é uma atividade de grande significado para a economia local através da exploração de produtos, tais como, a borracha, a pupunha e a madeira. A pecuária se destaca pela criação de bovinos, equinos e suínos. No município, também, executam-se atividades de avicultura, principalmente a criação de galinhas de postura destinadas ao consumo local e, parte do excedente, vendido aos municípios vizinhos. A atividade pesqueira apresenta forte desempenho, destacando-se pela alta rentabilidade. Dentre as espécies mais populares e consumidas, destacam-se o pacu, a sardinha, o curimatã, a branquinha, o matrinxã, o acari-bodó e peixes lisos em geral. A piscicultura (criação de peixes em cativeiro) é uma das atividades em crescimento no setor pesqueiro local, havendo a existência de viveiros de algumas espécies, tais como, o tambaqui e o pirarucu; espécies saborosas pela qualidade e textura da carne, sendo muito apreciados pelas redes de restaurantes em geral, redes de hotéis e redes de supermercados. As qualidades destas espécies agregam alto valor de rentabilidade e o público consumidor, mais frequentes são clientes da classe média e alta (BIBLIOTECA VIRTUAL DO AMAZONAS, 2007). De acordo com Vandick Batista et al., (2004), embora, nesta área, já tenham sido criados pesqueiros reais desde o século XVII, e houvesse ocorrido movimentos migratórios relacionados ao extrativismo da borracha desde o século XIX, a pesca no rio Solimões até a década de 1960 era considerada de baixa exploração em decorrência da pequena densidade populacional existente nas cidades da Amazônia brasileira em geral, principalmente na Amazônia Central região de Manacapuru e cidades vizinhas. Porém essa situação foi transformada significativamente a partir dos projetos desenvolvimentistas implementados pelo governo federal (a Zona Franca de Manaus e Projetos de Assentamentos Rurais) a partir da segunda metade da década de 1960 (século XX) em diante, na região (KOHLHEPP, 1984 apud BATISTA et al., 2004). Como conseqüência ocorreu um grande aumento demográfico na área urbana de Manacapuru, e principalmente em Manaus e cidades vizinhas, exigindo,

19 19 como desdobramento, o aumento e investimentos em novas forças produtivas (adicionais às já existentes), tais como: compra de novas tecnologias de pesca barcos movidos a diesel, redes de pesca, construção de frigoríficos e, consequentemente, exigindo mais mão de obra, isto é, mais pescadores com dedicação exclusiva. Na ocasião da pesquisa, somam-se cerca de 20 mil pescadores profissionais lotados em Manaus e em diversas cidades do interior do estado do Amazonas, atividade profissional exercida predominante pela população ribeirinha (BATISTA et al, 2004). Em Manacapuru são pescadores associados à Colônia de Pescadores Z9 (instituição que organiza e regulamente a atividade de pesca) acrescidos também de outros pescadores que não são associados às Colônias de Pescadores. Diante dessa nova realidade social, a pesca no município de Manacapuru é o reflexo do processo de capitalização do setor pesqueiro, incentivada principalmente pela cidade de Manaus, o maior consumidor de pescado; lembrando que boa parte da produção de pescado é destinada para outros estados brasileiros, principalmente, os da região Sudeste e também para outros países. Para a seleção das comunidades (distribuídas nas três localidades) a serem envolvidas na pesquisa, tomaram-se por base, os critérios definidos no workshop PPG7, realizado em Manaus no dia 28 de Maio de Esse workshop foi realizado pelas equipes (coordenadores e pesquisadores) do projeto BASPA que, por sua vez, foram responsáveis pela execução dos projetos sub-redes que constituem o primeiro. Na ocasião do evento, foram colocadas algumas questões comuns e peculiares a todas as equipes. Algumas dessas questões faziam a seguinte referência: 1) critérios de escolha das comunidades; 2) o planejamento das viagens a campo; e 3) a aplicação conjunta dos instrumentos de coleta de dados. No decorrer do evento, foram abordados alguns critérios para a seleção das comunidades. Esses critérios foram baseados em aspectos espaciais (geográficos), ecológicos e socioeconômicos (Quadro 1). Aspectos/Variáveis Espacial Atividade econômica N. de Famílias Comunidade próxima da cidade de Manacapuru Comunidade intermediária à cidade de Manacapuru Comunidades que não atuam intensamente na pesca comercial Comunidades em transição na pesca comercial

20 20 Comunidade distante da cidade de Manacapuru Quadro 1 Critérios para escolha das comunidades. Fonte: Relatório do Workshop PPG7, Maio (2006). Comunidades que atuam intensamente na pesca comercial Entre 15 a 30 famílias A primeira pesquisa de campo foi realizada quase no final do primeiro semestre de 2006, mais precisamente no período de 26 a 29 de maio. A viagem teve como objetivo, através do estudo exploratório, o reconhecimento das comunidades situadas em áreas de influência do lago Grande, lago São Lourenço e rio Manacapuru. As equipes da sub-rede saíram de Manaus no dia 26 de maio, às 21:00 h com destino à cidade de Manacapuru (sede do município). Após a chegada, os coordenadores da excursão entraram em contato com o Sr. Mureru, morador e proprietário de uma casa flutuante 6 situada às margens do rio Solimões, que os guiou pelo rio Manacapuru até a comunicação com a última comunidade visitada (Figura 1). Figura 1 Localização do rio Manacapuru e do lago Grande. Fonte: Imagem de Satélite Landsat, Após o embarque do Sr. Moreru, o barco-pesquisa partiu do município de Manacapuru, próximo ao principal terminal pesqueiro (recebimento e venda de pescado), em 6 Tipo de habitação comum nos ecossistemas de várzea baixa, construídos sobre prancha de madeira ou bóias do tipo tronco de madeira de baixa densidade permitindo acompanhar o movimento das águas decorrente da sazonalidade.

21 21 direção aos locais da pesquisa. Assim, depois de algum tempo de viagem, a equipe se deparou com a localidade denominada Cajazeira. Nesse local, visitamos a primeira comunidade, então chamada Nossa Senhora do Perpétuo Socorro e fizemos o contato com Sr. Raimundo Corrêa da Silva, morador e líder comunitário. Ele nos repassou o quantitativo de 15 famílias residentes na localidade e as principais atividades de trabalho baseadas na agricultura e pesca de subsistência (Figura 2). Figura 2 Comunidade Nossa Senhora do Perpétuo Socorro Cajazeira. Fonte: Dados de campo (2006). A segunda comunidade visitada, também estabelecida na mesma localidade, foi Nossa Senhora Aparecida. A liderança local representada pelo Sr. José Delemir Dias da Silva nos informou que a comunidade reunia cerca de 20 famílias e as principais atividades de trabalho baseadas na agricultura e pesca de subsistência, característica muito semelhante à comunidade Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, também influenciada pela proximidade (Figura 3).

22 22 Figura 3 Comunidade Nossa Senhora Aparecida. Fonte: Dados de campo (2006). A terceira comunidade visitada foi Santo Antônio, estabelecida na localidade denominada Jaiteua de Baixo. De acordo com os relatos do Sr. Abdias Monteiro, líder da comunidade, a mesma reúne cerca de 20 famílias. Parte significativa das famílias se dedica exclusivamente à pesca comercial, a outra parcela mantém suas atividades pesqueiras, associadas às outras atividades, tais como, agricultura, extrativismo e atividades criatórias (Figura 4). Figura 4 Comunidade Santo Antonio. Fonte: Dados de campo (2006).. A quarta comunidade visitada foi Nossa Senhora do Rosário. Neste local, residem cerca de 25 famílias que realizam atividades criatórias de pequenos animais, tais como, galinhas, porcos e poucas cabeças de gado e pescam apenas para subsistência. A liderança

23 23 da comunidade na época da visita não estava na comunidade. Então, o Sr. Francisco Rosano Lopes Monteiro, morador da comunidade Santo Antônio (Jaiteua de Baixo) e ex-agente da Secretaria de Desenvolvimento Sustentável SDS de Manacapuru foi solidário com relação às informações acima explicitadas, acompanhando-nos também ao local. A quinta comunidade visitada foi Boa Esperança, localizada em Jaiteua do Meio. Na ocasião, não foi possível obter informações a respeito desta comunidade, pois o seu líder e a maioria dos moradores estavam em comemoração festiva em outra comunidade não descrita nesse trabalho. Mais uma vez, o Sr. Francisco Rosano Lopes Monteiro, morador da comunidade Santo Antônio, mediou a comunicação com a comunidade, mas não pôde prestar informações mais precisas sobre a mesma. A sexta comunidade visitada foi Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, situada na localidade Jaiteua de Cima. O líder comunitário, o Sr. Raimundo Martins Corrêa, nos informou que nela residem aproximadamente 25 famílias. A produção econômica local está baseada em atividades de pesca, agricultura e criação de pequenos e médios animais. As atividades são desempenhadas para a subsistência, mas parte significativa da produção se destina à comercialização (Figura 5). Figura 5 Comunidade Nossa Senhora do Perpétuo Socorro. Jaiteua de Cima. Fonte: Dados de campo (2006). A última comunidade visitada foi Nova Esperança, localizada no paraná do Ajará (na área de influência direta do lago Grande), próxima às imediações do rio Solimões. O líder comunitário, o Sr. José Lino Duarte dos Santos informou que as principais atividades econômicas são a pesca comercial e a agricultura, havendo, também, a prática de atividades criatórias criação de gado. De acordo com os moradores, a comunidade utiliza cerca de

24 24 seis lagos onde realizam a atividade pesqueira. Em razão da impossibilidade de acesso a esta comunidade no período da seca e pelo fato de estar muito distante das demais, optou-se por não incluí-la nesta pesquisa. As comunidades Assembleia de Deus Tradicional, Assembleia de Deus e Santa Isabel situadas na localidade Jaiteua de Cima, não descritas acima, não foram visitadas no primeiro estudo exploratório. Porém, em trabalho de campo posterior falamos com os líderes comunitários dessas comunidades. O Sr. Smith Tavares da Silva, líder da comunidade Santa Isabel mencionou a existência de 30 famílias, que praticam a pesca mais para a subsistência, tendo como atividade principal a agricultura e a criação de animais (Figura 6). Figura 6 Comunidade Santa Izabel Jaiteua de Cima. Fonte: Dados de campo (2006).. A Sra. Maria Vera Lúcia Custódio da Silva, líder da comunidade Assembleia de Deus Tradicional informou sua convivência com 30 famílias dedicadas principalmente a pesca comercial, seguida da agricultura e do extrativismo (Figura 7).

25 25 Figura 7 Comunidade Assembleia de Deus Tradicional. Jaiteua de Cima. Fonte: Dados de campo (2006). O Sr. Valdenir de Assis de Oliveira, líder da comunidade Assembleia de Deus, afirmou que a comunidade tem aproximadamente 17 famílias, que se dedicam fundamentalmente à agricultura e a pesca de subsistência (Figura 8). Figura 8 Comunidade Assembleia de Deus. Jaiteua de Cima. Fonte: Dados de campo (2007). As comunidades Nossa Senhora do Rosário e Nova Esperança, embora apresentassem características importantes para a pesquisa, não foram incluídas neste trabalho pelas dificuldades naturais de acesso durante o período da vazante, e mais difícil ainda, na época da seca do ciclo hidrológico. A comunidade Boa Esperança não foi incluída na pesquisa, porque estava em fase de agregação de moradores e reunindo na ocasião,

26 26 apenas cinco famílias. As atividades de trabalho das famílias eram desempenhadas, na maioria das vezes, em comunidades vizinhas. Diante desse contexto e de acordo com os coordenadores dos projetos sub-redes baseados nos critérios estabelecidos no Workshop PPG7, as unidades sociais (comunidades) participantes da pesquisa foram as seguintes: 1) comunidades Nossa Senhora do Perpétuo Socorro e Nossa Senhora Aparecida estabelecidas em Cajazeira (3 14'31.00"S / 60 45'58.00"O). Próxima desta, está a localidade Jaiteua de Baixo (3 15'50.02"S / 60 45'9.37"O), onde está estabelecida a única comunidade, cujo nome é Santo Antônio. E por último, a localidade Jaiteua de Cima (3 15'2.34"S / 60 51'55.92"O) que reúne quatro comunidades: Santa Izabel, Assembleia de Deus Tradicional, Assembleia de Deus e Nossa Senhora do Perpétuo Socorro. E verificou-se que, dependendo do ponto de partida, a distância destas localidades para a sede do município de Manacapuru pode variar de aproximadamente 0:45 h/min de motor (barco/voadeira) na época da cheia e/ou até 2:00 h (ou mais) na época da seca, navegando através do canal principal e por múltiplos atalhos furos, paranás e igarapés (Figura 9). Figura 9 Mapa da área de estudo: comunidades participantes da pesquisa. Fonte: Imagem do Google Earth 2006, com modificações.

27 27 Para a coleta de dados, trabalhamos com algumas técnicas de abordagem, tais como: entrevistas abertas, formulários, mapas mentais, uso de GPS (georeferenciador de território), câmera fotográfica, gravador de voz e diário de campo. As entrevistas abertas são de natureza mais interativa, e permitiram tratar de temas mais complexos que dificilmente poderiam ser investigados adequadamente, através de formulários ou questionários (MINAYO, 2004). Em torno de 14 (dez) entrevistas abertas foram realizadas com os chefes de famílias, principalmente pescadores comerciais. Mas, nesse quantitaivo, incluiram-se entrevistas com mulheres responsáveis integralmente pelo lar (3 donas de casa) e 3 (três) idosos. Nas entrevistas, abordamos assuntos relativos ao manejo da pesca (conhecimentos e práticas), as principais motivações/necessidades e os principais problemas enfrentados na atividadade pesqueira em seus contextos de trabalho. A vida em comunidade, a história social das famílias, a dificuldade financeira, as alternativas de trabalho e a contextualização das especificidades socioambientais de cada localidade também foram abordadas. Os formulários (MINAYO, 2004) foram aplicados às famílias, considerando como critério, os agentes sociais que vivem exclusivamente ou quase exclusivamente da renda do pescado e/ou aqueles agentes sociais que se consideraram pescadores comerciais; geralmente chefes de famílias ou filhos mais velhos e, em determinadas situações, as mulheres quando consideradas responsáveis pela família do ponto de vista financeiro ou do provimento dos meios materiais de vida. Os dados obtidos para composição dos gráficos foram originados do formulário BASPA, cujo conteúdo se refere a perguntas, quadros e tabelas pertinentes aos aspectos da prática da pesca (etnoconhecimento, etnoconservação dos recursos pesqueiros e dados socioeconômico) em relação direta com as fases do ciclo hidrológico da região enchente, cheia, vazante e seca. Este formulário coletou dados para as equipes sub-redes ecologia de peixes, biologia, socioeconomia e tecnologia do pescado para facilitar a necessária compreensão e interdependência entre áreas do conhecimento, permitindo assim a leitura mais ampla dos processos culturais e materiais relacionando homem e natureza. 100% dos dados obtidos nos formulários BASPA expressam o quantitativo de 64 unidades aplicadas, isto é, abrangeu a expectativa de 40,7% do total de famílias existentes nas localidades. De todos os gráficos elaborados, alguns correspondem, por exemplo, aos ambientes de pesca mais utilizados pelos pescadores de subsistência e pescadores comerciais

28 28 das localidades, porém, os ambientes que foram mencionados de maneira esparsa não foram apresentados nos gráficos. Em barco alugado pelos coordenadores dos projetos sub-redes, as excursões interdisciplinares para área de estudo foram realizadas mensalmente durante doze (12) meses. Em seguida, realizadas bimestralmente totalizando dezoito (18) meses. O tempo de excursão em cada ida a campo era de cinco (5) dias e máximo de dois (2) dias em cada localidade, sendo necessário visitar todas as comunidades e suas respectivas lideranças. Parcela significativa das excursões (sete viagens aproximadamente) foram destinadas à aplicação dos formulários BASPA. Utilizamos a observação participante, que permitiu descrever nos cadernos de campo as observações in loco. Cardoso de Oliveira (2000) afirma que o ato de escrever o caderno de campo é tarefa diária no final do dia após visitas aos grupos domésticos, uma vez que o ato de escrever é simultâneo ao ato de pensar, é um caminho metodológico que marca o fazer antropológico. O capítulo I A dinâmica ecológica do lago Grande de Manacapuru propõe a descrição espacial do lago a partir da literatura especializada associada à percepção dos pescadores das localidades Cajazeira, Jaiteua de Baixo e Jaiteua de Cima. A percepção dos pescadores se refere ao conceito de representação social de Serge Mocovici (2003), que sugere que a representação social é uma forma de conhecimento que expressa a experiência de vida de qualquer grupo social. O relato de cada pescador acerca experiência de vida na várzea, demonstra que as variações sazonais do lago Grande de Manacapuru interfere, diretamente, em suas rotinas de trabalho exigindo atitudes adaptativas diante da escassez de recursos. O capítulo 2 Pescadores e Pescarias deu ênfase à organização social dos pescadores das localidades pesquisadas. Os conceitos de Lourdes Furtado (1993) pescador polivalente e pescador monovalente, nos apoiou ao entendimento dos papéis sociais dos pescadores de subsistência, pescadores comerciais e pescadores citadinos dadas às peculiaridades e similaridades (ou seja, o que há de comum) de suas rotinas de trabalho. Este capítulo abordou o conhecimento do pescador sobre o manejo e a conservação dos recursos ictiofaunísticos. Na ocasião das atividades de pesca, verificou-se que a técnica de pesca mais praticada nas localidades é o lanço, local bom de pescaria, sendo também o momento da aprendizagem das crianças a serem socializadas na atividade pesqueira. O capítulo 3 Territórios de pesca no uso do lago Grande de Manacapuru objetivou mapear os principais pontos de pesca e verificar as condutas territoriais dos pescadores das

29 29 localidades Cajazeira, Jaiteua de Baixo e Jaiteua de Cima a partir de seus próprios discursos. Acompanhando as rotinas de trabalho dos pescadores, verificou-se que o lago Grande, o lago do Jaiteua e o paraná do Anamã são pesqueiros vitais para estas localidades. Este fato permitiu compreender os acordos informais subjacentes às práticas de pesca, bem como identificar os principais conflitos e as possíveis iniciativas locais de intervenção na apropriação desses e de outros ambientes e seus recursos, com base nos interesses e necessidades das próprias localidades.

30 30 CAPÍTULO I A DINÂMICA ECOLÓGICA DO LAGO GRANDE DE MANACAPURU O uso do lago Grande de Manacapuru enquanto espaço aquático para pesca, revela os processos de interação entre o homem e o ambiente. Este capítulo aborda a caracterização espacial do lago Grande de Manacapuru a partir da literatura científica referente à dinâmica do ciclo das águas da várzea amazônica, articulada à percepção e ao conhecimento (experiência) dos pescadores das localidades Cajazeira, Jaiteua de Baixo e Jaiteua de Cima sobre as implicações do ciclo das águas em seu cotidiano. Este exercício demonstra que as alterações paisagísticas ocorridas nas localidades Cajazeira, Jaiteua de Baixo e Jaiteua de Cima como resultado do recuo da água do lago Grande de Manacapuru (correspondente a fase terrestre da várzea), incide sobre os territórios de pesca das localidades, exigindo mais esforço de trabalho e ajuste social a nova realidade.

31 31 Os pescadores das localidades Cajazeira, Jaiteua de Baixo e Jaiteua de Cima evidenciaram relatos sobre a dinâmica do ciclo das águas demonstrando como esse fenômeno repercute em suas vidas. Serge Mocovici (2003) diz que o senso comum a experiência de vida é uma forma de conhecimento, é uma representação social que se tem da realidade. O autor afirma: [...] A representação social é tudo aquilo que nos permite explicar o mundo que nos cerca. [...] as representações sociais devem ser entendidas articulando elementos afetivos, racionais e sociais, e integrando, ao lado da cognição, da linguagem e da comunicação, a consideração das relações sociais que afetam as representações (MOSCOVICI, 2003, p.6). Nesta perspectiva de Serge Mocovici (2003) é que apresentaremos a espacialidade do lago Grande de Manacapuru na perspectiva dos pescadores das localidades pesquisadas. 1.1 O lago Grande de Manacapuru Saindo do principal terminal pesqueiro de Manacapuru e percorrendo o rio Solimões até se conectar ao lago Grande, visualiza-se que o lago é um ambiente admirável pela sua abrangência. Quem percorre seu leito de voadeira 7 inevitavelmente percebe a espacialidade e o volume de água que abarca, e logo em seguida, vem à mente de um simples observador interessado pela pesca a imediata dedução: aqui parece ter muito peixe. Numa ocasião, em trabalho de campo, solicitei ao senhor Lázaro, pescador comercial da localidade Jaiteua de Cima, se ele poderia me levar para dar uma volta e apresentar o lago Grande. Ele aceitou a proposta e logo em seguida nos preparamos para o passeio. Nesse caminho, fui indagando sobre onde iniciara o lago Grande e onde terminara, ele respondeu: [...] o lago Grande começa lá fora e chega até aqui. Aqui é o lago do Jaiteua que a gente chama (L. S., pescador comercial, Jaiteua de Cima, 2007). Depois de uns trinta minutos percorrendo o lago Grande, resolvemos retornar. Percebi que o caminho de volta para a localidade Jaiteua de Cima não foi o mesmo. Do caminho anterior partimos de Jaiteua de Cima, passando pelo Paraná do Tauari, que é um canal extenso, ligando-se diretamente ao lago do Jaiteua até chegar ao lago Grande. Certamente fiquei confuso, pois o que eu estava visualizado como lago do Jaiteua não era 7 A voadeira é uma embarcação metálica e motorizada de pequeno porte utilizada como meio de transporte em ambientes aquáticos da Amazônia.

32 32 apenas um lago extenso e longo, ele se coadunava com pequenas ilhas arborizadas e caminhos diversos parecendo labirintos, que ele chamava ora de igarapé, ora de furo e as vezes, de paraná ou paranazinho. De volta à localidade, desembarcamos da rabeta 8, e ele então me disse: o lago Grande aqui pra nós é tudo isso que você viu [...] a várzea aqui pra nós é essa mistura de coisa, e quando aqui tá seco, muda tudo. Tudo ao redor de casa vira um campo maior onde os bois e as vacas podem pastá mais livre (L. S., pescador comercial, Jaiteua de Cima, 2007) (Figura 10). Figura 10 Paisagem do lago Grande de Manacapuru. Fonte: Dados de campo (2007). Não se limitando a falar da importância da dimensão abrangente do lago Grande em seu dia a dia, a várzea que o senhor Lázaro descreve como ocorrência de períodos de cheia outrora períodos de seca, é percebida pela sua experiência como situação de limites e possibilidades para a realização de suas atividades de trabalho. Como esclarece Pereira (2007, p. 12): A alternância das fases terrestres e aquáticas devido às variações do nível do rio é um fator ecológico limitante para a vida nos ambientes de várzea 8 A rabeta, como denominada pelos pescadores das localidades pesquisadas, é uma canoa motorizada utilizada para transporte e atividades de trabalho.

33 33 do rio Solimões-Amazonas. Esta dinâmica tem conseqüências fundamentais sobre as formas de vegetação que nela ocorre e sobre a distribuição das espécies. Sejam as formações totalmente aquáticas ou vegetações florestais, elas se instalam segundo o tipo de hábitat, idade dos solos, taxa de sedimentação, força da corrente [do rio] e o período de inundação. A alternância das fases terrestres e aquáticas na percepção do senhor Lázaro, significa que ele vivencia o tempo ecológico determinado pelo ciclo das águas. Com base neste tempo ecológico que se interpenetra ao tempo social expressos pelas representações sociais dos pescadores das localidades Cajazeira, Jaiteua de Baixo e Jaiteua de Cima, primeiramente discorreremos sobre as características físicas do lago Grande de Manacapuru, para, em seguida, entendê-lo como espaço de mobilidade espacial dos pescadores, que se apropriam deste lago e dos microambientes para a manutenção e reprodução material e social de sua existência. Na perspectiva da ciência geomorfologica, o lago Grande de Manacapuru é um lago de várzea. Como descrito por Ayres (1995) e Sternberg (1998), a várzea e a terra firme compõem a planície amazônica formando a maior bacia sedimentar da Terra. Ela abarca uma área que perfaz seis milhões de km 2, dos quais 3,9 milhões de km 2 se encontram em território brasileiro o que significa 65,0% da área total. A várzea produzida pelo rio Solimões-Amazonas corresponde aproximadamente de 1,5 a 2% do território da Amazônia brasileira (variando de 75 a 150 mil km aproximadamente), constrastando em vários aspectos com a maior parte da região constituída de terras secas e altas, denominadas de terra firme como destaca Pereira (2007). O lago Grande, assim como os demais lagos da várzea amazônica, são corpos de água transbordados do canal principal do rio por ocasião da enchente, que podem permanecem cheios, parcialmente cheios ou temporariamente isolados da água do rio Solimões no período da seca (SIOLI, 1984). Nesse ciclo de transformação, como uma espécie de retorno das águas, o rio Solimões se insere como coletor final do complexo sistema de drenagem formado pelos inúmeros afluentes: os igarapés, os paranás, os igapós e os pequenos rios. De acordo com Esteves (1985) e Junk (1997) citados por Fabré (2003, p. 88), a dinâmica de inundação que caracteriza a várzea amazônica traz como consequência a formação de diversos ambientes, a maioria temporários como os lagos de planície de inundação, pertencentes à categoria de lagos formados pela atividade do rio. [...] Para Junk a proposta mais compreensiva para lidar com áreas inundáveis é o conceito de pulso de

34 34 inundação. Este conceito leva em conta tanto os aspectos hidrológicos do rio e da área de captação da bacia de drenagem quanto das áreas inundáveis. O conceito de pulso propõe que o rio Solimões e a área de inundação constituem um sistema que atua como uma unidade indivisível, porque possuem água e sedimentos em comum. Dentro dessas áreas podem ser identificados tanto habitats permanentes como habitats temporários, periodicamente expostos à inundação com o avanço e retrocesso das águas. Esta explicação descrita por Fabré condiz com o efeito causado pelo recuo da água do lago Grande no período da seca do ciclo das águas, ao reduzir as águas dos igarapés e furos das localidades Cajazeira, Jaiteua de Baixo e Jaiteua de Cima, transformado-os 9, em determinados lugares, num imenso campo verde ou lamacento (Figura 11). Figura 11 Paisagem do Igarapé da Cajazeira no período da seca. Fonte: Dados de campo (2007). Pereira (2007) considera os lagos importantes fontes de recursos para a manutenção das comunidades amazônicas. Os lagos são geralmente formados a partir de depressões profundas ou rasas e podem ser alimentados na estação da seca por igarapés ou canais oriundos da floresta circundante, ou ainda, apresentarem conexão com o rio principal no período da cheia. Pereira (2007) chama atenção para a importância da formação geomorfológica dos lagos de várzea ao mencionar que, entre as unidades geomorfológicas, tais como, planície de 9 Transformação no sentido de modificar a paisagem aquática para a uma paisagem seca.

35 35 bancos e meandros antigos, planície de bancos e meandros atuais e depósitos estuarinos, a quarta denominação que caracteriza a área do lago Grande de Manacapuru, é a unidade geomorfológica denominada de depósitos de inundação. os depósitos de inundação estão frequentemente em altura maior que a planície de bancos e, em algumas partes, formando verdadeiros terraços e, em outras, formando áreas deprimidas, semeadas de grandes lagos, provavelmente afundadas por fenômenos neotectônicos (PEREIRA, 2007, p. 26). Os depósitos de inundação compõem a planície de inundação chamada de várzea amazônica. Estes depósitos produzem trechos alteados ou elevados chamados pelos moradores das localidades como várzea alta. Os pescadores das localidades Jaiteua de Cima e Jaiteua de Baixo explicam a várzea alta como uma área de transição entre várzea e terra firme. As chamadas terras altas como os moradores das localidades explicam, constituem porções de várzea que são relativamente alagadas na estação da cheia e se elevam em direção à terra firme. Porro (1998) faz uma distinção para classificar a várzea alta e várzea baixa. Segundo o autor, a várzea alta se refere ao ecossistema que se localiza próximo ao rio resultante de maior deposição de sedimentos ao longo do tempo, enquanto a várzea baixa é a porção de terra mais recuada, recortada por igarapés, lagos temporários e permanentes. Morán (1990) sugere que o processo de fragmentação da várzea, ao classificá-la, pode conduzir a uma noção errada acerca do seu potencial biológico ou agrícola. Segundo o autor, as diferenças significativas entre os tipos de várzea envolvem a flora, a fauna, o aluvião depositado, o declive e a altitude, a acidez do solo e a reprodução de biomassa. A fala do pescador da localidade Jaiteua de Cima esclarece a noção transitória que percebemos nas localidades Jaiteua de Cima e Jaiteua de Baixo acerca do que Porro (1998) indica como várzea baixa e várzea alta (Figura 12): [...] onde a gente vive a cheia às vezes pode ser um problema. Olha, essa várzea aqui do Jaiteua, as terras que a gente vive ficam um pouco mais alta, e vai crescendo até chegar na terra firme mesmo, essa aí pra trás. Algumas pontas da terra são mais altas, e quando vem pra comunidade ela vai alteando, mas se dé uma cheia forte a nossa terra pode fica debaixo d água (L. S., pescador comercial, Jaiteua de Cima, 2008).

36 36 a) b) Figura 12 a) Terraço que geralmente inunda; b) Terraços possíveis de inundação dependendo da intensidade da cheia (espacialidade e volume). Fonte: Dados de campo (2007).

37 37 Em Cajazeira, a terra firme é mais mencionada pelos moradores como terra de atividade agrícola, terra de coleta de produtos da floresta e terra para criação de gado. As florestas de terra firme da Amazônia são os ecossistemas terrestres mais ricos em diversidade de espécies na biosfera e com maior produção de biomassa vegetal, embora sua riqueza biológica não seja em função da riqueza dos solos, ela resulta de sofisticados sistemas de reciclagem de nutrientes e evolução das plantas adaptadas às condições químicas do solo (MORÁN, 1990). De acordo com os moradores, a terra firme é muito boa para o cultivo de vários vegetais. Ela não chega a ser inundada pela enchente, porém os terrenos dos núcleos comunitários onde estão estabelecidas as residências, poderão estar sujeitos a esta situação dependendo da intensidade da cheia. A explicação de Morán (1990) demonstra a riqueza da terra firme (Figura 13). Porém o relato do senhor Abdias, morador da localidade Cajazeira, ajuda-nos a entender a dinâmica aquática em sua região: [...] aqui onde nós moramos pode inundá, mas tudo depende da cheia, se for forte ela pode chegar aqui é passar aí pra trás. É difícil acontece porque tem que ser uma cheia forte. [...] a terra firme como a gente tava falando fica aí pra trás. Lá é bom de planta, tem castanheira, tem muita vegetação aí pra dentro (A. S., pescador de subsistência, Cajazeira, 2008).. Figura 13 Terra alta: lugar possível de inundação; Fonte: Dados de campo (2007).

38 38 A área do lago Grande de Manacapuru descrita pelo Sr. Lázaro no início da apresentação é composta por diversos ambientes aquáticos, tais como igarapés, poços, paranás, furos e pequenos e grandes lagos. Dentre estes, destacam-se o lago São Lourenço, o lago Grande, o lago do Jaiteua, o paraná do Jaiteua e o paraná do Anamã, muito procurados pelos pescadores das localidades Jaiteua de Baixo, Jaiteua de Cima e Cajazeira, pois afirmam que estes ambientes apresentam abundância de recursos pesqueiros. Para os moradores das localidades, esses ambientes apresentam certas especificidades e recebem estes os nomes conforme suas conceituações, não havendo fronteiras visuais tão demarcadas ao nosso entendimento para dizer que tal ambiente é um lago. Os lagos Jaiteua e São Lourenço, conforme Soares (et al., 2008), integram um sistema de lagos, incluindo o lago Grande conhecido também como lago Cabaliana. No entendimento dos moradores das localidades, o lago do Jaiteua assim nomeado, é uma extensão do lago Grande separado deste por uma série de ilhas próximas entre si e próximos às terras altas de ocupação das moradias das localidades Jaiteua de Baixo e Jaiteua de Cima. Estas ilhas são ligadas entre si por furos e canais ou pelos caminhos de água, mais conhecidos pelos moradores como, paranazinhos, entradas e bocas de lagos e igarapés, conformando uma densa paisagem labiríntica, onde os peixes encontram condições favoráveis ao desenvolvimento da vida abrigo, alimentação e reprodução (Figura 14).

39 39. Figura 14 O lago Grande: entremeado por ilhas. Fonte: Dados de campo (2007/8).

40 40 Esses lagos e microambientes interligados fazem parte do Complexo lacustre que forma o lago Grande de Manacapuru, constituído por lagos, paranás, furos e igarapés com área estimada em torno de 420 km 2 (SOARES, et al., 2008). Na perspectiva liminológica, o lago Grande de Manacapuru, de acordo com o estudo de Soares (2008, et al., 2008), possue água mista, ou seja, recebe água branca do rio Solimões/Amazonas principalmente na enchente-cheia, através de canais de conexões e, água preta proveniente do rio Manacapuru que alimenta o sistema principalmente nas épocas de vazante-seca. Apesar do sistema receber água com duas características distintas (branca e preta) o ambiente é caracterizado como de água branca segundo a classificação de Sioli (1984), com altos valores de ph e de condutividade elétrica. Na enchente e cheia a água apresenta elevadas concentrações de íons e com grande quantidade de sedimentos. Os sedimentos da água do rio Solimões/Amazonas que aflui para os lagos por canais de conexão são retidos, grande parte, pela vegetação (macrófitas aquáticas, capins flutuantes e arbustos) e depositada na área alagada, o que da um aspecto de água preta, principalmente na cheia e vazante. Em decorrência da flutuação sazonal do nível das águas, o lago têm importante papel associado à produtividade e a variabilidade de habitats. A água aberta e a floresta alagada (igapós), por exemplo, estão entre os ambientes de pesca muito procurados pelos pescadores. Na água aberta, os pescadores pescam na parte mais profunda, no canal, nas margens, próximos a entrada ou bocas de furos, igarapés e paranás do lago Grande. Nas florestas alagadas 10 que dominam a paisagem do lago, os pescadores de subsistência e comercial, pescam no período de alagação, enchente e cheia, sob as arbóreas, o tambaqui (Colossoma macropomum) e a pirapitinga (Piaractus brachypomus); e às margens da floresta, o tucunaré (Cichla spp.). Fabré (2003) em estudo anterior a Soares (et al.; 2008) se aproxima da conceituação proposta por este complexo lacustre, ao mencionar que os lagos amazônicos cumprem um papel fundamental no processo de disponibilização de matéria orgânica da dinâmica das áreas inundáveis, tornando-se assim um ambiente de grande importância para a pesca de autoconsumo e comercial. 10 A floresta alagada é importante habitat para a ictiofauna por fornecer uma cadeia alimentar de origem alóctone que pode manter alta biomassa de peixes. Isto está relacionado à habilidade dos peixes de explorarem os alimentos disponíveis como folhas, flores, sementes e invertebrados, que caem das árvores na água, e dos detritos oriundos da decomposição da matéria orgânica (GOULDING, 1980; CLARO, Jr., 2003 apud SOARES, et al., 2003).

41 41 Na área focal do estudo realizado pelo PYRÁ 11, a autora identificou com base no diálogo e no conhecimento tradicional dos pescadores dessa área, três grandes ambientes, denominados-os de sistemas lacustres 12 : o Sistema Lacustre Paracuuba/Jacaré, o Sistema Lacustre do Cururu e o Sistema Redondo, sendo três sistemas inundados sazonalmente pelo rio Solimões. Ao entorno do Sistema Redondo, foi identificado o lago Grande de Manacapuru um lago de várzea, porém não estudado diretamente pelo programa PYRÁ na época da realização da pesquisa. É importante salientar que os três sistemas lacustres estudados pelo PYRÁ, para quem parte de Manacapuru, estão situados próximos à margem direita do rio Solimões- Amazonas, e opostos ao lago Grande de Manacapuru que está situado em áreas alagáveis, à esquerda do rio Solimões-Amazonas. Diante destas abordagens teóricas acerca da composição liminológica do lago de várzea, convém, com bases nos autores, face aos dados empíricos, olhar o lago Grande de Manacapuru como um amplo sistema aquático constituído de microambientes tal como entende os moradores das localidades pesquisadas (Figura 15). 11 PYRÁ Programa Integrado de Recursos Aquáticos e da Várzea foi coordenado pelos professores da Universidade Federal do Amazonas, Nídia Noemi Fabré e Vandick da Silva Batista. Este programa se caracterizou como um programa de pesquisa-ação atuante em comunidades ribeirinhas através de estudos interdisciplinares concentrados em biologia de água doce, pesca e socioeconomia. O livro intitulado SAS: Sistemas Abertos Sustentáveis: uma alternativa de gestão ambiental na Amazônia, resultou como proposta de manejo integrado e participativo nos locais identificados por Fabré (2003) como sistema lacustre. 12 A complexidade fisiocrática destas formações lacustres presentes na planície de inundação comunicadas entre si ou com o rio, por furos, canais, igarapés, ou compondo uma grande superfície inundada na cheia, nos leva a tratar este conjunto de ambientes aquáticos como sistemas lacustres cujos limites são menos precisos durante o período de águas altas (FABRÉ, 2003, p. 92).

42 42 Figura 15 Imagem de satélite do lago Grande de Manacapuru: período da seca / 2005; Período cheia / Fonte: Imagem cedida pelo IBAMA da Amazônia, Os igarapés e os paranás também são considerados águas de trabalho pelos pescadores. Witkoski (2007, p. 230) em seu conceito águas de trabalho, apoia-nos a refletir sobre o modo e o local onde são realizadas as pescarias, esses ambientes são definidos através do princípio de territorialidade. O autor esclarece:

43 43 na visão de mundo do camponês amazônico que habitam a calha do rio Solimões-Amazonas e áreas contíguas (paranás, igarapés, furos etc.), os ambientes aquáticos amazônicos dividem-se em duas grandes unidades: os rios são concebidos como território aquático público; os lagos são compreendidos, quase sempre como territórios aquáticos coletivo. Os camponeses dividem os lagos em três sub-unidades: lagos de procriação (lagos sagrados, lagos santuários); lagos de manutenção (subsistência da família camponesa); por fim e não menos importante, os lagos livres (destinados a pesca comercial, dentro dos limites estabelecidos pela legislação municipal e pelas comunidades). Podemos, pois, conceber as duas grandes unidades os rios e diferentes tipos de lagos como águas de trabalho. Assim as águas de trabalho são responsáveis pela maior parte da produção de proteína animal necessária a vida camponesa. Além dos rios e dos lagos mencionados por Witkoski (2007), os igarapés, segundo Junk (1997), são originários de altas taxas de precipitação, de chuvas, o que contribui para que exista uma rede muito densa de igarapés em áreas de várzea. O autor enfatiza que a maioria das espécies de peixes comem alimentos insetos terrestres, frutos, sementes e outras espécies da natureza não provenientes do próprio igarapé, mas sim, da floresta ao longo do seu leito. Outros ambientes de pesca são identificados na área de estudo a partir dos elementos paisagísticos mencionados pelos pescadores das localidades: o igapó, por exemplo, é um importante ambiente de pesca. Morán (1990) afirma que as florestas de igapó são áreas para onde uma grande parte da fauna aquática dos principais rios procura refúgio na época da enchente. As frutas produzidas pela vegetação arbórea dos igapós são a principal fonte de alimentação de espécies de grande porte como o tambaqui. Pereira (2007) esclarece a ocorrência de floresta de igapó a partir da topografia ondulada da várzea atual, que é causada por diferenças na deposição de sedimentos devido à migração lateral intermitente dos canais do rio. Isso permite entender o tipo de vegetação originária nas localidades pesquisadas. Segundo o autor, A topografia se caracteriza pela atuação de diques laterais (restingas), depressões de canais abandonados (baixios) e bacias lacustres (lagos), fazendo que exista diferenças na drenagem dos solos e na duração das fases terrestres e aquáticas entre os diferentes tipos de terrenos. Estas variações na topografia se refletem em variações na vegetação do interior da ilha, como por exemplo, a ocorrência de igapós (florestas inundáveis) no topo da restinga, e desenvolvimento durante a fases terrestre de vegetação herbácea com predominância de gramíneas nas áreas deprimidas (PEREIRA, 2007, p. 20). Na área de estudo, podemos observar que os igapós são utilizados frequentemente para pescaria nas três localidades, através da técnica do lanço que será apresentado no

44 44 capítulo II. A aproximação com a residência é um fator de interesse para se pescar nesses lugares, pois não gasta muito tempo e nem dinheiro com combustível, favorecendo a economia do pescador (Figura 16). Figura 16 O igapó. Fonte: Dados de campo (2008). A espacialidade do lago Grande de Manacapuru aqui descrita é o espaço de referencia adotado na pesquisa para entender a dinâmica de ação dos pescadores das localidades Cajazeira, Jaiteua de Baixo e Jaiteua de Cima, uma vez que a pesca é exercida em ambientes internos (de dentro), nos arredores (imediações) e distantes das localidades. Todo raio de ação dos pescadores é considerado como um exercício realizado no lago Grande de Manacapuru, e como é pronunciado pelos próprios pescadores, o lago Grande é um território de todos os pescadores das localidades.

45 O tempo ecológico do ciclo das águas nas localidades Cajazeira, Jaiteua de Baixo e Jaiteua de Cima Após a apresentação das características físico-químicas e espaciais do lago Grande Manacapuru, percebemos a importância de discorrer sobre os efeitos ecológicos da fase terrestre e aquática da várzea no cotidiano dos pescadores das localidades e como reagem diante deste fenômeno. Ao conversar com o Senhor Abdias, pescador de subsistência e morador da localidade Cajazeira, perguntei a ele se não estaria cansado de viver na várzea, enfrentando esses períodos de cheia e seca, e se, caso morasse em Manaus ou em outro lugar que fosse mais urbano, não seria melhor para ele e sua família. Ele respondeu: olha, [...] eu e minha família já estamos acostumado a viver com a seca e a cheia brava. Nunca pensei viver em Manaus, porque a vida aqui é melhor, é difícil mas é melhor. Eu... viver em Manaus [...]?, eu tive lá ano passado pra passar no médico por causa da minha pressão, é muito calor, não tem os igarapés como tem aqui e nem peixe como tem aqui todo tempo. A gente que vive aqui conheçe a dificuldade, mas também nós criamos nossa maneira de viver (A. S.; pescador de subsistência, Cajazeira, 2007). Evans-Pritchard (2005) ajuda-nos a pensar que o interesse em viver em determinado local depende das escolhas subjetivas e das motivações construídas historicamente pelo indivíduo e seu grupo em um campo social de contradições e antagonismos com a sociedade abrangente. As condições do ambiente também devem propiciar as possibilidades de vida. O interesse pelo pescado nas localidades, combinado às condições naturais da várzea o ciclo das águas, exige um determinado modo de vida dos moradores que se concretiza através do trabalho e das técnicas de adaptabilidades ao meio, ações que foram observadas por Witkoski (2007) e Pereira (2007) ao pesquisarem os camponeses amazônicos ou as comunidades ribeirinhas, respectivamente. Pritchard ao se referir sobre o tempo ecológico pensado pelos Nuer, observa que os aspectos sociais e ecológicos pelos quais as estações climáticas são definidas, têm maior clareza quando esclarecidos do ponto de vista do interlocutor os próprios Nuer, moradores da savana africana. Em nosso caso, o tempo ecológico e os aspectos climáticos são expressões das representações sociais que os pescadores de subsistência e comerciais das localidades Cajazeira, Jaiteua de Baixo e Jaiteua de Cima fazem de seu meio envolvente das águas, das terras e das florestas de trabalho que dispõem na várzea (Witkoski, 2007).

46 46 A dinâmica do ciclo das águas imprime o ritmo do tempo ecológico ao ritmo social em todas as circunstâncias da vida dos pescadores. São as necessidades da água e as variações no suprimento de alimentos que relativamente condicionam as mobilidades espaciais dos pescadores em determinadas épocas do ano da fase terrestre para a fase aquática da várzea ou vice-versa, exigindo, como ação, medidas preventivas e compensatórias (PEREIRA, 2007) ante aos períodos de escassez e estresses produzidos pelos extremos da seca e da cheia do ciclo das águas. Estas ações preventivas e compensatórias orientadas sob a tomada de decisões dos pescadores com base na estrutura social e simbólica do núcleo familiar e das relações de parentesco são variáveis políticas e econômicas que propiciam alternativas de mudança, adaptação e mobilidade espacial no ambiente de várzea. Em outras palavras, o Sr. Abidias vive a importância da natureza no seu dia a dia e vive as escolhas do seu núcleo familiar sobre o preceito da manutenção das relações sociais estabelecidas. A posse e uso da terra, a garantia do uso dos lagos ou dos igarapés ou os fatores econômicos são variações que têm como pano de fundo a manutenção das relações sociais e dos papéis desempenhados por ele, sua família e pelos parentes em diálogo com a comunidade e com a sociedade a que pertencemos e interagimos. Lourdes Furtado (1993), no estudo a respeito dos pescadores polivalentes e pescadores monovalentes realizado no Baixo Amazonas, chama a atenção para a importante percepção espacial dos ribeirinhos sobre o tempo, indicando uma conotação mais ecológica do que propriamente cronológica acerca do tempo em atividades pesqueiras, onde o homem e natureza se relacionam dicotomicamente com a variação sazonal do rio. Nestas circunstâncias, a organização do trabalho é pensada em sintonia com o tempo ecológico, sugerindo que a organização social do trabalho orienta a vida dos pescadores motivados por valores (simbolizações) relativos ao mundo natural e social, intermediando a reprodução e atualização das formas de manejo dos recursos naturais. Sobre a percepção dos pescadores e seu tempo de trabalho, Yi-Fu Tuan (1983), em Topofilia, contribui enfatizando que a adaptabilidade humana em qualquer contexto e o ideal de natureza dependem de fatores biológicos, psicológicos e sociais, sobre as quais a cultural imprime suas marcas. Tuan não pensa o indivíduo desconecto do ambiente de crescimento e socialização fora dos marcos da cultura. Ele pensa que, para nós, seres humanos, a partir de um ambiente, a habilidade espacial precede o conhecimento espacial (considerados fatores intrínsecos da percepção humana), pois antes de qualquer conhecimento sólido sobre o espaço ou lugar que vivemos, a relação do indivíduo com o

47 47 meio depende do desenvolvimento das percepções (da inteligência) humana que, por sua vez, são estimulados pelos sentidos sócio-motores do indivíduo o olfato, o paladar, a visão, o tato e a postura vivenciando um contexto geográfico, social. Tais conexões mentais permitem as deduções para a formulação de novos conhecimentos acerca da vida, do lugar e do espaço. Portanto o domínio do espaço desconhecido da várzea só passe a ser o lugar de segurança dos pescadores quando intuído todo o arcabouço mental para a produção de conhecimentos a serem empregados nesses espaços. Assim, o conhecimento se faz de outros conhecimentos. O conhecimento dos pescadores são mediados pela cultura da qual participam. Emílio Morán (1990, p.26) se direciona na mesma perspectiva de Tuan (1983), ao pensar os processos de adaptabilidade humana ao ambiente da várzea amazônica, processo que ele chamou de adaptação reguladora. O autor explica: o ambiente é reconhecido pela percepção do indivíduo, mas somente parte dessa percepção entre na cognição devido às estruturas ecológicas e [sociais] que derivam da linguagem e das rotinas diárias do indivíduo em sociedade. Tais estruturas também servem para avaliar o que entrou no consciente. A partir daí se segue um processo de decisão na qual interagem a avaliação com rotinas culturais baseadas em experiências anteriores. Daí surge a decisão de fazer ou não alguma coisa que, por sua vez, será influenciada pelas condições externas que passam a restringir a ação: [os fatores ecológicos e as normativas sociais do grupo social a que o indivíduo pertence]. O tempo ecológico que os pescadores das localidades internalizam de seu meio envolvente reflete a representação social do uso direto e indireto das águas de trabalho. O uso direto da água se refere ao conhecimento prático sobre o manuseio dos ambientes aquáticos, por exemplo, dos recursos pesqueiros. O uso indireto da água, por sua vez, se relaciona ao conhecimento prático acerca das atividades que dependem das condições de existência da água: por exemplo, a água para o transporte, a água para o cultivo agrícola ou a água para o uso doméstico. Segundo Godelier (1984), na prática, o tempo ecológico e a representação social se combinam intrinsecamente formando um tipo ideal de natureza, uma forma de conhecimento do pescador que mediatiza as práticas culturais. Esse conhecimento permite que o pescador tire maior proveito do lago Grande direta ou indiretamente durante as fases terrestres e aquáticas da várzea. Como observado, os moradores das localidades Cajazeira, Jaiteua de Baixo e Jaiteua de Cima se apropriam da água como um recurso vital para suas vidas. Vital, pois, agrega

48 48 valores materiais e simbólicos que refletem os aspectos culturais do cotidiano de suas vidas naquele local. O uso direto e indireto da água pelos moradores se concretiza em suas práticas culturais, seja em atividades produtivas, no uso doméstico ou no lazer. Este importante recurso se impõe naturalmente durante o ciclo anual das águas como um desafio à reprodução social de suas vidas. Para Carlos Bruni (1994), a água, ao longo da história da humanidade, é investida de representações. O significado da água para os moradores das localidades expressa a essência do que a mesma representa: a água como fonte de vida, esperança, liberdade, angústia desespero e prazer. Escritores como o paraense Leandro Tocantins (1968, p.281), em O rio comanda a vida, explicita: [...] rio, sempre o rio, unido ao homem em associação quase mística [...] Veias do sangue da planície, caminho natural dos descobridores, farnel do pobre e do rico, determinantes das temperaturas e dos fenômenos atmosféricos, amados, odiados, louvados, amaldiçoados, os rios são a fonte perene do progresso, pois sem eles o vale se estiolaria no valor inexpressivo dos desertos. Esses oásis tornaram possível a conquista da terra e asseguram a presença humana, embelezam a paisagem, fazem girar a civilização comandam a vida no anfiteatro amazônico. Para o autor, o rio Solimões, para além do determinismo geográfico, tem um significado dinâmico no contexto social das populações ribeirinhas da Amazônia, pois a várzea produzida e renovada ano a ano pelo rio Solimões que age pelos seus afluentes diretos e indiretos proporcionando as condições básicas da vida aos ribeirinhos da Amazônia. O fenômeno como o ciclo das águas deixa suas marcas no cotidiano dos pescadores das localidades. A localidade Cajazeira que reúne as comunidades Nossa Senhora do Perpétuo Socorro e Nossa Senhora Aparecida é determinada pelo fluxo aquático do lago São Lourenço. A localidade Jaiteua de Baixo, onde está estabelecida a comunidade Santo Antonio, e Jaiteua de Cima, que é composta por quatro comunidades: Santa Izabel, Assembléia de Deus Tradicional, Assembléia de Deus e Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, são margeadas direta e indiretamente pelas águas do lago do Jaiteua e lago Grande, respectivamente. Diante deste amplo ecossistema envolvendo as três localidades, apresentaremos algumas variáveis sociais, econômicas e adaptativas básicas, fundamentais na vida dos

49 49 moradores das localidades as quais são conectadas e interdependentes ao tempo ecológico do ciclo das águas Cajazeira Numa conversa descontraída com o Sr. Abdias, pescador da localidade Cajazeira, ele relatou que os três lagos juntos formam o lago Grande de Manacapuru, e quando a águas do lago São Lourenço diminui, a pesca próxima de sua casa fica mais difícil. Ele assim relata: [...] o lago São Lourenço aqui pra nós é o lago da Cajazeira, mas tudo isso que o Sr. tá vendo lá no Santo Antonio [Jaiteua de Baixo] e no Jaiteua [de Cima] é o lago Grande que a gente considera, e que tudo mundo fala.[...] Ali aquela área do lago do Jaiteua, pra comunidade Santo Antonio, ali é uma fonte boa de pescaria. Nós vamos pra lá, nós vamos pelo furo da Cajazeira. Pra comer a gente pega pra cá mesmo, no igarapé do Acari. Ele vara desse lago lá pra dentro por isso tudo aí é fonte de pescaria. Não carece se deslocar, só vamos pra lá quando queremos pegá um peixe de qualidade melhor. [...] e quando o lago vem secando assim no mês de agosto e setembro, tudo começa a ficar ruim pra nós. Seca tudo aqui. Esse igarapé aqui fica só lama. Pra pescá mesmo é só lá no meio do Jaiteua ou no lago Grande (A. S., pescador de subsistência, Cajazeira, 2007). O Sr. Abdias é um morador antigo da localidade Cajazeira. Ele residente na comunidade Nossa Senhora Aparecida e sabe como é viver as dificuldades na várzea durante a fase terrestre, isto é, do período relativo à estação-seca do ciclo das águas. Como não pesca mais comercialmente, as alternativas de renda da sua família são o salário da aposentadoria, a pequena produção agrícola, os produtos extraídos e coletados da floresta e a criação de pequenos animais realizada em seu sítio. As dificuldades naturais que o ciclo das águas impõe a estas atividades, é a condição que todos os moradores da localidade Cajazeira estão sujeitos em seu dia a dia. A pesca que ele pratica em ambientes próximo de sua residência, como no igarapé da Cajazeira, é basicamente para o consumo da família. Ele considera as melhores fases para pesca comercial o período da enchente. Porém, no período da seca, ele não hesita em pescar em lugares mais distantes, como geralmente ocorre ao se deslocar para o lago do Jaiteua: Ele diz: o peixe pra nós é muito importante aqui, é nossa energia (A. S., pescador de subsistência, Cajazeira, 2007).

50 50 A comunidade Nossa Senhora Aparecida é vizinha da comunidade Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, estando separadas pelo igarapé da Cajazeira. Para quem entra em Cajazeira, cujo acesso é apenas pela via fluvial através do lago São Lourenço, a primeira comunidade Nossa Senhora do Perpétuo Socorro está à margem esquerda do igarapé, sendo a primeira a ser avistada ao entrar na localidade, e a segunda comunidade Nossa Senhora Aparecida se situa um pouco mais adiante à margem direita do igarapé. Como as duas comunidades estão muito próximas, a dimensão ecossistêmica é praticamente a mesma. Tanto Nossa Senhora Aparecida quanto Perpétuo Socorro estão estabelecidas nas partes mais altas da localidade, local que os moradores chamam de terra firme. Essa posição é estratégica, pois se caracteriza pela necessidade de proteção face às imposições da cheia do ciclo das águas. Em Cajazeira, a água só alcança a terra firme se for uma cheia muito densa (Figura 17).

51 51 a) b) Figura 17 a) Comunidade Nossa Senhora do Perpétuo Socorro; b) Comunidade Nossa Senhora Aparecida Cajazeira. Fonte: Dados de campo (2008).

52 52 Segundo o Sr. Abdias, em janeiro, o lago São Lourenço começa receber água dos rios Manacapuru e Solimões. Quatro meses depois, a água avançou gradualmente atingindo outros microambientes no interior da localidade, o que melhora as possibilidades de uma pesca de qualidade, seja para subsistência ou para comercialização. O senhor Orney Corrêa, pescador comercial que mora na comunidade Nossa Senhora do Perpétuo Socorro relatou que a vida na localidade, assim como a vida em qualquer beirada, é difícil quando está seco, mas na cheia também não é fácil. Conversando sobre o tempo da pesca ele afirma: [...] Rapaz a pesca fica difícil tanto quanto tá cheio e quando tá seco, os dois tempos. Quando tá cheio o peixe espalha tudo. Num fica um no beiradão, tem que ficá muito tempo pescando pra conseguir algum pouquinho pra boia. [...] a pesca aqui no São Lourenço é bom nas beiras, nas matas da beira. Agora quem faz lanço a pesca é no mais fundo onde passa os cardumes. Na seca, é mais fácil pesca, porque o peixe fica junto principalmente nos poços. Mas é difícil porque a gente tem que andar muito até o Jaiteua, que é onde a gente costuma pescá também. [...] quando tá enchendo é o melhor período pra pescá também, porque o peixe da mais dinheiro, agente pesca aqui na área, no igarapé do Acari. [...] na cheia fica mais difícil aqui pra nós porque o pessoal foi criando gado e desmatando tudo, porque o capim é onde o peixe gosta de ficá e agora eles estão mais longe foi afastando com o tempo do gado aqui (O.C. S., pescador comercial, Cajazeira, 2007). Nos lagos São Lourenço e Jaiteua, a pesca ocorre em alguns pontos em períodos de enchente, principalmente na parte mais profunda ou em suas margens, onde ocorre mais vegetação. Segundo Soares (et al. 2008), a pesca em floresta alagada (locais dos igarapés e igapós) é de interesse do pescador porque os peixes encontram as condições favoráveis para alimentação e abrigo. O senhor Orney Corrêa vive praticamente da renda da pesca. A pesca comercial intensiva praticada pelos pescadores da localidade Cajazeira geralmente ocorre em ambientes fora da localidade, como é o caso do uso do paraná do Anamã que ocorre de agosto a outubro, período que a água recua drasticamente na localidade (vazante/seca). Este fenômeno facilita as capturas, pois os peixes vão se confinando em locais mais profundos no paraná os poços como dizem os pescadores. O peixe, nesse período, pela grande oferta, tem seu valor barateado no mercado pesqueiro de Manacapuru (Gráfico 1).

53 53 35,0 30,0 25,0 20,0 15,0 10,0 5,0 0,0 Enchente Cheia Vazante Seca Melhor Gráfico 1 Intensidade da atividade pesqueira dos pescadores de Cajazeira. Enchente: o melhor preço do pescado e média dificuldade de captura; Vazante/Seca: períodos de maior fartura e captura em quantidade de pescado. Pescado barato. Fonte: Dados de campo (2008). A enchente é um período considerado bom para os pescadores, porque coincide datas festivas anuais (por exemplo, a Semana Santa) com a melhor qualidade do peixe peso e tamanho devido à fartura de alimentos encontrada nos igarapés e nos igapós (MORÁN, 1990; SOARES, et al., 2008). Estes dois fatores se coadunam para a melhor valorização do pescado. No entendimento do Sr. Orney, a várzea sempre teve seus momentos de fartura como períodos de escassez. Porém o gado em sua opinião é um problema sério criado por pessoas de fora, que compraram terras na localidade, desmatado-as, para servir de pastagem. Essa prática não afeta apenas ele por ser pescador comercial, mas prejudica todos os moradores da localidade, porque precisam do peixe como alimento básico e de rápida aquisição. A seca se caracteriza pela ausência ou redução da chuva, sendo o calor intenso. A descida do nível das águas começa em julho até atingir o nível mínimo em final de outubro. A redução drástica da água do lago São Lourenço está associada à interrupção de alguns canais que são conectados ao rio Manacapuru e ao rio Solimões, reduzindo gradualmente o deslocamento fluvial. O igarapé da Cajazeira é diretamente afetado por esse processo (Figura 18)..

54 54 a) Figura 18 a) Cajazeira: período da seca; b) Cajazeira: período da cheia. Fonte: Dados de campo (2008).

55 55 Em Cajazeira, a mobilidade aquática através de embarcações como, canoas a remo, rebetas, voadeiras, barcos-recreio e o barco-escola diminuem significativamente no período da seca. A redução da água do lago São Lourenço implica a inconsistência aquática do igarapé da Cajazeira, o quê torna o fenômeno um obstáculo natural que limita a travessia dos pescadores até a margem do lago e para outros ambientes onde são realizadas as pescarias. O transporte de produtos produzidos diminuem internamente, e a chegada de produtos de fora através das embarcações reduzem significativamente devido a escassez de água. A caminhada através de varadouros ou atalhos ocorre o ano todo, pois alguns roçados ou centros, como localmente denominam, ficam em lugares relativamente próximos, e outros, distantes das comunidades. Porém, o uso dos varadouros se constitui em uma rotina mais intensa de caminhada nesta época para abreviar a distância dos lugares de trabalho e das moradias até as margens do lago São Lourenço. Geralmente o acesso ao lago, após o uso do varadouro, se dá através dos paranás onde as embarcações ficam a espera dos pescadores e suas famílias para realizarem juntos a travessia até o lago. Ao andar pelos varadouros, em virtude da severidade do percurso e dos obstáculos, pular as cercas do gado, equilibrar-se em cima de troncos de árvores caídos e descer e subir chavascal ou igapós são perigosos e desafios como relata os pescadores. Porém é uma realidade a ser enfrentada e não abdicada, pois precisam dos alimentos básicos para manter a existência: o peixe e outras fontes de proteína animal. Com relação à água para o consumo humano, doméstico e animal, na estação da seca, ela é coletada em poços abertos anualmente pelos pescadores denominando-os localmente de cacimbas. As cacimbas são abertas em áreas baixas ou médias com medidas suficientes de largura e profundidade para se ter acesso a ela. A água é limpa e, frequentemente, as cacimbas são abertas no olho d água, no lençol freático. Cada grupo doméstico possui sua própria cacimba, podendo também ocorrer o uso coletivo como acontece em Cajazeira. A cacimba é rodeada de tábuas e cobertas com palhas para proteção, para os animais domésticos não sujarem a água (Figura 19).

56 56 Figura 19 a) transporte; b) pontes; c) varadouros; d) cacimbas. Fonte: Dados de campo (2008) Henrique Pereira (2007) apoia-nos a pensar a vida dos pescadores e suas famílias, ao apresentar duas classificações que visam contornar os problemas causados pela sazonalidade dos recursos face às variações do ciclo das águas, que são 1) as medidas preventivas e 2) as medidas compensatórias. O autor explica, As estratégias preventivas atuam em longo e a curto prazo e têm por objetivo evitar a escassez relativa dos recursos. Entre as estratégias preventivas de longo prazo, destacam-se a territorialidade e a conservação dos recursos. Entre as estratégias de curto prazo destacam-se a armazenagem de recursos e a armazenagem de créditos e valores. Estratégias compensatórias são estratégias que visam lidar com escassez dos recursos [...] que são inesperados ou de tal forma intensas, que estratégias preventivas se tornam ineficazes. No caso dos ambientes de várzea, a ocorrências de cheias anormais, ou seja, cuja intensidade e (duração e volume) seja superior, representam esse tipo de estresse ambiental mais intenso (PEREIRA, 2007, p ). Com base nas contribuições do autor, verificamos que as noções de estratégia preventivas e estratégias compensatórias são dimensões reais vividas pelas famílias dos

57 57 pescadores em Cajazeira. Abaixo está descrito o calendário das atividades produtivas de Cajazeira durante o tempo das fases terrestres e aquáticas da várzea, atestando a polivalencia das atividades produtivas como medidas de sobrevivência e ao mesmo tempo preventivas para evitar a escassez dos recursos (Figura 20). Figura 20 O calendário das atividades produtivas. Fonte: Dados de campo (2008). A pesca, por exemplo, como atividade principal do nosso estudo, ocorre o ano todo em Cajazeira. Os ambientes de pesca internos e alguns próximos à localidade são protegidos para a pesca de uso doméstico, sendo proibida a prática comercial. Sob essa lógica são ambientes preservados e conservados para atender às expectativas das famílias em períodos de possível escassez de recursos pesqueiros. Os acordos informais de pesca como dispositivo jurídico expressam a territorialidade das famílias de pescadores mediante as possibilidades de terem seus recursos ameaçados por práticas de pesca que não condizem com a manutenção da subsistência das famílias. Deste modo, as práticas de conservação mediante dispositivos jurídicos visualizam a manutenção dos recursos a médio e a longo prazo. A agricultura, a caça e o extrativismo também ocorrem o ano todo. Estas atividades não foram abordadas com profundidade neste estudo.

58 58 A prática da agricultura possui centralidade para os grupos domésticos da área de estudo, ganhando maior expressão com a roça de mandioca. A constatação dessa prática não é diferente de outras partes da Amazônia, onde pesquisas demonstram que o cultivo de mandioca é a característica marcante do subsistema agrícola (NODA et al., 2001, 1997; RIBEIRO & FABRÉ, 2003; FRAXE, 2000; WITKOSKI, 2007). Observamos que a agricultura se divide em fases temporais ou ciclos tempo do preparo, tempo do cultivo e tempo da colheita ao longo do ano quando praticada em terra firme da localidade ou terra preta de índio como diz Porro (1998). O plantio ocorre nos meses de agosto a setembro. A colheita ocorre de novembro em diante. As principais espécies cultivadas observadas foram: a mandioca, o maracujá, a banana e o milho. A farinha como subproduto do roçado da mandioca (Manihot esculenta) é preparada em fornos de farinha aquecidos com lenhas oriundas dos arredores dos roçados ou dos sítios. Geralmente é produzida durante o período da enchente até meados do início da cheia. Após preparada, parte da produção é destinada ao consumo, outra parte, à comercialização e uma terceira parte, não necessariamente nesta ordem, é guardada como uma espécie de poupança alimentar ou reserva destinada à venda quando adentra o período da seca do ciclo das águas (Figura 21). Figura 21 Produção de Farinha. Fonte: Dados de campo (2008).

59 59 O extrativismo vegetal e animal ocorrem em tempos diferenciados. Em Cajazeira, tal como ocorre em outras comunidades ribeirinhas amazônicas estudadas por Fraxe (2000) e Witkoski (2007), os quintais ou os sítios trabalhados pelos pescadores e suas famílias constituem a área ao redor de suas moradias, onde são cultivadas várias árvores frutíferas, plantas medicinais, plantas ornamentais, os jiraus 13 e a criação de animais. A coleta de cupuaçu, castanha e açaí, por exemplo, ocorre em determinados períodos do ano. Algumas quantidades são destinadas ao consumo, e outras, imediatamente destinadas à comercialização. A renda obtida com a venda dos produtos é para o provimento de produtos geralmente não produzidos na localidade tais como, açúcar e medicamentos. A caça consiste numa atividade sazonal relevante como alternativa alimentar e fonte de proteína animal (MORÁN, 1990). Além de ser uma atividade destinada à subsistência, serve à sociabilidade masculina nos momentos de confraternização, não orientados pela lógica do trabalho produtivo e rotineiro como a agricultura. A caça, como extrativismo animal, é praticada sempre que possível e o ano todo. Não há em Cajazeira um tempo demarcado para esta atividade, isso porque é praticada antes, durante, entremeada ou após outras atividades as quais já sabemos: a pesca, as práticas agrícola, o extrativismo vegetal e a criação de animais ou após os serviços gerais e específicos realizados pelos agentes de saúde e profissões de ensino como ocorre na localidade. A criação de pequenos e grandes animais é frequente durante o ano. O investimento numa pequena criação de gado bovino, por exemplo, funciona como uma forma segura de poupança para provimentos futuros, pois estes animais podem sobreviver e crescer durante os períodos de escassez (cheia) e, nos casos de necessidade extrema, o investimento pode ser facilmente recuperado com o consumo ou a venda de animais (FRAXE, 2000; WITKOSKI, 2007; PEREIRA, 2007). Ao discorrer sobre as práticas produtivas realizadas em Cajazeira, a manutenção e a preservação dos ambientes de pesca e a conversão de parte dos produtos temporariamente abundantes em uma poupança na forma de produtos não perecíveis e sua posterior troca por produtos de primeira necessidade, facilitam a sobrevivência dos pescadores e suas famílias durante o período da fase terrestre da várzea. Estas práticas, como indica Pereira (2007), situam-se no âmbito das estratégicas preventivas a médio e a longo prazo. 13 Adaptações suspensas para o período da cheia do ciclo das águas destinas aos cultivos de determinados vegetais.

60 60 Esta dinâmica social quando praticada na várzea amazônica demonstra que a temporalidade e a espacilidade do ciclo das águas são os fatores determinantes nas vidas dos pescadores das localidades Cajazeira, Jaiteua de Baixo e Jaiteua de Cima Jaiteua de Baixo A comunidade Santo Antonio e algumas casas flutuantes que se consideram pertencentes à própria comunidade, compõem a localidade Jaiteua de Baixo. Os moradores por ocuparem as margens do paranazinho do Santo Antonio, vivenciam o recuo da água desse ambiente no período da seca, pois o volume e a espacialidade do paranazinho depende do fluxo de água do sistema maior que é proveniente do lago Grande de Manacapuru. Conversando com o Sr. Rondon Filho, pescador comercial, ele fala que a comunidade tem vantagem de não ficar tão distante da água do paranazinho como acontece com os igarapés das localidades Cajazeira e Jaiteua de Cima. Isso porque, no período da seca, a água diminui, mas não seca totalmente. Ele assim relata, [...] a seca pra nós aqui é difícil como em outras comunidades também. A água fica mais suja aqui no beradão. O bom é que tem água branquinha que sai do nosso terreno que serve pra beber e fazer tudo que precisa [...]. Eu percebo uma coisa que é boa aqui, é que não fica seco como fica pro lado da Cajazeira e do Jaiteua. Pra esses lugares, a seca é mais forte que aqui (F.R.F., pescador comercial, Jaiteua de Baixo, 2007). Essa afirmação se aproxima com a questão topográfica explicada por Pereira (2007, p. 20), ao dizer que a topografia [o perfil do solo] ondulada da várzea é causada por diferenças na deposição de sedimentos. Essa diferença causou depressões e, ao mesmo tempo, ondulações no terreno, o que torna as características ambientais de Santo Antonio diferente das demais localidades. Isso permite afirmar que o paranazinho do Santo Antonio não é raso em frente à comunidade, se ligando pelo canal diretamente com o paraná do Jaiteua (Mãe do Rio, conforme o pescador) que permite o acúmulo de água por tempo prolongado mesmo em períodos de seca (Figura 22).

61 61 Figura 22 O período da seca em Jaiteua de Baixo. Fonte: Dados de campo (2008). A pesca realizada pelos pescadores de Santo Antonio, quando praticada em ambientes internos ou próximos à comunidade, têm uma dinâmica diferente em relação às localidades Cajazeira e Jaiteua de Cima. Conversando com o senhor Rondon Filho assim esclarece: [...] A enchente é o pior período prá pesca porque aqui, quando enche, eu tenho observado, aqui nós não temos lago na nossa região. O que nós temos muito é ilha. O peixe tem facilidade em se transportar de um lugar para outra ilha. Quando é lago como ali no Piranha, porque o pessoal pega muito peixe lá, porque é lago e lá tem vários lagos. Tem lago porque tem a restinga tão alta que não dá passagem pra beira do Solimões, e eles pegam o peixe na beira da restinga. Agora porque fica bom na seca pra nós, é por aqui é passagem de peixe, e quando vem secando a tendência do peixe é baixar, e na passagem, a gente sabendo bota a malhadeira lá [...]. Agora, pra certos lugares a enchente é melhor [...] o Terra Preta é bom, o Belmiro, o furo do Bode [...] Na enchente é ruim pra nós e pra outros lugares é bom. Em Cajazeira é melhor porque tem restinga alta. Uma época dessa você não arpua um surubim aqui, porque não tem terra pra gente ver ele; taí mas ninguém consegue vê. Ele está no fundo. Lá consegue pegar porque tem beira pra ele ficar. Aqui não tem beira (F.R.F., pescador comercial, Jaiteua de Baixo, 2007). O senhor Rondon Filho se refere ao conceito restinga alta para demonstrar que a diferença no perfil do terreno em áreas de várzea ocorre de uma localidade para outra. Isso significa que os lagos ou lagotes emergidos no período da seca próximos à sua comunidade,

62 62 quando utilizados para pesca, têm uma dinâmica diferenciada em relação à fase aquática de outros ambientes de pesca das localidades Cajazeira e Jaiteua de Cima. Ele demonstra que a enchente é o pior período para pescar em sua localidade. Este fato que ocorre nos meses de fevereiro até abril equivale ao período de enchente para ele e para as outras localidades, porém com a diferença de não ser um período bom para a sua comunidade, mas sim, para as localidades Cajazeira e Jaiteua de Cima (Gráfico 2). 50,0 40,0 30,0 20,0 10,0 0,0 Enchente Cheia Vazante Seca Melhor Gráfico 2 Intensidade da atividade pesqueira dos pescadores de Jaiteua de Baixo. Enchente: o melhor preço do pescado no mercado, porém de difícil captura; Vazante/Seca: períodos de maior fartura, facilidade de captura em quantidade de pescado, porém preço barato no mercado. Fonte: Dados de campo (2008). Esse conhecimento ecológico é importante porque as práticas de pesca podem ser diferenciadas de um lugar para outro, fato que foi identificado por Batista (2003) e Fabré (2003) ao caracterizarem os ambientes aquáticos conforme o destino da produção e o tipo ecológico do ambiente manejado. Fabré (2003, p. 54) ao mencionar algumas paisagens modificadas naturalmente para se tornarem ambientes de pesca em outro, se refere à restinga alta da seguinte maneira: as restingas constituem longas faixas contínuas de terraços mais altas (barrancos), denominadas regionalmente como costa [...] a restinga alta é coberta pela floresta de várzea [...]. Durante a cheia esta floresta fica totalmente inundada, sendo denominada localmente como igapó. A floresta inundada não está distribuída sobre um relevo uniforme, principalmente passada a área de restinga alta, apresenta um suave declive, que em algumas áreas podem se acentuar, culminando com formações de baixadas pantanosas: os chavascais. O tempo ecológico do ciclo das águas, como visto, é internalizado na observação da formação física do ambiente. Porém, o tempo da movimentação dos peixes nos ambientes de várzea é um conhecimento básico que os pescadores da comunidade internalizam desde a

63 63 infância em seu período de aprendizado. O senhor Rosano, pescador comercial da comunidade Santo Antonio, assim observa o fenômeno da piracema: [...] a piracema vai do mês de Agosto a Setembro quando o rio vem secando. Em outros lugares ela vai até Outubro e começa desde Julho. A piracema é uma fase que baixa todas as qualidades de peixes em cardume, vem saindo dos lagos e descendo do Solimões. Aí os peixes começam a sair e quando tem a alagação que não seca muito, eles saem, mas quando seca muito num dá pra sair não. Depois deles saírem do Solimões, muitos deles sobem os afluentes, vão enfrentando as cabeceiras, as corredeiras, vão subindo pros outros lagos que ainda tem acesso, vão subindo o rio e muitos deles que sobem pro Solimões retorna. Retorna pra desovar na água nova que entra nos pastos, retorna pra desovar no Solimões e depois um bucado deles retorna pro seu hábitat. No ano passado deu uma piracema muito grande de peixes, saiu muito peixe, foram todas as qualidades de peixes na piracema [...] o pacu, a sardinha, a branquinha, o jaraqui, o pelubim, a pescada (F.R.L.M., pescador comercial, Jaiteua de Baixo, 2008). A vazante é o período em que as água baixam. Nessa época, a pesca para lancear cardumes migratórios é uma alternativa praticada por alguns pescadores comerciais da comunidade. O IBAMA tem portarias que proíbem esta prática para determinadas espécies de peixes, pois coincide com o período do defeso. Porém os pescadores direcionam as suas capturas para as espécies que estão fora desta normativa prevista pelo IBAMA e pela Colônia dos Pescadores de Manacapuru. O tempo do ciclo das águas apresenta alguns fatores limitantes que reduzem qualitativamente a base de subsistência dos moradores de Jaiteua de Baixo. O período da seca amplia a jornada de trabalho, havendo a necessidade de adequar o corpo a nova situação. Os caminhos aquáticos que antes eram realizados em canoa ou rabeta, agora são realizados a pé. Caminhos que duravam alguns minutos a serem percorridos, agora levam até hora ou horas. A água como elemento necessário ao corpo humano, no período da seca, se torna quase imprópria ao consumo devido o aumento do acúmulo de sedimentos e outras partículas decorrente da redução da água nos igarapés e no próprio paranazinho do Santo Antonio. É difícil beber água barrenta como diz os moradores da localidade. Algumas alternativas são criadas para contornar a situação. A cacimba, como vimos em Cajazeira, é uma alternativa utilizada em Santo Antonio. Alguns improvisos são feitos próximos às residências através de equipamentos como, caixa d água e cano PVC que captam a água que sai do olho d água descoberto. Segundo o senhor Rondon, a água de sua

64 64 cacimba surge apenas no período da seca e próximo à sua moradia. Ela é limpa e boa para o consumo. A água da cacimba é empregada para o uso doméstico em lavagem de louças e outros utensílios caseiros. Os animais do seu sítio também consomem esta água (Figura 23). Figura 23 Cacimba. Fonte: Dados de campo (2008). A redução da água no período da seca, como vimos, minimiza o raio de ação dos pescadores em Cajazeira. Em Jaiteua de Baixo, as áreas internas da comunidade exigem a abertura de varadouros para ter acesso a determinados ambientes de pesca. Com a redução da água, os trapiches construídos para embarque e desembarque de pessoas e produtos são transportados de lugares rasos para a margem mais profunda do paranazinho do Santo Antonio (Figura 24).

65 65 Figura 24 Trapiche: lugar para lavar utensílios domésticos e ponte improvisada. Fonte: Dados de campo (2008). A seguir, o calendário das atividades de trabalho reflete a polivalência dos moradores da localidade Jaiteua de Baixo durante o ciclo anual das águas (Figura 25). Figura 25 O calendário das atividades produtivas em Jaiteua de Baixo. Fonte: Dados de campo (2008).

66 66 A pesca é a atividade forte da localidade, é uma atividade realizada o ano todo pelos pescadores em ambientes internos, nos arredores e distantes da localidade. A vazante e a seca, contrário de Cajazeira e Jaiteua de Cima, é o melhor período para a pesca interna e próxima à localidade. Os motivos, como vimos, foram explicados acima por Pereira (2007) e pelo sr. Rondon acerca das diferenças do relevo na formação topográfica e ecológica do ambiente que diferem Santo Antonio das demais localidades. Em linhas gerais, a pesca realizada na vazante e na seca para o destino comercial não é a mesma coisa da pesca comercial realizada no período da enchente. Os motivos relacionados aos fatores culturais, econômicos e naturais explicam a valorização do peixe no período da enchente tal como ocorreu em Cajazeira. A pesca praticada na vazante e seca produz uma fatura que decorre de maiores concentrações de peixes em pontos específicos poços, paranás (canais de rotas migratórias), furos e pequenos lagos nesse período. Porém a fartura no mercado é consequência do maior número de pescadores comerciais atuando. Isso acarreta na visão dos pescadores demanda relativamente reduzida, oferta de pescado acentuado e o maior número de pescadores a redução significativa do preço do pescado, ou seja, o valor do peixe mais barato. Como a pesca nos ambientes internos e próximos de Jaiteua de Baixo são melhores na vazante e seca, eles preferem atuar no período da vazante tendo em vista a captura dos peixes migratórios (cardume) que percorrem os ambientes próximos à localidade. Na seca, o senhor Rondon, por exemplo, prefere atuar na agricultura apenas para manter as condições básicas de sua família, ou seja, ele não ganha dinheiro para algo além do que manter as condições mínimas necessárias da família. Ele retorna a pescaria comercial mais intensiva após o período da seca. Durante a enchente, ele pratica a pesca comercial em ambientes mais distantes da localidade que requer conhecimento e prática, pois é o momento que a pesca melhor remunera como vimos anteriormente. A caça como extrativismo animal é praticada o ano todo, porém sem tempos definidos claramente para isso. Ela ocorre concomitantemente às demais atividades, dependendo basicamente do interesse do pescador ou do agricultor. A agricultura é praticada o ano todo, porém orientada por intervalos compreendendo: preparo da terra, cultivo e colheita. Esta atividade é praticada de maneira alternada à pescaria dependo do interesse e da disponibilidade do pescador comercial. Para a pesca de

67 67 subsistência, o tempo de trabalho destinado à agricultora ocorre, porém exigindo mais disciplina e maior esforço do pescador ou agricultor. Os quintais e os sítios constituem a área ao redor da residência do produtor (FRAXE, 2000). No sítio do Sr. Rondon, observamos o cultivo de árvores frutíferas, hortaliças e a criação de pequenos e médios animais. No roçado, observamos o cultivo de milho, da mandioca e da banana Jaiteua de Cima A temporalidade e a espacialidade do ciclo das águas em Jaiteua Cima são fatores dinâmicos e modificadores radicais da paisagem local. Como citado anteriormente, Jaiteua de Cima reúne quatro comunidades: Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, Assembleia de Deus, Assembleia de Deus Tradicional e Santa Izabel. O lago do Jaiteua, como adverte os pescadores, é uma fronteira demarcada territorialmente pelos moradores da localidade para assegurar onde termina ou alcança o paraná do Tauari em direção aos limites externos da localidade. O lago do Jaiteua como intermediário entre o paraná do Tauari e o lago Grande é de uso coletivo e sujeito a determinadas restrições de uso, principalmente no período da seca do ciclo das águas para o controle da pesca comercial. O paraná do Tauarí, como ambiente interno da localidade, é de uso exclusivamente doméstico. A água proveniente do lago Grande alimenta o lago do Jaiteua e todo sistema de igarapés e canais que cortam o interior e os terrenos de fundo da localidade. O paraná do Tauari, no período da cheia, margeia e unifica fisicamente os territórios das comunidades Assembléia de Deus, Assembléia de Deus Tradicional e Nossa Senhora do Perpétuo Socorro. No período da seca a água recua significativamente restando em seus trechos alguns caminhos de água que tendem a ficar mais densos quando próximos da entrada do lago do Jaiteua (Figura 26).

68 68 Figura 26 Paraná do Tauari no período da seca. Fonte: Dados de campo (2008). A comunidade Santa Izabel, embora esteja na mesma localidade, não é diretamente determinada pela influência aquática do paraná do Tauari. Santa Izabel situa-se às margens do paraná do Seringa. Este mantém confluência com o paraná do Tauari e com o lago do Jaiteua no período da cheia. Na época da seca, o Seringa tem sua água reduzida drasticamente e desta fase emerge as cacaias os galhos retorcidas e submersos da época da cheia como tradicionalmente classificam, ficando um campo vasto que liga a comunidade até a margem do paraná. O paraná do Seringa é um ambiente de uso doméstico, sendo proibida a pesca comercial para qualquer pescador, seja morador de dentro ou de fora da localidade durante todo o ano (Figura 27).

69 69 Figura 27 Paraná do Seringa no período da seca. Fonte: Dados de campo (2008). A dinâmica de abrangência da água do lago do Jaiteua, entendido na perspectiva dos moradores como continuidade do lago Grande de Manacapuru, é, no período da cheia, um fator limitante para a organização social da comunidade Assembleia de Deus e Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, porque parte do território das comunidades fica quase totalmente submersa pela água nesse período. O território da comunidade Nossa Senhora do Perpétuo Socorro está distribuído em dois seguimentos: o principal é o núcleo central da comunidade, o outro extrato reúne um pequeno número de casas que ficam praticamente de frente à comunidade Assembleia de Deus Tradicional. Este segundo extrato é o território da comunidade que está mais sujeito à inundação pelo paraná do Tauari no período da cheia. A comunidade Assembleia de Deus tem seu território também dividido em dois extratos, e dependendo da intensidade da cheia, são totalmente sujeitos à inundação (Figura 28).

70 70 Figura 28 Território da comunidade Nossa Senhora do Perpétuo Socorro sujeito à inundação. Jaiteua de Cima. Fonte: Dados de campo (2008). Conversando com o Senhor Lázaro, pescador comercial, indaguei sobre as condições da pesca durante o período da cheia e da seca, ele explicou: [...] a cheia quando muito forte fica ruim pra pesca. Os peixes se enfiam nesse igapó e pra pegar ele fica muito difícil, eles se espalham. Já na seca é bom pesca no paraná do Anamã, porque tem muito peixe, lá o que tem mais é poço e os peixes acabam ficando tudo lá quando começa a secá. Mas as vezes tem conflito porque é muita gente pescando pra vende. Lá é um lago bom pra pesca, porque lá tem poço na seca e os peixes reune tudo lá quando sai daqui de dentro quando começa a secá. Aqui no Tauari e no Seringa é só pra pesca pra consumo. Aqui é proibido pesca pra vender. Nós fizemos um acordo pra isso. [...] A chuva forte que deu semana passada já é sinal que vai começar a enchente. Vai começa entrar água nova e o peixe vem junto com a água. O lago Grande enche, aqui pra nós começa a encher tudo também (L. S., pescador comercial, Jaiteua de Cima, 2007). O senhor Lázaro é pescador comercial, é muito versátil porque conhece muito de pescaria. Para ele, a estação da enchente é considerada um momento de abundância de peixes, pois os peixes começam a entrar na mata de igapó em busca de abrigo e alimento. Os acordos informais de pesca adotados pelos pescadores locais são para a proteção dos ambientes internos e nas imediações da localidade, ocorrendo como medidas preventivas adotadas para a manutenção dos recursos pesqueiros (Gráfico 3).

71 71 50,0 40,0 30,0 20,0 10,0 0,0 E nchente C heia Vazante S eca Melhor Gráfico 3 Intensidade da atividade pesqueira dos pescadores de Jaiteua de Cima. Enchente: melhor preço do pescado no mercado e relativa facilidade de captura; Vazante/Seca: períodos de maior fartura, facilidade de captura em quantidade de pescado, porém preço barato no mercado. A redução da água no período da seca implica a mudança de comportamento dos moradores da localidade, alterando as rotinas de trabalho. Acordar mais cedo para caminhar até um lugar de pesca, ou acordar mais cedo para caminhar até o centro o local do roçado e da floresta de trabalho são algumas das alterações temporais que ocorrem no cotidiano dos pescadores da localidade. Quem manda em tudo aqui é a água diz o senhor Lázaro ao se referir ao aumento do esforço de trabalho no período da seca. Ele fez algumas ponderações a respeito do que altera na jornada de trabalho de sua família: o transporte aquático no paraná do Tauari, por exemplo, é parcialmente limitado por causa da seca. Caso seja uma seca acentuada, a alternativa para sair da localidade em direção ao lago Grande ocorre através dos varadouros. Estes atalhos, segundo o senhor Lázaro, são caminhos improvisados por terra que facilitam o acesso a determinados espaços aquáticos. As poças, os poços ou os canais como ele se refere, são ambientes alcançados pelos varadouros, o que favorece o acesso ao lago Grande. As pontes improvisadas são alternativas para apoiar a travessia de um igarapé seco e lamacento para sua outra extremidade. Porém ele destaca que é uma travessia perigosa, pois as pontes como são coisas improvisadas, elas podem quebrar e as farpas da madeira ocasionar ferimentos ao corpo. A qualidade da água para consumo tem suas características reduzidas. Como não há poços artesianos na localidade, a água consumida é geralmente proveniente do igarapé. Na seca, o paraná e os igarapés se tornam inviáveis para o consumo devido ao aspecto e densidade de água barrenta. As cacimbas, nesse contexto, são

72 72 alternativas viáveis para o consumo doméstico das famílias tal como em Cajazeira (Figura 29). Figura 29 Ponte improvisada. Fonte: Dados de campo (2008). (Figura 30): O calendário abaixo descreve as atividades produtivas realizadas em Jaiteua de Cima. Figura 30 Calendário das atividades produtivas realizadas em Jaiteua de Cima. Fonte: Dados de campo (2008). A comunidade pratica a polivalência de atividades. A prática agrícola ocorre o ano todo através do ciclo: preparo da terra, cultivo e colheita. O centro, denominado por eles

73 73 como o local do roçado, situa-se em áreas de terras altas e afastadas das possibilidades da cheia. O plantio ocorre nos meses de agosto a setembro e a colheita ocorre de novembro em diante. No roçado, cultivam principalmente a mandioca (Manihot esculenta), o milho, a banana e o abacaxi. São cultivos destinados ao consumo e à comercialização. Da mandioca, preparam a farinha, considerada o principal produto para obtenção de renda para as famílias da localidade. Tal como ocorre em Cajazeira e Jaiteua de Baixo, os moradores praticam estratégias preventivas para aliviar situações de possível escassez. Isso porque, do preparo da farinha, armazenam uma parte da produção em potes para trocar ou comercializar com objetivo de adquirir alimentos não perecíveis (açúcar, sal e óleo). A pesca é praticada o ano todo. O período da enchente de fevereiro a maio como indicado pelos pescadores é o momento que consideram como favoráveis à boa pesca, sobretudo pela boa remuneração. Fato que foi recorrente, no mesmo período em Cajazeira. De acordo com o depoimento dos pescadores, os ambientes de pesca internos da localidade são destinados para o uso exclusivo dos pescadores locais e suas famílias. Os ambientes relativamente externos à localidade são utilizados conforme determinadas regras e acordos informais de uso comum dos recursos. A territorialidade e os acordos informais operam para garantir a prevenção e a manutenção dos recursos aquáticos a médio e a longo prazo, face a situações de escassez naturais ou escassez produzidas socialmente pela pesca predatória. A caça como extrativismo animal é uma prática semelhante ao que ocorre em Cajazeira, sem maiores detalhes. A criação de pequenos e grandes animais é comum na localidade. Porém a criação de gado bovino, quando do período da seca, é transportado para às margens do paraná do Jaiteua longe dos agravos doenças e dificuldades de alimento desse período como destaca por Sternberg (1998). O uso de marombas não foi percebido em nenhuma localidade. Esse tipo de ação é considerado estratégias compensatórias (PEREIRA, 2007). Isso ocorre quando, Estratégias preventivas não forem ou não puderem ser iniciadas, ou forem inadequadas, então algumas respostas imediatas são necessárias para corrigir os problemas de desequilíbrio entre população e recursos. Estas respostas podem assumir a forma de redistribuição da demanda (população) ou de redistribuição dos recursos [como ocorre com o gado no período da seca] (PEREIRA, 2007, p.17).

74 74 No capítulo a seguir será apresentado a organização social dos pescadores, os principais agentes sociais da pesca e o conhecimento tradicional dos pescadores em relação às praticas de pesca.

75 75 CAPÍTULO II PESCADORES E PESCARIAS Este capítulo aborda o conhecimento e as práticas de pesca desenvolvidas pelos pescadores de subsistência e pescadores comerciais das localidades Cajazeira, Jaiteua de Baixo e Jaiteua de Cima no uso dos seus territórios de pesca. Os conceitos de Lourdes Furtado (1993) pescadores polivalentes e pescadores monovalentes apoiou-nos a pesar a multiplicidade de atividades que estes agentes sociais realizam em um dia de trabalho, bem como as redes de sociabilidade que estabelecem na vida comunitária e durante as práticas de pesca. Os lanços de pesca realizados pelos pescadores das localidades Cajazeira, Jaiteua de Baixo e Jaiteua de Cima em áreas de floresta alagada (florestas de igapó) evidenciam o tempo ecológico (da natureza e seus ciclos físicos e climáticos) e o tempo social (das relações sociais e do mercado) vivenciado pelos pescadores. Esta conexão de tempos combinados na consciência do pescador, imprimem ritmos de trabalho no interior da pesca de subsistência e da pesca comercial, ocasionado possibilidade de manejo equilibrado ou degradante aos recursos pesqueiros. Estes são os principais assuntos apresentados neste capítulo.

76 A vida comunitária dos pescadores e de suas famílias nas localidades Cajazeira, Jaiteua de Baixo e Jaiteua de Cima Nós que vivemos aqui, vivemos da nossa força, do nosso trabalho mesmo [...], os políticos só vêm pra cá na época de eleição, prá querê voto, depois que passa, eles desaparecem, e as coisas continuam assim: precisando melhorá a escola, falta saúde, falta energia (V. C., pescador de subsistência, Jaiteua de Cima, 2008). As comunidades estabelecidas nas localidades estudadas apresentam, em sua composição social e material, instituições e infraestruturas (equipamentos culturais) semelhantes a outras comunidades rurais do estado do Amazonas. As comunidades apresentam um modo de vida e trabalho que possibilitam sua manutenção de existência, porém vivenciam as dificuldades de infraestrutura básica, baixa renda e pouco apoio das instituições do Estado segurança, saúde, educação, lazer e alimento o que tem contribuído para a redução da qualidade de vida das famílias dos pescadores. As famílias das localidades Cajazeira, Jaiteua de Baixo e Jaiteua de Cima como descrito, estão organizadas em comunidades (modo como é chamado os assentamentos rurais locais) segundo a denominação dos moradores. Os núcleos comunitários são os espaços de socialização dos moradores à medida que centralizam condições de infraestrutura para realização de serviços gerais, lazer, vida religiosa, saúde e educação. A necessidade de formar os centros comunitários nos quais estão localizadas as principais instituições a escola, a igreja, a sede de reuniões comunitárias, o campo de futebol e as associações são de suma importância para dar expressão aos assuntos, conhecimentos, sentimentos e interesses comuns e divergentes dos moradores acerca das suas necessidades e reivindicações de serviços públicos para a melhoria local. Segundo Souza (1996), no âmbito comunitário, a ação comunitária tem sido um instrumento usado pelos grupos rurais para a superação das barreiras e dos problemas encontrados na vida em comunidade. Esse instrumento tem sido usado de diferentes formas, por diferentes grupos de pessoas, muitas com obtenção de resultados positivos e outras vezes, não correspondendo às expectativas. A ação comunitária precisa estar vinculada a trabalhos cooperativos para que tenha algum resultado, entretanto, se não houver uma resposta da própria comunidade, não terá valor algum. A busca de superar os desafios encontrados na vida comunitária requer a cooperação de todos para que estas ações sejam concretas e atinjam seus objetivos. A ação comunitária representa um princípio através do qual a família já não é apenas uma unidade básica, mas

77 77 passa a ser incorporada ao centro onde todas as famílias possuem um papel fundamental para o funcionamento da vida local. Segundo a autora: [...] a ação comunitária é uma prática de ajuda mútua e cooperação que se articula e se opera a partir da comunidade [...]. Esta ação enfrenta os desafios a que a população comunitária é submetida, seja para solução de conflitos, seja para a promoção de eventos ou comemorações [...] a partir desses desafios é que determinadas formas de cooperação comunitária, tipo mutirão, ajuda mútua, coleta voluntária, vão se estruturando e dando resultado a essa ação coletiva [...] (SOUZA, 1996, p. 28). O conceito de comunidade utilizado para pensar a organização social e a ação dos moradores das localidades está relacionado aos elementos da teoria clássica do conceito de comunidade, porém o sentido de comunidade como designado pelos moradores indica uma realidade dinâmica que é transformada pelas necessidades do contexto, seja político, econômico ou relacionados à defesa de seus direitos. Para Tonnies (1973), por exemplo, tudo que é confiante, interno, que vive exclusivamente junto, é compreendido como a vida em comunidade. O autor analisa a distinção entre comunidade e sociedade. Para o autor, a comunidade é caracterizada pela organicidade social, há uma ligação entre os membros onde prevalece a concórdia, o costume e o entendimento. Estes elementos são tácitos, dados quase naturalmente. Para Tonnis (1973), o sentido contrário ou contraditório seria a sociedade, que decorre da troca e afastada do sentido de coletividade partilhada, onde se estabelece o contrato explícito que é o contrário do consenso comunitário e das regras consuetudinárias. A motivação de pleno livre arbítrio e a competição são o que substituem a solidariedade. Weber (1999), de modo mais sofisticado, define as relações sociais como sendo comunitárias e associativas. De acordo com o autor, as relações comunitárias podem se apoiar em fundamentos afetivos, emocionais, familiar ou tradicionais, repousa no sentimento subjetivo de pertencer [a um grupo social] (WEBER, 1999, p. 25). A coesão social tem um sentido naturalizado e integrador. Enquanto as relações associativas para Weber (1999), constituem-se a partir de ajustes de interesses racionalmente motivados, de acordos racionais por declaração recíproca, uma relação contratual deliberada politicamente. Para o autor, a grande maioria das relações sociais tem caráter, em parte, comunitário e, em parte, associativo (WEBER, 1999, 25). Gusfield (1975), por outro lado, percebe a questão operacional dos conceitos, ou seja, percebe como os conceitos, dentre eles comunidade, são acionados diante de determinada realidade. Para o autor, existem dois modos de uso do conceito de comunidade

78 78 em jogo: um de uso territorial que é referente ou relacional ao lugar, e um que é relacional vinculado e elaborado a partir das relações sociais como decorrente de designação política. Para o autor, comunidade é um conceito analítico, é um instrumento operacional que não significa necessariamente realidades empíricas. Comunidade é um conceito dinâmico, é uma maneira de pensar as realidades empiricamente observáveis. Segundo o autor, a solidariedade é construída, e os atrativos comunais nos ajudam a pensar a identidade do grupo. Essa identidade é uma construção social e não está presa a uma localização geograficamente estabelecida ou determinada. Nesse sentido, a noção conceitual de comunidade de Gusfield (1975) nos ajuda a pensar que o termo comunidade para os moradores das localidades pesquisadas quando acionados expressa uma designação de uso desses agentes sociais direcionado para a utilização político-administrativa ou jurídica e não apenas como forma empírica. Para alcançarem os objetivos de melhoria social e econômica, os moradores das localidades Cajazeira, Jaiteua de Baixo e Jaiteua de Cima organizaram algumas associações para melhor pensar e gerenciar seus problemas e reivindicações. O quadro 2 a seguir descreve as formas de organização política dessas comunidades por localidade:

79 79 Localidade Cajazeira Jaiteua de Baixo Jaiteua de Cima Comunidade Nossa Senhora Aparecida Associação dos devotos de Nossa Senhora Aparecida Associação de Pais e Mestres Associação de Moradores Associação de Agricultores Clube de Mães Nossa Senhora do Perpétuo Socorro Associação de Moradores Associação dos Agricultores Associação de Pais e Mestres Santo Antônio Clube de mães Assembleia de Deus Associação dos membros da Assembleia de Deus Associação de Moradores Assembleia de Deus Tradicional Associação dos membros da Assembleia de Deus Tradicional Associação de País e Mestres Associação de Moradores Nossa Senhora do Perpétuo Socorro Associação de Pais e Mestres Clube de Mães Associação de Moradores Associação de Agricultores Santa Isabel Associação dos membros da Assembleia de Deus Clube de Mães Membros do sindicato Rural dos Trabalhadores Associação de Moradores Associação de Pais e Mestres Tempo de Existência 5 anos 10 anos 3 a 4 anos 3 anos 4 anos 2 anos 2 anos 4 anos 5 anos 8 anos 3 anos 6 anos 5 anos 4 anos 10 anos 20 anos 30 anos 2 anos 10 anos 17 anos 20 anos 18 ano 20 anos Quadro 2 Associações de comunidades Fonte: Dados de campo (2008). Verificamos que as famílias das comunidades participam de diversas associações. Algumas delas como, a Associação de Moradores, são recém criadas e outras têm alguns anos de existência, aproximadamente entre dez a vinte anos. Os moradores das comunidades participam dessas associações na condição de sócios, pagando um valor mínimo para a manutenção dessas instituições. A participação se dá

80 80 também através de diversos trabalhos, cooperando como tesoureiros da diretoria executiva da associação. Outros moradores trabalham na prestação de serviços gerais como auxiliares, colaborando nas reformas das igrejas e das escolas. Outros associados auxiliam em atividades culturais, tais como a promoção e divulgação de festas religiosas e eventos esportivos. Um pescador de subsistência da comunidade Assembleia de Deus (Jaiteua de Cima) fala da importância da Associação de Moradores e da vida em comunidade: [...] Viver na comunidade traz benefícios. Depois que a pessoa passa pagar a associação dos moradores todos os meses. Se for [documento] pra aposento a pessoa vai receber até morrer. Então, ela tem direitos. Por exemplo, o auxilio materno [...] a comunidade dá uma declaração, dá um pedaço de terra de um amigo pra essa pessoa no período de cinco meses [...]. Nós exigimos somente que essa pessoa seja sócio da comunidade, mas, pagando seu direito para que nós possamos correr atrás dos benefícios que eles querem, pro benefício de todos. Eu levo no sindicato, eu levo no INSS, eu tenho declarações prontas aqui do sindicato para qualquer beneficio. [Levo também os associados] para tirar carteira de identidade, CPF. Eu passo pros comunitários tudo isso direitinho, já tudo declarado. A nossa associação de moradores serve pra isso, e tem feito a gente feliz (V. C., líder comunitário, Jaiteua de Cima, 2008). Uma importante conquista das comunidades nos últimos anos como resultado de pauta de reuniões foi o reconhecimento jurídico de suas comunidades. A legalização das comunidades permite o diálogo formal com o Estado (instituições públicas) e com as instituições privadas. A aquisição do CNPJ (Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica), por exemplo, facilitou que as lideranças comunitárias acionassem os bancos (geralmente bancos estatais) para adquirirem empréstimo e financiamento para aquisição de produtos máquinas e equipamentos a serem usados nos trabalhos agrícolas e de infraestrutura nas comunidades. O morador da localidade Jaiteua de Cima afirma: [...] a gente sempre viveu em comunidade, mas depois de oito anos... é isso mesmo, que a gente passou a ser comunidade mesmo com toda documentação certinha, a gente conseguiu algumas coisas pra nossa comunidade... o motor de luz que a gente tem, nós compramos esses tempos.., a reforma da escola foi uma parte que a prefeitura fez, a outra parte nós compramos financiado mesmo... se a gente não tivesse organizado o documento da comunidade seria difícil melhora as coisas por aqui, porque onde você vai, e falar na prefeitura ou no banco tem que tá com a comunidade em dia, toda documentada, se não, não consegue nada (Sr. R. V., líder comunitário, Jaiteua de Cima, 2008). O acordo informal de pesca convencionado pelos pescadores de subsistência e pescadores comerciais da localidade Jaiteua de Cima para guardar e conservar o paraná do

81 81 Anamã e o lago do Jaiteua no período da seca do ciclo das águas, foi estabelecido em reuniões de moradores envolvendo as quatro comunidades estabelecidas em Jaiteua de Cima, com o intuito de discutir a situação de escassez da pesca que estava ocorrendo pela exploração comercial excessiva por pescadores comerciais locais e por pescadores citadinos principalmente no período da seca. A mobilização dos líderes comunitários para concretizar o acordo de pesca foi uma iniciativa importante para controlar a pesca comercial e garantir as condições mínimas de subsistência para as famílias dos pescadores de Jaiteua de Cima. Porém as lideranças comunitárias ressaltam que o acordo não é seguido por todos porque há resistência dos próprios pescadores comerciais locais que vivem necessariamente da renda da pesca e por pescadores citadinos (pescadores de fora) que se fundamentam no fato de os moradores locais não disporem de legitimidade jurídica legal para impedir o acesso dos pescadores aos principais ambientes aquáticos da localidade paraná do Anamã e lago do Jaiteua e de uso partilhado com os pescadores das localidades Cajazeira e Jaiteua de Baixo. Neste mesmo período relativo à criação do acordo informal de pesca, as Associações de Moradores, de modo geral, passaram a discutir a participação dos pescadores das localidades com relação à filiação desses agentes sociais à Colônia de Pescadores de Manacapuru Z9. Isso porque o controle sobre a atividade passou a confrontar os interesses dos pescadores comerciais locais que achavam que seus ganhos (rentabilidades) seriam limitados pelo acordo. Sendo importante ressaltar que a maior parte dos moradores das localidades não estava vinculada a nenhuma associação ou instituição de trabalho, e que por esse motivo os moradores não tinham acesso aos seus direitos de pescador ou agricultor (este último referente à Associação dos Produtores Rurais de Manacapuru). Esse tema, praticamente, era pouco comentado em reuniões comunitárias das localidades e o desconhecimento dos pescadores sobre seus direitos e deveres com relação ao oficio de pescador profissional (artesanal) e agricultor era difuso. Essa condição, além de desestimular o interesse dos pescadores comerciais em se ajustarem ao acordo informal de pesca porque não viam sentido de ganho material (monetário) sobre o mesmo, exigiu das lideranças comunitárias (até mesmo para o fortalecimento do acordo) mobilização política interna e o conhecimento sobre os direitos legais dos pescadores e dos agricultores de suas comunidades junto a estas associações. O desdobramento dessa atitude dos líderes comunitários resultou no envolvimento gradual dos moradores em busca de seus direitos. Uma liderança comunitária afirma:

82 82 [...] antes do nosso acordo [de pesca] aqui pro Jaiteua, nós tinha pouco conhecimento dos nossos direitos. Tinha um e outro pescador, até o pessoal da agricultura não sabia mesmo dos seus direitos. Então prá melhorá isso, nós pedimos auxílio do irmão [evangélico] que conhece mais sobre a Colônia e das leis, e ele veio aqui e explicou tudo. Depois começamos a ficá sócio da Colônia e outros da Associação dos Agricultores, foi isso que aconteceu [...] (V. C., líder comunitário, Jaiteua de Cima, 2008). Os quadros 3 indica, respectivamente, a participação dos pescadores como filiados à Colônia de Pescadores de Manacapuru Z9 na época anterior à mobilização, em seguida, os principais motivos relacionados a não participação desses agentes sociais a essa instituição. Localidades Jaiteua de Cima Jaiteua de Baixo Cajazeira Participação 25% (Sim) 75% (Não) 20% (Sim) 80% (Não) 14% (Sim) 86% (Não) Motivos dos pescadores relacionados a não participação na Colônia dos Pescadores de Manacapuru Z9 Cajazeira Localidades (Nível de Informação) Jaiteua de Baixo Jaiteua de Cima Conhecimento sobre a Colônia. médio baixo baixo Documentos pessoais completos para filiação. médio baixo baixo Receio de perder outros direitos como a aposentadoria por tempo de trabalho na agricultura. Distância da moradia à Colônia dos Pescadores de Manacapuru. alto baixo médio médio médio médio Motivação política do líder comunitário. baixo baixo baixo Desinteresse pessoal. médio alto médio Falta de dinheiro. alto alto alto Quadro 3 Nível de participação social e política na Colônia de Pescadores de Manacapuru Z 9. Fonte: Dados de campo (2008).

83 83 A Associação de Moradores e a Associação de Pais e Mestres discutem sobre os problemas relacionados ao ensino escolar adotado nas localidades. O sistema de ensino escolar desenvolvido nas localidades é coordenado pela Prefeitura Municipal de Manacapuru e pela Secretaria Estadual de Educação do Estado do Amazonas (SEDUC). A pesquisadas apontou para a predominância de escolas de ensino fundamental ensino de 1ª a 8ª série. A fase posterior, ou seja, o ensino médio só é possível de ser realizado se os estudantes conseguirem vagas em escolas de localidades vizinhas que tenham esse nível escolar ou em escolas da sede do Município de Manacapuru. De acordo com as lideranças comunitárias das localidades Cajazeira, Jaiteua de Baixo e Jaiteua de Cima que estabeleceram diálogo com a Prefeitura de Manacapuru em contextos pretéritos, cada comunidade (das respectivas localidades) deveria ter uma escola com sede própria e com infraestrutura suficiente para acomodar os estudantes de todas as séries e idades, porém não é isso que ocorre na prática. Em Jaiteua de Cima, por exemplo, a escola de 1ª a 8ª série chamada Raimundo Queiroz é frequentada por crianças, jovens e adultos da própria localidade, e por alunos das localidades Jaiteua de Baixo e Cajazeira. Por outro lado, a estrutura escolar é sobrecarregada com alunos das comunidades Assembleia de Deus Tradicional e Assembleia de Deus (pertencentes à localidade Jaiteua de Cima) que não têm sede escolar por motivo de falta de apoio financeiro e planejamento da Prefeitura de Manacapuru. Em Cajazeira, as comunidades Nossa Senhora do Perpétuo Socorro e Nossa Senhora Aparecida possuem escolas de ensino fundamental, porém a infraestrutura escolar de ambas é insuficiente para atender as demandas de todos os alunos. As salas de aula e o material didático são ajustados para atender com prioridade alunos de 1ª a 4ª série. Os alunos de 5ª a 8ª são alocados para a escola Raimundo Queiroz em Jaiteua de Cima para darem continuidade aos estudos. Em Jaiteua de Baixo, a escola de ensino fundamental atende apenas as demandas de ensino de 1ª a 4ª série para crianças e adolescentes e educação básica para adultos. Os estudantes de 5ª a 8ª série são encaminhados para a escola Raimundo Queiroz em Jaiteua de Cima e os alunos de ensino médio são encaminhados para escolas da sede do Município de Manacapuru quando as condições financeiras e sociais permitem. O horário de funcionamento das escolas em todas as comunidades compreende o período matutino e vespertino. Na escola Raimundo Queiroz, por exemplo, as aulas são ministradas por professores residentes da própria localidade, por professores de localidades

84 84 vizinhas e por profissionais do município de Manacapuru. Os professores que moram fora da localidade, geralmente, ficam como residentes temporários na comunidade Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, ocupando o barracão, mais conhecido como a casa dos professores. O quadro 4 a seguir apresenta o nível escolar das localidades pesquisadas.`

85 85 Localidade Comunidade Grau de Escolaridade Freqüência % 1ª a 4ª Série 33,3 Nossa Senhora 5ª a 8ª Série 16,7 Aparecida Ensino Médio Incompleto 16,7 Não Lê e não Assina o Nome 16,7 Só Assina o Nome 16,7 Cajazeira Nossa Senhora 1ª a 4ª Série 50,0 do Perpétuo Ensino Médio Incompleto 25,0 Socorro Só Assina o Nome 25,0 Jaiteua de Baixo Jaiteua de Cima Santo Antônio Assembléia de Deus Assembléia de Deus Tradicional Santa Isabel Nossa Senhora do Perpétuo Socorro 1ª a 4ª Série 57,1 5ª a 8ª Série 14,3 Ensino Médio Completo 14,3 Nunca Estudou 14,3 1ª a 4ª Série 50,0 5ª a 8ª Série 33,3 Só Assina o Nome 16,7 1ª a 4ª Série 87,5 5ª a 8ª Série 12,5 1ª a 4ª Série 61,5 Não Lê e não Assina o Nome 7,7 Só Assina o Nome 30,8 1ª a 4ª Série 21,4 5 ª a 8ª Série 42,9 Ensino Médio Completo 7,1 Não Lê e não Assina o Nome 7,1 Nunca Estudou 14,3 Só Assina o Nome 7,1 Quadro 4 Nível escolar. Fonte: Dados de campo (2008) Conforme os moradores e a observação em campo, o nível escolar de 1ª a 4ª série corresponde aos estudantes jovens e adultos das localidades pesquisadas e atende às expectativas dos líderes comunitários em atingir esse nível mínimo educacional. Para o grau de escolaridade variando entre a 5ª e 8ª série e a condição de moradores alfabetizados e nãoalfabetizado, os líderes comunitários explicam: [...] a primeira necessidade das nossas comunidades, que era muito discutido nas reuniões da associação de pais e dos moradores também, era

86 86 a preocupação em faze as nossas crianças estuda mais. Com toda dificuldade nossa e conversando com os professores e os pais a gente conseguiu garanti o ensino básico pra crianças, que é mais importante mesmo, mas a gente conseguiu convence os mais velhos a vim pra escola também. Hoje os companheiros mais velhos, principalmente as mães, minha esposa que não sabia lê direito, foi pra escola com dificuldade, porque tem que trabalhá, hoje sabe lê, assina o nome e tudo, que bom né. Hoje os colegas, o pessoa da nossa família sabe lê, e lê a bíblia certinho. Isso foi muito bom pra nós. [...] (Sr. R. V., líder comunitário, Jaiteua de Cima, 2008). [...] é difícil continuá o estudo das crianças aqui nas comunidades depois que termina a 4ª série, a escola é pequena, falta professor, falta sala de aula que pra nós e mais grave. Então a saída e mandá pra comunidade do Velhote [comunidade N.S.P.S., Jaiteua de Cima] que já não tem mais vaga, e pra quem podé manda pras escolas de Manacapuru. Porque só dá pra ir pra lá quem tem parente lá, que sempre tem. As crianças que querem avança no estudo tem que ir pra lá, ou pra Manaus e só dá pra vim pra casa no sábado e domingo, porque o gasto pra vim pra cá e alto, e os pais não tem dinheiro pra isso [...] (Sr. R., líder comunitário, Cajazeira, 2008). As escolas são freqüentadas apenas nos períodos da enchente e cheia, porque os ambientes aquáticos oferecem condições naturais para o deslocamento do barco-escola e das pequenas embarcações que transportam os estudantes aos estabelecimentos de ensino. Esse espaço de tempo corresponde ao calendário oficial escolar e todas as atividades escolares devem ser realizadas nesse período. Do intervalo de tempo que compreende o mês de agosto à segunda quinzena de novembro aproximadamente (períodos da vazante e seca, respectivamente), as escolas entram em recesso e retornam às atividades apenas no mês de dezembro em sintonia com a subida da água da enchente. As lideranças comunitárias se posicionam criticamente diante dessa situação, afirmando que o curto calendário não dá conta daquilo que deveria ser ideal para o aprendizado de qualidade. Por outro lado, a prefeitura do município de Manacapuru pronuncia-se muito pouco com relação a rotina de vida escolar, atendendo somente as condições mínimas de existência e funcionamento da estrutura pedagógica local. O poder e a capacidade de liderança comunitária (administração) são fortemente influenciados pela vida religiosa nas localidades. Inclusive as tomadas de decisão e as regras de conduta dos moradores, neste caso, os acordos informais de pesca, são discutidos sob o juízo de valor dessa conexão vida comunitária e vida religiosa e não cumprir as regras significa sanções ao morador. Liliane Oliveira (2008) estudou a dimensão religiosa nas localidades Cajazeira, Jaiteua de Baixo e Jaiteua de Cima e verificou que as instituições religiosas predominantes

87 87 correspondem às denominações Católica Apostólica Romana e às Igrejas Evangélicas (Gráfico 4). 120,0 100,0 100,0% 100,0% 80,0 60,0 40,0 20,0 41,2% 58,8% 0,0 Católica Católica Católica Evangélica Cajazeiras Jaiteua de Baixo Jaiteua de Cima Gráfico 4 Instituições religiosas Fonte: Dados de campo (2007). Segundo a autora, a formação dos núcleos comunitários nas localidades se deu dentro do direcionamento político e territorial, e atualmente são as igrejas (evangélica e católica) e o poder local instituído dentro de cada comunidade (cada comunidade disponibiliza de uma igreja) que delimitam o espaço territorial e as formas de uso dos recursos em todas as localidades, sendo em Jaiteua de Cima a maior disputa simbólica. Nesta localidade, as iniciativas de acordo informal de pesca para disciplinar o uso dos recursos pesqueiros surgiram e tiveram eficácia, principalmente pela influência das instituições evangélicas, e participar da vida religiosa nas comunidades evangélicas significa acompanhar as deliberações do núcleo comunitário das reuniões das associações existentes nas comunidades e o descumprimento sujeita a pessoa a determinadas sanções: perder os benefícios sociais empréstimos, auxílio de serviços que a vida comunitária pode proporcionar, é uma delas. A autora afirma que o poder local está diretamente estabelecido a partir da história da formação social de cada núcleo comunitário. Ela detectou entre os núcleos comunitários, que o poder local se constitui por laços familiares associados à vida religiosa. Fator que determina que os cargos de liderança sejam ocupados pelas pessoas que fazem parte da família pioneira na fundação de cada núcleo comunitário. Além disso, o terreno onde os

88 88 núcleos estão concentrados é uma herança familiar, gerando assim, um forte laço de parentesco. [...] aqui na comunidade as família participa mais das decisões na comunidade, porque a maioria é tudo parente mesmo. Primeiramente é mais a minha família. Tem na comunidade a minha família, tem da minha mulher, tem mesmo na comunidade umas cinco famílias, quase todo mundo é parente. Tem umas quatro a cinco famílias só na comunidade e todo mundo é parente, eu sou parente da minha mulher, primos distantes. [ ] como nós somos evangélicos, a gente segue o principio da igreja, né, e nas reuniões o que a comunidade decide é o que a gente cumpre, é importante isso (I. L., Agente de saúde e ex-líder comunitário, 2007). Nas localidades Cajazeira e Jaiteua de Baixo, as comunidade são predominantemente católicas. A organização social, porém, não difere do predomínio familiar presentes nas lideranças comunitárias como em Jaiteua de Cima. 2.2 A família do pecador como unidade de trabalho nas atividades produtivas Para pensar as rotinas de trabalho dos pescadores de subsistência e pescadores comerciais das localidades Cajazeira, Jaiteua de Baixo e Jaiteua de Cima, apropriamos-nos das noções conceituais de Lourdes Furtado (1993) denominadas pescadores polivalentes, pescadores monovalentes e pescadores citadinos, porque nos auxiliam a pensar os múltiplos papéis sociais que os pescadores das localidades exercem e o modo como as racionalidades subjacentes às práticas produtivas operam. Os conceitos de Furtado se relacionam com o conceito de camponês de Chayanov (1974) e, mais especificamente, aproximando-se do conceito de camponês amazônico de Witkoski (2007), pois sugere-se que a organização social no interior das atividades pesqueiras e produtivas da terra e da floresta, defronta-se com elementos chaves que caracterizam a economia camponesa da várzea amazônica. Nas localidades estudadas, o cotidiano dos pescadores é constituído de atividades e rotinas de trabalho diversificadas (FURTADO, 1993). As atividades produtivas como, a agricultura, o extrativismo, a caça e a pesca, se mantêm, geralmente, em moldes lógicos de organização do trabalho tradicionais, mostrando para nós que os pescadores necessitam trabalhar intensamente os três ambientes a terra, a floresta e a água. A piscosidade dos diversos ambientes aquáticos favorecem a economia da subsistência e do excedente. Parte importante da produção do pescado, o que e como produzir, vem das demandas do mercado

89 89 consumidor de Manacapuru através dos agentes da comercialização que socializam informações necessárias para atender às expectativas local e extra-local (WITKOSKI, 2007). A organização do trabalho em atividades pesqueiras tal como ocorre em atividades agrícolas, extrativistas e criatórias está fundamentada e tem sentido na participação ativa dos membros do grupo doméstico, ou seja, da unidade de produção camponesa como sugere Chayanov (1974), contando também com parcerias de trabalho envolvendo os parentes e a vizinhança os quais contribuindo para as formas de intercâmbio com os diversos agentes da comercialização os comerciantes atravessadores de produtos agrícolas e os compradores do peixe desembarcado em Manacapuru. Chayanov (1974) elabora o conceito de campesinato, cuja base de orientação é a própria estrutura familiar camponesa. A família é protagonista desta realidade ao estabelecer regras fundamentais de comportamento econômico aos seus integrantes. Os laços comunitários que os pescadores das localidades estabelecem entre si e entre seus familiares e a vizinhança, o conjunto de regras coletivas que os acompanham durante as práticas de trabalho, os vínculos de natureza personalizada que imaginam e praticam e o carácter extraeconômico das relações de dependência econômica que estão sujeitos fundamentam, o conceito de camponês amazônico, e permitem explicar as particularidades sociais e culturais desses atores sociais (WOLF, 1970; CHAYANOV, 1974; WITKOSKI, 2007). Com bases nesta reflexão, entende-se que a organização econômica dos pescadores de subsistência e dos pescadores comerciais é constituída da unidade de consumo e da unidade de produção. A primeira representa o universo de pessoas da família que ainda não trabalham, ou são liberados do trabalho momentaneamente ou não mais trabalham diretamente no manejo dos locais de produção dos produtos originados da terra (o roçado), da floresta (o extrativismo) e da água (a pesca e a caça). Esta unidade reúne crianças em situação de amamentação (de colo) ou crianças e jovens que os pais não ou ainda não exigem com mais frequência o apoio da força de trabalho nestas atividades, pois alegam estarem em fase escolar, o que é uma decisão deles em face a determinadas regras do grupo doméstico visualizando novas oportunidades de trabalho, ou seja, o melhor futuro para os filhos. Os membros da família que estão aposentados por motivos diversos (por exemplo, invalidez) e idosos também fazem parte desta unidade. Porém esta ocorrência não pode ser generalizada, pois, nas localidades, há alguns idosos que caçam, coletam e pescam. A maioria deles contribui com atividades de trabalho mais leves e menos desgastantes

90 90 fisicamente, tais como a limpeza das residências, o preparo de alimentação e o cuidado com as crianças menores (netos). O senhor Napoleão assim relata, [...] Os meus filhos e os meus netos acordam cedo pra ir pro roçado. Às vezes quando dá eu vou, mas quando não, eu fico com os meus netos pequenos e com a minha nora. As vezes ela vai também, então eu fico só com eles. Alguém tem que cuidá deles. [...] os meus netos pequenos e até os maiorzinhos não chegaram a me acompanhar nas pescarias mesmo, mas quando é pesca pra boia eles vão comigo e aprende a pesca (N.M.S., pescador de subsistência, Jaiteua de Cima, 2008). A vivência e o sentido destas relações de apoio e cooperação familiar explicadas pelo Sr. Napoleão são comuns entre as famílias das localidades estudadas. O pai e a mãe, ao se afastarem de casa para trabalhar, contam com o apoio dos filhos mais velhos ou dos idosos no cuidado com as crianças menores. A noção de cuidado para os pais comporta, principalmente, a segurança (o cuidado com relação aos acidentes e a alimentação em horários específicos) e a educação das crianças. A atribuição do Sr. Napoleão, ao cuidar dos seus netos, tem sido, além da segurança, ensiná-los, na prática meninos e meninas, a coletar iscas para peixe, a identificar e a demarcar os melhores pontos de pesca. A unidade de produção é fundamental para a manutenção da unidade de consumo, ou seja, ela atua em duas frentes: 1) é responsável pelo provimento de alimentos destinados à subsistência e a 2) produção de produtos destinados à comercialização tendo em vista a necessidade de aquisição de renda em forma de moeda para adquirir produtos que não são produzidos nas localidades por exemplo, laticínios e remédios. Esta unidade de trabalho é constituída por pessoas cuja faixa etária transita em idade juvenil, em idade adulta e por idosos. No âmbito familiar, a chefia e as decisões políticas são geralmente atribuições tanto dos homens pai, avô ou filho mais velho quanto das mulheres (mãe e avó). Porém, fora do campo doméstico, o controle social sobre as atividades de trabalho é exercido pelo pai, que é responsável pelo que deve produzir e comercializar, isso porque o tempo de trabalho que ele exerce se situa na maior parte do tempo fora do campo doméstico, estabelecendo contato com os agentes da comercialização, por isso sua liderança não se justifica apenas pelo trabalho pesado que exerce na agricultura ou na pesca: [...] A minha mulher trabalha muito aqui em casa e no roçado junto com meus filhos, ela praticamente não tem tempo pra fazer outras coisas. Faz o que, eu tenho que vendê o peixe e vende as coisas que a gente planta aqui,

91 91 e no caso da gente que tem criança pequena, ela fica com a minha sogra, porque a gente só volta no fim do dia, do centro quando é dia de roça. E quando ela chega é só pra descansa um pouco e arrumar as coisa de casa que tem que ser feito (S.M., pescador comercial, Jaiteua de Cima, 2007). A mulher sabe o que deve produzir e comercializar, porém vive uma jornada de trabalho mais intensa do que o homem: ela é mãe, doméstica, agricultora, pescadora, extratora e exerce trabalhos técnicos que exigem nível de formação mais elevado. Na agricultura, por exemplo, percebe-se a participação ativa da mulher nas atividades do roçado, pois realizam a plantação do feijão, do maracujá e da mandioca e ficam incumbidas da limpeza do roçado junto com os filhos, o que acontece periodicamente durante o ano. A inteligência e a força de trabalho da mulher não se situam apenas no grupo doméstico. Nas localidades, a participação social e política das mulheres são constantes e, em certas circunstâncias, têm sido mais atuantes em reuniões do conselho comunitário que os homens. Algumas mães sustentam suas famílias exercendo algumas atividades que não são comuns à maioria das mulheres e dos homens. Elas atuam como professoras das escolas de ensino fundamental e praticam a função de agentes de saúde, ganhando tanto e, em certas circunstâncias, mais que seus maridos. As filhas de algumas famílias que querem continuar os estudos ou que apresentam maiores níveis de escolaridade, trabalham em postos de saúde ou trabalham em lojas como prestadoras de serviço no município de Manacapuru, cooperando na renda da família: [...] Quando a gente faz reunião aqui na comunidade pra decidir algumas coisas é porque a gente precisa tomar decisão pra melhorar nossa vida. A gente precisa dos homens, dos nossos maridos pra tomar decisão junto, mas de uns anos pra cá percebo que eles não participam como antes participavam, eles acreditam pouco nisso, alguns trabalham e acha que só isso tá bom. E agora esses tempos corremos atrás das pessoas pra poder se aposenta porque o governo tava fazendo campanha pra tirar documento pra ajudar até na aposentadoria, nos ficamos sabendo e acionamos as pessoas pra arrumar todas documentação. Se não fosse a gente se mexe, muita gente ia ficar parado o direito que a gente tem de se aposenta passando, né (V.L.M., moradora e líder da comunidade Assembléia de Deus Tradicional, Jaiteua de Cima, 2007/8). Para Silva (2007) e Rodrigues (2007) que estudam o papel da mulher em comunidades ribeirinhas, embora a realidade das comunidades da várzea amazônica ainda reproduza a desigualdade de valores na relação de gênero, o processo de consciência da importância do papel social da mulher, por ela mesma, e a participação política delas em

92 92 tomadas de decisão, tem contribuído em evidenciar que as mulheres não devem ser valorizadas apenas nos afazeres domésticos, mas sim pela capacidade organizativa que exercem no âmbito comunitário. 2.3 Pescadores de subsistência, pescadores comerciais e pescadores de fora Gráfico 5 Pescadores de subsistência e pescadores comerciais. Fonte: Dados de campo (2007). Os pescadores de subsistência estão difusos nas três localidades, com predominância nas localidades Cajazeira e Jaiteua de Cima. Furtado (1993) conceitua esse tipo ideal de pescador como polivalente. Nas palavras da autora, o pescador polivalente realiza as seguintes atividades: [eles] lavram a terra própria e/ou arrendada, criam gado, cultivam juta, caçam, coletam sementes e frutas da mata, extraem plantas medicinais e resinas vegetais silvestres, fabricam carvão, torram farinha de mandioca e preparam farinha de peixe e pescam. A pesca entre eles é primordialmente destinada ao auto abastecimento e secundariamente à venda no mercado local e extra local (FURTADO, 1993, p. 241). A produção pesqueira realizada por esse grupo social tem participação ativa dos membros do seu grupo doméstico e, em alguns casos, do grupo de parentes que habita a vizinhança. Estes formam as unidades de trabalho nessa modalidade de produção, que vão diariamente aos rios, igarapés, paranás e lagos localizados nas imediações de suas moradias (FURTADO, 1993, p. 356).

93 93 Os pescadores de subsistência em razão de comercializar mais os produtos extraídos do trabalho realizado na agricultura, autodefinem-se como agricultores e não como pescadores. Eles vivem mais na várzea afastados dos centros urbanos, porém mantendo constantemente ligações com a cidade, trocando bens e serviços e mantendo relações próximas com parentes e participando de atividades religiosas (FURTADO, 1993). Nas localidades, a prática do cultivo da mandioca e sua posterior transformação em farinha é a principal fonte para aquisição de renda. A agricultura assume lugar primordial entre esse grupo social, ficando a pesca como atividade mais para o autoconsumo, embora destinem eventualmente uma proporção para a venda. A venda do pescado ocorre mais no período da enchente, pois o peixe se torna mais rentável comercialmente em virtude das necessidades e demandas do mercado consumidor de Manacapuru e Manaus. O preço do pescado é também elevado pelas influências das festas religiosas como, a Semana Santa, datas comemorativas relacionadas ao Dia das Mães e Dia dos Pais e pelas dificuldades de captura das espécies devido aos fatores naturais relacionados a esses períodos do ciclo das águas. Os interesses em torno das atividades agrícolas pelos pescadores de subsistência estão diretamente relacionadas com as fases do ciclo hidrológico. Isso porque, no calendário da atividade pesqueira, o período da vazante e seca expressa a redução significativa de diversos ambientes de pesca. Fato que dificulta não só a prática desta atividade, mas também sua remuneração devido à competição entre os pescadores destas localidades pela apropriação do pescado e, consequentemente, o barateamento do peixe em virtude de sua fartura no mercado consumidor. O acesso aos ambientes aquáticos, devido a distância, também é um fator que limita a ação dos pescadores de subsistência e pescadores comerciais, pois o desgaste físico é muito grande, devendo-se levar em consideração o tempo de chegada e retorno ao local da pescaria, bem como o gasto de combustível, a alimentação e o peso carregado no ato do transporte das espécies capturadas. Para entender essa dinâmica ecológica, e, ao mesmo tempo, econômica, um pescador de subsistência da localidade Jaiteua de Cima assim explica: [...] eu começo a pescar na base de fevereiro em diante. Fevereiro, março, abril, maio, junho, por aí assim, direto. É nessa fase. Daí quando chega os mês de botar o roçado [julho, agosto, setembro], aí eu paro. Daí eu vou botar meu roçado pra trabalhá. Aí depois de colocado eu continuo de novo a pescar. O serviço é esse... Daqui ninguém pode sair. Sair daqui só se for

94 94 pra outro canto, pra cidade... Agora, meu serviço é esse: viver de pescaria e trabalhar em farinha, em roça. Eu prefiro pescar na época da enchente porque o peixe dá dinheiro e pescando não falta quase nada. É que nem o trabalho da roça também. A roça todo tempo tá dando e a gente todo tempo tem o negócio do dinheiro. E assim que é a pescaria. Nós temos nossas experiências, por exemplo, tem a época que o peixe dá bem, dá peixe melhor, o peixe grande. Numa época dessa [janeiro/enchente] ele dá dinheiro, mesmo quando tá cheio que é difícil de pegá ele dá dinheiro também. [...] e quando tá enchendo eu pesco pra vender o curimatã, o tucunaré, a aruanã, o roelo, a pirapitinga, o pirarucu, o pacu, o carauaçu. Esses outros peixes miúdo, [pacu e carauaçu] não pesco quase não, porque quando tá enchendo dá os peixe graúdo que é melhor de vender, né! (D. M., pescador de subsistência, Jaiteua de Cima, 2007). Nas localidades, as plantações ocorrem em áreas de terra firme, e geralmente são terrenos que ficam próximos às casas dos pescadores, nos fundos da propriedade, ou em áreas mais distantes das moradias fora do alcance da enchente e cheia do ciclo das águas neste caso são utilizadas canoas e rabetas para o transporte. Esses locais da produção, os roçados, são localmente denominados sob o nome de centro, e lá, as famílias dos pescadores de subsistência exercem suas atividades com base no uso compartilhado da terra e do trabalho familiar como apresentado no tópico anterior. A roça ou roçado (os centros) são os sistemas de uso da terra mais utilizados na Amazônia pelos ribeirinhos, é o local onde geralmente são cultivadas espécies anuais durante algum período (normalmente dois ciclos anuais, dependendo da qualidade do solo) e após isso é deixado em descanso, para recuperação da fertilidade e eliminação das plantas invasoras no solo. Essa técnica, conhecida como pousio, permite que os nutrientes disponíveis sejam imediatamente utilizados na produção de alimentos energéticos (MORÁN, 1990; FRAXE, 2000). A época de plantio das culturas agrícolas é variável por ambiente e pelo tipo de cultura. Em geral, o plantio é feito manualmente pela unidade de trabalho familiar e com a utilização de instrumentos de trabalho simples como o machado, o terçado e a enxada. Nos ambientes de terra firme, diversas culturas são plantadas no segundo semestre do ano, final da época seca e início das chuvas. Os processos de trabalho nas roças, segundo os pescadores de subsistência se dão da seguinte forma: derruba da capoeira, queima seguida de encoivaramento e requeima, plantio e colheita. A prática de corte e queima, como sistema de preparação da área para agricultura, ofereceu ao ribeirinho um tipo de controle ao ataque de pragas para obter uma safra razoável, além da economia na preparação do terreno, na conservação dos nutrientes e na

95 95 recuperação do solo pelo abandono gradativo da roça ao processo de sucessão secundária (MORÁN, 1990). A escolha das áreas se deve ao tipo de solo, baixa incidência de pragas e doenças, aproveitamento da área e fácil manutenção. A consorciação de plantas que apresentam ciclos vegetativos distintos pode representar uma das mais importantes formas de complementaridade, pois tal associação, na maioria das vezes, proporciona melhor uso temporal dos fatores de produção, cujo excedente produzido pode complementar a renda do produtor (FRAXE, 2000). Nas roças de monocultivo, os principais produtos cultivados são a mandioca (Manihot esculenta) e a banana (Musa sp). Nas roças de culturas misturadas, foram identificados dentre os principais cultivos: o cará (Dioscorea alata L.), o milho (Zea mays) e o maxixe (Cucumis anguria L.) (Figura 31). Figura 31 O roçado em Cajazeira. Fonte: Dados de campo (2007). Os quintais das casas dos pescadores de subsistência também são áreas manejadas. Os quintais ou sítios são áreas onde são cultivadas árvores frutíferas, grãos, hortaliças e plantas ornamentais e criação de animais, tendo como finalidade principal a complementação da produção obtida em outras áreas de produção, como a roça, a criação de animais maiores, a floresta e as capoeiras (FRAXE, 2000; 2004).

96 96 Nos quintais das casas dos pescadores de subsistência, é comum o cultivo de plantas perenes e herbáceas, tendo como finalidade, a garantia de subsistência das famílias. As principais espécies vegetais encontradas nos quintais foram classificadas de acordo com seu uso e podem ser categorizadas em espécies frutíferas, medicinais, hortaliças e espécies florestais (Quadro 5). FRUTÍFERAS MEDICINAIS HORTALIÇAS FLORESTAIS Coco Cocos nucifera Manga Mangifera indica Quebra-pedra Phyllanthus niruri L. Unha-de-gato Uncaria guianensis Cebolinha Allium pisfulosum Cheiro-verde Coriandrum ativum Açaí Euterpe oleraceae Castanheira Bertholletia excelsa Goiaba Psidium guajava Sucuúba Himatanthus attenuatus Pimenta de cheiro Capsicum chinense Sucuúba Himatanthus attenuatus Azeitona Syzygium jambolanum Macela Achyrocline satureoides Cupuaçu Theobroma grandiflorum Castanheira Bertholletia excelsa Quadro 5 O cultivo nos quintais das moradias em Cajazeira Fonte: Dados de campo (2007). Os quintais agroflorestais possuem uma micelânea de cultivos anuais, porém dividindo espaço com outras atividades produtivas. As criações de pequenos animais, médios e grandes animais são algumas destas atividades, mantendo regularidade no cotidiano das famílias dos pescadores de subsistência das localidades Cajazeira, Jaiteua de Baixo e Jaiteua de Cima (Gráfico 6). 10% 7% 51% 32% Aves (Galinhas e Patos) Suíno Bovino Caprino / Ovino Gráfico 6 Atividades criatórias. Fonte: Dados de campo (2007).

97 97 A criação de aves (51%) teve maior destaque entre as famílias das localidades e o destino da criação para o consumo doméstico. A criação de suínos (32%) ocorre nas três localidades, porém com destaque para a localidade Jaiteua de Cima que comercializa os animais para o centro comercial de Manacapuru. A criação de gado (10%) ocorre nas três localidades, porém com destaque para as localidades Cajazeira e Jaiteua de Cima que têm áreas de pastagem cultivadas por criadores que moram fora da localidade, por moradores das localidades que passaram a desenvolver esta atividade com mais frequência e moradores que destinam a criação de gado para o uso doméstico. Para algumas famílias das localidades, o investimento numa pequena criação de gado bovino funciona como uma forma de poupança, pois estes animais podem sobreviver e crescer durante os períodos de escassez (cheia) e nos casos de necessidade extrema o investimento pode ser facilmente recuperado com o consumo ou com a venda do animal. A venda tem por objetivo a manutenção da saúde da família, a compra de equipamentos de infraestrutura e alimentação (FRAXE, 2000; PEREIRA, 2007). A criação de gado em Jaiteua de Baixo se resume ao uso doméstico de apenas duas famílias. A criação de gado bubalino não consta no gráfico (3), porém a prática dessa atividade é visível numa área ampla de pastagem situada nas imediações de Jaiteua de Cima, cujo proprietário é um fazendeiro que não mora na localidade. Os moradores da localidade enfatizam os transtornos que essa atividade tem causado, pois os animais são criados soltos na maior parte do tempo e, como consequência, pisoteiam as matas ciliares dos igarapés, nadam nesses ambientes afugentando os peixes e destruindo os roçados. A criação de caprinos e ovinos (7%), em relação às demais atividades criatórias, é reduzida, porém com destaque para a localidade Jaiteua de Baixo onde a família de um pescador de subsistência cria em torno de uma centena desses animais. A família destina a produção para a comercialização. Nas demais localidades, a criação de caprinos e ovinos é apenas para consumo doméstico. Os pescadores de subsistência utilizam apetrechos de pesca tanto para a pesca de subsistência quanto comercial, destacando-se a malhadeira e a tramalha. Isso decorre, segundo o Sr. Armando, pescador de subsistência, da escassez de peixes graúdos, o que minimiza a viabilização da pesca com os apetrechos tradicionais que antigamente eram utilizados com mais frequência como o arpão, a azagaia, o arco e flecha, embora não tenham deixado de utilizá-los. Dessa forma, os recursos pesqueiros para os pescadores de subsistência possui um valor-de-uso, um valor qualitativo que expressa a vida no sentido que serve de fonte de

98 98 nutrição para esse grupo social, trocam o produto não no sentido de obterem lucro com a venda, mas para adquirirem bens e serviços que a sua unidade doméstica não produz, ou seja, troca mercadoria por mercadoria, sendo a moeda apenas um meio de circulação. As três localidades também reúnem a presença dos pescadores comerciais, denominados por Lourdes Furtado (1993) como pescadores monovalentes. Os pescadores citadinos ou pescadores de fora como classificados pelos pescadores das localidades, e que fazem parte deste conceito pescadores monovalentes, serão apresentados mais adiante. Os pescadores comerciais locais estão mais presentes na localidade Jaiteua de Baixo (66,7%), um pouco menos predominante em Jaiteua de Cima (39%) e são menos expressivos em Cajazeira (14,3%) (vide gráfico pescadores). De acordo com Furtado (1993), o pescador que se dedica à pesca comercial, apesar de estar associado às grandes cidades, não é apenas o pescador citadino, mas inclui também os ribeirinhos ou varjeiros, que podem (ou não) ser contratados pelos barcos de pesca ou motores de pesca (embarcações com caixas de gelo ou urnas com gelo). Isto [...] causa a mistura entre ribeirinhos e pescadores profissionais, gerando a cumplicidade de muitos comunitários com a atividade comercial (BATISTA et al, 2004, p. 76). Os pescadores monovalentes das localidades se autodefinem como pescadores simplesmente. Eles fazem do produto da pesca uma mercadoria, possuindo não apenas valor-de-uso, mas, sobretudo, um valor-de-troca. Estes pescadores se dedicam à pesca de maneira mais intensa e menos à agricultura. Eles enfrentam jornadas corridas de trabalho, sobretudo, porque parte do valor de seu produto é posse de outros agentes sociais (compradores ou atravessadores). Estes pescadores se dedicam o ano inteiro à pesca e se deslocam a grandes distâncias em busca de lagos e rios piscosos, vive o pescador, do lago para o rio, do rio para o lago, obedecendo à sazonalidade do produto da pesca nesses biótopos (FURTADO, 1993, p. 367). Por isso, o raio de ação do pescador comercial, é bem maior do que o dos pescadores de subsistência. Os apetrechos de pesca mais utilizados pelos pescadores comerciais das localidades são a malhadeira, a tramalha, e quando conseguem, emprestado ou arrendado de algum pescador, o arrastão ou a rede de pesca. Existem, entre esses pescadores, alguns que trabalham para barcos de pesca em determinados períodos, porém nem todos os moradores das localidades admitem isso porque sabem que os pescadores comerciais locais atuam nos ambientes protegidos pelas localidades. De outro modo, quando vão pescar para a

99 99 comercialização, pescam também em lugares distantes, por isso vão sempre acompanhados de algum amigo ou parente, desse modo, dividem o lucro da pescaria após a venda. Alguns pescadores comerciais locais vivem em condições precárias de trabalho, pois não possuem todos os apetrechos de pesca necessários para esta atividade, isso os obriga a se associarem ou trabalharem para os outros pescadores. É o caso de um pescador comercial local, que trabalha para um pescador comercial citadino, este lhe oferece todos os apetrechos de pesca, o lucro é divido, e essa divisão sempre tende a beneficiar o proprietário dos meios de produção. Analisando a realidade dos pescadores comerciais das localidades, entendemos que o conceito de pescador monovalente de Furtado (1993) abarca as similaridades que há entre os pescadores, porém verificando o contexto dos pescadores comerciais de Jaiteua de Baixo identificamos que esses atores sociais dependem exclusivamente da renda da pesca para viver, pois, além de ser a principal fonte de renda das famílias, a situação de dependência exclusiva à pesca comercial se mantém pelo fato de as atividades agroflorestais, agropastoris e extrativistas serem pouquíssimos estimuladas ao desenvolvimento. Os fatores que mantêm essa condição, de acordo com os moradores da localidade, estão relacionados mais aos problemas políticos e econômicos, envolvendo a mais a organização social da localidade do que problemas ecológicos relacionados ao meio ambiente onde vivem e trabalham. Do ponto de vida econômico, os pescadores afirmam que o sentido dado à predominância desta atividade decorre da seguinte maneira: em primeiro, situa-se a renda imediata que o pescado proporciona quando comparado às outras atividades produtivas, tais como, a agricultura ou extrativismo. Nestas atividades, a quantidade, o peso e a variedade de produtos é o que determina, quando bem negociados, as condições de maioria rentabilidade, porém exigindo mais tempo de trabalho da unidade familiar, isto é, da participação numerosa, ativa e disponibilidade de tempo de todos os membros do núcleo familiar. Nas atividades agrícolas e extrativistas, as expectativas das famílias são pouco alcançadas quando comparadas à pesca, pois, para o pleno desenvolvimento, seriam necessários investimentos em otimização da produtividade, tais como, a compra de equipamentos, a garantia e a disponibilidade da mão de obra da unidade de produção camponesa e favoráveis relações de negociação com a mão de obra contratada e, principalmente, a melhor negociação com agentes da comercialização os regatões, os feirantes e os marreteiros, uma vez que a presença desses agentes sociais é constante neste

100 100 processo, sujeitando os trabalhadores à condição de subordinação na cadeia de comercialização do excedente produzido, que se inicia nessas localidades, face às relações econômicas mais abrangentes consolidadas em Manacapuru. Na pescaria, o contexto do trabalho é mais flexível e oportuno, pois o pai em determinadas circunstâncias pode optar em pescar sozinho tal como ocorre nos períodos da enchente e cheia (nos lanço) ou na seca (nos paranás), reduzindo também o número de parcerias de pesca. Isso minimiza o esforço de trabalho da unidade familiar, poupando-a para as demais atividades acima descritas (agricultura ou extrativismo) ou até mesmo para o descanso. Esta economia do tempo que a pesca pode promover não é um fato que acontece para todas as famílias, isso porque a unidade familiar está todo tempo trabalhando em alguma atividade, seja no roçado, no extrativismo ou no conserto e manutenção dos apetrechos de pesca. Mas a rentabilidade em curto prazo de tempo que o valor agregado do pescado pode proporcionar permite que as crianças, por exemplo, possam ter mais tempo disponível para frequentar a escola, não se vinculando o dia inteiro à polivalência das atividades produtivas. O pescador comercial esclarece: [...] A agricultura pra nós aqui é mais difícil, falta organização na nossa comunidade, falta legalizá né é isso mesmo que chama, né. Porque senão tira o documento certinho da comunidade não da pra gente consegui as coisa, porque tudo hoje em dia tem que tá organizado em comunidade, né. É por isso que a gente fica na pesca mais, a gente pesca e ganha mais rápido [...] é no roçado a família fica todo tempo ocupada, não falta comida mas dá pouco dinheiro. Por isso que é bom pesca, eu prefiro pesca sozinho e evita leva as crianças pra elas pode estudá, se ganhar dinheiro só com a plantação dá pouco e precisa de muita gente pra trabalhá, toma todo nosso tempo, a pesca não é mais rápido, é só pesca e vende (F.R.L.M., pescador comercial, Jaiteua de Baixo, 2008). A pesca de caixinha, também conhecida como pesca rápida é uma atividade rápida e rentável para o pescadores comerciais e pescadores de subsistência da localidade. Ela é praticada nas três localidades e consiste na captura de diversas espécies de peixe de tamanhos variados (pequeno, médio e grande), ou podem atender a encomendas requisitando tambaquis ou tucunarés, considerados peixes de classe na linguagem do pescador. As capturas são mantidas congeladas dentro de uma caixa de isopor que pode variar de 100 a

101 litros. Depois da caixa completa, a venda do pescado ocorre imediatamente no porto Panairzinha 14 em Manacapuru, e o pagamento feito em dinheiro. O segundo fator que torna a pesca atrativa para os pescadores comerciais de Jaiteua de Baixo é a fartura do peixe que é relativamente constante em determinados pontos de pesca (pesqueiros) por eles apropriados devido às circunstâncias naturais favoráveis. Os lanços de pesca que os pescadores realizam são ocorrentes em áreas de igapó ou igarapé muito rico em variedade de espécies na enchente e cheia do ciclo das águas as característica da floresta inundada onde ocorrem esses pesqueiros e suas qualidades foram descritas no capítulo I. Esta dinâmica também é marcada pela concorrência entre os pescadores da localidade que, por sua vez, dividem seus territórios de pesca com pescadores de localidades vizinhas e todos em competição com os diversos agentes sociais da pesca pescadores citadinos e motores de pesca (barcos de pesca) que apresentam níveis de concorrências elevadas e desiguais socialmente. Porém estabelecendo relações de complementaridade para comercialização da produção. O terceiro fator que torna a pesca a atividade principal são os conflitos políticos internos envolvendo os agentes sociais representantes dos poderes decisórios da localidade, cuja atribuição das práticas estão mais fundamentadas em relações de parentesco e vizinhança geralmente centrado em pessoas mais velhas e considerados moradores mais antigos, inviabilizando processos de negociação, acordos e consensos entre outros moradores interessados na mudança de postura política e econômica da localidade. Caso o consenso interno fosse alcançado, as futuras ações de decisão possivelmente viriam a beneficiá-los em situações mais abrangentes que exigem o reconhecimento e legitimidade oficial documentada da comunidade Santo Antônio (Jaiteua de Baixo) para aquisição de empréstimos financeiros para o desenvolvimento de possíveis frentes produtivas, atualmente pouco desenvolvidas, por exemplo: a agricultura. Estas dificuldades enfrentadas são pouco mitigadas estando ainda em andamento. Esse contexto torna a pesca comercial como meio de renda mais imediata e menos burocrática apenas sujeita aos acordos de pesca como ocorre nas demais localidades Cajazeira e Jaiteua de Cima. O pescador comercial explica: 14 O porto Panairzinha (flutuante) é o principal comprador de pescado oriundo do lago Grande de Manacapuru. Praticamente todos os pescadores das localidades vendem o pescado neste flutuante, com exceção dos pescadores que trabalham para os motores de pesca (barcos geleiros).

102 102 [...] ah!... a gente vem batalhando pra mudá as coisas aqui fazendo reunião, mas o problemas é mais entre o pessoal que acha que mora aqui mais tempo, que não qué mudá de opinião, fica preocupados achando que vão ficá pra trás. É ruim porque se não uni, não vai consegui nada, porque temos que regularizá a comunidade, deixá em dia pra consegui dinheiro prá faze nossas plantação melhó (F.R.L.M., pescador comercial, Jaiteua de Baixo, 2007). No campo de disputa pela apropriação dos ambientes aquáticos, a presença dos pescadores citadinos é constante em territórios de pesca das localidades. Os pescadores citadinos são denominados pelos pescadores das localidades pelo rótulo pescadores de fora. Segundo Furtado (1993), o estilo de vida polivalente dos pescadores de subsistência onde se trabalha a terra, a floresta e a água se dilui a partir do momento em que o pescador migra para os centros urbanos, não encontrando mais condições objetivas de viver como antes, passando a se dedicar no campo da pesca intensiva. Os pescadores citadinos, ou, de acordo com a definição de Furtado (1993), monovalentes, se autodefinem como pescadores. Fazendo parte desta categoria, em termos conceituais, os pescadores comerciais das localidades, porque se consideram pescadores simplesmente, vivendo relativamente da renda da pesca. Os pescadores citadinos habitam os centros urbanos municipais de Manacapuru. Em sua maioria, são emigrantes vindo das áreas de várzea em busca de melhores condições de vida, mantendo relações com os parentes que continuaram na várzea. Juntam-se, a estes pescadores, pessoas residentes nos próprios municípios que resolvem se converterem em pescadores em busca de auferir recursos monetários mais rápidos para satisfazer suas necessidades materiais e sociais. Este grupo social de pescador vive prioritária ou exclusivamente da pesca. O produto de seu trabalho é destinado ao consumo de suas famílias e à venda. Dessa forma, a pesca é a atividade produtiva principal na vida do pescador citadino, onde o comércio do pescado é feita em proporções muito maiores das encontradas pelos pescadores de subsistência e pescadores comerciais das localidades pesquisadas. Uma das características mais significativas da pesca realizada pelos pescadores citadinos, é que o produto de seu trabalho possui não só um valor-de-uso como vimos no grupo anterior, mas, sobretudo, um valor-de-troca. Sua produção pesqueira, contudo, se destina principalmente à comercialização, sendo o peixe a principal fonte de renda.

103 103 Os pescadores comerciais citadinos se dedicam o ano inteiro à pesca e deslocam-se a grandes distâncias em busca de lagos e rios piscosos (FURTADO, 1993, p. 367). Por isso, o raio de ação desse tipo de pescador, é bem maior do que o dos pescadores de subsistência. Os pescadores citadinos (FURTADO, 1993) geralmente são filiados à Colônia de Pescadores de Manacapuru Z9. Consideram-se e são considerados profissionais. Alguns pescadores possuem muitas apetrechos de pesca, têm vasto conhecimento acerca do comportamento dos peixes, o que os possibilitando detectar e capturar grande variedade de espécies quando atuam nos motores de pesca, na pesca de caixinha (individual) ou na pesca de parceria em lanços de pesca preparados em rios como, o Solimões-Amazonas, ou no lago Grande. Os pescadores das localidades que pescam comercialmente, raramente possuem um arsenal de pesca semelhante aos pescadores citadinos, pois são diversos em tamanho, variedade e de preços elevados. É importante ressaltar que alguns destes agentes sociais vivem da sazonalidade de pesca. Fora desta época, praticam diversas atividades: são ajudantes da construção civil, trabalham em fazenda ou voltam para as comunidades de onde vieram para restabelecer contatos com familiares e desenvolver novas relações de trabalho, e outra parte dos trabalhadores dessa categoria assume a profissão de pescador continuamente durante o ano atuando em diversos barcos de pesca comercial (Figura 32). Figura 32 Pescadores citadinos. Fonte: Dados de campo (2007). Tal como aborda Leonel (1998), em A Morte Social do Rios, a questão é que parte significativa dos pescadores que reside na sede do município não são proprietários dos meios de produção. Alguns deles trabalham e vivem em condições de subalternidade aos patrões donos de barcos de pesca e atravessadores. As longas jornadas de trabalho, a dependências dos meios de produção, a informalidade da atividade que é justificada pelo não registro da carteira de trabalho, os baixos salários e os múltiplos acordos como formas de

104 104 pagamento pelo trabalho realizado, marcam a precarização do trabalho e a péssima qualidade de vida destes trabalhadores. Neste contexto, verificou-se que estes trabalhadores são marginalizados, e o rótulo pescadores de fora deve ser problematizado em relação direta com os processos culturais e econômicos a que estão inseridos local e globalmente. Caso contrário, corre-se o risco de estigmatizá-los como gananciosos, o que é comum durante as concorrências pela apropriação do pescado. Como apresentado, discorremos sobre os principais pescadores das localidades Cajazeira, Jaiteua de Baixo e Jaiteua de Cima e suas rotinas de trabalho. Neste contexto destaca-se a atuação dos pescadores citadinos (pescadores de fora) em seus territórios de pesca, que em determinadas situações, foge ao controle social dos pescadores das localidades por fatores que veremos mais adiante, sendo importante lembrar que o lago Grande de Manacapuru é um ambiente de livre acesso, porém demarcado territorialmente pelos pescadores das localidades. 2.4 Reflexões sobre tempo ecológico e tempo social na pequena pesca mercantil simples Pensando a atividade pesqueira realizada pelos pescadores de subsistência e pescadores comerciais das localidades Cajazeira, Jaiteua de Baixo e Jaiteua de Cima, o fator tempo nesta atividade nos remete ao tempo dos ciclos da natureza em conexão com a dimensão, prática, simbólica e econômica da pluralidade cultural dos povos amazônicos e não-amazônicos. Há, como nos adverte Marilene Corrêa (1999) em Metamorfoses da Amazônia, a inter-relação temporal e espacial entre o local e o global. O local está no global e o global está no local, ideia sugerida apenas para fazer alusão ao tempo e ao espaço das atividades econômicas e culturais da amazônia elaboradas pelo tempo histórico social de cada grupo social e em parte determinada pelas exigências do mercado capitalista nacional e internacional. Esta afirmação não nos parece exagerada ao verificar que significativa parte da produção pesqueira executada na Amazônia atende às expectativas do mercado nacional e internacional. Apenas para dar fundamento argumentativo ao uso do tempo e espaço pelos pescadores das localidades que vivem sob o regime do ciclo hidrológico da várzea amazônica, alguns intelectuais da ecologia, sociologia e da antropologia tem dado atenção

105 105 ao fator tempo em determinados estilos culturais face à dinâmica e espacialidade dos ciclos naturais. Embora tenhamos uma noção ou opinião ou consciência generalizada sobre o significado do que seja tempo, este é um fator característico e singular para qualquer sociedade ou agrupamento social. A modernidade faz do tempo uma noção prática que soa linear para nós. Um tempo cronológico que não apresenta descontinuidades históricas. Temos que dar solução aos problemas, e os problemas são o agora o imediato. Não há tempo para pensar o tempo da natureza, e não internalizamos o tempo que deve ser dado a ela. A sociedade moderna, se orienta pelo tempo do relógio. É impossível nos desvincular dele porque está em nossa cultura, a cultura ocidental do mundo. Como diz Boaventura de Souza Santos (2006), em Uma Sociologia das Ausências e Uma Sociologia das Emergências, tudo que é peculiar (cultural, econômico ou político) em determinados grupos sociais que não se enquadra na cultura ocidental do mundo é o atrasado, é o inferior, é o feio, é o indolente. Está ausente, não é conhecido. Porém algumas especificidades culturais são encontradas em locais em que a dinâmica do global também se faz presente, como o caso das localidades rurais de Manacapuru. Edmund Leach (1974) apresenta dois aspectos do tempo que é concebido em termos gerais em sociedade influenciadas pela cultura ocidental: a) o tempo que se refere aos fenômenos da natureza e que são percebidos como repetição; e b) o tempo que sugere que as mudanças da vida são irreversíveis a morte, por exemplo. A primeira característica se refere ao tempo da repetição, dos fenômenos dos ciclos naturais: a chuva, o verão, a seca, a ocorrências de dias, o tique taque de um relógio. O autor esclarece que o tempo que se repete é um tempo esperado, um intervalo de tempo. Um ritmo. O segundo diz respeito à não repetição. Estamos cientes de que as coisas vivas nascem, crescem e morrem, e que esse fenômeno é irreversível. O autor sugere que todos os outros aspectos do tempo, duração ou sequência histórica em profundidade ou descontinua, são exemplos sugeridos como derivação dessas duas condições, porque é assim que a sociedade contemporânea concebe as sociedades que não se enquadram em aspectos do tempo da modernidade. O que o autor percebe é que momentos históricos do pensamento grego, perpassando pela filosofia romana até a formulação do ideário cristão, a concepção de tempo foi modificada. Os dogmas de várias religiões encerrou o repúdio à realidade da morte; um dos estratagemas mais comum é simplesmente afirmar que a morte e o nascimento são as

106 106 mesmas coisas que o nascimento segue a morte, assim como a morte segue o nascimento (LEACH, 1974, p. 193). Essa concepção motiva o ser humano a pensar que tudo pode e deve ser realizado no mundo terreno, pois morte não há. O que há é um renascer que se repete. O segundo aspecto do tempo (b) se ajustam ao primeiro (a). Nesta linha de pensamento, os recursos naturais são pensados e utilizados como algo permanente tal qual a vida humana. Deus proverá os homens. Essa afirmação não poder ser dada como a única forma de explicação para a questão do tempo na modernidade, mas a materialidade presente no discurso religioso percebe o acúmulo como algo benéfico, um dom divino como esclarecido por Max Weber (2004) em a Ética protestante e o espírito do capitalismo. Edmund Leach afirma: a regularização do tempo moderno não considera o tempo da natureza como parte intrínseca da natureza, é uma noção fabricada pelo homem, que nós já projetamos em nosso ambiente para os nossos próprios objetivos particulares (LEACH, 1974, p. 205). Por que indagar o tempo ao pensarmos as atividades pesqueiras? Pensamos que a pesca na várzea, como identificado por Evans-Pritchard (2005) em áreas sazonais, Fraxe (2000), Henrique Pereira (2007) e Witkoski (2007) de forma direta ou indireta em suas pesquisas, está estreitamente conectada com a dimensão do tempo internalizada pela atividades práticas do pescador. Na prática da pesca nos lanços, há o tempo ecológico da natureza internalizada na consciência do pescador, e a pesca se realiza face às nuanças do contexto do pescador suas necessidades materiais e simbólicas imediatas e condicionadas também pelas determinações do ciclo hidrológico. Percebemos que não há uma disjunção entre o tempo ecológico e o conceito de tempo social do pescador, isso porque de modo geral seus meios de vida partem daquilo que a natureza pode fornecê-lo. Não há indústria ou qualquer tipo de manufatura nas localidades. Porém o que verificamos é a dependência significativa dos pescadores das localidades com relação aos ambientes que vivem, pois deles retiram os produtos que serão vendidos para adquirir outros produtos que não podem produzir. Um caso clássico para pensar essa realidade é o trabalho de Evans-Pritchard (2005) intitulado Os Nuer, que aborda o sentido da articulação entre os ciclos naturais e o modo de vida e política organizacional desta etnia situada numa planície denominada nilota em Sudão, país do continente africano.

107 107 Aos falar sobre os aspectos ecológicos da terra dos Nuer, o autor descreve: Do ponto de vista de um homem europeu, a terra dos nuer não possui qualidades favoráveis, a menos que se considere como tal sua severidade, pois seus pântanos intermináveis e amplas savanas [vegetação típica de parte do continente africano] têm um encanto austero, monótono. É muito duro viver nela tanto para os homens, quanto para animais, sendo a maior parte do ano ou seca ou em pântano. Os Nuer, porém, acham que vivem na melhor região do mundo e, deve-se reconhecer, para criadores de gado, a região tem muitas qualidades admiráveis. [e o autor continua] [...] eu logo desisti de convencer os Nuer de que existem regiões mais adequadas para a criação de gado do que a deles, tentativa que se tornou mais inútil ainda desde que alguns deles foram levados para Karthum que é considerada por eles como o lar de todos os brancos e, tendo visto a vegetação desértica daquela latitude, viram confirma-se a opinião de que a terra deles é superior que a nossa (PRITCHARD, 2005, p. 61). O autor evidencia que os Nuer operam suas atividades de trabalho em duas formas de tempo: o ecológico e o estrutural. O tempo ecológico é mensurado a partir das épocas de cheia e de seca da região que vivem, que eles conceituam como tot e mai respectivamente. Na estiagem (seca) eles devem ter certos cuidados com o gado a principal fonte de alimentação complementada por outras formas de proteína como o sogo e o milho, além da pesca. No caso, eles conduzem o gado até o leito do rio, onde há pastagem e montagem de seus acampamentos. O tempo é dividido entre as tarefas de preparação de montagem dos acampamentos e da retirada dos membros do grupo das terras altas que haviam ocupado no período anterior das chuvas, terras que não serão ocupadas desta vez. Já na época das chuvas, o grupo retorna para as suas cabanas permanentes, há muito tempo estabelecidas. Junto dessas estão os currais que ficam situados nas terras mais altas da planícia nilota. Pritchard observou que as estações da chuva e da seca é que determinam as atividades do grupo, ou seja, o que ele denominou de tempo ecológico. Os Nuer possuem convenções similares aos nossos doze meses do ano, baseadas nas tarefas da lua. Porém, como o autor frisou, não há muita referência aos meses e sim às atividades desenvolvidas neste ou naquele período, levando em consideração os acontecimentos marcantes para o grupo. Mas os Nuer, ao indagarem a sua memória, não se referem a meses ou estações, mas às atividades que realizavam quando de um evento marcante para o grupo. Por exemplo, eles não se referem ao mês de pet, mas as atividades que eles desempenhavam naquele período, e a partir dessa descrição sabem em que período estavam. Eles raramente usam os nomes do ano, mas referem-se à época do plantio, época dos casamentos, época da pesca, época da colheita.

108 108 Pritchard observou que, o calendário dos [Nuer] é uma relação entre o ciclo de atividades e um ciclo conceitual, e os dois não podem ser isolados, já que o ciclo conceitual depende do ciclo das atividades do qual se deriva do sentido e função [dos papéis sociais dos homens, mulheres, crianças e idosos no interior do grupo Nuer] (EVANS- PRITCHARD, 2005, p. 113) Pritchard chama atenção, à primeira vista, parecer o tempo ecológico a variável que determina as formas de entendimento do mesmo. Mas o tempo, apesar de tudo, é estrutural, pois está relacionado à função social dos papéis sociais ligados à organização social e à produção tendo em vista a sobrevivência dos Nuer. Mas isto não significa uma correspondência imediata. No caso, o tempo estrutural está determinado por aquilo que o autor chama de distanciamento estrutural, o que significa dizer que são as relações de linhagem e parentesco, bem como os grupos etários, é que determinam a forma de se relacionar com a categoria tempo entre os Nuer. O autor chama atenção ao dizer que não há universalização de tempo para os Nuer, pois como são vários grupos espalhados pela margem do Nilo, cada um tem seu sistema de referência baseado nos acontecimentos internos de seu grupo. Por sua vez, estes acontecimentos fornecem significados para apenas aquele grupo e não para outros. Pritchard (2005, p. 120) reconhece os limites de nossa compreensão das categorias do tempo em outra cultura. Os Nuer são um exemplo clássico e tipo ideal de organização social simples e complexa neste, caso parafraseando Edgar Morin (1999), o simples não é antônimo e nem oposição do complexo. O simples é tão complexo quanto o complexo que permite pensar o modo de vida dos pescadores de subsistência e pescadores comerciais das localidades, uma vez que suas orientações de trabalho seguem a lógica do ethos organizacional do grupo doméstico, tendo em vista a sobrevivência do grupo. O mercado econômico é uma variável importante, porque necessitam estabelecer trocas materiais para aquisição de outros bens materiais que não produzem localmente. O imaginário ecológico e conceitual dos pescadores das localidades parece operar conforme as condições ideais da qualidade de vida do grupo doméstico. As similaridades das atividades pesqueiras sob o peso dos ciclos ecológicos da várzea quando comparados aos Nuer são menos radicais, pois nem todos os pescadores de subsistência e comerciais das localidades migram de suas moradias no tempo da cheia, apenas, em casos extremos da seca ou da cheia, como indica Emílio Morán (1990) e Pereira

109 109 (2007) ao explicarem os limites da adaptabilidade humana quando se prolonga os picos da cheia ou extremos da seca como descrito no capítulo I. Os pescadores não operam no sentido imaginário conceitual estrutural dos Nuer porque é outra matriz cultural diferente, mas apresenta similaridade em relação ao ethos do camponês amazônico identificados por Fraxe (2000) e Witkoski, (2007), porque se valorizam a identidade, a crença e as normas internas do grupo, que não são diluídas necessariamente pelo mercado comercial. Este é apenas uma variável da cultura apesar de sua importância fundamental e determinante em relação ao que se deve produzir enquanto mercadorias da atividade pesqueira exigidos em Manacapuru ou em Manaus. De modo comparativo, podemos pensar o tempo ecológico e o tempo social presentes na pesca de lanço, a partir das formulações de Lúcia Helena de Oliveira Cunha (2000), em Tempo natural e tempo mercantil na pesca artesanal, um estudo realizado junto à comunidade pesqueira de Barra de Lagoa (SC), que objetivou compreender como a categoria tempo (do capital ou natural ) imprime ritmos variados de jornada de trabalho no interior da pesca artesanal. Segundo a autora, o tempo natural 15 é característico e expressão de algumas comunidades tradicionais ou domésticas, cuja rotina da vida diária está regulada pelas tarefas de trabalho associadas a diversas práticas produtivas, e por fronteiras de tempo de trabalho e de não trabalho não marcados nitidamente pelo tempo do relógio, pois a polivalência de atividades evolvendo agricultura ou a pesca exigem disponibilidade de trabalho necessário à vida. Há um tempo ecológico e social no interior destas atividades. Por outro lado, o tempo mercantil ou o tempo do relógio é mais característico das chamadas sociedades modernas ou industriais, cujo ritmo de tempo se expressa através das relações sociais formais ou informais, definidas pela própria sociedade, em especial, aquelas regidas pelas relações capitalistas 16. Ambas as formulações de tempo não são encontradas em estado puro na nossa atualidade. Tratando-se da pesca de subsistência e pesca comercial, enquanto forma de apropriação dos recursos pesqueiros, o tempo de trabalho se apresenta em dois níveis no interior destas atividades: o primeiro é a realização da pesca como fonte básica de subsistência, a outra é a atividade de pesca como atividades para renda imediata e condição 15 É importante compreender que a categoria tempo é analisada numa perspectiva antropológica, ou seja, o tempo como sendo uma construção cultural e social. 16 De acordo com a autora, o tempo do relógio que representa consiste no regulador do ritmo dominante nas sociedades ocidentais, pois o homem se encontra submetido a uma medida autônoma, fora quase que totalmente do seu controle (CUNHA, 2000, p ).

110 110 básica de vida (a venda do pescado ou da mão de obra). Em síntese, os dois ritmos de trabalho podem apropriar-se distintamente dos recursos pesqueiros, no entanto, se complementam economicamente à medida que se considera a natureza do processo de pesca em conformidade com o destino da produção, caso seja para a subsistência ou para comercialização. O antropólogo Antonio Carlos Diegues (1983) afirma que: a significação da pesca artesanal está contida em um conjunto de elementos singulares. Do ponto de vista de sua organização interna, destaca-se o fato de se constituir uma atividade econômica que depende das forças naturais, cujos reflexos imediatos atuam na geração do excedente e nos grupos ou classes sociais envolvidos. Como uma atividade eminentemente irregular, o pescador tem sobre ela pouco controle, estando em direta dependência da natureza e de suas leis básicas ventos e chuvas e do próprio ciclo de produção e migração dos peixes. Daí resulta que a categoria tempo, nas reflexões de Lúcia Helena de Oliveira Cunha (2000), colabora para pensarmos como a noção de tempo pode imprimir ritmos diferenciados de trabalho no interior das práticas de pesca de subsistência e comerciais de acordo com a racionalidade de quem se apropria. Pereira (2007) nos esclarece o dia a dia do camponês da várzea amazônica ao mencionar que algumas atividades são pensadas em termos do calendário agrícola. O autor afirma que o tempo da várzea é demarcado pelas fases terrestre e aquática, e que os ciclos produtivos perpassam pelas questões climáticas, pois estas atividades operam no ambiente de várzea, onde a falta de sincronização entre regime pluvial e fluvial faz como que existam quatro estações climáticas enchente, cheia, vazante e seca. Entender esse tempo da várzea é fundamental para compreensão do tempo social das atividades pesqueiras. A seguir veremos que a pesca nos lanços opera sob a convergência das variáveis ecológicas, econômicas e sociais, demonstrando que a conservação dos recursos pesqueiros depende do manejo que considera o equilíbrio dessas variáveis. 2.5 A pesca no lanço: o conhecimento básico para o manejo da pesca de subsistência e comercial Ao pensarmos a prática da pesca no lanço, entendemos que o conhecimento e as práticas dos pescadores de subsistência e comerciais das localidades estão interligados, fato que orienta culturalmente e sustenta os ambientes manejados. Este conhecimento está na base das decisões e estratégias de pesca dos pescadores das localidades.

111 111 Neste sentido, ele é empírico e prático, combinando informações sobre o comportamento dos peixes, taxonomias e classificações de espécies e hábitats, assegurando capturas regulares e, muito das vezes, a sustentabilidade a longo prazo, das atividades pesqueiras. O conhecimento tradicional também é capaz de fornecer o conhecimento crucial para o manejo dos recursos pesqueiros locais. Neste trabalho, o conhecimento dos pescadores é entendido como um conjunto de práticas cognitivas, fundamentados em habilidades (noções espaciais e perceptivas) e práticas que são transmitidas pela própria prática. Diegues (1983) e Furtado (1993) que estudaram comunidades de pescadores caracterizam alguns elementos constitutivos do conhecimento de pescadores. Deste modo, traçamos alguns paralelos de seus conhecimentos para identificar as peculiaridades da cultura dos pescadores das localidades pesquisadas. Assim percebemos que o conhecimento se caracteriza: a) pelas relações simbólicas e econômicas com os recursos da terra e da água; b) pela ligação como os territórios de pesca tendo em vista as atividades de subsistência e as relações com o mercado comercial para a reprodução do modo de vida; c) o papel desempenhado pela unidade familiar e as relações sociais baseadas principalmente no parentesco (geralmente é o filho e o parceiro que pesca mais com o pai; d) pelo uso de tecnologias relativamente simples e mais baratas compradas ou feitas com o material do ambiente de moradia; c) uma identificação social e a linguagem peculiares em relação à sociedade urbanizada. Outras características mais particulares do conhecimento dos pescadores se relacionam com o hábitat dos peixes; a classificação das espécies (peixecachorro, por exemplo, peixe cambuti), e os conhecimentos alimentares das espécies de peixes. Se, para a ciência contemporânea, o conhecimento sistematizado representa o modo de classificar, organizar e compreender a complexidade das coisas do mundo, o conhecimento dos pescadores das localidades Jaiteua de Cima, Jaiteua de Baixo e Cajazeira, representa a ciência da experiência de vida dos ribeirinhos no contexto da várzea amazônica. Nesta perspectiva, Lévi-Strauss (1996) enfatiza que a diversidade cultural se constitui de diferenças culturais conhecimentos e técnicas e não de desigualdades culturais 17. De outro modo, cada cultura ou grupo social estabelecem empréstimos ou exercem trocas culturais que se opõem umas às outras por motivos de decisões econômicas e 17 O termo desigualdades culturais significa a noção explicita e, em certas circunstâncias implícita, de vincular o conceito de cultura relacionado à existência de sociedades ou grupos culturais superiores e inferiores.

112 112 forças políticas. E, em certas circunstâncias, fecundam-se naturalmente a ponto de convergirem para algo positivo, se beneficiando mutuamente, com base no conhecimento e nas técnicas diversas que cada cultura disponibilizou ao longo de sua trajetória históricosocial. Contextualizando esta reflexão, percebe-se atualmente que a intensificação do uso de apetrechos de pesca modernos malhadeiras e tramalhas no cotidiano dos pescadores de subsistência e pescadores comerciais, significa mudanças culturais substanciais nas formas de apropriação dos recursos ictiofaunísticos. Quer seja pela facilidade ou pelo aumento da capacidade das capturas com estes apetrechos em virtude das demandas de mercado e pela necessidade de sobrevivência dos pescadores, é pertinente ressaltar que as práticas de pesca e a confecção de apetrechos tradicionais, tais como o arpão, o arco e flecha, estão em situação de quase desuso. Fato que pode ocasionar a perda do capital cultural investido na confecção destes apetrechos desenvolvidos ao longo do tempo, uma vez que apresentam detalhes e mecanismos estruturais importantes em sua confecção e praticidade de uso (ver tópico 2.6). De outro modo, este conhecimento, quando não reproduzido socialmente, pode ser degradado no tempo e no espaço, por ter ocasionado a falsa noção de apetrechos obsoletos e atrasados por serem raramente manuseados e pelo fato de não atenderem às expectativas pragmáticas do mercado. Não se trata de situar os pescadores de subsistência e pescadores comerciais como reivindicadores da sua preservação cultural e nem de situá-los como sociedades estacionárias, mas sim valorizar suas práticas culturais como patrimônio desta diversidade de povos da região, e que tem muito a contribuir para a manutenção dos recursos naturais. Na várzea amazônica, o cotidiano de trabalho dos pescadores é marcado pelo tempo natural dos sistemas ecológicos e pelo tempo mercantil das práticas econômicas que, pela conexão intrínseca, caracterizam o estilo de vida do pescador ribeirinho que vive da sazonalidade desta atividade e da polivalência de outras culturas o extrativismo, a agricultura, a caça e os serviços gerais durante as fases do ciclo hidrológico. Neste sentido, cabe ressaltar as reflexões de Cunha (2000, p. 105, grifo nosso): o pescador parece definir sua existência e demarcar os afazeres diários, não somente em função do calendário urbano, mas [do calendário ecológico] das principais safras de peixes que perpassam [os períodos do ciclo das águas]. Ele se refere a [determinados momentos] enquanto significado da atividade [de pesca], demarcando os períodos de passagem dos peixes: [a piracema, época do jaraqui e da curimatã].

113 113 Esta reflexão permite afirmar que o sentido dado aos processos de trabalho dos pescadores das localidades, seja para subsistência ou comercialização, coadunam-se com elementos ecológicos, cuja composição é internalizada nas práticas de pesca. Assim, o sucesso nas pescarias dependerá do conhecimento acerca da temporalidade dos sistemas ecológicos, isto é, da inteligência e capacidade perceptiva dos pescadores em relação aos períodos de reprodução e movimentação dos peixes, o que influencia diretamente as possibilidades de captura das diferentes espécies de peixes que vivem em cardume ou em comportamento isolado. Com base nas palavras de um pescador, é possível ter ideia do conhecimento dos grupos sociais das localidades acerca da apropriação da ictiofauna ao indagá-lo sobre a influência da Lua em suas atividades de pesca: [...] a Lua. Só vão por lua o peixe-boi, a anta, o veado, a queixadá, o caititú. Esses animais só comem assim. Eles vivem assim pra cima. Até no roçado na nossa plantação de mandioca, se nós plantarmos na lua nova ela dá uma planta boa, e se for na minguante ela não dá não. Assim mesmo são os bichos, eles vivem pela força da lua. Tem dias que você chega lá e não tem uma lua bem forte pra eles, eles não vem não. O peixe, o tambaqui são peixes de arribação, de lua. O pirarucu, o pirarucu ele vinha focar toda essa cabeceira, mas quando está no tempo do rio seco ele se banhava aqui pra cima (A. S.; pescador de subsistência, Cajazeira, 2007). [...] numa época dessas, eles [os cardumes de tucunaré] estão saindo, porque a água está arriando, aí tá secando. Então, eles estão saindo, porque se não sair, eles ficam em terra, aí pra dentro, aí vão procurando o fundo, saindo pro fundo. Aí ele vai, vai, aí quando é novembro, a água nova já vem. Aí é a época da enchente, aí já vem entrando, aí que eles ganham as cabeceiras, os igapós... aí fica difícil o cara pegar ele. Mas esse é o momento bom de pescar, o peixe dá mais dinheiro e a procura da cidade é muita (V.S., pescador comercial, Cajazeira, 2007). No cotidiano dos pescadores de subsistência e pescadores comerciais, o conhecimento do ambiente em que vivem e a habilidade para fazer as coisas para utilizar esse ambiente, à medida que vão sendo transmitidos e absorvidos pelos seus filhos, transformam práticas, recriam hábitos de vida e modos de apreensão e apropriação da natureza. O conhecimento dos pescadores se constrói na prática, trabalhando. Estes agentes sociais geralmente levam seus filhos para acompanhá-los nas pescarias. O processo de aprendizagem da criança ao trabalho inicia a partir do 5 anos de idade, momento em que a

114 114 criança começa a despertar para as curiosidades da natureza do mundo. A pesca no lanço é o momento mais significativo desta experiência, pois esta prática expressa o conhecimento e a habilidade do pescador (o pai) acerca dos pontos de concentração de peixes. Na área de estudo, os lanços podem ser feitos em ambientes fechados como a floresta inundada (igapó) ou em áreas abertas dos lagos, em suas margens. Nas localidades pesquisadas, a pratica mais comum é o lanço de floresta inundada (alagada ou igapó). Soares (et al., 2008) citada no capítulo I sinaliza que a composição de águas mistas do lago são importantes fontes de energia e otimizadoras do processo biológico em floresta alagada. Na época da enchente os igapós e os igarapés são ambientes favoráveis para os peixes porque encontram muitos alimentos. Muitas árvores ao redor dos igarapés, por exemplo, estão em fase de frutificação no período da enchente, e os peixes comem os alimentos que caem nos igarapés, do mesmo modo ocorrendo com os igapós. O lanço é uma prática de pesca relativamente individual e não altera muito o ambiente. Cada lanço representa um ponto de pesca. Esse local geralmente é preparado no período da seca, ocorrendo a limpeza do terreno do lanço, retirando troncos de algumas árvores e galhos retorcidos, galhos emersos no período da seca, denominados localmente como cacaias. O lanço se caracteriza por um corredor ou caminho de terra, cuja largura é suficiente para o deslocamento de uma canoa. A garantia desse espaço e não mais que isso, é importante, pois caso o tamanho exceda o peixe estranha. O comprimento deve garantir as possibilidades de distender diversos tamanhos de malhadeiras ou tramalhas para exercer as pescarias (Figura 33).

115 115 Figura 33 Preparo de um lanço (floresta alagada): época da seca. Fonte: Dados de campo (2007). A limpeza é necessária para que não haja o enrosco das malhas (malhadeiras) no fundo do igarapé ou do lago, o que pode ocasionar prejuízos (danificação) ou risco de acidentes ao entrar sucessivas vezes na água para desprendê-la. Em seguida, se marca com golpes de terçado o facão usado pelo ribeirinho alguns troncos ou galhos que servirão de referencial visual durante o período da cheia. Cada pescador tem seu lanço. Ninguém é dono do rio, mas o lanço é o trabalho do pescador. Para pescar no lanço do outro se deve pedir licença, é a nossa regra aqui (F.R.F., pescador comercial, Jaiteua de Baixo, 2007). Nota-se abaixo o local conhecido como igapó da Terra Preta, próximo ao lago Grande, onde foi possível perceber o desenvolvimento da prática do lanço (Figura 34).

116 116 Figura 34 Pesca no lanço (floresta alagada): época da enchente. Fonte: Dados de campo (2007). Como observado, as imagens seguem uma sequência que permite pensar a pesca no lanço: a criança geralmente conduz a embarcação. O pai orienta e lhe indica onde deve entrar com a canoa motorizada (a rabeta). Neste período, a criança vai observando as práticas do pai. O filho indaga, critica, dá opiniões e advertências. O pai, por outro lado, pede para observar, e vai explicando, na prática, como um lanço se difere do outro. Há lanços que dão mais peixes, outros, menos. As observações são importantes, pois cada lanço apresenta suas especificidades: uma delas é a quantidade de fruta dentro e ao redor do lanço, o que permite mais concentração de peixes, facilitando as capturas através das malhadeiras distendidas de um ponto de amarração (referência) ao outro ponto do lanço. Na rotina da vida do pai, a criança, ao acompanhá-lo, inculca e aprende a prática da pesca. A habilidade e o conhecimento se desenvolve na experiência de vida, de modo gradual e paciente. O Quadro 6 ilustra a composição da pesca no lanço realizado pelo Sr. Rondon Filho nas imediações da comunidade Santo Antônio, localidade Jaiteua de Baixo durante as rotinas do seu trabalho.

117 117 Ambiente/lanço Quant. lanços* Períodos Favoráveis Horário Pescadores Apetrechos/ Embarcação Espécies** Igapó da Terra Preta 8 pontos de pesca Enchente/ Cheia Manhã, Tarde, Noite Pai e filho; Outras Parcerias Tramalha, Malhadeira, Arpão;aza gaia/canoa, Rabeta Pacu, Roelo, Tucunaré, Jaraqui e Outros Quadro 6 Indicação dos elementos presentes na pesca do lanço. Fonte: Dados de campo (2007). Com apoio na ilustração e na participação ativa do pescador comercial, nota-se que o igapó da Terra Preta é um ambiente de pesca que apresenta diversos pontos de pesca. Segundo Sr. Rondon Filho, os lanços são definidos conforme a natureza do processo de pesca: caso seja a pesca para a subsistência, em condições naturais favoráveis, a definição do uso de três lanços, em um dia de trabalho, é suficiente para a manutenção da rotina alimentar da família durante uma semana de trabalho, dada às condições mínimas de armazenamento e abrigo, isto é, o uso de técnicas de tratamento e conservação do pescado, tais como a aplicação de gelo e da salga, o que é muito comum no dia a dia doméstico de sua família. Nessa condição, a composição das pescarias é muito variável, sendo definida de acordo com o desejo do pescador: ele pode pescar sozinho ou com seu filho (o que reforça os laços consanguíneos) ou parceiro de pesca. Conforme as oportunidades do contexto, isto é, da possível fartura do peixe, e, consequentemente, sua comercialização, ele pode ater-se ao uso misto de apetrechos de pesca tradicionais e modernos ao mesmo tempo, sendo mais comum o uso de malhadeiras e tramalhas, arpão e azagaia, respectivamente (ver tópico apetrechos de pesca). Neste tipo de pescaria, o deslocamento da residência até o local de pesca pode ser realizado por canoa a remo ou canoa motorizada (a rabeta), porém o deslocamento dentro do lanço exige total silêncio para não afugentar os peixes. Nessa condição, o uso de canoa a remo é mais recomendável. As espécies capturadas são variadas, tendo ocorrido o destaque para o ruelo, o tucunaré, o pacu e o jaraqui, todos muito apreciados para autoconsumo e bons para comercialização. Caso a pescaria seja exclusiva para a comercialização, a composição das pescarias em um dia de trabalho pode exigir a definição do uso de mais lanços, isto é, de mais pontos de pesca. Nesse contexto, a racionalização do espaço de trabalho, do tempo e

118 118 das técnicas a serem utilizadas, é fundamental para o bom êxito das pescarias. Assim os lanços são trabalhados em seqüência, partindo do melhor ponto de pesca para o que apresenta menos fartura, fato que a experiência a percepção e a habilidade do pescador já definiu anteriormente. Conforme a racionalidade das práticas comerciais, o tempo de trabalho visando à pesca comercial, ao contrário da pesca de subsistência, é organizado por turnos diários (manhã, tarde e noite) ou jornadas de 24 horas, fato que perpassa a mente do pescador em pernoitar em seu ambiente de trabalho, vivenciando as dificuldades e perigos das matas de igapó, típica da vegetação que constitui o igapó da Terra Preta e seu entorno. Nesse processo, o tempo e as condições dos sistemas ecológicos são determinantes no comportamento das espécies (mas não as únicas), pois a aparição e a facilidade de captura dos peixes dependerão das condições favoráveis ao abrigo e alimentação. Os lanços sendo trabalhados sequencialmente na prática comercial, o uso combinado de apetrechos de pesca modernos, tais como as malhadeiras e as tramalhas, são intensivas, pois a maneira como estes são confeccionados objetivam a captura racionalizada, porém, não seletiva de espécies de peixes de hábitos coletivos e individuais em grande quantidades, o que depende da disposição e organização físico-espacial desses apetrechos nos ambientes de pesca. Nos lanços, os apetrechos tradicionais, tais como o arpão, utilizado tecnicamente para a captura do pirarucu, e o arco e flecha aplicados, por exemplo, para a captura do tucunaré, são constantes durante a pesca comercial. Isso é possível após a disposição das malhadeiras e tramalhas nesses ambientes, apetrechos que exigem maior tempo de permanência submersos para as capturas. Esse espaço de tempo que consome algumas dezenas de minutos, ou até horas, é capaz de gerar um tempo mais livre ao pescador que o utiliza para a pescaria do pirarucu e outras espécies, ou atividades relacionadas à pesca, tais como a coleta de frutas, insetos grandes ou pequenos (jia/sapinnho, minhoca etc.) que servirão de iscas para apetrechos de menor impacto ao ambiente como, o caniço ou linha de mão. Nesse processo, a canoa e a rabeta continuam sendo os principais meios de transporte, aumentando em número conforme as pescarias estabelecidas entre os agentes sociais envolvidos. A apresentação dos lanços de pesca nas florestas de igapós enquanto pontos de pesca das localidades, evidencia que o tempo ecológico dos ciclos naturais é internalizado pelos pescadores e associado ao tempo das relações comerciais. Observamos que o manejo desse

119 T ucunaré R oelo (filhote do tambaqui) C urimatã T ambaqui Acará-açu P acu Aruanã P es cada Matrinxã S ardinha 119 tipo de atividade opera sob racionalidades que podem conservar (no sentido de manutenção) ou degradar os estoques pesqueiros. O pescador sabe manejar sob as duas formas de racionalidade e seus conhecimentos contribuem para a sustentabilidade dos recursos ictiofaunisticos. O gráfico 7 apresenta algumas espécies capturadas nos lanços e destinadas à comercialização em Manacapuru. A atividade ocorre conforme as expectativas do mercado e do cotidiano doméstico/familiar, motivações que definem quais espécies capturar e como capturá-las. 35,0 30,0 25,0 20,0 15,0 10,0 5,0 0,0 Gráfico 7 Peixes mais comercializados e capturados nos lanços de pesca. Fonte: Dados de campo (2007). Assim, a espécie mais mencionada pelos pescadores em suas capturas é o tucunaré (34%), muito preferido pelos freqüentadores dos restaurantes locais e pelas famílias (em geral), por ser uma carne saborosa e com razoável preço de mercado. Em segundo, destacase o roelo, o filhote de tambaqui (22%) que agrega valor comercial elevado, porém ainda acessível aos consumidores em geral. O curimatã (19%), que também reúne boas qualidades em suas carne e preço acessível ao consumidor de média/baixa renda. O tambaqui adulto (13%) que é um peixe nobre e caro semelhante ao pirarucu (em termos de custo), muito procurado pelos donos de restaurantes, hotéis e supermercados, sendo os principais

120 120 compradores. E, por último, a matrinxã e a sardinha, espécies típicas das mesas mais populares da região, acessíveis à compra e bem apreciados. Na área de estudo, ocorre outra modalidade de pesca de lanço praticado em ambientes abertos às margens dos lagos e relativamente distinto do lanço de floresta alagada. Esta atividade é realizada no tempo da enchente/cheia do ciclo das águas, especialmente nas margens do lago São Lourenço com objetivo de capturar cardumes de peixes de espécies variadas. A escolha do local do lanço é resultado de observações empíricas do pescador, sendo os canais dos lagos, no período da enchente/cheia, caminho de rota migratória de cardumes de peixes de diversas espécies, ou seja, a escolha não ocorre por acaso, aleatoriamente. Este tipo de pescaria geralmente é praticada por barcos de pesca ou por pescadores citadinos que arrendam a terra para a preparação do lanço. É uma atividade peculiar porque consiste não apenas na atividade pesqueira, mas na aquisição de renda através do arrendamento da terra por parte do camponês amazônico que adquiriu a terra por posse tradicional reconhecida pelos comunitários (MASULO, 2007). Box 1 Lanço de terra firme A técnica de pesca de lanço de apropriação e uso individual/familiar foi introduzida no lago São Lourenço e baixo rio Manacapuru pelos proprietários de barcos de pesca, provenientes da cidade de Manaus, no início da década de 60 do século XX, na qual se apropriavam de porções das águas e terras dos camponeses-ribeirinhos. Executavam a pesca de lanço e, o que é mais sintomático, não deixavam nada em troca para os moradores. Todo o pescado capturado era direcionado para ser comercializado em Manaus. A partir de meados da década de 70 do século XX, os camponeses-ribeirinhos começaram a impedir esse tipo de pescaria por parte dos proprietários dos barcos de pesca na frente de suas propriedades. Como os moradores já dominavam a técnica de preparar o lanço, eles assumiram essa atividade. Desse modo, o controle dessas porções de água passou das mãos dos proprietários de barcos de pesca de Manaus para as mãos dos camponeses-ribeirinhos, os quais assumiram todo o processo de preparação e armação dos lanços. Além disso, assumiram também todo o processo de comercialização do pescado. Por outro lado, como os camponeses-ribeirinhos não dispunham de capital suficiente para as redes de pesca, tiveram que se sujeitar aos proprietários de barcos de pesca, agora de Manaus e Manacapuru, que começaram a fornecer esses apetrechos para a realização da pesca de lanço. A rede de pesca, denominada localmente de tralha, tem um custo considerado alto para os camponesesribeirinhos, pois, para executar a pesca em apenas um lanço, precisa-se de pelo menos dez panos. Cada um pano custa o equivalente a R$ 1.100, 00, uma rede sairá pelo preço de R$ , 00. Como a maioria dos camponeses-ribeirinhos no lago São Lourenço e baixo rio Manacapuru possui mais de um lanço, em geral três, torna-se extremamente oneroso adquirir, com capital próprio, essas redes, também chamada de arrastadeira. Por isso, os camponeses-ribeirinhos, sem alternativas, tiveram que se sujeitar aos proprietários dos barcos de pesca, entretanto, o apurado da venda do peixe no mercado de Manacapuru é dividido em partes iguais, ou seja, 50% para os camponses-ribeirinhos, donos dos lanços, os outros 50% para os proprietários dos barcos de pesca, donos das redes. Portanto, observa-se uma extração da renda da terra e da água que vai para nas mãos dos donos dos barcos de pesca (ou empresários do capital pesqueiro) e do camponês-ribeirinho que está na base do arrendamento (MASULO, 2007, p ).

121 121 A composição deste tipo de pescaria exige barco de pesca, equipes de pescadores organizados, redes de pesca, canoas auxiliares e área de terra situada às margens dos lagos, neste caso, do lago São Lourenço como mencionados pelos pescadores das localidades. O trabalho na terra é semelhante ao trabalho no lanço de floresta alagada, pois consiste na preparação da terra no período da seca (águas baixas). Nesta ocasião ocorre a varredura do terreno pela equipe de pescadores que geralmente arrendam a terra (ou pelo arrendador). A varredura tem por objetivo a retira da vegetação, de galhos, de troncos e até árvores se necessário. A limpeza do terreno é feita para que não haja problemas de enrosco das redes durante as capturas, ao conduzir os cardumes para a margem. Depois de varrido o terreno e preparado o lanço, aguarda-se o período da enchente para iniciar as pescarias (Figura 35). Figura 35 Preparo de um lanço de terra firme: época da seca. Fonte: Dados de campo (2007). Os pescadores das localidades pesquisadas geralmente não praticam esse tipo de pescaria por três motivos básicos: 1) é uma pesca dispendiosa porque exige recursos financeiros para executá-la (compra de equipamentos de pesca); 2) os moradores não são proprietários das terras dos lanços e praticamente não tem vínculos de parentesco com os proprietários que moram em outras comunidades não reconhecidas na pesquisa; 3) e por ser considerada uma prática predatória, pois retira da água todas as espécies de peixes e outros animais de vida aquática como, botos, tartarugas e peixes- boi (Figura 36).

122 122 Fig Croquis do Lanço Preparação da terra para o cerco do cardume - Perspectiva. Figura 36 Preparo e atuação da pesca de lanço de terra firme no lago São Lourenço, Manacapuru. Fonte: Elaboração: Nusec, de Beniz Gabriel - Abri Beniz, /2005. adaptado por Marco Antônio de Souza Brito.Trabalho de campo, Conforme os pescadores das localidades, está atividade é dispendiosa para o pescador arrendatário do lanço de lago. O pescador deve assumir os custos sociais e financeiros e os riscos da produção, caso a pescaria seja fracassada. A natureza, como vimos no capitulo 1 e II, segue os ciclos dela própria, cabendo ao pescador conhecê-la e desvendála. As rotas migratórias dos peixes são observadas, porém podem mudar a qualquer momento, sem licença prévia para o pescador, por isso o risco de ser fracassada. Em outras palavras, o arrendamento antecipado para a preparação do lanço pode causar dados materiais e econômicos ao arrendatário. Sob a lógica do arrendamento, a pesca de lanço em lago de terra firme, com base no custo-benefício, apenas pode assumir o caráter de valor de troca (MARX, 1971; DIEGUES, 1983), ou seja, a forma de organização do lanço no lago São Lourenço pode ser caracterizada como uma pequena produção mercantil simples. A principal característica dessa forma de organização é a produção de valor de troca em maior ou menor intensidade, isto é, o produto final, o pescado, é realizado tendo-se em vista a sua venda (DIEGUES, 1983; MASULO, 2007).

123 Apetrechos de pesca Os apetrechos de pesca compõem os instrumentos de manejo dos recursos pesqueiros. Como etnografado por Diegues (1983), Furtado (1993) e Maldonado (1993) em outros contextos de abordagem, ao pensar o sentido dado às práticas de pesca, verificou-se que os apetrechos confeccionados tradicionalmente ou adquiridos através da compra pelos pescadores das localidades Cajazeira, Jaiteua de Baixo, Jaiteua de Cima são tecnicamente aplicados e manuseados conforme a natureza do processo de pesca em consonância com o círculo de produtividade econômica a que estão inseridos. Nas localidades, os apetrechos de pesca são instrumentos produzidos de acordo com as expectativas do pescador. Nesta condição, o sentido dado ao processo produtivo se refere aos apetrechos que podem ter maior ou menor eficácia durante as pescarias. Estas práticas estão em conformidade com as espécies que se desejam capturar e também com o principal fator, que é o destino da produção. Os modos de pescar nas localidades pesquisadas variam entre as tecnologias tradicionais (que remontam a influência dos povos indígenas) e modernas (caracterizando-se por apetrechos confeccionados industrialmente). Atualmente é muito comum o uso individual de apetrechos modernos (malhadeiras e tramalhas) e/ou em combinação com diversos apetrechos tradicionais (por exemplo, o uso do arpão e arco e flecha) no cotidiano dos pescadores das localidades, fato que indica mudanças lentas, porém contínuas neste tipo de atividade na região de Manacapuru. Tratando-se do processo de pesca artesanal (autoconsumo/comercialização) que demonstra o uso combinado de apetrechos tradicionais e modernos, o conhecimento tradicional do pescador enfatiza alguns detalhes importantes acerca dos seguintes critérios para definição de uso e confecção de apetrechos, conforme o quadro 7. O saber sobre o comportamento dos peixes que deseja capturar; O que os peixes comem; Se são peixes de cardumes ou de comportamento individual; Conhecer a anatomia do peixe; Considerar os locais onde vivem; Locais onde se reproduzem; Se são espécies de escama (couro) ou peixes lisos (pele fina); Especificidades em relação ao tamanho, caso seja grande ou pequeno e a largura da boca; Quadro 7 Critérios biológicos e ecológicos para confecção dos apetrechos de pesca. Fonte:

124 124 Considerando os aspectos acima, sendo apetrechos perfurantes e cortantes do tipo arco e flecha ou arpão, é imprescindível trabalhar as dimensões e os cortornos físicos destes instrumentos, devendo-se levar em consideração o tipo de material de que são fabricados, ressaltando a durabilidade e a flexibilidade do material empregado. Os apetrechos confeccionados podem desenvolver maior ou menor eficácia no ato da captura do peixe, sendo imprescindível a experiência do pescador no seu manuseio. Deste modo, o manuseio e eficácia do apetrecho de pesca também requerem o uso da técnica corporal (MAUSS, 2003) adequada, o que geralmente pode ser desenvolvido antes ou reelaborado depois da fabricação destes instrumentos. Ao usarem os apetrechos, tais como o arpão, o arco e flecha, a azagaia, a tarrafa e as malhadeiras, já pensaram no ato de sua confecção, os detalhes de apoio que ficarão encaixados ao corpo no ombro e nos braços e que facilita a otimização do manuseio no ato da pescaria. Após a fabricação dos apetrechos, os ajustes são realizados no dia a dia conforme a percepção do pescador, seja com relação ao tipo de peixe ou dos ambientes onde está pescando. O sucesso da captura também depende da facilidade do manuseio do apetrecho e da praticidade do movimento do corpo, sendo a experiência e o conhecimento acumulados do pescador os melhores caminhos para o bom êxito da pescaria. Como diz Mauss (2003, p. 410), as técnicas do corpo podem se classificar em função de seu rendimento, dos resultados de um adestramento [capacidade, habilidade]. O adestramento, como a montagem de uma máquina, é a busca, a aquisição de um rendimento. O gráfico 8 apresenta os apetrechos de pesca utilizados mais frequentemente pelos pescadores das localidades Jaiteua de Cima, Jaiteua de Baixo e Cajazeira:

125 Malhadeira Tramalha Caniço Arco e Flecha Linha e Anzol Arpão Zagaia Currico Tarrafa Arrastadeira ou Rede Malhadeira Tramalha Caniço Linha e Anzol Arco e Flecha Zagaia Tarrafa Arpão Currico Arrastadeira ou Rede ,0 30,0 25,0 28,8 24,8 20,0 15,0 10,0 5,0 0,0 15,4 13,5 11,5 9,6 5,8 5,8 3,8 3,8 1,9 20,0 19,2 11,2 8,8 7,2 3,2 2,4 2,4 0,8 Comercial Subsistência Gráfico 8 Apetrechos de pesca mais utilizados para pesca comercial e subsistência. Fonte: Dados de campo (2008). O gráfico permite visualizar a tendência geral do uso dos principais apetrechos de pesca pelos pescadores das localidades pesquisadas. As malhadeiras e as tramalhas estão em destaque, sendo considerados apetrechos de pesca modernos. Tanto para pesca comercial quanto para pesca de subsistência, a frequência de uso desses apetrechos representa em média 29% e 25% respectivamente, dos instrumentos mais utilizados pelos pescadores. As malhas (o tecido das malhadeiras e tramalhas) podem ser confeccionadas a partir de diferentes tipos de linhas e com dimensões de malhas variadas. Nas localidades, observamos o uso de malhadeiras confeccionadas com linha de nylon ou plástico e apresentam dimensões quadriculadas variadas. Elas correspondem ao tamanho e ao tipo de espécies de peixes que se deseja capturar e não necessariamente específica para uma espécie. Quanto maior a dimensão da malha, maior o tamanho do peixe capturado. Deste modo, temos, por exemplo, a malha 140 que na medição do pescador equivale a um palmo e dois dedos de abertura são destinados à captura de peixes graúdos, tipo tambaqui e malhas menores de tamanho 30 e 40 que são destinadas à captura de espécies menores a traíra, o acari-bodó. Os tamanhos 50, 60, 70, 80, 90, 100 e 120 são aplicados nesta mesma lógica: maior o peixe que se deseja capturar, maior a dimensão da malha.

126 126 Atualmente, a técnica utilizada pelos pescadores para facilitar a captura com estes apetrechos é o processo de tingimento das malhas com uma substância corante chamada anelina. A coloração da malha corresponde às características da cor da água que pode apresentar coloração esverdeada escura, clara, amarelada ou cinzenta. De acordo com pescadores comerciais, os peixes estão mais espertos e percebem obstáculos (isto é, os apetrechos) em seus ambientes de circulação. Por isso, a necessidade de aperfeiçoar determinadas técnicas de captura (Figura 37). Figura 37 Perfil da malha, instrumentos de confecção de malhadeiras e malhadeiras coloridas. Fonte: Dados de campo (2007). As tramalhas também passam por esse tratamento e, em geral, são confeccionadas com linhas de plástico. Os pescadores comerciais e os pescadores de subsistência das localidades optam por comprar este apetrecho e alegam que o bom preço favorece o interesse pela aquisição, pois gasta-se muito tempo em fabricá-lo artesanalmente. As malhas mais utilizadas variam entre 35 a 50, sendo ideais para capturas de espécies pequenas e médias. Geralmente capturam traíra, pacu, sardinha, tucunaré e bodó (Figura 38).

127 127 Figura 38 Peixe preso na tramalha. Fonte: Dados de campo (2007). O caniço é um apetrecho utilizado com frequência para a pesca de subsistência (19,2 %). Como dizem os pescadores: o caniço é bom pra pescaria rapidinha, pra boia alimentação. Para pesca comercial (13,5%), é utilizado de maneira combinada com outros apetrechos em pescarias mais frequentes em pontos de pesca, tais como o lanço de floresta alagada (floresta de igapó) anteriormente apresentado. De acordo com os pescadores, é um apetrecho simples e produzido a partir dos galhos de árvores encontrados em torno das matas das comunidades. Estes apresentam certa retidão, ou seja, são pouco retorcidos. As madeiras empregadas na fabricação são conhecidas localmente como envira surucucu e taboca (uma espécies de bambu). São resistentes, flexíveis e permitem uma boa briga com o peixe durante a captura, ou seja, as madeiras não quebram facilmente. As espécies mais fisgadas com este apetrecho são: o jaraqui, o pacu, a traíra e a sardinha (Figura 39).

128 128 Figura 39 Caniços. Fonte: Dados de campo (2007). O arco e flecha ainda é um apetrecho tradicional razoavelmente utilizado nas localidades, e sua frequência de uso ocorre nas práticas de subsistência (8,8%). Porém apresentando relevância para pescadores que vivem mais dos períodos sazonais (enchente/cheia) e por pescadores comerciais (11,5%) 18. Este apetrecho é confeccionado com matérias-primas retiradas da floresta que são encontradas no entorno das comunidades. As partes (isto é, as peças) que compõem a estrutura física da flecha são de encaixe e ajustável. A figura 40 ilustra a composição do apetrecho arco e flecha, apresentado pelo senhor Moisés, pescador comercial, especificando a montagem da flecha azagainha, instrumento por ele fabricado e utilizado em conjunto com o arco (Figura 40). Figura 40 1) Composição do arco e flecha; 2) flecha montada; 3) partes físicas da flecha azagainha; 4) ilustração da montagem; 4) o pescador manuseando-a. Local: comunidade Assembleia de Deus Tradicional, Jaiteua de Cima. Fonte: Dados de campo (2007). 18 Como visto anteriormente, este pescador vive mais da renda da pesca, prática exercida com mais intensidade durante todo ano.

129 129 O apetrecho arco e flecha é um tipo de apetrecho tradicional apropriado para a pesca de subsistência e usado durante o dia. É também utilizado em algumas circunstâncias na pesca comercial. Costuma-se também praticar outras formas de caça com este instrumento. O Sr. Moisés fabrica o arco e flecha somente para seu uso particular. É um conhecimento tradicional e prático que herdou de seu pai, o Sr. João Palheta. Ele afirma que fabricar este instrumento é uma inteligência maior do caboclo-índio. Uma herança herdada dos índios Ajará, seus antepassados. As espécies mais capturadas, de acordo com o pescador, são: o tucunaré, a aruanã (aruanã), o pacu, o jaraqui e o tracajá. Os ambientes de pesca mais frequentes para a captura destas espécies são: o lago, o igarapé e o chavascal. Ele afirma que o uso deste apetrecho tem sido bastante reduzido devido à escassez do pescado nestes ambientes. A haste da flecha é produzida a partir de um material muito leve, um tipo de bambu chamado popularmente de canela de velho. A ponteira penetrante (ponta perfurante) é feita de ferro retorcido que depois de aquecido é martelado (adornado) até adquirir o formato final. O arco é produzido de uma madeira leve, flexível e resistente à umidade. Em síntese, toda fabricação é artesanal, sendo desenvolvida por alguns pescadores das localidades Jaiteua de Cima e Jaiteua de Baixo e o processo de fabricação reflete o patrimônio cultural das famílias de pescadores tradicionais desta região. Alguns pescadores relatam que estes apetrechos estão em fase gradual de desuso devido à concorrência entre diferentes pescadores nos ambientes de pesca das localidades e também à escassez de várias espécies média e adultas. Nesta condição, a maioria dos pescadores optam pelo uso das malhadeiras e das tramalhas para maior eficiência nas pescarias (Caderno de campo, fevereiro de 2007). O arpão é outro apetrecho de pesca tradicional e aplicado em pescarias especiais, com baixa frequência de uso (5,8%), principalmente para captura do pirarucu e peixe-boi (estes proibidos de serem capturados pela normativa (portaria do IBAMA), ambos para comercialização e executadas em períodos de maior rentabilidade do pescado (enchente/cheia). Nas localidades, também, foi possível verificar a ocorrência do uso de modelos de arpão confeccionados com objetivo de capturar bichos de casco, principalmente tracajás. A figura abaixo apresenta alguns modelos de arpão e detalhes acerca das estruturas (peças) componentes deste apetrecho (Figura 41). Figura 41 - O arpão. Da esquerda para direita: 1) tipos de arpão; 2) haste e manuseio; 3) arpoeira; 4) ponteira perfurante do arpão; 5) orifício de encaixe da ponteira. Fonte: Dados de campo (2007).

130 130 A composição física deste apetrecho reúne partes com as seguintes definições: Imagens 2: haste do arpão. Esta é confeccionada a partir da madeira conhecida localmente como paracuuba. Esta madeira é encontrada nas matas em torno das comunidades. É de coloração marrom, dura (dureza), impermeável e de peso moderado. Sendo o arpão um apetrecho de arremesso (projétil), o peso da haste é fundamental para garantir a perfuração da escama ou couro do peixe. Caso a haste do arpão seja leve demais, só a ponteira de ferro não garante a perfuração do tecido destes animais, correndo o risco de não capturá-los. Imagem 3: a arpoeira é composta por um cordão (barbante) que varia de 2 a 6 mm de diâmetro aproximadamente e com comprimento que pode chegar até 10 metros aproximadamente. O tamanho do cordão é para permitir o deslocamento do peixe depois de fisgado até cansar. Neste cordão, é amarrada a ponteira de ferro (imagem 4) o gancho perfurante, através de um nó ou laço especial chamado de estrovo. A parte inferior do gancho apresenta um orfício oval (imagem 5) que é encaixado na ponta da haste do arpão. E em outra extremidade do cordão é amarrada uma boia de isopor ou de plástico para não perder o apetrecho e nem perder de vista o peixe. Deste modo, temos a montagem completa deste apetrecho (imagem 1), cuja eficiência requer boa pontaria e habilidade do pescador durante seu manuseio. O conhecimento sobre o comportamento e modo de vida das espécies a serem capturadas é fundamental para o bom êxito da pescaria. Este êxito se refere à quantidade capturada e redução de tempo de trabalho. Alguns pescadores comerciais locais utilizam este apetrecho principalmente em pescarias encomendadas, por exemplo, a encomenda de pirarucu. Alguns pescadores afirmam que este apetrecho está em fase de gradual desuso devido à concorrência entre diversos pescadores nos principais ambientes de pesca das localidades, seja para subsistência ou comercial, e também à escassez e ao possível desaparecimento de espécies como pirarucu dos seus principais ambientes de pesca. As representações sociais subjacentes a esses processos de trabalho, seja para a subsistência ou comercialização intensiva, são caracterizadas e também fundamentadas em circunstâncias que envolvem relações de parentesco e parcerias entre os distintos trabalhadores da pesca e agentes da comercialização que determinam a maior ou menor pressão sobre o uso dos recursos pesqueiros. Nesse sentido, foi possível perceber, durante as práticas de pesca, que os elementos técnicos e representativos da vida cultural dos pescadores transitam entre situações da vida econômica moderna que exigem deles atitudes adaptativas ao contexto das esferas do círculo da comercialização do pescado e, ao mesmo tempo, entre o modo de vida tradicional que, alicerçado pela força do habitus (Bordieu,1979), resiste com pressupostos identitários e

131 131 territoriais a essas formas de determinação sutis e, em certas circunstâncias, impositivas dos ritmos da lógica instrumentalizada da economia de mercado e dos valores e crenças da filosofia de vida moderna. Assim o pescador comercial afirma: [...] antigamente eu pescava com meu pai e nós usava o arpão e o arco e flecha pra pegar os peixes. A gente comercializava pegando peixe mais fácil, tinha muito aqui. Depois começou aparecer muito barco de pesca, aí a concorrência aumentou pra essas bandas daqui [Jaiteua de Cima] então passamos a pescar com as malhas [malhadeiras e tramalhas] mais vezes pra poder pegar mais peixe bom pra vender, porque os grande [barcos de pesca] só pegava eles. Por isso ficou difícil. [...] a gente aqui não tem vontade de ir pra Manacapuru, prefiro viver aqui com a minha família, porque aqui a gente tá próximo dos nossos parentes, temos nossas festas, amigos... seria bom se voltasse como antigamente (S.M., pescador comercial, Jaiteua de Cima, 2007). Ao compreender a realidade do Sr. Moisés e, na tentativa de articular a associação entre a atividade pesqueira aos diferentes ambientes aquáticos lagos, igarapés, e igapós, verificou-se que a identidade social dos pescadores e a territorialidade das práticas de pesca, além das relações sociais em si, se constroem nestes espaços produtivos através da reciprocidade entre o ambiente e ação humana para o aproveitamento dos recursos naturais aí disponíveis. Nesse processo de reciprocidade, é imprescindível que os meios de produção (relações sociais e instrumentos de trabalho) se ajustem aos ambientes manejados, a fim de que os recursos naturais se reproduzam ciclicamente e, ao mesmo tempo, ele (o pescador) assegure, para a sua apropriação, a produção dos recursos historicamente necessários à sua sobrevivência e vida. No capítulo a seguir abordaremos a territorialidade dos pescadores das localidades Cajazeira, Jaiteua de Baixo e Jaiteua de Cima.

132 132 CAPÍTULO III TERRITÓRIOS DE PESCA NO USO DO LAGO GRANDE DE MANACAPURU Este capítulo apresenta as ações territoriais dos pescadores das localidades Cajazeira, Jaiteua de Baixo e Jaiteua de Cima na utilização dos seus principais território de pesca. O lago Grande de Manacapuru é compreendido pelos pescadores das localidades como um amplo território de pesca, porém sendo recortado territorialmente por pontos de pesca que ficam nas proximidades, nas imediações e distantes das moradias dos pescadores das localidades. Estes territórios não são utilizados deliberadamente para qualquer tipo de pescaria, eles são apropriados por cada localidade conforme determinadas regras de uso (acordos informais de pesca) tendo em vista, como iniciativas dos próprios pescadores, a manutenção dos estoques pesqueiros destinados principalmente ao provimento de suas famílias.

133 A noção de território de pesca [...] A minha família veio pra Manacapuru [do Ceará] na época da borracha prá consegui uma oportunidade prá trabalhá. Nós trabalhamos muito tempo na juta, e de alguns anos pra cá temos vivido mais da pesca junto com a plantação também. A pesca cresceu, cresceu, pra essas bandas de Manacapuru, o pessoal chama financiá que é né? Com esse negócio de empréstimo, cresceu de barco, de motô que a gente chama. É bom, mas tem muita gente pescando agora de uns anos pra cá [...] morar aqui na várzea não é só vontade, a gente precisa viver e acreditá. Aí que é difícil, porque a gente tem que fazer condições pra isso. A gente tem que pescá ou plantá, nós fazemos essas coisas junto pra ter mais dinheiro, dinheiro pra família. [...] Antes a pesca aqui pra essas bandas do Piranha não era problema, tudo mundo podia entra lá e pesca. Agora com esse negócio de reserva que chama, fica difícil entra lá, tem que dá um jeitinho e conversa pra não criar problema com ninguém (N.M.S., pescador de subsistência, Jaiteua de Cima, 2008). Ao pensarmos os territórios de pesca utilizados pelos pescadores das localidades Cajazeira, Jaiteua de Baixo e Jaiteua de Cima, não podemos deixar de evidenciar que suas histórias de vida são feitas de realizações motivadas pela esperança, porém marcadas pelas circunstâncias políticas e econômicas (antagonismos e contradições) de uma realidade complexa como a Amazônia. As palavras do Sr. Napoleão demonstram um pouco dessa realidade ao mencionar, à sua maneira, que os processos de ocupação e estabelecimento de sua família, assim como muitas famílias ribeirinhas de Manacapuru, mesmo considerando as particularidades culturais e decisões subjetivas de cada indivíduo ou grupo social, são decorrentes de processos históricos de migração fortemente influenciados pelos ciclos e modelos econômicos, estimulados financeiramente pelo governo federal e implementados pelo governo estadual do Amazonas. Tudo isso num espaço de tempo ou períodos de tempo os quais concernentes a determinadas conjunturas ou situações políticas articuladas por interesses diversos e direcionada para a sociedade amazonense e brasileira como política Nacional (SILVA, 1999; FREITAS, 2003). O setor pesqueiro, como indica Ruffino (2004), não deixa de ser beneficiado por estes estímulos do governo federal, sobretudo a partir da década de 1960, cujo objetivo era motivar a economia pesqueira no Amazonas e integrá-la economicamente ao território nacional. Desde modo, pode-se afirmar que as localidades pesquisadas, mesmo apresentando aspectos de isolamento, sempre estiveram conectadas e contextualizadas em processos de

134 134 relações sociais mais abrangentes pertinentes à economia política regional, nacional e internacional. Com base nesses processos históricos, a noção de território no contexto social dos pescadores é dinâmica, pois relaciona intrinsecamente algumas variáveis fundamentais da realidade social que dão sentido a este termo: a dimensão espacial, a dimensão ecológica, a dimensão política, a dimensão econômica e a dimensão simbólica. Esses elementos combinados, e apenas neste sentido, fundamentam o conceito de território. Este conceito não pode ser pensado como uma realidade estática. Por ser um conceito dinâmico, ele deve ser contextualizado, pois expressa a dimensão histórica dos grupos sociais envolvidos com a pesca. A convergência dos elementos ecológicos, políticos, sociais, econômicos e históricos são pensados intrinsecamente ao conceito de território, porque, ao abordar as práticas de pesca na várzea amazônica, nos deparamos com diferentes fenômenos ou situações que marcam a vida dos moradores das localidades pesquisadas. Por exemplo, do ponto de vista ecológico, as diferentes fases do ciclo hidrológico, um fenômeno determinante e singular na vida dos moradores da várzea amazônica, quando não respeitado ou não levado em consideração pelas práticas econômicas predatórias, sejam capitalistas ou não, pode e retroage aos grupos sociais sob a expressão do desequilibro ecológico e social, flagelando a vida de muitas famílias ribeirinhas com situações temporárias ou permanentes de escassez de recursos naturais. Deste modo, pensamos o conceito de território como uma questão prático-teórica que expressa formas de racionalidade e ações que ora soam harmoniosas, ora conflitante no decorrer do uso do lago Grande de Manacapuru pelos pescadores das localidades Cajazeira, Jaiteua de Baixo e Jaiteua de Cima. O conceito de território pressupõe a categoria espaço, que é o fundamento básico de uma comunidade ou de uma sociedade, onde se constroem as relações sociais e repousam os objetos naturais (as coisas da natureza) e materiais (elementos que resultam do trabalho). É preciso que vejamos o espaço como um sistema de objetos e, ao mesmo tempo, como um sistema de ações. Isso significa dizer que o espaço é dinâmico, pois pressupõe o empreendimento de ações humanas na sua configuração (SANTOS, 2002). O trabalho realizado nos pontos de pesca como a técnica do lanço em ambientes fechados (floresta de igapó) ou abertos (margem de lagos ou rios) reflete essa configuração elaborada pelo trabalho individual e coletivo elaborado pelos pescadores das localidades e por pescadores citadinos.

135 135 O espaço se transforma em território, à medida que o revestimos de significados, sejam eles simbólicos ou materiais, afetivos ou míticos (TUAN, 1983). Ou seja, o território é uma representação social e coletiva, uma ordenação primeira do espaço. Nesse contexto, a afetividade e o pertencimento ao lugar podem ser considerados formas de valor agregado, assim como o conhecimento e a práxis das atividades produtivas realizadas no território a pesca, a agricultura, o extrativismo vegetal e animal e a caça. O território também pressupõe e, ao mesmo tempo, é produto das ações coletivas organizadas. O território à medida que é pensado e organizado, cultural e socialmente pelo trabalho coletivo, dá visibilidades aos grupos sociais que passam a operacionalizá-lo mediante regras de uso como ocorre nas localidades pesquisadas. O senhor Lázaro, pescador comercial explica esse contexto: [...] Esses lanços aqui no igapó que você tá vendo, eram pouco trabalhados, o pessoal só passou a mexê neles depois que eu fiz o primeiros preparos, as varredura que a gente chama. É preciso conhecê um pouco como funciona os lanço prá fazer isso. [...] Aí depois começamos a organizar turma de dois, três na época da seca pra limpa. Aí quem quisé pesca aqui na época boa, pode pescá mas tem que pedi licença também prá não atrapalhá a pesca de quem preparou... acho isso certo né (L. S., pescador comercial, Jaiteua de Cima, 2008). O lago Grande de Manacapuru é compreendido pelos pescadores das localidades como um amplo território de pesca, porém, sujeito a determinadas regras de uso que marcam sua descontinuidade ou delimitações de fronteiras articuladas pelos próprios pescadores. Manoel Masulo (2007), ao estudar o processo de territorialização dos rios e lagos amazônicos lago São Lourenço e baixo rio Manacapuru (parte do local da pesquisa) praticado pelos camponeses-ribeirinhos e pescadores profissionais, se apropria de três conceitos: espaço aquático, território de pesca e terroir. O primeiro significa que o espaço aquático é pensado como entidades espaciais estruturadas pelos sistemas de uso múltiplos dos recursos aquáticos (2007, p. 252), ou seja, o acesso aos recursos aquáticos interiores (rios, lagos e microambientes aquáticos amazônicos) é orientado pela reivindicação das comunidades de pescadores. Isso significa dizer que os direitos de uso sobre as águas fazem parte da tradição e do costume constituindo o processo de apropriação dos espaços aquáticos. O território de pesca é pensado como a capacidade que potencialmente um grupo ou vários grupos de pescadores podem explorar os recursos pesqueiros, levando em consideração o destino da produção: o consumo ou a comercialização.

136 136 O conceito terroir é de origem francesa e, segundo o autor, significa porção do território apropriado, organizado e utilizado pelo grupo que reside e retira seus meios de existência (MASULO, 2007, p.253). Este conceito é abrangente, pois é pensado não apenas como extensão do uso dos recursos aquáticos. Ele abarca a dimensão de áreas inundáveis ou inundadas dos pescadores das localidades, uma vez que são destinadas tanto para fins pesqueiros quanto para atividades agrícolas e criatórias, sendo local de residência e apropriado para a existência humana. Este conceito combina-se com os conceitos de pescadores de subsistência e pescadores comerciais adotados na pesquisa, uma vez que os pescadores vivem da polivalência de atividades produtivas e relativa monovalência da atividade pesqueira. Articulado a essa noção conceitual, porém, na perspectiva ecológica, Begossi (2004) afirma que o território é um espaço que foi, ou está sendo apropriado por algum individuo, grupo ou comunidade sob formas de defesa ou regras de uso, ou sob os conflitos de uso. A territorialidade é uma forma de controlar espaços e recursos através de formas de defesa ou regras de uso. De acordo com Begon et al. (1996), citado por Begossi (2004), a territorialidade ocorre quando há interferência ativa entre indivíduos, quando uma área exclusiva, o território, é defendida contra intrusos por um padrão de comportamento reconhecido pelos outros indivíduos. Nesse sentido, a territorialidade tem mais conotação política porque estabelece condutas de comportamento, ou seja, mobilização política com relação à defesa do território. A autora esclarece que dominar um território ou se apropriar de um território, envolve custos, ou seja, a relação custo benefício na territorialidade, leva em conta a disponibilidade de recursos, a sua distribuição e a organização social das comunidades. A autora cita Stewart (1995) que estudou os índios Shoshoni na Califórnia, onde a escassez e a imprevisibilidade dos recursos elevaria muito o custo de manter territórios para a extração dos recursos. Dessa forma, O nomadismo e a ausência de territorialidade entre os Shoshoni são estratégias que respondem às peculiaridades ambientais dessa região da Califórnia, onde os recursos localizados em vales áridos, mostrassem-se limitados e esparços (BEGOSSI, 2004, p. 226). Esta realidade descrita pela autora não evidencia totalmente a realidade da área de estudo, porém ajuda-nos a pensar que a fase terrestre da várzea quando muito prolongada (a seca) pode provocar situações de escassez, principalmente pesqueiros, levando os usuários

137 137 dos recursos a partir para medidas compensatórias (PEREIRA, 2007), ou seja, se deslocarem de suas moradias para lugares com melhores possibilidades de acessos aos recursos. Por outro lado, caso não haja a situação de escassez, as regras de uso são as melhores práticas para se evitar a possível escassez no período da seca, ações denominadas como medidas preventivas (Capítulo I). Nesta condição, entendemos que os territórios de pesca dos pescadores das localidades pesquisadas são defendidos através de acordos informais de pesca. Os ambientes protegidos são aqueles, cujas formas de expressão territorial neles contidos são de atribuição simbólica e material (pertencimento e trabalho) de seus usuários que tendem a se defender de formas de expressão territorial (dos pescadores citadinos) que possivelmente degradem os recursos ictiofaunísticos destinados a subsistência de suas famílias. Um pescador comercial assim relata: [...] os acordos que negociamos aqui é prá proteger os nosso igarapé, o paraná do Anamã, se não o peixe se acaba de tanto pesca prá vendê e a gente fica sofrendo como nas vezes passadas aconteceu aí no Anamã na época da seca, que veio gente de fora com os motor de pesca e levou todo o peixe e estragou um bocado também. Teve até gente que levô suas famílias daqui pra Manacapuru porque ficô sofrido vivê com pouco peixe, só da roça não dá [...] (E.M.S. pescador comercial, Jaiteua de Cima, 2008). Simone Maldonado (1993), ao conviver com os pescadores do litoral de Pernambuco, percebe que a mestrança é a expressão do conhecimento e da territorialidade do pescador na defesa do ponto de pesca. A mestrança significa um cargo de honra e prestígio investido ao pescador, pois ao conduzir a embarcação e os embarcados na condição de proprietário ou contratado, pressupõe o conhecimento das regras de uso dos espaços marítimos, que a autora identifica como espaços indivisíveis a olho nu, porém divisíveis simbolicamente; e o conhecimento dos melhores pontos de pesca denominados como o caminho das pedras o local de concentração dos cardumes de peixes. A autora enfatiza que, [...] os territórios tanto podem corresponder a realidades geográficas concretas quanto à representação que frequentemente se estendem às relações sociais, na medida em que a territorialidade humana encompassa amplo leque de dimensões como status, identidade e prestígio, não raro podendo constituir-se em ordenações simbólicas em cujo bojo se dão relações de poder e dominação, eventos de linguagem e ideologia (MALDONADO, 1993, p. 35).

138 138 Nessa condição, a territorialidade se estabelece a partir de processos políticos definidos pelas redes de sociabilidade entre os agentes sociais e mecanismos sociais como as regras de uso, cujo objetivo é manter e defender o usufruto ou a posse dos espaços de interesse (MALDONADO, 1993). Através de sua concepção, é preciso que vejamos a territorialidade como uma dimensão do comportamento humano, que se orienta para apropriar-se do espaço e dividi-lo em territórios, fazendo deles recursos para o seu interesse. A noção de territorialidade que se articula com a proposta de Maldonado (1993) a qual utilizaremos, a seguir, para fazer alguns comentários acerca dos principais ambientes de pesca apropriados pelos pescadores das localidades Cajazeira, Jaiteua de Baixo e Jaiteua de Cima, parte da colaboração conceitual de Paul Little (2002). O autor destaca duas noções que dão suporte ao conceito de territorialidade: a noção de Cosmografia e Território. O autor afirma: A cosmografia de um grupo social considera seu regime de propriedade, os vínculos afetivos que mantem com seu território específico, a história se sua ocupação guardada na memória coletiva, o uso social que dá ao território e as formas de defesa dele (LITTLE, 2002, p. 4). A territorialidade implica uma conduta territorial, ou seja, [Refere-se ao] esforço coletivo de um grupo social ocupar, usar, controlar e se identificar com uma parcela específica de seu ambiente biofísico, convertendo-o assim em seu território [...] o território é um produto histórico de processos sociais e políticos (LITTLE, 2002, p. 3). 3.2 Territórios de pesca e as relações sociais estabelecidas Antes de identificar os ambientes de pesca dos pescadores das localidades em estudo, é importante enfatizar que estes agentes sociais atuam num campo social de relações objetivas sob as nuanças de conjunturas políticas, culturais e econômicas. Pierre Bourdieu, em A produção da crença: contribuição para uma economia dos bens simbólicos (2006), explica que o campo social envolve distintos grupos sociais, cujas manifestações expressam relações de reconhecimento, antagonismos e contradições. Nesse campo social, a trama das relações sociais é fundamentada numa rede de sociabilidade que expressa diferentes discursos, posições e estratégias diferenciadas nessa rede, caracterizando uma espécie de jogo de interesses, poder e prestígio entre os diversos agentes sociais em

139 139 disputa pelo reconhecimento constante ou revelador do seu discurso e do posicionamento social. Nesse sentido, a lógica ou racionalidade que opera no campo da economia dos bens simbólicos não segue a mesma lógica ou racionalidade que orienta as economias fundamentadas nas leis universais do mercado econômico. Embora esse conjunto de racionalidades influenciadas pela lógica da economia de mercado, e outras, fundamentadas na suposta denegação da economia, flutuem, ou melhor, constituem o campo da cultura, isso significa dizer que as relações sociais na pesca e a crença professada pelos diversos discursos em torno dessa prática, revelam que o sentido que orienta os distintos modos de organização da produção a pesca para autoconsumo ou a pesca exclusivamente comercial, bem como a delimitação e determinadas regras de uso de territórios de pesca, não seguem necessariamente (integralmente) as normativas do mercado comercial. Nestas circunstâncias, o campo social da pesca no lago Grande de Manacapuru se configura numa relação social de interesses comuns, divergentes e relativamente específicos envolvendo pescadores de subsistência, pescadores comerciais e pescadores citadinos ( pescadores de fora ). Manacapuru, O conceito de habitus é importante para pensar o campo social da pesca em [...] pois o habitus é uma noção mediadora que ajuda a romper com a dualidade de senso comum entre indivíduo e sociedade ao captar a interiorização da exterioridade e a exteriorização da interioridade, ou seja, o modo como a sociedade se torna depositada nas pessoas sob a forma de disposições duráveis (meios sociais passados), ou capacidades treinadas e propensões estruturadas para pensar, sentir e agir de modos determinados, que então as guiam nas suas respostas criativas aos constrangimentos e solicitações do seu meio social existente (ALMEIDA, 2005, p.126). Este conceito ajuda a pensar que os pescadores das localidades vivem a relação dialética com seu contexto social, externalizando valores de seu ethos (moral, identidade e história social) quando coagidos por condições sociais que não correspondem com a realidade que reivindicam. Segundo Diegues (2004), a pesca enquanto apropriação material e social de recursos renováveis e móveis coloca problemas relevantes para a análise da relação entre homem e natureza. Em relação aos ambientes de pesca utilizados pelos pescadores das localidades Cajazeira, Jaiteua de Baixo e Jaiteua de Cima, tivemos a preocupação de apresentar informações sobre as formas de uso dos lugares de pesca apontados pelos pescadores a partir da sazonalidade dos períodos hidrológicos, dos apetrechos direcionados para a finalidade da pesca consumo e comercialização e a relação estabelecida entre os agentes sociais.

140 140 Para falar sobre os ambientes de pesca e a expressão territorial que os pescadores fazem deles, discorremos sobre a apresentação de gráficos por localidade. Os ambientes de pesca apresentados nestes gráficos são identificados no quadro 8 através de seus nomes atribuídos pelo conhecimento dos pescadores, seguido de um número (numeral) para o ambiente para facilitar a identificação e os comentários. Os ambientes de pesca também foram identificados em duas figuras (43 e 44, imagens de satélite) representando, respectivamente, os períodos da cheia e seca do ciclo das águas com o objetivo de apresentar, além dos ambientes de pesca, o contraste aquático entre os dois períodos. O georreferenciamento dos ambientes de pesca teve por objetivo identificá-los e, ao mesmo tempo, perceber a dimensão espacial do lago Grande de Manacapuru e a dispersão dos médios, pequenos e microambientes em sua abrangência apropriados pelos pescadores das localidades Cajazeira, Jaiteua de Baixo e Jaiteua de Cima. Os ambientes identificados e numerados no quadro 8 são os mesmos identificados e numerados nas figuras 43 e 44 (são os mesmos nomes e numerações para os ambientes). A figura 43 (imagem de satélite) descreve cores predominantes de tom verde, azul e azul escuro em escala gradual de cores (este último com tonalidade preta). As tonalidades escuras indicam os ambientes aquáticos que são misturas de água mista (branca e escura) e pontos profundos (poços, paranás, lago etc.) e captados apenas pela tecnologia de satélite. Estes pontos profundos são ambientes mais visíveis no período da seca (Figura 44) indicando que são lugares de acúmulo ou concentração de corpos aquáticos (locais de conflitos de pesca); a redução da água expressa pela fase terrestre da várzea configura-se em escala de cinza. Os ambientes de pesca descritos nos gráficos por localidade correspondem aos pesqueiros mais mencionados pelos pescadores das localidades, não devendo vincular à análise dos ambientes, o uso exclusivo de qualquer território de pesca ao limite geográfico físico de uma localidade (dos assentamentos comunitários), pois existem regras de uso para tais ambientes, ou seja, o pescador da localidade Cajazeira menciona, por exemplo, o uso do lago do Jaiteua que fica próximo à localidade Jaiteua de Cima que não é de uso exclusivo dessa localidade. Esse fato também ocorre com outros ambientes de pesca. Alguns nomes de territórios de pesca não foram identificados nas figuras 43 e 44 e no quadro 8 pelo nome ou pelo georreferenciamento do ambiente por falha no registro da informação, porém são pesqueiros reconhecidos pelos pescadores como ambientes

141 141 importante para pesca; esse é o caso, por exemplo, do lago Grande e do lago São Lourenço entre outros microambientes não identificados. A seguir destaca-se a apresentação do quadro 8 relativo ao ordenamento dos ambientes de pesca e, posteriormente, apresentaremos os territórios de pesca por localidades. As duas imagens de satélite referentes aos territórios de pesca (georreferenciados) identificadas como figuras 43 e 44 estão em anexo para facilitar a leitura do texto e a consulta simultânea dos territórios de pesca nestas figuras (ler e ver as imagens simultaneamente). AMBIENTES DE PESCA UTILIZADOS PELOS PESCADORES DAS LOCALIDADES LAGOS São coleções de águas paradas se ligação direta com o mar, distribuídas como ilhas na terra (Schwoerbel, 1971 apud Junk, 1980). Os quais apresentam morfologias diferentes de acordo com três categoriais: localização do lago no terreno (podem estar situados tanto na várzea quanto na terra firme), origem/tipo de lago e quanto a forma (SOUZA, 2000). Na área de estudo ocorre lagos de várzea. Lago do Jaiteua [03] S 3 16' 32.7" e W 60 51' 27" Lago do Catoré S 3 17' 10.6" e W 60 53' 52" Lago do Chavascal Lago Grande Lago São Lourenço CANAL Os canais são caminhos aquáticos de conexão entre ilhas e entre igarapés e lagos (Pescadores das localidades pesquisadas, 2008). Canal do Tiago [01] S 3 15' 29.5" e W 60 52' 4.7" Canal Serra Lima (entre duas ilhas) [09] S 3 17' 14.8" e W 60 45' 55.1" Canal do peixe-boi (cruza com o igarapé Grande) [13] S 3 16' 49.2" e W 60 50' 40.6" Canal do Jauari Grande [14] S 3 16' 49.9" e W 60 50' 29.5" Canal que vai para o Castanho [22] S 3 17' 33.8" e W 60 53' 3.6" Canal do Cumaru [44] S 3 14' 56" e W 60 51' 26" PARANÁ Canais de navegação até os lagos, importante ambientes para migração/dispersão de peixes entre os lagos e rio (GARCEZ, 2000). Paraná do Jaiteua [02] S 3 15' 28.7 e W 60 51' 34.3 Paraná do Cedrinho [11] S 3 16' 36.6 e W 60 51' 15.6 Paraná da Fazenda (entram nas cabeceiras e se espalham) S 3 16' 44.4 e W 60 50' 9 [15] Paraná do Tauari (1) [17] S 3 15' 39.5" e W ' 14.9"

142 142 Paraná do Tauari (2) [43] S 3 15' 16" e W 60 51' 35" Paraná do Catoré [24] S 3 17' 23.8" e W 60 54' 3.2" Paraná do Seringa [25] S 3 16' 53.6" e W 60 53' 34.3" Paraná do Anamã [42] S 3 15' 24.8" e W 60 51' 30.2" Paraná do Jaiteua [50] S 3 16' 2" e W 60 43' 59" BOCA A boca é o lugar de entrada ou início de um lago, furo ou igarapé (Pescadores das localidades pesquisadas, 2008). Boca do Lago do Jaiteua [41] S 3 17' 3" e W 60 51' 15.3" Boca do Furo do Tigre [38] S 3 15' 10" e W 60 44' 54" Boca do igarapé da Cajazeira [40] S 3 14' 26" e W 60 45' 55" Boca do Lago do Jaiteua [41] S 3 17' 3" e W 60 51' 15.3" FURO O furo é um caminho aquático de conexão entre lagos, entre lagos e igarapés e entre igarapés. Furo do Acari entrada [33] S 3 16' 7" e W 60 45' 25.9" Furo do Acari saída [34] S 3 15' 28.88" e W 60 46' 52.61" Furo do Tigre [29] S 3º 14' 48.3'' e W 60 44' 8.2'' Furo do Bode [53] S 3 15' 9" e W 60 43' 36" Furo do Cumaru [54] S 3 15' 6" e W 60 43' 58" POÇOS Lugares profundos situados em um canal ou paraná (Pescadores das localidades Cajazeira, Jaiteua de Baixo e Jaiteua de Cima, 2008). Poço do Muruca [04] S 3 17' 14.1"e W 60 51' 53" Poço do Barro Vermelho [18] S 3 17' 2.5" e W 60 51' 21.2" Poço do Chatu [20] S 3 17' 6.1" e W 60 51' 31.3" Poço Pescoço do Veado (entrada de peixe nos canais) S 3 17' 24" e W 60 52' 08.6" [21] IGARAPÉ São corpos de água de pequeno porte, caracterizados pelo leito bem definido, correnteza relativamente acentuada, os cursos médios e superior são totalmente encobertos pelo dossel da floresta de terra-firme e o leito é entulhado de troncos caídos (Lowe-McConnel, 1999). Segundo Junk (1983) as altas taxas de precipitações (chuvas) contribuem para que exista um rede muito densa de igarapés que transportam a descarga superficial das chuvas. O autor esclarece que a maioria dos peixes come os alimentos não provenientes do próprio igarapé, mas sim, da floresta ao longo do seu leito, tais como insetos terrestres, frutos, sementes, polém etc. Igarapé do Peraço (vai p/ o paraná do Anamã) [10] S " e W " Igarapé do Zé Leite [12] S 3 16' 48.5" e W 60 50' 47.6" Igarapé Grande [16] S 3 15' 20.9 e W 60 50' 44.6 Igarapé do Seringa [26] S 3 16' 26.5" e W 60 52' 33" Igarapé Água Branca (cabeceira) [28] S 3 15' 10.9" e W 60 51' 49.1" Igarapé do Acari [32] S 3 15' 4.1'' e W 60 46' 16.4''

143 143 Igarapé da Canarana [35] S 3 15' 32.7'' e W 60 47' 12.1'' Igarapé sem nome (Atrás da casa do Sr. Abdias) [36] S 3 15' 53" e W 60 45' 1" Igarapé do Tigre [37] S 3 15' 38" e W 60 44' 56" Igarapé da Cajazeira [56] S 3 14' 25.78" e W 60 46' 11.38" Quadro 8 Ambientes de pesca. Adaptado de Samantha A. Pereira (2005). Fonte: Dados de campo, 2007/ Cajazeira Os pescadores da localidade Cajazeira utilizam ambientes próximos (internos), nos arredores (nas imediações) e distantes de suas moradias. O lago do Jaiteua [03], a Mãe do Rio (paraná do Jaiteua) [48], o lago Grande 19 e o paraná do Anamã [42], considerados ambientes distantes, são apropriados em todas as fases do período hidrológico pelos pescadores dessa localidade. Estes ambientes apresentam fartura de peixe, fato que motiva o interesse dos pescadores comerciais da localidade. Porém alguns desses ambientes são utilizados com restrições principalmente no período da seca para a pesca comercial. A pesca realizada pelos pescadores de subsistência indica que eles utilizam alguns ambientes internos que perpassam pelas comunidades Nossa Senhora do Perpétuo Socorro e Nossa Senhora Aparecida (Cajazeira), destacando-se o uso dos ambientes (principais) igarapé da Cajazeira [46] e boca do igarapé da Cajazeira [40]. Os pescadores também se apropriam de pontos de pesca situados nas imediações da localidade, com destaque para os ambientes: furo do Acari [33], igarapé do Acarí [32], igarapé do Marinho, igarapé do Jacó e Ilha Redonda (Gráfico 9 e Figura 43 e 44). 19 Há pontos de pesca no lago Grande de Manacapuru (não referenciados, estando no domínio aquático da cor azul no mapa da cheia, porém visíveis na época da seca, mas não georreferenciados por problemas de trabalho de campo tempo, logística de campo e condições ambientais, que os pescadores das localidades, neste caso particular, em Cajazeira, consideram distantes. Os pescadores não identificam por nomes, mas sim, por pontos de pesca no lago Grande, e apenas isso. Ao se referirem ao lago Grande como descrito no gráfico significa que não é o lago do Jaiteua, não é o lago São Lourenço, mas sim, pontos de pesca distribuídos que reconhecem e identificam como compondo apenas o lago Grande, e este ambiente incluindo os lagos do Jaiteua e lago São Lourenço compondo o lago Grande de Manacapuru como descrito no capitulo I.

144 144 RSD Piranha Ilha redonda Igarapé do Marinho Igarapé do Jacó Lago Grande Igarapé da Canarana [35] Boca do Igarapé do Tigre [38] Furo do Acari [33 / 34] Igarapé do Acari [32] Boca do Igarapé da Cajazeira [40] Mãe do Rio (Paraná do Jaeteua) [48] Paraná do Anamã [42] Lago do Jaiteua [03] Igarapé da Cajazeira [46] 0,0 20,0 40,0 60,0 80,0 100,0 120,0 Gráfico 9 Territórios de pesca: Cajazeira. Fonte: Dados de campo (2007/8). Enchente Cheia Vazante Seca A pesca realizada nos ambientes internos da localidade (40, 46 e outros) é exclusivamente para o consumo das famílias dos pescadores em associação com a polivalência de outras atividades rentáveis como a agricultura, o extrativismo e a criação de animais que foram apresentadas no capítulo II. Os pontos de pesca situados nas imediações das localidades (32, 33 e outros) são apropriados tanto para o consumo quanto para a comercialização e partilhados pelos pescadores de subsistência que vendem o pescado mais no período da enchente, e pelos pescadores comerciais que vivem mais da renda do pescado durante o ano. Os ambientes de pesca internos (40, 46) utilizados exclusivamente para a pesca de subsistência são apropriados com intensidade durante o ano, porém com a redução do nível da água no período da seca, os pescadores de subsistência tendem a se apropriar de ambientes mais distantes tais como o lago do Jaiteua [03], a Mãe do Rio ( paraná do Jaiteua) [48], o paraná do Anamã [42] e o lago Grande para suprir as necessidades básicas da família com a proteína do peixe e destinar uma parte do pescado capturado para a venda completando o orçamento material e financeiro das famílias. O pescador de subsistência relata:

145 145 [...] quando lá mesmo no Acari [igarapé] começa a secá, aqui na Cajazeira a gente percebe que o nosso igarapé começa a secá também. Então a gente passa lá pro Anamã, pro lago do Jaiteua, pra Mãe do Rio, a gente vai pra outros lugares também né, porque esses lugares sempre tem peixe. Eu aproveito e pego o peixe pra vendê também, o que eu não vendo, trago pra casa prá prepará prá comê no nosso roçado quando tivé trabalhando. [...] Mas é muito cansativo porque a gente tem que andá muito a pé. É de rabeta, canoa mesmo, e de pé, pegando os varadouros que você viu hoje até chegá nesses lugá. Se não for assim não tem peixe (V.S., pescador comercial, Cajazeira, 2008). A pesca realizada nos ambientes internos e nos ambientes considerados distantes não está isenta de regras de uso. Em Cajazeira, os pescadores de subsistência e os pescadores comerciais locais estabeleceram um acordo de pesca informal, que garante, como prioridade, o uso dos ambientes internos apenas para o consumo dos moradores da localidade. Ao se deslocarem para o paraná do Anamã [42] e para o lago do Jaiteua [3], seja para subsistência ou para a comercialização, estão sujeitos ao acordo informal de pesca estipulados pelos pescadores da localidade Jaiteua de Cima, que adotaram-no para controlar o uso coletivo desses ambientes. Estes agentes sociais exercem a territorialidade (LITTLE, 2002) com eficiência de modo a coibir a pesca comercial no período da seca, principalmente no paraná do Anamã [42], pois este reúne consideráveis estoques de peixes nessa época. A pesca realizada nas imediações da localidade Cajazeira pelos pescadores comerciais locais está sujeita às restrições de uso negociadas e maleáveis. Os pontos de pesca são compartilhados com os pescadores comerciais da localidade Jaiteua de Baixo, que estabelecem regras de uso apenas para os lanços 20 que fazem (produzem) na época da seca. Esta regra é uma recíproca que os pescadores da localidade Cajazeira se valem quando fazem seus lanços nesses mesmos ambientes, que são menos numerosos em relação aos produzidos pelos pescadores de Jaiteua de Baixo. O uso desses ambientes pelos pescadores citadinos (pescadores de fora) ocorre na época mais produtiva, encontrando certa cumplicidade com os pescadores comerciais de Jaiteua de Baixo, porém sendo constantemente vigiados para não excederem na exploração dos lanços. Diegues (1983) e Furtado (1993) já haviam percebido esta cumplicidade entre os pescadores-lavradores (pescadores comerciais locais) e os pescadores citadinos (pescador comercial e embarcado) a respeito da convergência de interesses pelos pontos de pesca. Estes interesses geralmente articulados pelos donos dos motores de pesca ou pelos 20 Esses lanços que os pescadores se referem são feitos em ambientes de floresta inundada (igarapés, igapós e chavascais) chamados também de lanços de ambientes fechados.

146 146 pescadores citadinos se ramificam numa ampla rede de prestações de serviços, cuja finalidade são as melhores condições de captura, venda e compra do pescado. O apoio logístico desses agentes sociais baseado em empréstimos do tipo esforço de pesca (equipamentos e apetrechos de pesca) são meios pelos quais os pescadores comerciais da localidade se sentem estimulados ao trabalho. Porém os autores apontam a ruptura desta cumplicidade na medida em que os pescadores citadinos se interessam por outros pontos de pesca ofertando as mesmas condições de cumplicidade a outros pescadores. Um pescador da localidade Cajazeira explica: [...] a gente aqui não costume fazê lanço igual o pessoal do Jaiteua, a gente faz dois, três lanços lá pro Acari, pra garanti, pra ganha alguma coisa né, quando tá bom de vendê, só prá comê não compensa muito, que dá trabalho pra fazê. Mas aqui dentro mesmo não, a gente pesca aqui no nosso igarapé. Lá eles fazem muito lanço porque pesca prá vendê. [...] Quando a gente faz um lanço, a gente faz porque precisa, e como tudo mundo precisa pescá a gente não pode dizê: não você não pode pescá, mas o pessoal tem que respeitá quando o outro tivé pescando. Se a gente vê alguém no lanço a gente passa direto, mas quando não tem nenhum que tudo mundo tá usando eu falo: o fulano posso pescá? Mas isso já é ruim, porque se ele tivé lá, só dá prá pescá depois, porque só é bom numas parte do dia. O pessoal lá do Jaiteua pesca prá vendê, mas às vezes trabalha pros donos do motô. O lanço que eles fazem é pra eles, mas o pessoal de fora também usa prá pescá de caixinha. Não é sempre que eles fazem isso. É quando vale a pena mesmo. Mas quem sai ganhando é só os donos que pagam pouco [...] (L. S., pescador comercial, Jaiteua de Cima, 2008). A Reserva de Desenvolvimento Piranha 21 (no gráfico, RDS Piranha) é o destino de alguns pescadores comerciais da localidade Cajazeira. A reserva está distante de Cajazeira, porém sua territorialidade legal e abrangente faz limites com o lago Grande de Manacapuru, próximo à localidade Jaiteua de Cima. A RDS Piranha é um complexo de ambientes 21 As Unidades de Conservação (UC) integrantes do Sistema Nacional de Unidade de Conservação (SNUC) dividem-se em dois grupos com características específicas, as Unidades de Proteção Integral e as de Uso Sustentável. O objetivo das de Uso Sustentável é compatibilizar a preservação da natureza e o uso sustentável de parcela dos recursos naturais. Neste grupo estão inseridas as seguintes categorias: Área de Proteção Ambiental (APA), Área de Relevante Interesse Ecológico, Floresta Nacional (FLONA), Reservas Extrativistas (RESEX), Reserva da Fauna, Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS) e a Reserva Particular do Patrimônio Nacional (RPPN) (Constituição Federal, Lei n 9.985/ MMA / Ministério do Meio Ambiente). Por conta de estudos realizados por consultores e técnicos do IBAMA-AM, a Prefeitura Municipal de Manacapuru implantou em 1997 (LEI n 009/97) a primeira RDS municipal do país, denominada Reserva de Desenvolvimento Sustentável Piranha (MESQUITA, 2000). A RDS Piranha foi criada com objetivo de proteger o ecossistema de várzea, promover o desenvolvimento e melhorar a qualidade de vida das comunidades locais.

147 147 aquáticos (lagos e microambientes) que oferece boas condições para pesca comercial durante o ano. Os pescadores afirmam utilizarem o lago do Piranha (um dos vários ambientes da RDS) principalmente na enchente e cheia do ciclo das águas, porque a venda do pescado nesses períodos é mais rentável e a disponibilidade de espécies é variada. O pescado capturado é encaminhado e vendido diretamente na Balsinha do Pescador em Manacapuru. O uso da RDS Piranha pelos pescadores implica um acordo com os moradores de dentro da Reserva. Isso é uma situação de risco, porque sabem que pescar dentro da RDS é proibido, e que seus apetrechos de pesca podem ser apreendidos pelos ficais do IBAMA 22 e eles notificados por crime ambiental: nós sabemos que pescá na RDS é errado, o pessoal do IBAMA se pegá a gente leva tudo (Pescador comercial, localidade Cajazeira, 2008). O território da RDS Piranha legalmente delimitado gera conflitos para os pescadores da Cajazeira no campo simbólico, pois alegam que a RDS era extensão de sua territorialidade, uma vez que se reuniam com os moradores para dialogar e agir em defesa do local, sendo favoráveis às regras de uso para evitar a pesca comercial predatória. Porém o contexto atual da RDS Piranha faz os pescadores da localidade refletirem sobre a situação que vivem, pois é proibida a pesca no interior da Reserva pelos pescadores de fora : eles próprios. Nesta condição, foi possível identificar algumas variáveis que perpassam a mente dos pescadores: 1) alguns pescadores acham viável utilizar a Reserva devido à facilidade de captura, porém entendem que pagar para se ter acesso não é correto porque a utilizam para a pesca comercial tendo em vista o sustento de suas famílias; 2) outros pescadores se sentem constrangidos por não poderem pescar dentro da RDS, porque é proibido, prática que faziam antes de sua institucionalização e por não terem sido consultados antes de sua criação; 3) depois que se instituiu a RDS os pescadores citadinos que já utilizavam os ambientes de pesca das localidades pesquisadas, passaram a utilizá-los com maior frequência, aumentando o número de pescadores e a pressão sobre os estoques pesqueiros. O pescador comercial da localidade Cajazeira explica: [...] o povo de lá da área não gosta muito desse negócio de reserva, cada morador de lá ganha um salário pra não mexer em nada, o pessoal disse que a derrota deles foi assinar, concordar pra ser reserva, o amigo nosso disse que ganhava numa viagem que dava com as caixinhas pra Manacapuru. Agora passa um mês pra ganha um salário, prá não pescá. Mas o pessoal lá, todos eles pescam assim mesmo, podem tirar duas caixinhas que tem direito, e a gente que pescava lá dá um jeito de pescá 22 Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis.

148 148 também. Eu acho que a reserva foi a nossa derrota também, antes de ser reserva era melhor, agora a população aumentô, aumentô o pescadô no nosso lugá de pesca, tem mais gente agora (O.C.S., pescador comercial, Cajazeira, 2007). Contudo, diante destas circunstâncias históricas, há opiniões divergentes acerca da institucionalização da RDS Piranha, que são relatadas pelos próprios pescadores de Cajazeira: [...] A reserva que tudo mundo fala e acha ruim, eu acho que ela ajuda pra mantê os peixes existindo. O pessoal reclama muito porque não pode entrá a vontade pra pescá, eu também acho ruim, mas se não fosse assim o pessoal de fora já tinha acabado com tudo como fizeram um tempo aí no Anamã [paraná]. Mas seria bom se tivesse uma maneira da gente pode pescá lá sem sê escondido. Isso ajuda muito a gente aqui que precisa pescá porque a gente vive da pesca mesmo (A. S., pescador de subsistência, Cajazeira, 2008). Ao se pensar o uso dos ambientes de pesca é importante relacioná-los ao uso dos esforços de pesca aplicados. Neste sentido, os pescadores da localidade Cajazeira utilizam diversos apetrechos de pesca. Os apetrechos de pesca apresentados no capítulo II são os equipamentos utilizados nos ambientes descritos no gráfico 9 acima. A relevância destes apetrechos diz respeito à natureza própria de como são produzidos esses equipamentos de pesca, à capacidade criativa do pescador e aos recursos naturais de que dispõem para a confecção (NERY, 1995). Geralmente a pesca é praticada de forma artesanal como demonstramos no capítulo II o lanço no igapó da Terra Preta, com instrumentos simples e individuais e, de preferência, nas proximidades e imediações das residências. Porém o uso é evidente nos igarapés, nos paranás, nos furos e nos igapós. Conforme os pescadores da localidade, os apetrechos de pesca apresentam, atualmente, grande plasticidade de uso. Ou seja, a dificuldade de capturar o pescado por fatores associados à competitividade entre os pescadores, ao pouco dinheiro para a compra dos apetrechos e à escassez de determinadas espécies, tem forçado a adaptação do uso de determinados apetrechos em ambientes cuja aplicação era menos regular. O uso da malhadeira no igapó é um exemplo, pois não era comum seu uso neste ambiente, apenas nos furos, nos paranás e nos lagos onde continuam sendo utilizados.

149 149 A tramalha 23, por outro lado, tem substituído relativamente a malhadeira através da criatividade dos pescadores que, utilizando a técnica das emendas dos panos de malha, dão origem a novas malhadeiras e pequenas e médias redes de pesca. Leme & Begossi (2004) detectaram esses arranjos nas pescarias realizadas pelas comunidades do rio Negro, associando esse fato à baixa rentabilidade do pescador e ao processo do aumento monovalente desta atividade em relação às demais culturas: agricultura e extrativismo florestal. A compra desses apetrechos apenas faz sentido para as comunidades se a relação custo-benefício atende às expectativas positivas das famílias. Caso contrário, sua aquisição, sendo inviável, conduz o pescador a apostar em novas experiências criativas, porém necessárias a seu ofício de pescador. Os apetrechos de pesca mais mencionados pelos pescadores da localidade foram: o caniço, a tramalha, a malhadeira, a tarrafa e a azagaia. Em seguida, tivemos os apetrechos menos mencionados, com destaque para: o arco e flecha, a linha e anzol, o arpão e a rede. O uso de diferentes tecnologias de pesca varia de acordo com os hábitos alimentares e os padrões de mobilidade das espécies (BEGOSSI, 2004). Os apetrechos de pesca utilizados pelos pescadores de Cajazeira são aplicados conforme a mudança do ciclo das águas. Os apetrechos mais seletivos geralmente são utilizados nos igapós 24 e nos igarapés nos períodos da enchente e cheia para captura de espécies de comportamento individual tais como o tambaqui (Colossoma macropomum), o roelo (tambaqui filhote) (Colossoma macropomum) e o tucunaré (Cichla monoculus). A azagaia, por exemplo, é um apetrecho extremamente seletivo utilizado para captura de peixes de hábito noturno como, o tucunaré (Cichla monoculus), o aruanã (Osteoglossum bicirrhosum) e o acará-açu (Astronotus ocellatus). O uso desses apetrechos é direcionado para a pesca comercial. O uso do caniço foi observado no igapó em algumas ocasiões para a pesca de consumo, isso depois de preparada (distendida) a tramalha no lanço. Porém seu uso foi frequentemente observado juntamente com a linha de mão para pesca de consumo próximo às residências dos pescadores. A tramalha é utilizada tanto para pesca de subsistência quanto para pesca comercial com mais frequência nos períodos da enchente e cheia nos igarapés e nos igapós. Na seca, 23 Tramalha: pequena rede de pesca produzida a partir da linha de plástico. A malha é o tecido de plástico, confeccionado, cujo tamanho é variado, mais conhecido como pano. Diversos panos emendados ou apenas um pano dá origem à tramalha. Seu custo é relativamente baixo no mercado em relação à malhadeira que é confeccionada a partir da linha de Nylon, considerada mais cara. 24 A Riqueza biológica desses ambientes de pesca foi descrita no capítulo I e II.

150 Caniço Tramalha Malhadeira Tarrafa Zagaia Arco e Flecha Linha e Anzol Anzol Arpão Arrastadeira ou Rede Caçoeira 150 ela é utilizada em substituição da malhadeira em ambientes mais rasos. A malhadeira é utilizada mais para pesca comercial nos furos, nos paranás e nos lagos em todas as fases do período hidrológico. A tarrafa é utilizada com mais frequência no período seca, em ambientes onde a concentração de peixe é maior. O arco e flecha e o arpão são utilizados nos igapós e nos igarapés, de modo combinado, em ocasiões da pesca comercial. A rede de pesca é utilizada pelos pescadores comerciais, porém devido ao alto custo para sua aquisição os pescadores tem optado pelas redes feitas de emendas de malhas. O uso é frequente nos paranás, nos furos e nos lagos (Gráfico 10). Cajazeiras 25,0 % 20,0 15,0 10,0 5,0 - Gráfico 10 Apetrechos de pesca. Fonte: Dados de campo (2007/8). Os moradores da localidade Cajazeira denunciam os problemas ambientais que verificam em seu cotidiano, como a pesca comercial realizada em alguns pontos às margens do lago São Lourenço, considerada predatória. A técnica de pesca denominada lanço de áreas abertas 25 praticada às margens desse lago (apresentado no capítulo II) é criticada pelo impacto que causa ao ambiente, pois atua na captura de grandes quantidades de pescado selecionando aquelas espécies de mais interesse comercial. Os peixes menores (incluindo de menor valor comercial) e outras espécies, como os botos e os bichos de casco (tartarugas ou 25 Este lanço de pesca realizado em área abertas como nas margens dos lagos ou paranás, é diferente dos lanços de áreas fechadas ou mata inundada (igapós ou igarapés). As duas práticas foram descritas no capítulo II.

151 151 tracajás) são aproveitados dependendo da demanda e tamanho. Caso contrário, as espécies são descartadas nos próprios lagos, fato que implica a poluição e a escassez dos recursos pesqueiros. Esta prática de pesca ocorre com frequência no período da enchente coadunando-se com a migração de cardumes de diversas espécies. Os pescadores de fora ou pescadores citadinos são os agentes sociais que atuam nesta atividade, atendendo às demandas dos donos dos motores de pesca provenientes, principalmente, do município de Manacapuru e Manaus. O esforço de pesca, sem dúvida, é superior aos dos pescadores da localidade Cajazeira, que se sentem prejudicados diante da desigualdade material e econômica. Para a defesa dos lagos, os pescadores da localidade têm denunciado estas práticas ao IBAMA e à Prefeitura de Manacapuru conseguindo respostas positivas, pois a fiscalização destas instituições tem atuado para coibir estas práticas de pesca fazendo a apreensão dos barcos e equipamentos de pesca dos pescadores de fora 26. Porém há situações que as fiscalizações não ocorrem por problemas institucionais de logística e infraestrutura, fato que deixa as localidades a mercê da atuação desses pescadores. A criação de gado é uma atividade que tem causado transtornos aos moradores da localidade. Isso porque as áreas situadas às margens do igarapé da Cajazeira têm sido desmatadas para servirem de pastagem para os animais. Esta prática implica dois fatores prejudiciais aos moradores: o desmatamento causa a redução das matas ciliares e, como consequência, a redução dos fatores biológicos que permitem a permanência das espécies no igarapé alimentos, abrigo da luz e condições de reprodução das espécies. O segundo fator é o deslocamento dos peixes para lugares mais distantes, forçando os pescadores a se dirigirem para ambientes já explorados por eles e por outros atores sociais, sobretudo nos ambientes cujas regras de uso são mais eficientes como, no paraná do Anamã e no lago do Jaiteua no período da seca. Isso causa pressão sobre os estoques pesqueiros desencadeando conflitos entre os pescadores (Figura 42). 26 Este tipo de pratica deve ser melhor investigada para compreender as relações sociais que se estabelecem nesse circuito envolvendo camponeses amazônicos, que moram em comunidade vizinhas não pertencentes às localidades pesquisadas e novos proprietários de terra que não moram nas localidades e nem nas comunidades vizinhas.

152 152 Figura 42 Pontos de desmatamento às margens do igarapé da Cajazeira. Fonte: Dados de campo (2007/8). A criação de gado tem forçado algumas famílias da localidade a deixarem de praticar a polivalência das atividades. No campo, observamos a realidade dos moradores, ao identificarmos o desmatamento de áreas produtivas destinadas à agricultura e ao extrativo. Isso tem forçado as famílias, como alternativa a curto prazo, a praticar a monovalência da atividade pesqueira, pois a rentabilidade nesta atividade é mais imediata, exigindo apenas o conhecimento do pescador e um pequeno esforço de pesca (apetrechos, canoa e caixas de gelo) para as capturas. Essa dinâmica da expropriação do ribeirinho da várzea foi problematizada por Furtado (1993) e Begossi (2004), apontando que a qualidade de vida dos pescadores da várzea tende a reduzir devido ao abandono das práticas de agricultura e extrativismo em substituição à pesca comercial. Esta dinâmica sugere a perda gradual da autonomia simples de produção de alimentos, do conhecimento das práticas do manejo e, como consequência, a redução da diversidade biológica produzida pelo manejo. [...] O gado que esse pessoal de fora cria aqui tem prejudicado nóis bastante. Cê viu dá ultima vez que você veio aqui. Tudo isso que você tá vendo não tava assim, foi derrubado esses dias, daqui do nosso terreno até o terreno do meu compadre aqui. A gente junta nossas terras pra fazê tudo, prá pegá açaí, prá pegá cupuaçu, prá plantá. Ele usa a minha parte e uso a dele. E agora, o que a gente vai fazê? Morá em Manacapuru...? prá fazer o quê?, trabalhá de ajudante de pedrero ou pescá pros patrão dos motô. Nos vamos acioná o IBAMA pra vê o que a gente consegue fazê aqui [...] pesca mais vai sê o que a gente vai fazê um pouco mais prá ganhá alguma coisa, né (O.L.L., pescador de subsistência, Cajazeira, 2008).

153 153 Os moradores da localidade Cajazeira alegam que a criação de gado é responsabilidade de dois atores sociais: é praticada por pessoas de dentro da localidade que passaram a valorizar a criação de gado e, por isso, necessitam de maiores espaços de terra para pastagem dos animais; e por pessoas de fora que convivem na localidade apenas em períodos favoráveis do ciclo das águas enchente e cheia. Nos últimos três anos, estes atores sociais que não moravam na localidade têm negociado o uso de grandes áreas destinadas à criação de gado. Pereira (2007) menciona que criadores de gado vêm praticando a distribuição do gado em áreas de várzea através da prática da meia. Nesta parceria, os investimentos e os riscos da produção do gado são divididos proporcionalmente entre as partes. O autor explica: Durante o verão, o fazendeiro retira o rebanho das pastagens da terra firme dividindo-o em pequenos lotes para serem entregue a vários pequenos produtores da várzea. O meeiro é subsidiado pelo criador [fazendeiro] nos gastos com o trabalho de manutenção da pastagem e pastoreio do gado. Ao final da engorda, o gado é recolhido e o pagamento ao meeiro pelo trabalho de cuidar dos animais é feito em espécie (Pereira, 2007, p. 19). Para os moradores, a área da localidade Cajazeira é considerada de terra firme, ideal para pastagem dos animais. Porém o morador da localidade faz a seguinte indagação sobre o assunto: [...] Esse pessoal de fora que tem muito gado aqui, quando começa a diminui a água eles mandam os gado pras bandas do Jaiteua, nos beiradão do paraná do Jaiteua, esses lugares é melhó prá cuidá quando tá seco (O.L.L., pescador de subsistência, Cajazeira, 2008). Apresentado os principais territórios de pesca utilizados pelos pescadores da localidade Cajazeira, os motivos de determinadas regras de uso aplicadas a esses ambientes e os problemas ambientais que vivem, discorremos a seguir sobre os ambientes de pesca da localidade Jaiteua de Cima.

154 Jaiteua de Cima Os pescadores da localidade Jaiteua de Cima se apropriam de ambientes internos e ambientes situados nas imediações de suas moradias, com exceção da RDS Piranha considerado um ambiente distante no ponto de vista dos pescadores. O paraná do Anamã [42], o lago Grande, o lago do Jaiteua [03], o paraná do Cedrinho [11] e o lago do Mutum são ambientes frequentados pelos pescadores durante todo o ciclo hidrológico, seja para pesca de subsistência ou comercialização. Os ambientes considerados internos como, o igarapé do Peraço [10], o canal do Cumaru [44], o igarapé Grande [16], o paraná do Tauari [17] e o canal do Tiago [1] são frequentados durante o ano e destinados exclusivamente para pesca de consumo dos moradores da localidade. Porém a frequência das práticas de pesca nestes ambientes é reduzida no período da seca devido a diminuição drástica do nível da água associada à pouquíssima quantidade de pescado (Gráfico 11). RSD Piranha Igarapé do Peraço [10] Canal do Cumaru [44] Lago do Mutum Lago Grande Igarapé Grande [16] Canal do Tiago [01] Paraná do Cedrinho [11] Paraná do Tauari [17] Paraná do Anamã [42] Lago do Jaiteua [03] 0,0 20,0 40,0 60,0 80,0 100,0 120,0 Enchente Cheia Vazante Seca Gráfico 11 Territórios de pesca. Fonte: Dados de campo (2007/8). As regras de uso direcionadas para os ambientes internos da localidade é para coibir a prática comercial, sem exceção para qualquer período do ano, ou seja, são ambientes exclusivos para a subsistência das famílias. O líder comunitário Sr. Raimundo, mais conhecido como Seu Velhote esclarece:

155 155 [...] o acordo que a gente batalhô aqui no Jaiteua é prá proibi a pesca pra vendê mesmo aqui dentro de nossas comunidades. Nós temos que preservar nossos igarapés aqui dentro. Se a gente não fizé isso nossa família vai sofrer porque não tem muito peixe como o pessoal pensa. Hoje tá muito concorrido prá pescá, todo mundo qué vendê, por isso de quatro anos pra cá a gente tem feito isso (R.M.C., pescador de subsistência e líder comunitário, Jaiteua de Cima, 2008).. O paraná do Anamã [42] e o lago do Jaiteua [03] são os pesqueiro que se destacam entre os demais ambientes porque são dos poucos lugares do lago Grande de Manacapuru que oferecem condições ideais para pesca durante o período da seca (Figura 44). Os demais ambientes, inclusive os lagos têm seus espelhos de água muito reduzidos, fato natural que provoca a migração dos peixes para ambientes como o paraná do Anamã. Neste pesqueiro, há ocorrência de poços ou fossos profundos que são conhecidos popularmente pelos nomes de poço do Barro Vermelho [18], poço do Chatu [20] e poço do Pescoço do Veado [21]. De acordo com os pescadores, estes ambientes localizados na extensão do paraná do Anamã atingem a profundidade aproximada de quase cinqüenta metros durante o período da cheia, permanecendo profundos na seca. Durante a seca, os poços são destinos de grande parte dos peixes que instintivamente se deslocam dos igarapés e de outros ambientes aquáticos em busca de alimentação, reprodução e abrigo. O Sr. Lázaro, pescador comercial explica: [...] O paraná do Anamã é um lugar bom de pescá, tem muito peixe pra nós todo tempo. Tem muito poço também... é lá que os peixes ficam quanto tá seco, quando eles vem de outros lugares eles ficam porque tem comida e não é baixo de água como fica nos lagotes por aí [...] o Anamã é assim, tem muito poço por isso que o pessoal gosta de pescá lá (L. S., pescador comercial, Jaiteua de Cima, 2007). Para efeitos comparativos, o estudo realizado por Fabré (2007) na unidade Sistemas Abertos Cururu em Manacapuru (AM) indica que o Poço do lago Cururu é uma espécie de celeiro ou micro-hábitat com alta disponibilidade de peixes para os grupos sociais locais. A autora relata que o poço é a área mais profunda do lago e na época da seca serve de refúgio para os peixes sedentários. A característica ecossistêmica que qualifica o poço Cururu como celeiro de alimentos para os grupos sociais, por outro lado, é reavaliado por Fabré (2007) como local de conflitos de pescadores. A autora explica:

156 156 Observa-se a convergência de todos os grupos sociais do sistema [Cururu] ao celeiro de uso comum denominado poço, fato que o configura como centro de conflito socioambiental. Esses conflitos se caracterizam como embates entre os grupos sociais derivados dos distintos modos de inter-relacionamentos com seu meio social e natural, onde os grupos sociais têm sua forma de adaptação, ideologias e modo de vida que entram em choque com outros grupos sociais, dando a dimensão social e cultural ao conflito. Os conflitos sociais identificados pela autora no uso do poço Cururu foram similares aos conflitos ocorridos no paraná do Anamã [42], porém envolvendo pescadores de fora da localidade. A pesca realizada no paraná do Anamã [42] e no lago do Jaiteua [03] está sujeita aos acordos informais de pesca articulados pelos pescadores de subsistência e pescadores comerciais locais de Jaiteua de Cima. Os acordos de pesca foram firmados para o controle da pesca comercial realizada neste ambientes principalmente no período da seca. O alvo desses acordos tem sido direcionado com mais rigidez para os pescadores de fora, pois os pescadores de subsistência relataram que os pescadores de fora entraram no paraná do Anamã e no lago do Jaiteua, e com as equipes de pesca retiraram grandes quantidades de pescado. Os pescadores das localidades Cajazeira e Jaiteua de Baixo como descrito anteriormente se ajustaram a esses acordos de pesca porque entendem que esses ambientes devem ser preservados da pesca predatória. Eles reconhecem as iniciativas e legitimam os acordos de pesca porque dependem das pescarias realizadas nesses ambientes principalmente no período da seca, tendo em vista que os pesqueiros próximos às suas residências secam quase totalmente, e, para aqueles que vivem primordialmente da renda da pesca 27 o paraná do Anamã, torna-se um dos poucos ambientes viáveis a pesca neste período. Os laços de solidariedade (amizade, vizinhança e parentesco), o sentimento de segurança entre os pescadores das localidades e o respeito às regras de uso reforçam o acordo de pesca, contribuindo para minimizar as tensões inerentes ao controle social direcionado para o uso desses recursos pesqueiros. 27 Embora o acordo informal de pesca proibe a pesca comercial no Paraná do Anamã no período das águas baixas (vazante/seca), esta regra é direcionada mais para os pescadores de fora. Porém ocorre a negociação com os pescadores das localidades pesquisadas para a retirada controlada do pescado com destino comercial: uma caixa de isopor de 120 a 170 litros em média (duas vezes por semana) é a quantidade convencionada entre os pescadores da localidade Jaiteua de Cima. Esta regra é tanto para os pescadores comerciais como para os pescadores de subsistência.

157 157 Os pescadores de Jaiteua de Cima relataram que as técnicas de captura do pescado utilizadas no paraná do Anamã são criativas e variadas. Os pescadores citadinos geralmente costumam operar fazendo a prática da pesca de caixinha, que é uma atividade comum entre os pescadores das localidades e pescadores citadinos de Manacapuru. Esta atividade consiste no seguinte processo: os pescadores se organizam em equipes de duas pessoas ou apenas uma pessoa utilizando canoas motorizadas (as rabetas) que servirão para conduzi-los até os pontos de pesca. Nas canoas, eles embarcam alguns apetrechos de pesca, tais como as malhadeira e as redes, carregam lanternas, comidas para suprirem o desgaste físico, água e caixas de isopor de 200 litros abastecidas de gelo para o armazenamento do pescado capturado. Por essa composição de equipamentos, essa prática é chamada de pesca de caixinha. Depois de cheias, as caixas de isopor são levadas aos motores de pesca (geleiros) onde são armazenadas, ou são levadas diretamente para o Terminal Pesqueiro de Manacapuru pelos pescadores citadinos quando negociadas anteriormente com os compradores do peixe. O cerco aos peixes é outra técnica praticada no paraná do Anamã. Consiste na organização de duas embarcações e quatro pessoas embarcadas, ou seja, dois pescadores em cada canoa de pesca. Os pescadores são munidos de malhadeiras ou redes de pesca, que são distendidas de modo a se fecharem em círculo, facilitando a captura de grandes quantidades de pescado. A batição dos remos na água é feita pelos pescadores para conduzir o pescado para dentro das redes. Esse tipo de prática foi observada por Furtado (1993) nas pescarias realizadas pelas comunidades ribeirinhas da cidade de Óbidos (PA), onde causou vários conflitos de pesca envolvendo pescadores polivalente e pescadores citadinos. Os motivos que levaram a mobilização social para a criação dos acordos informais de pesca entre os pescadores das localidades, principalmente em Jaiteua de Cima, são contextualizados em duas situações pretéritas a partir dessas técnicas de pesca empregadas no lago do Jaiteua [03], porém com destaque para o paraná do Anamã, principal local dos conflitos. A primeira faz referência ao ano de 1999 e a segunda ao ano de Em 1999, ocorreu a grande pesca do tucunaré (Cichla ocellaris) realizada por um motor de pesca (barco geleiro) vindo da cidade de Manacapuru. Na ocasião, uma grande quantidade de pescado foi capturada com base na seleção de espécie de interesse comercial. O montante do tucunaré capturado foi separado das espécies menores e armazenado nos motores de pesca. As espécies menores e outras espécies variadas sem valor comercial foram descartadas, jogadas no paraná do Anamã. A matança e a podridão tava horrível, e o

158 158 pessoal da nossa região que pesca prá vendê tava pescando junto apoiando isso, além de a gente ficá sem peixe, tivemos que passar todo tempo pelo cheiro ruim de peixe podre. (Sr. E. F. O., pescador de subsistência, 2007). Em 2005, ocorreu a pesca liderada por dois motores de pesca vindos de Manacapuru, que fez uma grande captura direcionada para o curimatã (Phochilodus argenteus). Da captura, ocorreu o enorme estrago de peixe devido à seleção de espécies maiores e menores. Os peixes menores e sem valor de mercado foram descartados na área do Paraná do Anamã. O Sr. E. F. O., pescador de subsistência relatou: [...] os barcos vieram de Manacapuru, como a outra vez, fizeram a mesma coisa, a mesma mortandade. Como era dois motor grande, eles deram quatro lanceada com os batelão (canoa) e levaram tudo, só que dessa vez levaram curimatã, só deixaram os pequeno mesmo, jogando na água pra apodrecer. Agente se reuniu aqui todos e fomos até o Ibama, falamo o que aconteceu eles falaram que iam vim aqui, mas não deu em nada. Eles dizem que falta gente prá trabalhá, a gente sabe disso, mas se não for prá eles, prá quem a gente vai falá? (E.F.O., pescador comercial, Jaiteua de Cima, 2008). O contexto histórico relatado pelo Sr. E. F. O. demonstra que a pesca no paraná do Anamã anterior à época da criação dos acordos de pesca, operava sob racionalidades que possivelmente poderiam destruir os estoques pesqueiros. As iniciativas locais que se desencadearam em acordos informais de pesca têm garantido o uso controlado do paraná do Anamã, incluindo também o lago do Jaiteua. O lago Grande, por sua vez, tem uma dinâmica diferenciada porque os pescadores de Jaiteua de Cima o consideram de livre acesso, pois partilham seu uso com pescadores das localidades vizinhas e com os pescadores citadinos. Porém, no período da seca, há restrições de uso para pesca comercial associada à convergência de interesses dos pescadores das localidades que foram apoiados pelas instituições governamentais atuantes em Manacapuru através da sinalização de placas proibindo a pesca comercial em determinados pontos do lago Grande. Retomando o contexto dos acordos de pesca, os pescadores comerciais de Jaiteua de Cima articulam situações que causam constragimento aos moradores da localidade. Isso porque insistem em pescar durante o período da seca no paraná do Anamã, confrontando as determinações dos pescadores de subsistência. Os pescadores comerciais locais quebram as regras dos acordos informais em determinadas situações, sempre associadas à condição de atender às demandas das famílias.

159 Malhadeira Caniço Tramalha Linha e Anzol Arco e Flecha Zagaia Arpão Currico Tarrafa Arrastadeira ou Rede 159 Para os pescadores de subsistência, a condição de necessidade é uma situação a que todos estão sujeitos, o que não justifica a pesca comercial no período da seca no paraná do Anamã fora dos termos da negociação, que é de duas caixinhas por semana (ver nota de rodapé 27). Porém, o que causa mais descrédito aos moradores, é a cumplicidade com os pescadores de fora. Essa prática tem sido contestada veemente na localidade a ponto de forçar alguns pescadores comerciais a rever suas condutas em relação aos pescadores de fora. O pescador comercial explica: [...] Às vezes os nosso colegas aqui, como os irmãos da igreja, eles acham que a gente pesca prá querer só dinheiro, mas não é assim: eu tenho sabedoria, prá pesca, sei pescá, então quando preciso eu vou, e às vezes eu vou pro paraná do Anamã, porque lá tem muito peixe, eu armo as malhadeiras, faço a caputura rápido e pronto. O sr. vê, eu tenho quatro crianças curumim ainda, e preciso de dinheiro prá comprá remédio, comida. O irmão Everson aqui chama minha atenção junto com o pessoal, eu paro prá não causar problema, porque a gente precisa um do outro. Mas eu concordo que o paraná do Anamã tem que ser vigiado, porque os pescador de fora aí acaba com tudo [...] eu trabalhava com o pessoal de fora, mas o pessoal da comunidade faz pressão prá gente pará com isso. Então, hoje sigo o que a gente da comunidade decide (M.O., pescador de comercial, localidade Jaiteua de Cima, 2007). Depois de apresentado os principais conflitos de pesca vivenciados pelos pescadores da localidade Jaiteua de Cima, agora descreveremos os apetrechos de pesca (Gráfico 12) utilizados nos ambientes descrito no gráfico 11. Jaiteua de Cima 30,0 % 25,0 20,0 15,0 10,0 5,0 0,0 Gráfico 12 Apetrechos de pesca. Fonte: Dados de campo (2007/8).

160 160 Os pescadores mencionaram o uso mais frequente de quatro apetrechos de pesca: em primeiro lugar, temos a malhadeira e, em seguida, respectivamente o uso do caniço, da tramalha e da linha e anzol. Os apetrechos menos utilizados vieram na seqüência, respectivamente, iniciando com o arco e flecha, a azagaia, o arpão, o currico, a tarrafa e, por último, a rede. A malhadeira, como descrevemos anteriormente (em Cajazeira e Jaiteua de Baixo), é utilizada nos lagos [03], nos paranás [42], nos canais [44] ou nos furos em todas as fases do período hidrológico. Os pescadores da localidade utilizam a tramalha de maneira associada aos demais apetrechos, tais como a azagaia, o arco e flecha e o arpão quando a pescaria é realizada no lanço de ambiente fechado, isto é, na floresta inundada (nos igarapés, nos igapós e nos furos). A tramalha é utilizada em ambientes rasos em substituição à malhadeira principalmente no período da seca. O motivo do uso, segundo os pescadores, é devido a sua eficiência e baixo custo de manutenção quando comparado à malhadeira. O pescador comercial esclarece: [...] O pano da tramalha que a gente chama, que é de linha de plástico, é mais barato que a malhadeira, e a piranha se estragá a gente não gasta tanto [...] com a tramalha na seca a gente pega mesmo, se não pega peixe com ela, com outro apetrecho a gente não vai pegá mesmo (S.M., pescador comercial, Jaiteua de Cima, 2007). O uso do caniço e a linha e anzol é mais comum para pesca de autoconsumo, principalmente pelas crianças e jovens que capturam os peixes geralmente para o momento do almoço. Esta é uma atividade que as mães geralmente direcionam para seus filhos menores quando, estão trabalhando nos roçados, ocupadas. Os moradores de Jaiteua de Cima denunciam os problemas ambientais que vivem em seu cotidiano. Na localidade, os problemas relacionados à criação de animais de grande porte, sobretudo em relação à criação de gado bubalino [45], demonstram que as práticas de desmatamento para pastagem dos búfalos e a circulação desses animais nos ambientes aquáticos têm provocado mudanças de comportamento, a migração e a redução de algumas espécies de peixes, sendo estas muito apreciadas para o consumo e para a comercialização pelos pescadores de subsistência e comerciais. Dentre tais espécies, destacam-se o tambaqui (Colossoma macropomum), o pirarucu (Arapaima gigas) e o roelo (filhote do tambaqui) (Colossoma bidens) que existiam em grande quantidade, porém, hoje, são raros nos ambientes de pesca internos da localidade.

161 161 A criação de búfalos tem causado constrangimento aos moradores, pois os animais pisoteiam o chão, provocando a compactação do solo, nadam principalmente nos ambientes internos da localidade (igarapés) afugentando os peixes e incomodando os pescadores. Os animais circulam nos roçados destruindo os cultivos agrícolas e atacam outros animais de grande e pequeno porte, como o gado bovino e os porcos causando em alguns casos a morte dos animais. Algumas ações mobilizadas pelos moradores como abaixo-assinados para a retirada do gado bubalino foram encaminhadas junto à prefeitura de Manacapuru e ao IBAMA com o objetivo de avaliar a situação e convencer o fazendeiro responsável pela criação de búfalos a retirar os animais da região, porém, até o momento, não houve respostas positivas para o problema. O líder comunitário explica: Nós andamos por todas comunidades aqui do Jaiteua para consegui assinaturas prá pedir prá sair a fazenda dos búfalo daqui. A gente levô o papel com as assinaturas prá Prefeitura e pro IBMA de Manacapuru, mas estamos até agora esperando a resposta deles, não vindo nada é um problemas prá nós porque a gente vai continuá a viver essa situação de ter nossas plantações estragadas por causa dos animais, a gente não pode fazê nada contra os animais porque a gente não quer confusão e é errado matá os animais (R.M.C., pescador de subsistência e líder comunitário, Jaiteua de Cima, 2008).. Nas palavras dos moradores, a criação de gado bubalino não traz benefícios e é incompatível com os ambientes de várzea. Os conflitos entre pescadores e fazendeiros, embora não sejam manifestos na área de estudo, configuram-se como um problema social que necessita de um olhar mais atento por parte dos organismos de defesa do meio ambiente. Alguns pescadores da localidade mencionaram o uso dos pesqueiros da RDS Piranha. Porém a relação estabelecida entre os pescadores da localidade e os moradores da RDS Piranha perpassa pela esfera religiosa. Na RDS Piranha a única associação comunitária e religiosa é da Igreja Evangélica Assembleia de Deus (FABRÉ, 2007). Em Jaiteua de Cima, os moradores das comunidades evangélicas, principalmente da comunidade Assembléia de Deus são visitados e vice-versa por membros desta instituição religiosa. Esta relação que perpassa pelos interesses comunitários e pelas relações de parentesco entre os moradores da localidade e da RDS, facilita a negociação de acesso à reserva. Para outros pescadores da localidade que não tem os mesmos vínculos, o acesso a reserva se assemelha à negociações estabelecida pelos pescadores da localidade Cajazeira, causando os mesmos constrangimentos.

162 Jaiteua de Baixo A maioria dos pescadores da localidade Jaiteua de Baixo vive da renda da pesca. Eles mencionaram os nomes de diversos pesqueiros, porém os ambientes mais utilizados são os descrito no gráfico 13 destinados com frequência para a pesca comercial. Os pescadores se apropriam de pesqueiros próximos, nos arredores e distantes de suas moradias. O lago do Jaiteua [03], a Mãe do Rio (paraná do Jaiteua) [48], o paraná do Anamã [42], o canal Serra Lima [09] e o lago Grande são apropriados em todas as fases do período hidrológico. Esses pontos de pesca são considerados distantes, com exceção da Mãe do Rio (paraná do Jaiteua) e do canal Serra Lima, pesqueiros estes situados nas imediações da localidade. O igarapé do Tigre [37] e o igapó Terra Preta são pesqueiros utilizados em quase todo o período hidrológico, reduzindo o uso drasticamente no período da seca, porque os ambientes secam totalmente. Nesses pontos de pesca, observamos a prática do lanço desde o preparo (a capinagem e limpeza) até a realização das pescarias no período da enchente como descrito no capítulo II. O furo do Bode [53], o furo do Cumaru II [54], o canal Serra Lima [09] e a ilha da Borboleta (poço) [08] são apropriados com frequência, porém apresentando relativo limite de uso no período da seca. De acordo com os pescadores, esses ambientes são rotas migratórias de diversos cardumes, o que desperta o interesse dos pescadores comerciais da localidade (Gráfico 13).

163 163 RSD Piranha Igarapé do Tigre [37] Furo do Cumaru II [54] Mãe do Rio [48] Lago Grande Furo do Bode [53] Igapó Terra Preta Canal Serra Lima [09] Ilha da Borboleta (poço) [08] Paraná do Anamã [42] Lago do Jaiteua [03] 0,0 20,0 40,0 60,0 80,0 100,0 120,0 Gráfico 13 Territórios de pesca: Jaiteua de Baixo. Fonte: Dados de campo (2007/8). Enchente Cheia Vazante Seca Os demais pontos de pesca que não foram mencionados no gráfico apresentam diversas limitações de uso principalmente relacionados aos fatores ecológicos e topográficos apresentados no capítulo I. Ou seja, a formação de inúmeras ilhas na área de pesca da localidade, dificulta a pesca no período da enchente e cheia porque os peixes se espalham ou ficam nas moitas (S. L., pescador comercial, 2008). Esse é um fator natural que reforça o interesse dos pescadores comerciais em buscar outros pesqueiros, tais como o paraná do Jaiteua, o canal Serra Serra Lima e outros ambientes nesses períodos. A Reserva de Desenvolvimento Piranha, como apresentado nas outras localidades, é o destino de alguns pescadores comerciais de Jaiteua de Baixo. Os pescadores afirmam utilizarem o lago do Piranha principalmente na enchente e cheia do ciclo das águas, porque a venda do pescado nesses períodos é mais rentável. O pescado capturado é encaminhado e vendido diretamente na Balsinha do Pescador em Manacapuru. Os pescadores de subsistência e os pescadores comerciais de Jaiteua de Baixo não estabeleceram acordos informais de pesca próprios para proibir ou restringir com veemência o uso dos pesqueiros da localidade. Porém, para não afirmarmos que não há nenhum tipo de restrição, os pescadores estabelecem a regra de uso para os pontos de pesca onde foram feitos seus lanços. Ou seja, os lanços feitos em qualquer ponto de pesca são prioridade de uso daqueles que tiveram o trabalho de organizá-los durante a limpeza e o preparo do

164 Malhadeira Arrastão ou Redinha Caniço Currico Tramalha Linha e Anzol Tarrafa Zagaia 164 terreno. Esse fato é o que ocorre com o furo do Acari [33] e o igarapé do Acarí [32] compartilhados com os pescadores da localidade Cajazeira. Pelo fato de não haver acordos informais de pesca nos pesqueiros da localidade Jaiteua de Baixo, isso não significa que os pescadores não sejam atentos aos pescadores de fora (citadinos) por conta da pesca predatória. Os pescadores permitem o uso dos lanços e dos outros pesqueiros (sem lanços) pelos pescadores de fora, porém com o argumento focado para não realizarem a pesca de arrasto e nem excederem na exploração dos lanços através do aumento do esforço de pesca. Nessa condição, os pescadores apenas acompanham os acordos informais de pesca definidos pelos pescadores da localidade Jaiteua de Cima com relação aos pontos de pesca internos e os ambientes que são frequentados em todo período hidrológico como, o paraná do Anamã e o lago do Jaiteua. Em Cajazeira, os pescadores das localidades respeitam o acordo de pesca que proíbe a pesca comercial nos ambientes internos da localidade. Os pescadores de Jaiteua de Baixo utilizam tecnologias de pesca simples como, a malhadeira, a redinha, a tramalha, o currico, o arco e flecha, a tarrafa, o caniço, o arpão, a linha de mão e a zagaia, cujas descrições detalhadas foram apresentadas no capítulo II e são encontradas na literatura de Smith (1979) e Furtado (1993) (Gráfico 14). Jaiteua de Baixo 30,0 % 25,0 20,0 15,0 10,0 5,0 0,0 Gráfico 14 Apetrechos de pesca. Fonte: Dados de campo (2007/8).

165 165 A malhadeira é o apetrecho de pesca mais citado pelos pescadores, utilizado em todos os períodos do ciclo hidrológico tanto para pesca comercial quanto para pesca de subsistência. Este apetrecho é utilizado nos lagos, nos paranás e nos furos. Por várias vezes, pudemos presenciar os pescadores da localidade mencionarem que a malhadeira é o apetrecho que sustenta a família. Segundo eles, a malhadeira garante os peixes necessários para o consumo no período que ocorre a expansão dos ambientes aquáticos. A redinha é utilizada mais com finalidade comercial, sendo empregada nos mesmos ambientes. O caniço é muito utilizado para pesca de subsistência, principalmente na enchente e cheia nos igapós e nos igarapés. A tramalha é utilizada para pesca de subsistência e comercial nos igapós e nos igarapés. Na localidade Jaiteua de Baixo não há problemas ambientais similares aos problemas das localidades Cajazeira e Jaiteua de Cima correspondentes a criação de gado bovino ou bubalino. Deste modo, apresentamos os principais territórios de pesca das localidades, as regras de uso neles empregadas e os principais problemas ambientais vivenciados pelos pescadores.

166 166 CONSIDERAÇÕES FINAIS O objetivo da nossa investigação foi evidenciar as práticas de pesca focalizando o lago Grande de Manacapuru como amplo território de pesca dos pescadores das localidades Cajazeira, Jaiteua de Baixo e Jaiteua de Cima. A pesca, como vimos, está associada a dinâmica ecológica da várzea, exigindo como imperativo o conhecimento de condições de adaptabilidade ao ciclo das águas que reflete diretamente nesta atividade. Num primeiro momento do trabalho, mostramos a dimensão espacial do lago Grande de Manacapuru, dando ênfase a composição ecológica do lago através das suas características físicas (geomorfolóficos e liminológicos) (PEREIRA, 2007; SOARES, et al., 2008). Essa perspectiva se coadunou com a experiência de vida dos pescadores das localidades evidenciando que as instabilidades de seus ambientes aquáticos e terrestres geram situações de escassez, sobretudo dos recursos aquáticos, impondo limitações de uso dos recursos e estresse ao corpo humano. O período da seca ou da cheia em situações extremas exige adaptação dos pescadores, pois, na seca, por exemplo, a água potável se torna escassa e de menos qualidade e os pontos de pesca ficam mais distantes. A representação social que os pescadores fazem de sua realidade expressam essa dinâmica. A adaptabilidade pressupõe conhecimento sobre a natureza e seus recursos. A característica liminológica do lago Grande (lago de água mista) é fundamental para as atividades produtivas, porque estão associadas com a flutuação do nível da água expresso no tempo da enchente, cheia, vazante e seca. No período da enchente, apenas para fazer alusão à afirmação, ocorre a frutificação dos vegetais nos igapós que é fonte de alimentação para determinados peixes, o que é um conhecimento importante para os pescadores durante suas capturas, pois há peixes que se alimentam essencialmente de frutas como o tambaqui (Colossoma macropomum), um peixe principalmente frugívoro e que mudam de alimentação em outro período hidrológico (MORÁN, 1990; SOARES, et al., 2008). Isso revela que a base produtiva dos pescadores é um ecossistema natural, de enorme riqueza e diversidade de espécies. No período da seca como vimos, os recursos pesqueiros se tornam escassos em determinados pontos do lago Grande de Manacapuru, exigindo do pescador, dependendo do contexto social, que convencione regras para o uso dos recursos. Nas localidades pesquisadas os acordos informais de pesca foram adotados pelos pescadores como medidas preventivas que visam a manutenção dos recursos pesqueiros e para que sirvao de suporte a esta manutenção a médio e longo prazo.

167 167 No segundo momento mostramos que o lago Grande de Manacapuru é utilizado por diversos agentes sociais, e nas localidades pesquisadas identificamos os pescadores locais de subsistência, pescadores comerciais e pescadores citadinos que operam sob racionalidades conflituosas e, em determinados momentos, complementares. A pesca de lanço que ocorre em florestas inundada, reflete o conhecimento do pescador sobre as melhores condições de manejo do pescado seja para a subsistência ou comercialização. Porém, os lanços de margens de lagos e paranás que são ambientes abertos, pelo custo-benefício desta atividade, apenas faz sentido se for para a comercialização, o que coloca em risco a sustentabilidade dos recursos pesqueiros pela pesca predatória realizada pelos pescadores de fora. A partir dos contextos apresentados por localidade, verificamos que os territórios de pesca e os espaços de uso comum (terras e florestas de trabalho) utilizados pelos pescadores da localidade Jaiteua de Baixo, porém mais evidentes em Cajazeira e Jaiteua de Cima (principalmente) são confrontados por ações territoriais (criadores de gado bovino e gado bubalino e a pesca realizada pelos pescadores citadinos) que tendem aos desajustes ou desequilíbrio dos acordos informais de pesca e das regras de uso comum dos recursos naturais convencionados por esses pescadores. Esses confrontos de ações territoriais indicam a sobreposição de territórios. No caso do uso dos territórios de pesca das localidades pelos próprios pescadores, a sobreposição de uso territorial é negociada, havendo conflitos apenas no campo simbólico. Porém, quando se trata dos problemas ambientais relacionados às criações de gado bovino, gado bubalino e a pesca comercial realizada pelos pescadores de fora, a sobreposição territorial se torna prejudicial colocando em risco a manutenção dos recursos naturais de um modo geral. O conflito simbólico interno que ocorre entre os pescadores de subsistência e pescadores comerciais das localidades repercute também para a soma aos possíveis desarranjos no tecido social das localidades, isso porque as unidades domésticas em sua maioria combinam relações de uso dos recursos naturais (embora não seja algo partilhado de modo eqüitativo), e no caso da pesca, os ambientes internos e alguns mais distantes como o paraná do Anamã são vitais para as famílias das localidades em todo as fases do ciclo hidrológico, principalmente na seca. A noção da vida em comunidade e os benefícios sociais que dela advém (capítulo II) são percebidos pelos pescadores. Esta condição tende a amenizar a situação de conflito interno porque os pescadores comerciais locais podem perder valores mais simbólicos do que necessariamente monetários ao manter relações de cumplicidade com os pescadores citadinos (pescadores de fora). Os benefícios materiais decorrente da prestação de serviços

168 168 são perdas importantes para quem deixa de viver em comunidade. Nesse sentido, as lideranças comunitárias, e com mais ênfase as evangélicas, fiscalizam de perto as atitudes dos pescadores comerciais. Um fator importante é que entre as comunidades há relações de parentesco que ocorrem por consangüinidade (primos de 1 até 4 ) e casamentos, o que fortalece os acordos informais de pesca, principalmente em Jaiteua de Cima e Cajazeira. Lima (2006, p ), ao estudar a economia doméstica ribeirinha da RDS Mamirauá 28, chama este tipo de relação de comunidade de parentes e esclarece: as parentelas [entre as comunidades da RDS Mamirauá] são ligadas por afinidade e consangüinidade [...]. Nesse contexto se observa um resultado do processo de reprodução dos grupos domésticos que caracteriza a sociedade rural: a constituição de comunidades de parentes que detêm o direito de usufruto comum do território onde realizam suas atividades produtivas. A delimitação de uso dos territórios dessas comunidades é mais precisa em relação à extensão do conjunto de áreas individuais de moradia e plantio, enquanto que as áreas de pesca, de acesso coletivo do grupo, são definidas de acordo com as localidades, [e localidades vizinhas] e por isso sujeitas aos conflitos no campo simbólico e material, [mesmo beneficiando a todos, os conflitos ocorrem porque não atende todos os níveis de satisfação]. O uso da RDS Piranha pelos pescadores das localidades, como vimos, pelo discurso e pelo dado gráfico é ilegal do ponto de vista normativo das leis ambientais, porém as relações sociais transcendem a norma jurídica. A invisibilidade da relação dos pescadores das localidades com os comunitários da RDS Piranha ao nível da norma jurídica provavelmente continuará, porém o principio da dádiva (reciprocidade) e certos níveis de intolerância dos comunitários que não aceitam a presença de intruso na RDS serão ajustados pela própria relação, uma vez que o poder público não tem condições materiais suficientes para vigiar a abrangência da RDS, tão pouco de controlar a relação desses agentes sociais. As informações apresentadas são importantes para identificar e compreender os conflitos e as regras sociais que ocorrem no uso dos territórios de pesca das localidades Cajazeira, Jaiteua de Baixo e Jaiteua de Cima. Sugerir a proposta de gestão participativa dos pontos de pesca das localidades onde existem estas situações de sobreposição do território não é apenas a única saída, pois é necessário rever situações como a delimitação territorial da RDS Piranha que possivelmente esteja forçando pescadores de fora das localidades a se dirigirem para os territórios de pesca das localidades (até mesmo como 28 Reserva de Desenvolvimento Sustentável localizada em uma extensa área na região do Médio Solimões, Amazonas.

169 169 únicas alternativas) e, por outro lado, a territorialidade da RDS Piranha sendo negociada com os pescadores de fora, que inclui os pescadores das próprias localidades. Nesse sentido podemos afirmar que os conhecimentos e as práticas dos pescadores das localidades pesquisadas possibilitam o manejo racional dos recursos coadunando-se com o diálogo científico.

170 170 REFERÊNCIAS ALMEIDA, O. T.; LORENZEN, K. & MCGRATH, D. G., Pescadores rurais de pequena escala e co-manejo no Baixo Amazonas. In: ALMEIDA, O. (Org.). Manejo de pesca na Amazônia. Peirópolis, São Paulo. p AYRES, J. M. As Matas de Várzea do Mamirauá: médio rio Solimões. 2. ed. Brasília: Cnpq; Tefé: SOCIEDADE CIVIL MAMIRAUÁ, BAYLEY, P. B. & PETRERE, M. JR., Amazon fisheries: Assessment methods, current status, and management options. In: DODGE, D. P. (ed): Proceedings of the international Large River Symposium. Canadian Special Publication of Fisheries and Aquatic Sciences. 106: p BARTHEM, R. B.; GUERRA, H. & VALDERRAMA, M.; Diagnóstico de los Recursos Hidrológicos de la Amazônia. Tratado de Cooperación Amazônica, Secretaria Pro Tempore. 2nd edición. 162 p. BATISTA, V. S. et al. Exploração e manejo dos recursos pesqueiros da Amazônia. In: RUFFINO, Mauro Luís (Coord.). A pesca e os recursos pesqueiros na Amazônia brasileira. Manaus: IBAMA/Provárzea, BATISTA, V. & FABRÉ, N. A pesca e o peixe na várzea: espaços, conflitos e conservação. In: BATISTA, V. & FABRÉ, N. Sistemas Abertos Sustentáveis SAS: uma alternativa de gestão ambiental na Amazônia, Manaus: EDUA, BEGON, M., J. L. & TOWNSEND, C. R. Ecology. In.: Ecologia de Pescadores da Mata Atlântica e da Amazônia. São Paulo: HUCITEC: Napaub/USP:Fapesp, BEGOSSI, A. Resiliência e Populações Neotradicionais: os Caiçaras (Mata Atlântica) e os (Caboclos da Amazônia, Brasil). In: Diegues, A. C. S.; Moreira, A. C. C. Espaços de Recursos Naturais de Uso Comum. São Paulo: NUPAUB/USP, Ecologia de Pescadores da Mata Atlântica e da Amazônia. São Paulo: HUCITEC: Napaub/USP:Fapesp, BIBLIOTECA VIRTUAL DO AMAZONAS, (htpp:// Acesso em 10 de Novembro de BOURDIEU, P. O desencantamento do mundo: estruturas econômicas e estruturas temporais. São Paulo: Perspectiva, 1979.

171 171. O poder simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, A produção da crença: contribuição para uma economia dos bens simbólicos. Tradução de Guilhermina Teixeira. 3 ed. Porto Alegre: Ed. Zouk, 2006, BRUNI, José Carlos. A água e a vida. Tempo Social. Revista de Sociologia. USP, São Paulo, 5 (1-2): 53-65, OLIVEIRA, C. R. O trabalho do Antropólogo. 2. ed. Brasília: Paralelo 15; São Paulo: UNESP, CHAYANOV, A. V. La Organización de la Unidad Económica Campesina. Buenos Aires: Nueva Visión, CUNHA, Lúcia Helena de Oliveira. Significados múltiplos das águas. In: DIEGUES, Antônio Carlos (Org.). Imagem das Águas. São Paulo: Hucitec, p DAMATTA, R. A. Relativizando: uma introdução a antropologia social. Rio de Janeiro: Rocco, DIEGUES, A. C. S. A Pesca Construindo Sociedades: leituras em antropologia marítima e pesqueira. São Paulo: NUPAUB/USP, DIEGUES, A.C. Pescadores, camponeses e trabalhadores do mar. São Paulo: Ática, ESTEVES, F.A. Fundamentos de liminologia. Rio de Janeiro:FINEP Ed. Interciências, p. EVANS-PRITCHARD, E. E. Os Nuer: uma descrição do modo de subsistência e das instituições políticas de um povo nilota. São Paulo: Perspectiva, FABRÉ, N.N. et al. (Org.). Sociobiodiversidade e Conservação da Várzea. Amazônica, Manaus: PYRÁ, FRAXE, T. J. P. Homens Anfíbios: etnografia de um campesinato das águas. Fortaleza: Annablume, FRAXE, T. J. P. Cultura cabocla/ribeirinha: mitos, lendas e transculturalidade. São Paulo: Annablume, 2004.

172 172 FREITAS, C. E. C. & GARCEZ, R. C. S., Fish communities of natural canals between floodplain lakes and Solimões-Amazonas River. Acta Limnológica Brasiliensia, 16(3): p FREITAS. M.S.F. A ilusão da sustentabilidade. Manaus: EDUA, FURTADO, Lourdes Gonçalves. Pescadores do Rio Amazonas: um estudo antropológico da pesca ribeirinha numa área Amazônica. Belém: Museu Paraense Emílio Goeldi, GARCEZ, D. S., A pesca dos ribeirinhos em ambientes de várzea de uso comum, Baixo Solimões, Amazônia Central. Dissertação de Mestrado. Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia INPA / Universidade Federal do Amazonas UFAM. Amazonas. GEERTZ, C. O Senso Comum como Sistema Cultural. In: O saber local: novos ensaios em antropologia interpretativa. 6. ed. Petrópolis: Vozes, GODELIER, M. Antropologia: ciências das ciências primitivas? Lisboa: Edições 70, GUSFIELD, Joseph R. Community a critical response. New York: Harper & Row Publisher, IANNI, Octávio. Dialética da Globalização. In: IANNI, Octávio. Teorias da globalização. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, JUNK, W. J. Águas da Região Amazônica. In: SALATI, E. (Org.). Amazônia, Integração, Desenvolvimento e Ecologia. São Paulo, Brasiliense, LEONEL, M. A morte social dos rios: conflito, natureza e cultura na Amazônia. São Paulo: Perspectiva/ IAMÁ/ FAPESP, LÉVI-STRAUSS, C. A Ciência do Concreto. In: O Pensamento Selvagem. Campinas: Papirus, LEACH, Edmund. Repensando antropologia. São Paulo: Editora Perspectiva, LIMA, D. M. A economia doméstica em Mamirauá. In.: ADAMS, C.; MURRIETA, R.; NEVES, W. (Orgs.). Sociedades Caboclas Amazônicas: modernidade e invizibilidade. São Paulo: Annablume, LITTLE, P. E. Territórios sociais e povos tradicionais no Brasil: por uma antropologiada territorialidade. Anuário Antropológico, Rio de Janeiro, p.

173 173 LOWE-MCCONNELL, R. H Estudos ecológicos de comunidades de peixes tropicais. Editora da Universidade de São Paulo. MALDONADO, Simone Carneiro. Mestre & Mares: espaço e indivisão na pesca marítima. São Paulo: annablume, MARX, K. O capital. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, MASULO, Manuel J.C. Rios e lagos: a apropriação das águas pelos camponeses ribeirinhos na Amazônia. In.: BRAGA, S. I. G. Cultura Popular, patrimônio imaterial e cidades. Manaus; EDUA, MAUSS, M. As técnicas do corpo. In.: MAUSS, M. Sociologia e Antropologia. Tradução: Paulo Neves. São Paulo: Cosac Nayfy, MINAYO, M. C. S. (Org.). Pesquisa Social: teoria, método e criatividade. Petrópolis: Vozes, MORÁN, E. F. A Ecologia das Populações da Amazônia. Petrópolis: Vozes, MORIN, Edgar. O olhar do observador. Contribuições para uma teoria do conhecimento. Campinas: Editora Psill, MOSCOVICI, Serge. Representações sociais: uma investigação em psicologia social. Petrópolis: Vozes, NERY, A. C. Traços da tecnologia pesqueira de uma área de pesca tradicional na Amazônia Zona do Salgado Pará. In: SILVEIRA, I. M. et al. Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Belém: MPEG, volume 11 (2), NODA, H; NODA, S. N. Produção Agropecuária. In: Amazônia: uma perspectiva interdisciplinar de educação Ambiental. Brasília: MMA/IBAMA, et. al. O trabalho nos sistemas de produção de agriculturas familiares na várzea do Estado do Amazonas. In: NODA, H. et. al. Duas décadas de contribuições do INPA à pesquisa agronômica no trópico úmido. Manaus: INPA, et. al. Uso Comum dos recursos naturais. In: Diegues, A. C. S.; Moreira, A. C. C. Espaços de Recursos Naturais de Uso Comum. São Paulo: NUPAUB/USP, 2001.

174 174 OLIVEIRA, L. Identidade social e poder local nas localidades Cajazeira, Jaiteua de Baixo e Jaiteua de Cima, Manacapuru (AM). Monografia de conclusão de curso. Universidade Federal do Amazonas. TOCANTINS, Leandro. O rio comanda a vida: uma interescuração da Amazônia. 3ª. ed. Rio de Janeiro: Gráfica Record, (Coleção Presença Brasileira). PEREIRA, Samantha A. Uso e Gestão do Território em Áreas de Várzea na Amazônia. Dissertação de Mestrado. Centro de Ciências do Ambiente. Universidade Federal do Amazonas UFAM, (Quadro 8 adaptado, p ). PEREIRA, H. Iniciativas de co-gestão dos recursos naturais da várzea. Manaus: IBAMA/PROVÁRZEA, p. (Documentos técnicos 2). PEREIRA, H. S. A dinâmica da paisagem socioambiental das várzeas do rio Solimões Amazonas. In: FRAXE, T. J. P. (org.). Comunidades ribeirinhas amazônicas: modos de vida e uso dos recursos naturais. Manaus: EDUA, PORRO. A. O Povo das águas: Ensaios de Etno-história Amazônica. São Paulo: Edusp, RIBEIRO, A. M; FABRÉ, N. N. Diversidade Amazônica: ocupação e uso dos ambientes de várzea. In: Sistemas Abertos Sustentáveis: uma alternativa de gestão ambiental na Amazônia. Manaus: EDUA, RODRIGUES, M.L. Relações de gênero na comunidade São Francisco do Paroá na Costa do Canabuoca, Manacapuru / AM. In.: FABRÉ, N.N. et al. (Org.). Sociobiodiversidade e Conservação da Várzea. Amazônica, Manaus: PYRÁ, RUFFINO, M. L. Gestão do uso dos recursos pesqueiros na Amazônia. Manaus: IBAMA, RUFFINO, Mauro Luís (Coord.). A pesca e os recursos pesqueiros na Amazônia brasileira. Manaus: IBAMA/Provárzea, SANTOS, B.S. A ecologia de saberes. In: SANTOS, B.S. A gramática do tempo: para uma nova cultura política. São Paulo: Cortez, SANTOS, M. Natureza do Espaço. Técnica e tempo; razão e emoção. São Paulo: EDUSP, 2002.

175 175 SILVA, Marilene Corrêa. Metamorfoses da Amazônia. Manaus: Editora da Universidade Federal do Amazonas, SILVA. S.F.M. Mulheres da várzea amazônica: sustentabilidade e participação no espaço social. In.: FABRÉ, N.N. et al. (Org.). Sociobiodiversidade e Conservação da Várzea. Amazônica, Manaus: PYRÁ, SILVA, Andréa L.; BEGOSSI, A. Uso de Recursos por Ribeirinhos no Médio Rio Negro. In.: BEGOSSI, A. (Org.). Ecologia de Pescadores da Mata Atlântica e da Amazônia. São Paulo: Hucitec: Nupaub/USP: Fapesp, SIOLI, H. The Amazon and its main affluents: Hydrography, morphology of the rivercourses, and river types. P In: The Amazon limnology and landscape ecology of a mighty tropical river and its basin. The Hague, W. Junk Publications, Netherlands, SMITH, N. J. H. A pesca no rio Amazonas. Manaus: INPA,1979. SOARES, M.G.M. Ambientes de pesca e a ictiofauna do complexo lacustre do lago Grande de Manacapuru, Am: composição taxonômica e parâmetros populacionais. Manaus: Instituto Nacional de Pesquisa da Amazônia, SOUZA, M.L. Desenvolvimento de comunidade e participação. 5ª Edição. São Paulo: Cortez, SOUZA, K. N. S., O rendimento pesqueiro em sistemas lacustres da Amazônia Central. Dissertação de Mestrado. Manaus: PPG Instituto Nacional de pesquisas da Amazônia - INPA. 65p. STERNBERG, H. O Reilly. A água e o homem na Várzea do Careiro. 2. ed. Belém: Museu Paraense Emílio Goeldi, STEWART. J.H. Theory of culture change. University of Illinois Press, Urbana, In.: BEGOSSI, A. (Org.). Ecologia de Pescadores da Mata Atlântica e da Amazônia. São Paulo: Hucitec: Nupaub/USP: Fapesp, TONNIES, F. Comunidade e sociedade como entidades típico-ideais. P In.: FERNANDES, Florestan. Comunidade e Sociedade. São Paulo: Companhia Editorial Nacional, 1973.

176 176 TUAN, Yi-Fu. Espaço e lugar: a perspectiva da experiência. São Paulo: Difel, WEBER, Max. Economia e sociedade: fundamentos da sociologia compreensiva. VOL.I. Brasília: Editora Universidade de Brasília: São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, WEBER, Max. A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo. Lisboa: Livraria Pioneira Editora, WITKOSKI, A. C. Terra, floresta e água: os camponeses amazônicos e as formas de uso de seus recursos naturais. Manaus: Editora Universidade Federal do Amazonas, WOLF, E. Sociedades camponesas. Rio de Janeiro: Zahar, 1970.

177 ANEXO 177

178 14

de Ciências do Ambiente e Sustentabilidade na Amazônia

de Ciências do Ambiente e Sustentabilidade na Amazônia Anais do I Seminário Internacional de Ciências do Ambiente e Sustentabilidade na Amazônia O CONHECIMENTO DOS PESCADORES SOBRE A REPRODUÇÃO DO TUCUNARÉ (Cichla spp.) NO LAGO GRANDE DE MANACAPURU, AM. Fabiana

Leia mais

de Ciências do Ambiente e Sustentabilidade na Amazônia

de Ciências do Ambiente e Sustentabilidade na Amazônia Anais do I Seminário Internacional de Ciências do Ambiente e Sustentabilidade na Amazônia CONFLITO PELO USO DOS RECURSOS PESQUEIROS EM LAGOS DE VÁRZEA DA AMAZÔNIA CENTRAL: UMA ABORDAGEM A PARTIR DO MODELO

Leia mais

Uso da terra na bacia hidrográfica do alto rio Paraguai no Brasil

Uso da terra na bacia hidrográfica do alto rio Paraguai no Brasil 102 Resumos Expandidos: XI Mostra de Estagiários e Bolsistas... Uso da terra na bacia hidrográfica do alto rio Paraguai no Brasil Cezar Freitas Barros 1 João dos Santos Vila da Silva 2 Resumo: Busca-se

Leia mais

Geografia - 6º AO 9º ANO

Geografia - 6º AO 9º ANO 5ª Série / 6º Ano Eixos norteadores Temas Conteúdo Habilidades Competências A Geografia como uma - Definição de Geografia - Noções de tempo e -Compreender processos - Identificar diferentes formas de representação

Leia mais

O DIÁLOGO DE SABERES NO PROCESSO ENSINO APRENDIZAGEM DA EDUCAÇÃO INFANTIL RIBEIRINHA NO CONTEXTO DO BAIXO AMAZONAS

O DIÁLOGO DE SABERES NO PROCESSO ENSINO APRENDIZAGEM DA EDUCAÇÃO INFANTIL RIBEIRINHA NO CONTEXTO DO BAIXO AMAZONAS 1 O DIÁLOGO DE SABERES NO PROCESSO ENSINO APRENDIZAGEM DA EDUCAÇÃO INFANTIL RIBEIRINHA NO CONTEXTO DO BAIXO AMAZONAS Maria das Graças Pereira Soares 1 Eixo Temático 2: Didática e prática de ensino nas

Leia mais

DISCIPLINA DE GEOGRAFIA

DISCIPLINA DE GEOGRAFIA DISCIPLINA DE GEOGRAFIA OBJETIVOS: 1º ano Conhecer o ambiente de moradia e sua localização através de passeios, fotos e desenhos. Conhecer o ambiente de estudo e sua localização através de passeios, fotos,

Leia mais

ASPECTOS DA IMPORTÂNCIA DA AGRICULTURA FAMILIAR NO ESTADO DO AMAPÁ

ASPECTOS DA IMPORTÂNCIA DA AGRICULTURA FAMILIAR NO ESTADO DO AMAPÁ 25 a 28 de Outubro de 2011 ISBN 978-85-8084-055-1 ASPECTOS DA IMPORTÂNCIA DA AGRICULTURA FAMILIAR NO ESTADO DO AMAPÁ Irenildo Costa da Silva 1 ; Roni Mayer Lomba 2 RESUMO: Esta pesquisa tem como objetivo

Leia mais

de Ciências do Ambiente e Sustentabilidade na Amazônia

de Ciências do Ambiente e Sustentabilidade na Amazônia Anais do I Seminário Internacional de Ciências do Ambiente e Sustentabilidade na Amazônia ÍNDICE DE CIDADANIA COMO INDICADOR SOCIAL DAS COMUNIDADES QUE CONSTITUEM A REDES DO TUPÉ Karla Almeida da Silva;

Leia mais

A LENTE FOTOGRÁFICA COMO INSTRUMENTO PARA ENSINAR CIÊNCIAS: A PARTIR DO ESTUDANTE DA ESCOLA MUNICIPAL SÃO PEDRO PARINTINS/AM. Resultado de Pesquisa

A LENTE FOTOGRÁFICA COMO INSTRUMENTO PARA ENSINAR CIÊNCIAS: A PARTIR DO ESTUDANTE DA ESCOLA MUNICIPAL SÃO PEDRO PARINTINS/AM. Resultado de Pesquisa A LENTE FOTOGRÁFICA COMO INSTRUMENTO PARA ENSINAR CIÊNCIAS: A PARTIR DO ESTUDANTE DA ESCOLA MUNICIPAL SÃO PEDRO PARINTINS/AM Resultado de Pesquisa Denis de Oliveira Silva Luciene de Souza Coelho José Camilo

Leia mais

H1. Conhecer o objetivo do estudo da Geografia para entender o espaço em que vive.

H1. Conhecer o objetivo do estudo da Geografia para entender o espaço em que vive. 2ª Geografia 4º Ano E.F. Competência Objeto de aprendizagem Habilidade C1- CATEGORIAS DA GEOGRAFIA: Compreender a Geografia como ciência do espaço geográfico, reconhecendo-se, de forma crítica, como elemento

Leia mais

Manejo integrado de fauna aquática na várzea: Pirarucu, Quelônios e Jacarés. Juarez Pezzuti NAEA/UFPA Marcelo Crossa - IPAM George Rebêlo - INPA

Manejo integrado de fauna aquática na várzea: Pirarucu, Quelônios e Jacarés. Juarez Pezzuti NAEA/UFPA Marcelo Crossa - IPAM George Rebêlo - INPA Manejo integrado de fauna aquática na várzea: Pirarucu, Quelônios e Jacarés Juarez Pezzuti NAEA/UFPA Marcelo Crossa - IPAM George Rebêlo - INPA Objetivos Gerais 1) Consolidar sistemas de manejo integrado

Leia mais

Anais do Seminário de Bolsistas de Pós-Graduação da Embrapa Amazônia Ocidental

Anais do Seminário de Bolsistas de Pós-Graduação da Embrapa Amazônia Ocidental Anais do Seminário de Bolsistas de Pós-Graduação da Embrapa Amazônia Ocidental Anais do Seminário de Bolsistas de Pós-Graduação da Embrapa Amazônia Ocidental Produção de Hortaliças dos Agricultores Familiares

Leia mais

> Na Comunidade Boca do Mamirauá, o espelho d água estimula os sentidos e faz com que o céu e o lago se fundam numa só paisagem, enquanto as canoas

> Na Comunidade Boca do Mamirauá, o espelho d água estimula os sentidos e faz com que o céu e o lago se fundam numa só paisagem, enquanto as canoas > Na Comunidade Boca do Mamirauá, o espelho d água estimula os sentidos e faz com que o céu e o lago se fundam numa só paisagem, enquanto as canoas aguardam pela próxima pescaria É dia na floresta amazônica.

Leia mais

AVALIAÇÃO AMBIENTAL A PARTIR DO USO DO SOLO NOS BAIRROS ROQUE E MATO GROSSO EM PORTO VELHO RO

AVALIAÇÃO AMBIENTAL A PARTIR DO USO DO SOLO NOS BAIRROS ROQUE E MATO GROSSO EM PORTO VELHO RO AVALIAÇÃO AMBIENTAL A PARTIR DO USO DO SOLO NOS BAIRROS ROQUE E MATO GROSSO EM PORTO VELHO RO 1 Tito José de Barba Avaroma Universidade Federal de Rondônia - UNIR tito.geo.ro@gmail.com Introdução Porto

Leia mais

Processo de Elaboração do Termo de Uso das Farinheiras Comunitárias de Açungui e Potinga, Guaraqueçaba - PR

Processo de Elaboração do Termo de Uso das Farinheiras Comunitárias de Açungui e Potinga, Guaraqueçaba - PR Processo de Elaboração do Termo de Uso das Farinheiras Comunitárias de Açungui e Potinga, Guaraqueçaba - PR Área temática: Tecnologia e produção Valdir Frigo Denardin¹ Bruno Mathias Paifer², Nathalia de

Leia mais

O planejamento das áreas protegidas integradas à paisagem

O planejamento das áreas protegidas integradas à paisagem O planejamento das áreas protegidas integradas à paisagem Stanley Arguedas Mora, Coordenador Tecnico ELAP Márcia Regina Lederman, especialista Áreas Protegidas GIZ Marcos Roberto Pinheiro, consultor Áreas

Leia mais

Disciplina: Geografia Perfil de Aprendizagens Específicas O aluno é capaz de:

Disciplina: Geografia Perfil de Aprendizagens Específicas O aluno é capaz de: O meio natural A Terra: estudos e representações CRITÉRIOS DE AVALIAÇÃO E CLASSIFICAÇÃO Disciplina: Geografia Perfil de Aprendizagens Específicas O aluno é capaz de: Ensino Básico Ano letivo: 2016/2017

Leia mais

ESTRUTURA GEOLÓGICA,RELEVO E HIDROGRAFIA

ESTRUTURA GEOLÓGICA,RELEVO E HIDROGRAFIA ESTRUTURA GEOLÓGICA,RELEVO E HIDROGRAFIA Definição de DOMÍNIOS MORFOCLIMÁTICOS: Pode ser compreendido como uma região que apresenta elementos naturais específicos que interagem resultando em uma determinada

Leia mais

EDITAL DE SELEÇÃO PARA PESQUISADOR EM CONSERVAÇÃO E MANEJO DE QUELÔNIOS AMAZÔNICOS INSTITUTO DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL- IDSM-OS/MCTI

EDITAL DE SELEÇÃO PARA PESQUISADOR EM CONSERVAÇÃO E MANEJO DE QUELÔNIOS AMAZÔNICOS INSTITUTO DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL- IDSM-OS/MCTI EDITAL DE SELEÇÃO PARA PESQUISADOR EM CONSERVAÇÃO E MANEJO DE QUELÔNIOS AMAZÔNICOS INSTITUTO DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL- IDSM-OS/MCTI O -IDSM está selecionando um(a) profissional da área de ciências

Leia mais

Objetivo Metodologia Figura 1

Objetivo Metodologia Figura 1 TRILHA INTERPRETATIVA ELABORADA PELO PET- FLORESTA COMO FERRAMENTA PARA ATIVIDADES EXTENSIONISTAS E DE EDUCAÇÃO AMBIENTAL NO INSTITUTO DE FLORESTAS (IF/UFRRJ) ALMEIDA, R.B.¹, BARROS, L.A.,¹ CHAGAS, M.C.¹,

Leia mais

PLANO DE CURSO DISCIPLINA:Geografia ÁREA DE ENSINO: Fundamental I SÉRIE/ANO: 3 ANO DESCRITORES CONTEÚDOS SUGESTÕES DE PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

PLANO DE CURSO DISCIPLINA:Geografia ÁREA DE ENSINO: Fundamental I SÉRIE/ANO: 3 ANO DESCRITORES CONTEÚDOS SUGESTÕES DE PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS UNIDADE 1 OS LUGARES E SUAS PAISAGENS *Reconhecer semelhanças e diferenças entre as paisagens. *Perceber que as paisagens são constituídas por elementos naturais e culturais. *Compreender que a paisagem

Leia mais

Quais práticas podem contribuir para o desenvolvimento do turismo de base local nas comunidades do entorno da Lagoa do Cajueiro?

Quais práticas podem contribuir para o desenvolvimento do turismo de base local nas comunidades do entorno da Lagoa do Cajueiro? 1 INTRODUÇÃO As exigências da demanda atual em relação à prática do turismo têm influenciado diretamente na maneira como os municípios piauienses apresentam a sua oferta turística. Alguns governos, agentes

Leia mais

Acordo de Gestão de Recursos Naturais

Acordo de Gestão de Recursos Naturais Acordo de Gestão de Recursos Naturais Reserva Extrativista do Lago do Capanã Grande Amazonas-AM Fotos: Aquivo Resex Capanã Grande Portaria 226 de 13/09/2013 1 PESCA É permitido pescar dentro da Resex?

Leia mais

Núcleo de Pesquisa Aplicada à Pesca e Aquicultura do Tocantins NUPA NORTE 05 Plano de Ação 2/semestre

Núcleo de Pesquisa Aplicada à Pesca e Aquicultura do Tocantins NUPA NORTE 05 Plano de Ação 2/semestre Núcleo de Pesquisa Aplicada à Pesca e Aquicultura do Tocantins NUPA NORTE 05 Plano de Ação 2/semestre Coordenadora: Sylvia Salla Setubal Secretaria: Gislene Magali Silva I. Capacitação Calendário das ofertas

Leia mais

OBJETIVOS CONTEÚDOS CRITÉRIOS DE AVALIAÇÃO

OBJETIVOS CONTEÚDOS CRITÉRIOS DE AVALIAÇÃO SECRETARIA MUNICIPAL DA EDUCAÇÃO DE CURITIBA DEPARTAMENTO DE ENSINO FUNDAMENTAL GERÊNCIA DE CURRÍCULO GEOGRAFIA 1º ANO OBJETIVOS CONTEÚDOS CRITÉRIOS DE AVALIAÇÃO Observação de objetos em relação à forma,

Leia mais

Questões estruturais e conjunturais dos loteamentos em São Paulo: o caso do Village Campinas

Questões estruturais e conjunturais dos loteamentos em São Paulo: o caso do Village Campinas Questões estruturais e conjunturais dos loteamentos em São Paulo: o caso do Village Campinas Viviane Candoletta Arquitetura e Urbanismo CEATEC vivi_candoletta@ puc-campinas.edu.br Manoel Lemes da Silva

Leia mais

PROCESSO SELETIVO GEOGRAFIA

PROCESSO SELETIVO GEOGRAFIA PROCESSO SELETIVO GEOGRAFIA EIXO TEMÁTICO: O MUNDO 1 O ESPAÇO MUNDIAL CONTEÚDOS COMPETÊNCIAS HABILIDADES Compreender o espaço geográfico como resultante das interações históricas entre sociedade e natureza

Leia mais

USO DA ICTIOFAUNA E OUTRAS FONTES DE PROTEÍNA PELOS MORADORES DE COMUNIDADES TRADICIONAIS DA REGIÃO AMAZÔNICA.

USO DA ICTIOFAUNA E OUTRAS FONTES DE PROTEÍNA PELOS MORADORES DE COMUNIDADES TRADICIONAIS DA REGIÃO AMAZÔNICA. REVISTA AGROGEOAMBIENTAL - AGOSTO/2009 USO DA ICTIOFAUNA E OUTRAS FONTES DE PROTEÍNA PELOS MORADORES DE COMUNIDADES TRADICIONAIS DA REGIÃO AMAZÔNICA. RESUMO Lenizi Maria Silva Araujo - PIATAM/UFAM, lenizi.araujo@piatam.org.br

Leia mais

CARTOGRAFIA E ENSINO: PERSPECTIVAS DA REALIDADE

CARTOGRAFIA E ENSINO: PERSPECTIVAS DA REALIDADE CARTOGRAFIA E ENSINO: PERSPECTIVAS DA REALIDADE Edmar Martins de Oliveira 1, Cleidson Reginaldo Ferreira Ribeiro 2, Renata de Melo Paulino 3, Divino Ordones 4. 1 Graduando no Curso de Licenciatura Plena

Leia mais

CARACTERIZAÇÃO DA AGRICULTURA FAMILIAR E DA PESCA NO DISTRITO DA FREGUESIA DO ANDIRÁ, MUNICÍPIO DE BARREIRINHA- AM

CARACTERIZAÇÃO DA AGRICULTURA FAMILIAR E DA PESCA NO DISTRITO DA FREGUESIA DO ANDIRÁ, MUNICÍPIO DE BARREIRINHA- AM CARACTERIZAÇÃO DA AGRICULTURA FAMILIAR E DA PESCA NO DISTRITO DA FREGUESIA DO ANDIRÁ, MUNICÍPIO DE BARREIRINHA- AM RESUMO Edelson Gonçalves Marques 1 Luciano Soares Gonçalves 2 Valdenice dos Santos Rodrigues

Leia mais

A dinâmica agrária no espaço fronteira Brasil/Uruguai

A dinâmica agrária no espaço fronteira Brasil/Uruguai A dinâmica agrária no espaço fronteira Brasil/Uruguai Tatiane Almeida Netto Doutoranda PPGGEO-UFSM Orientadora- Ana Domínguez (UDELAR-UFSM) Introdução O pampa é historicamente utilizado para a atividade

Leia mais

Criação de pirarucu. Coleção CRIAR

Criação de pirarucu. Coleção CRIAR Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária Embrapa Amazônia Oriental Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento Criação de pirarucu Embrapa Informação Tecnológica Brasília, DF 2011 1 Coleção

Leia mais

Professor Roberto W. Lourenço Professor Darllan Collins

Professor Roberto W. Lourenço Professor Darllan Collins Professor Roberto W. Lourenço Professor Darllan Collins Sorocaba, 2012 Introdução O que é paisagem? Bela Vista Um espaço de terreno que Se abrange num lance de vista (Dicionário Aurélio) Pintores, geógrafos,

Leia mais

CONTEÚDOS GEOGRAFIA - 4º ANO COLEÇÃO INTERAGIR E CRESCER

CONTEÚDOS GEOGRAFIA - 4º ANO COLEÇÃO INTERAGIR E CRESCER CONTEÚDOS GEOGRAFIA - 4º ANO COLEÇÃO INTERAGIR E CRESCER UNIDADE 1 ORGANIZAÇAO DOS ESPAÇOS TERRITORIAIS 1. Organização dos espaços no país Território e fronteira Organização política do Brasil Regiões

Leia mais

EIXO CAPACIDADES CONTEÚDOS / CONCEITOS CICLO COMPLEMENTAR

EIXO CAPACIDADES CONTEÚDOS / CONCEITOS CICLO COMPLEMENTAR SECRETARIA DE ESTADO DE EDUCAÇÃO DE MINAS GERAIS SUBSECRETARIA DE DESENVOLVIMENTO DA EDUCAÇÃOBÁSICA SUPERINTENDÊNCIA DE EDUCAÇÃO INFANTIL E FUNDAMENTAL DIRETORIA DE ENSINO FUNDAMENTAL 5 MATRIZ CURRICULAR

Leia mais

AGROECOLOGIA TECNÓLOGO Oferta por meio do SiSU 2º semestre

AGROECOLOGIA TECNÓLOGO Oferta por meio do SiSU 2º semestre AGROECOLOGIA TECNÓLOGO Oferta por meio do SiSU 2º semestre DESCRIÇÃO DO CURSO: O Curso Superior de Tecnologia em Agroecologia forma profissionais para desenvolver, de modo pleno e inovador, as atividades

Leia mais

OS LIMITES ENTRE O URBANO E O RURAL: UMA ANÁLISE SOBRE AS DECISÕES NORMATIVAS DA CÂMARA MUNICIPAL NO MUNICÍPIO DE LAJEADO-RS

OS LIMITES ENTRE O URBANO E O RURAL: UMA ANÁLISE SOBRE AS DECISÕES NORMATIVAS DA CÂMARA MUNICIPAL NO MUNICÍPIO DE LAJEADO-RS OS LIMITES ENTRE O URBANO E O RURAL: UMA ANÁLISE SOBRE AS DECISÕES NORMATIVAS DA CÂMARA MUNICIPAL NO MUNICÍPIO DE LAJEADO-RS Juliana Cristina Franz 1 Carlos Vinícius da Silva Pinto 2 Giancarla Salamoni

Leia mais

O III PLANO DIRETOR E A ZONA NORTE: A questão do rururbano na cidade de Pelotas-RS

O III PLANO DIRETOR E A ZONA NORTE: A questão do rururbano na cidade de Pelotas-RS O III PLANO DIRETOR E A ZONA NORTE: A questão do rururbano na cidade de Pelotas-RS Carlos Vinícius da Silva Pinto Juliana Cristina Franz Giancarla Salamoni 1 INTRODUÇÃO A expansão do perímetro urbano,

Leia mais

Modos de vida no município de Paraty Praia Grande

Modos de vida no município de Paraty Praia Grande Modos de vida no município de Paraty Praia Grande Resultados gerais Janeiro 2011 Projeto Community-based resource management and food security in coastal Brazil (Universidade Estadual de Campinas/UNICAMP)

Leia mais

COLÉGIO 7 DE SETEMBRO FUNDADOR PROF. EDILSON BRASIL SOÁREZ. O Colégio que ensina o aluno a estudar. ALUNO(A): TURMA: Geografia.

COLÉGIO 7 DE SETEMBRO FUNDADOR PROF. EDILSON BRASIL SOÁREZ. O Colégio que ensina o aluno a estudar. ALUNO(A): TURMA: Geografia. FUNDADOR PROF. EDILSON BRASIL SOÁREZ 2011 O Colégio que ensina o aluno a estudar. APICE Geografia [1 a VG] 4 o Ano Ensino Fundamental I ALUNO(A): TURMA: Você está recebendo o APICE (Atividade para Intensificar

Leia mais

HORTAS URBANAS E OS MODOS DE MORAR: A PRODUÇÃO DE HORTALIÇAS NOS QUINTAIS DAS CIDADES

HORTAS URBANAS E OS MODOS DE MORAR: A PRODUÇÃO DE HORTALIÇAS NOS QUINTAIS DAS CIDADES XIX ENCONTRO NACIONAL DE GEOPGRAFIA AGRÁRIA, São Paulo, 2009, pp. 1-12 HORTAS URBANAS E OS MODOS DE MORAR: A PRODUÇÃO DE HORTALIÇAS NOS QUINTAIS DAS CIDADES Tatiana Schor Núcleo de Estudos e pesquisas

Leia mais

¹ Estudante de Geografia na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), estagiária na Embrapa Informática Agropecuária (Campinas, SP).

¹ Estudante de Geografia na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), estagiária na Embrapa Informática Agropecuária (Campinas, SP). 89 Interpretação e classificação de imagens de satélite na extração de informações sobre o uso da terra e cobertura vegetal na bacia hidrográfica do rio Teles Pires/MT-PA Jéssica da Silva Rodrigues Cecim

Leia mais

SISTEMA NACIONAL DE CLASSIFICAÇÃO E SUAS DEFINIÇÕES de março 2015 Paramaribo, Suriname

SISTEMA NACIONAL DE CLASSIFICAÇÃO E SUAS DEFINIÇÕES de março 2015 Paramaribo, Suriname SISTEMA NACIONAL DE CLASSIFICAÇÃO E SUAS DEFINIÇÕES 09-13 de março 2015 Paramaribo, Suriname REFERENCIAS NACIONAIS DE COBERTURA TERRESTRE SISTEMA DE CLASSIFICAÇÃO PARA A COBERTURA E O USO DA TERRA A nomenclatura

Leia mais

Competência Objeto de aprendizagem Habilidade

Competência Objeto de aprendizagem Habilidade 3ª Geografia 4º Ano E.F. Competência Objeto de aprendizagem Habilidade C1: Compreender a Geografia como ciência do espaço geográfico, reconhecendo-se, de forma crítica, como elemento pertencente e transformador

Leia mais

Módulo 4 do curso: Diagnóstico Comunitário Participativo.

Módulo 4 do curso: Diagnóstico Comunitário Participativo. Módulo 4 do curso: Diagnóstico Comunitário Participativo. 1 2 Curso: Diagnóstico Comunitário Participativo. Créditos Coordenação: Gleyse Peiter e Marcos Carmona. Modelo do questionário: Marcelo Vale Elaboração

Leia mais

BRASIL NOSSO TERRITÓRIO E FRONTEIRAS MODULO 02 PALMAS - TO

BRASIL NOSSO TERRITÓRIO E FRONTEIRAS MODULO 02 PALMAS - TO BRASIL NOSSO TERRITÓRIO E FRONTEIRAS MODULO 02 PALMAS - TO ESPAÇO GEOGRÁFICO E A AÇÃO HUMANA É o espaço onde os homens vivem e fazem modificações, sendo o resultado do trabalho do homem sobre a natureza.

Leia mais

Los impactos del Cambio Climático en el Pantanal. Alcides Faria

Los impactos del Cambio Climático en el Pantanal. Alcides Faria Los impactos del Cambio Climático en el Pantanal Alcides Faria www.riosvivos.org.br Propósitos - Identificar o território Pantanal como parte da bacia do rio da Prata e de um grande sistema de áreas úmidas

Leia mais

ANÁLISE CARTOGRÁFICA DO PLANO DIRETOR DO MUNICÍPIO DE POUSO ALEGRE/MG

ANÁLISE CARTOGRÁFICA DO PLANO DIRETOR DO MUNICÍPIO DE POUSO ALEGRE/MG ANÁLISE CARTOGRÁFICA DO PLANO DIRETOR DO MUNICÍPIO DE POUSO ALEGRE/MG Maria Itaiana Ferreira de Moraes 1 ; Thiago César Frediani Sant Ana 2 RESUMO: A vida social do homem está vinculada a ação de interação

Leia mais

MATRIZ DE REFERÊNCIA DE GEOGRAFIA - ENSINO FUNDAMENTAL

MATRIZ DE REFERÊNCIA DE GEOGRAFIA - ENSINO FUNDAMENTAL D1 Identificar diferentes tipos de representação da superfície terrestre (globo terrestre, maquetes, mapas, plantas, croquis). Identificar diferenças entre as representações do espaço geográfico. Comparar

Leia mais

Navegação no Arquipélago de Anavilhanas 5 dias

Navegação no Arquipélago de Anavilhanas 5 dias Anavilhanas, um dos maiores arquipélagos fluviais do mundo! Com um leque diversificado de atrações, este rápido roteiro oferece navegação por ecossistemas do Rio Solimões até o coração de Anavilhanas,

Leia mais

de Ciências do Ambiente e Sustentabilidade na Amazônia

de Ciências do Ambiente e Sustentabilidade na Amazônia Anais do I Seminário Internacional de Ciências do Ambiente e Sustentabilidade na Amazônia A PESQUISA ETNOBOTÂNICA COMO FERRAMENTA DE ANÁLISE DA PERCEPÇÃO LOCAL SOBRE O MEIO AMBIENTE Larissa Santos de Almeida;

Leia mais

II Semana de Geografia UNESP / Ourinhos 29 de Maio a 02 de Junho de 2006

II Semana de Geografia UNESP / Ourinhos 29 de Maio a 02 de Junho de 2006 USO E OCUPAÇÃO DO SOLO NA MICROBACIA CÓRREGO DO PORTO-TRÊS LAGOAS MS SILVA, Laís C.N. Universidade Federal de Mato Grosso do Sul- UFMS lais_cns@yahoo.com.br DELGADO, Valeria P. Universidade Federal de

Leia mais

Adriano Venturieri. Chefe Geral Embrapa Amazônia Oriental

Adriano Venturieri. Chefe Geral Embrapa Amazônia Oriental Adriano Venturieri Chefe Geral Embrapa Amazônia Oriental Brasília, 12 dezembro de 2014 Desafios e perspectivas para pesquisa em apoio ao desenvolvimento sustentável amazônico Sistema Embrapa de Inteligência

Leia mais

Definição Podemos definir bioma como um conjunto de ecossistemas que funcionam de forma estável. Um bioma é caracterizado por um tipo principal de vegetação (num mesmo bioma podem existir diversos tipos

Leia mais

PLANO SAFRA AMAZÔNIA

PLANO SAFRA AMAZÔNIA Ministério do Desenvolvimento Agrário Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária Incra PLANO SAFRA AMAZÔNIA Janeiro 2014 AMAZÔNIA LEGAL 771 MUNICÍPIOS 9 ESTADOS 61% DO TERRITÓRIO BRASILEIRO 5.217.423

Leia mais

Biomas / Ecossistemas brasileiros

Biomas / Ecossistemas brasileiros GEOGRAFIA Biomas / Ecossistemas brasileiros PROF. ROGÉRIO LUIZ 3ºEM O que são biomas? Um bioma é um conjunto de tipos de vegetação que abrange grandes áreas contínuas, em escala regional, com flora e fauna

Leia mais

REPÚBLICA DEMOCRÁTICA DE S.TOMÉ E PRINCIPE MINISTÉRIO DE INFRASTRUTURAS, RECURSOS NATURAIS E AMBIENTE TERMOS DE REFERÊNCIA

REPÚBLICA DEMOCRÁTICA DE S.TOMÉ E PRINCIPE MINISTÉRIO DE INFRASTRUTURAS, RECURSOS NATURAIS E AMBIENTE TERMOS DE REFERÊNCIA TERMOS DE REFERÊNCIA Título do posto: Consultoria para a elaboração de uma estratégia de comunicação para a Gestão Sustentável das Florestas Titulo Projeto: Promoção da energia hidroelétrica de forma sustentável

Leia mais

Distribuição Da Precipitação Média Na Bacia Do Riacho Corrente E Aptidões Para Cultura Do Eucalipto

Distribuição Da Precipitação Média Na Bacia Do Riacho Corrente E Aptidões Para Cultura Do Eucalipto Distribuição Da Precipitação Média Na Bacia Do Riacho Corrente E Aptidões Para Cultura Do Eucalipto Jailson Silva Machado ( ¹ ) ; João Batista Lopes da Silva (2) ; Francisca Gislene Albano (3) ; Ilvan

Leia mais

ANEXO I. Plano de Trabalho

ANEXO I. Plano de Trabalho Diário Oficial Nº. 31159 de 30/04/2008 FUNDAÇÃO DE AMPARO À PESQUISA DE ESTADO DO PARÁ EDITAL Nº 006/2008 - PROGRAMA DE BOLSAS DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA JÚNIOR PIBICJR 10 ANEO I MODELO DE PLANO DE ATIVIDADES

Leia mais

PERFIL DE APRENDIZAGENS 7ºANO

PERFIL DE APRENDIZAGENS 7ºANO 7ºANO No final do 7º ano, o aluno deverá ser capaz de: Compreender o objeto e o método da Geografia. Conhecer diferentes formas de representação da superfície terrestre. Compreender diferentes tipos de

Leia mais

DISTRIBUIÇÃO ESPACIAL DO ESCOAMENTO DA PRODUÇÃO DE FARINHA DE MANDIOCA NO TERRITÓRIO DO VALE DO JURUÁ, ACRE. Introdução

DISTRIBUIÇÃO ESPACIAL DO ESCOAMENTO DA PRODUÇÃO DE FARINHA DE MANDIOCA NO TERRITÓRIO DO VALE DO JURUÁ, ACRE. Introdução DISTRIBUIÇÃO ESPACIAL DO ESCOAMENTO DA PRODUÇÃO DE FARINHA DE MANDIOCA NO TERRITÓRIO DO VALE DO JURUÁ, ACRE Daniel de Almeida Papa1, Virgínia de Souza Álvares2 e Daniela Popim Miqueloni3 1Eng. Florestal,

Leia mais

Planejamento Ambiental

Planejamento Ambiental Universidade de São Paulo PHD2344 Manejo de recursos Naturais Escola Politécnica da Universidade de São Paulo Planejamento Ambiental Aula 2 Prof. Dr. Arisvaldo V. Méllo Júnior Enga. Carla Voltarelli da

Leia mais

Interessado (Coordenador do Projeto): FRANCISCO MAGALDI MARTORANO NETO

Interessado (Coordenador do Projeto): FRANCISCO MAGALDI MARTORANO NETO Projeto Agrisus No: PA-1786-16. Título da Pesquisa: AMAZÔNIA: OCEANO VERDE Interessado (Coordenador do Projeto): FRANCISCO MAGALDI MARTORANO NETO Instituição: (com endereço, teu e E-mail): x Local da Pesquisa:

Leia mais

RESUMO Panorama da silvicultura familiar no Planalto Sul de Santa Catarina.

RESUMO Panorama da silvicultura familiar no Planalto Sul de Santa Catarina. RESUMO FRACASSO, Rafael Monari. Panorama da silvicultura familiar no Planalto Sul de Santa Catarina. 2015. 202 p. Dissertação (Mestrado em Engenharia Florestal Área: Produção Florestal) Universidade do

Leia mais

AGRUPAMENTO DE ESCOLAS DE MARTIM DE FREITAS ESCOLA BÁSICA 2/3 MARTIM DE FREITAS Ano letivo 2016/2017

AGRUPAMENTO DE ESCOLAS DE MARTIM DE FREITAS ESCOLA BÁSICA 2/3 MARTIM DE FREITAS Ano letivo 2016/2017 ESCOLA BÁSICA / MARTIM DE FREITAS Ano letivo 06/0 º Ano de Escolaridade I Período (6 aulas) (6 aulas) I ( aulas) DOMÍNIO: A TERRA, ESTUDOS E REPRESENTAÇÕES Unidade A Geografia e o Território -O objeto

Leia mais

A IMPORTÂCIA DA PRESERVAÇÃO DAS MARGENS DO RIO DE CONTAS PARA A COMUNIDADE RIBEIRINHA DE MANOEL VITORINO-BA.

A IMPORTÂCIA DA PRESERVAÇÃO DAS MARGENS DO RIO DE CONTAS PARA A COMUNIDADE RIBEIRINHA DE MANOEL VITORINO-BA. 00480 A IMPORTÂCIA DA PRESERVAÇÃO DAS MARGENS DO RIO DE CONTAS PARA A COMUNIDADE RIBEIRINHA DE MANOEL VITORINO-BA. Beatriz Pires Silva (Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia-UESB). Guadalupe Edilma

Leia mais

ADUBAÇÃO VERDE E BANCO DE SEMENTES Uma alternativa para o agricultor familiar

ADUBAÇÃO VERDE E BANCO DE SEMENTES Uma alternativa para o agricultor familiar ADUBAÇÃO VERDE E BANCO DE SEMENTES Uma alternativa para o agricultor familiar Lucas Alves Jural¹; Thais Monteiro de Souza²; Isabelle Sá e Silva Rangel³; Sandra Barros Sanchez 4 RESUMO O trabalho aqui apresentado

Leia mais

Parques Naturais de Ilha dos Açores e a Actividade de

Parques Naturais de Ilha dos Açores e a Actividade de Parques Naturais de Ilha dos Açores e a Actividade de Mergulho II Bienal Turismo Subaquático Graciosa, Açores 2009 Direcção Regional do Ambiente Vanessa Santos Nesta apresentação Áreas Marinhas Protegidas

Leia mais

Programa de Conservação Gavião-real

Programa de Conservação Gavião-real Programa de Conservação Gavião-real TÂNIA SANAIOTTI AUREO BANHOS BENJAMIM DA LUZ HELENA AGUIAR EDINETE CASTRO JOSÉ E. MANTOVANI ELISA WANDELLI Pesquisador e Técnicos Estudante Mestrado Bolsista Mestre

Leia mais

Geografia. As Regiões Geoeconômicas do Brasil. Professor Luciano Teixeira.

Geografia. As Regiões Geoeconômicas do Brasil. Professor Luciano Teixeira. Geografia As Regiões Geoeconômicas do Brasil Professor Luciano Teixeira www.acasadoconcurseiro.com.br Geografia Aula XX AS REGIÕES GEOECONÔMICAS DO BRASIL A divisão regional oficial do Brasil é aquela

Leia mais

VERIFICAÇÃO DAS ÁREAS VERDES POR BAIRROS E SUA RELAÇÃO COM AS CLASSES SOCIAIS DE ANÁPOLIS-GO

VERIFICAÇÃO DAS ÁREAS VERDES POR BAIRROS E SUA RELAÇÃO COM AS CLASSES SOCIAIS DE ANÁPOLIS-GO VERIFICAÇÃO DAS ÁREAS VERDES POR BAIRROS E SUA RELAÇÃO COM AS CLASSES SOCIAIS DE ANÁPOLIS-GO 1 MORAIS. Roberto P., 2 NASCIMENTO. Adriana S., 3 Silva. Nislaine C. A cobertura vegetal exerce papel de vital

Leia mais

Boletim de preços de produtos agropecuários e florestais do Estado do Acre

Boletim de preços de produtos agropecuários e florestais do Estado do Acre Preço de farinha de mandioca aumenta 240% Nesta edição, o Boletim de Preços destaca o aumento do preço médio pago pela saca de farinha de mandioca no Vale do Juruá, AC, que variou 240% entre junho/2012

Leia mais

AGRICULTURA E DESENVOLVIMENTO RURAL

AGRICULTURA E DESENVOLVIMENTO RURAL AGRICULTURA E DESENVOLVIMENTO RURAL Critérios para a Classificação dos Condados Norte-Americanos segundo o Rural-Urban Continuum Code Condados Metropolitanos 0 1 2 3 Condados centrais de áreas metropolitanas

Leia mais

1º Período Conteúdos Habilidades Atividades desenvolvidas

1º Período Conteúdos Habilidades Atividades desenvolvidas 1º Período Conteúdos Habilidades Atividades desenvolvidas UNIDADE 1 O Planeta Terra Tema 1: O planeta onde vivemos; Tema 2: Conhecendo a Terra; Tema 3: Continentes e oceanos; Tema 4: Trabalhando com mapas..

Leia mais

LISTA DE EXERCÍCIOS. Aluno(a): nº Série:

LISTA DE EXERCÍCIOS. Aluno(a): nº Série: LISTA DE EXERCÍCIOS Professor(a): Andre Gardini Disciplina: Geografia Descrição do conteúdo: Região e regionalização do Brasil; os complexos regionais; organização política do Brasil (Republica Presidencialista);

Leia mais

LISTA DE RECUPERAÇÃO PARALELA DE CIÊNCIAS HUMANAS - GEOGRAFIA

LISTA DE RECUPERAÇÃO PARALELA DE CIÊNCIAS HUMANAS - GEOGRAFIA LISTA DE RECUPERAÇÃO PARALELA DE CIÊNCIAS HUMANAS - GEOGRAFIA Professor: GUILHERME Data: / /2016 Aluno (a): 3º ANO 1) O cálculo de fuso horário hoje é muito comum em uma sociedade globalizada. Explique

Leia mais

CURSO Geografia. Só abra este caderno quando o fiscal autorizar. Leia atentamente as instruções abaixo.

CURSO Geografia. Só abra este caderno quando o fiscal autorizar. Leia atentamente as instruções abaixo. PROCESSO SELETIVO 2004/1 GEOGRAFIA CURSO Geografia Só abra este caderno quando o fiscal autorizar. Leia atentamente as instruções abaixo. 1. 2. 3. 4. Este caderno de prova contém dez questões, que deverão

Leia mais

ROTEIRO DE RECUPERAÇÃO DE GEOGRAFIA 4º bimestre

ROTEIRO DE RECUPERAÇÃO DE GEOGRAFIA 4º bimestre ROTEIRO DE RECUPERAÇÃO DE GEOGRAFIA 4º bimestre Nome: Nº 1 a. Série Data: / /2015 Professores: Adriana, Fabiana, Nelson Nota: (valor: 1,0 para cada bimestre) 4º bimestre A - Introdução Neste semestre,

Leia mais

A URBANIZAÇÃO PELA INDUSTRIALIZAÇÃO: MODIFICAÇÃO DO ESPAÇO PELA CRIAÇÃO DO DISTRITO INDUSTRIAL RENAULT EM SÃO JOSÉ DOS PINHAIS- BAIRRO BORDA DO CAMPO.

A URBANIZAÇÃO PELA INDUSTRIALIZAÇÃO: MODIFICAÇÃO DO ESPAÇO PELA CRIAÇÃO DO DISTRITO INDUSTRIAL RENAULT EM SÃO JOSÉ DOS PINHAIS- BAIRRO BORDA DO CAMPO. A URBANIZAÇÃO PELA INDUSTRIALIZAÇÃO: MODIFICAÇÃO DO ESPAÇO PELA CRIAÇÃO DO DISTRITO INDUSTRIAL RENAULT EM SÃO JOSÉ DOS PINHAIS- BAIRRO BORDA DO CAMPO. Helen Caroline Cunha BARBOSA Universidade Federal

Leia mais

Alterações no padrão de cobertura da terra na Zona Oeste da cidade do Rio de Janeiro/RJ nos anos de 1985 e DOMINIQUE PIRES SILVA

Alterações no padrão de cobertura da terra na Zona Oeste da cidade do Rio de Janeiro/RJ nos anos de 1985 e DOMINIQUE PIRES SILVA Alterações no padrão de cobertura da terra na Zona Oeste da cidade do Rio de Janeiro/RJ nos anos de 1985 e 2010. DOMINIQUE PIRES SILVA Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro E-mail: nique_rhcp@hotmail.com

Leia mais

PROGRAMAÇÃO DO CURSO FORMAÇÃO DE COLETORES DE SEMENTES DE ESPÉCIES FLORESTAIS NATIVAS

PROGRAMAÇÃO DO CURSO FORMAÇÃO DE COLETORES DE SEMENTES DE ESPÉCIES FLORESTAIS NATIVAS PROGRAMAÇÃO DO CURSO FORMAÇÃO DE COLETORES DE SEMENTES DE ESPÉCIES FLORESTAIS NATIVAS Data: 19 a 23 de maio de 2014 Horário: 8:00-18:00 horas Local: Universidade Tecnológica Federal do Paraná - UTFPR,

Leia mais

Ideli Salvatti Ministra da Pesca e Aquicultura

Ideli Salvatti Ministra da Pesca e Aquicultura Comissão da Amazônia, Integração Nacional e de Desenvolvimento Regional Ideli Salvatti Ministra da Pesca e Aquicultura 24/5/2011 1 Panorama Mundial 2007/2008 Produção Regional 2008/2009 Produção por estado

Leia mais

SUPERVISOR: Fátima Edília BOLSISTAS: Jusciana do Carmo Marta Claudino

SUPERVISOR: Fátima Edília BOLSISTAS: Jusciana do Carmo Marta Claudino UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES. DEPARTAMENTO DE GEOGRAFIA PROGRAMA INSTITUCIONAL DE BOLSA DE INICIAÇÃO À DOCÊNCIA (PIBID) ESCOLA ESTADUAL MASCARENHAS

Leia mais

UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA - UFBA

UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA - UFBA UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA - UFBA Instituto de Ciências Ambientais e Desenvolvimento Sustentável Cartografia Sistemática e Temática (IAD319) Prof. pablosantos@ufba.br 02 a Aula CARTOGRAFIA SISTEMÁTICA

Leia mais

Avaliação qualitativa em atenção básica à saúde

Avaliação qualitativa em atenção básica à saúde Avaliação qualitativa em atenção básica à saúde MÔNICA DE REZENDE 1 ANTENOR AMÂNCIO FILHO 2 MARIA DE FÁTIMA LOBATO TAVARES 2 A participação no VI Seminário do Projeto Integralidade do Laboratório de Pesquisas

Leia mais

ÁREA DE CONCENTRAÇÃO EM PRODUÇÃO ANIMAL

ÁREA DE CONCENTRAÇÃO EM PRODUÇÃO ANIMAL UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO ESCOLA SUPERIOR DE AGRICULTURA LUIZ DE QUEIROZ ÁREA DE CONCENTRAÇÃO EM PRODUÇÃO ANIMAL CURSO DE ENGENHARIA AGRONÔMICA 2013 APRESENTAÇÃO Os programas das Áreas de Concentração

Leia mais

DIAGNÓSTICO E MONITORAMENTO DO ASSOREAMENTO NO RIO SÃO FRANCISCO ENTRE PETROLINA-PE E JUAZEIRO-BA.

DIAGNÓSTICO E MONITORAMENTO DO ASSOREAMENTO NO RIO SÃO FRANCISCO ENTRE PETROLINA-PE E JUAZEIRO-BA. DIAGNÓSTICO E MONITORAMENTO DO ASSOREAMENTO NO RIO SÃO FRANCISCO ENTRE PETROLINA-PE E JUAZEIRO-BA. Márcia Evangelista Sousa (UPE, discente); marah-sousa@hotmail.com Nilson Evangelista da Silva Santos Filho

Leia mais

CONHEÇA OS CURSOS OFERECIDOS:

CONHEÇA OS CURSOS OFERECIDOS: CONHEÇA OS CURSOS OFERECIDOS: Agricultura Habilita estudantes a observar, organizar e planejar a forma de manejo do solo, bem como traçar medidas de otimização da produção agrícola. Assim, o profissional

Leia mais

Sectores da Economia. Sector Primário Sector Secundário Sector Terciário Sector Quaternário

Sectores da Economia. Sector Primário Sector Secundário Sector Terciário Sector Quaternário Sectores da Economia Sector Primário Sector Secundário Sector Terciário Sector Quaternário Sector Primário O sector primário está relacionado com a produção através da exploração de recursos da natureza.

Leia mais

Figura 5: Evolução do setor de Petróleo em relação ao PIB no Brasil (Fonte: ANP)

Figura 5: Evolução do setor de Petróleo em relação ao PIB no Brasil (Fonte: ANP) 1 Introdução Como principal fonte energética, o petróleo desempenha papel estratégico na economia do Brasil e dos principais países industrializados do mundo. O setor de petróleo representa quase 10% do

Leia mais

Biodiversidade. Sociobiodiversidade

Biodiversidade. Sociobiodiversidade Conceitos Biodiversidade Bio significa vida e diversidade significa variedade. Então, biodiversidade ou diversidade biológica compreende a totalidade de variedade de formas de vida que podemos encontrar

Leia mais

Boletim de preços de produtos agropecuários e florestais do Estado do Acre

Boletim de preços de produtos agropecuários e florestais do Estado do Acre Laranja: Acre importa cerca de 400 toneladas por ano. Mercado local consome mais laranja do que o Estado produz. Esta edição do boletim de preços traz uma análise sobre a produção de laranja no Acre. Os

Leia mais

GOVERNO DO ESTADO DO AMAZONAS. Eng. de Pesca MSc. Raimunda Nonata M. Lopes. Gerente de Controle de Pesca e Aquicultura

GOVERNO DO ESTADO DO AMAZONAS. Eng. de Pesca MSc. Raimunda Nonata M. Lopes. Gerente de Controle de Pesca e Aquicultura GOVERNO DO ESTADO DO AMAZONAS PALESTRANTE: Eng. de Pesca MSc. Raimunda Nonata M. Lopes Gerente de Controle de Pesca e Aquicultura www.ipaam.am.gov.br Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas - IPAAM

Leia mais

UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS E ECONÔMICAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ECONOMIA ANDREZZA ROSALÉM VIEIRA

UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS E ECONÔMICAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ECONOMIA ANDREZZA ROSALÉM VIEIRA UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS E ECONÔMICAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ECONOMIA ANDREZZA ROSALÉM VIEIRA INOVAÇÃO NA CULTURA DO MAMÃO: GERAÇÃO E DIFUSÃO DO CONHECIMENTO

Leia mais

ANÁLISE DE IMPACTO AMBIENTAL EM CORPO HÍDRICO

ANÁLISE DE IMPACTO AMBIENTAL EM CORPO HÍDRICO ANÁLISE DE IMPACTO AMBIENTAL EM CORPO HÍDRICO Anaise Breda (*), Marluse Guedes Bortoluzzi 2, Alcindo Neckel 3, Tales Gonçalves Visentin 4 * Faculdade Meridional IMED. Acadêmica do Curso de Arquitetura

Leia mais

Agora que sabemos como é o relevo da bacia vamos entender como é a chuva na Bacia

Agora que sabemos como é o relevo da bacia vamos entender como é a chuva na Bacia Agora que sabemos como é o relevo da bacia vamos entender como é a chuva na Bacia Amazônia Ciclo Hidrológico Fonte: Romera et al., 2003 O Ciclo hidrológico é a base de renovação de toda a água existente

Leia mais

PLANO DE AULA/ROTINA DIÁRIA

PLANO DE AULA/ROTINA DIÁRIA PLANO DE AULA/ROTINA DIÁRIA EJA Ensino Fundamental 2º Segmento Fase/Ano: 4ª Fase 6º e 7º Ano Ano Letivo: 2014 Componente Curricular: Geografia Professores do Estúdio: Jefferson Lima e Ludmila Dutra Carga

Leia mais

A Interpretação das culturas -Clifford Geertz Professora Doutora Mirela Berger UFES Universidade Federal do Espírito Santo

A Interpretação das culturas -Clifford Geertz Professora Doutora Mirela Berger UFES Universidade Federal do Espírito Santo Mirela Berger A Interpretação das culturas Clifford Geertz 1 A Interpretação das culturas -Clifford Geertz - 1926-2006 Professora Doutora Mirela Berger UFES Universidade Federal do Espírito Santo 1) A

Leia mais

Associação de Desenvolvimento da Microbacia do Ribeirão das Pedras Taió (SC)

Associação de Desenvolvimento da Microbacia do Ribeirão das Pedras Taió (SC) Associação de Preservação do Meio Ambiente do Alto Vale do Itajaí Rua XV de Novembro, 218 sala 27 Rio do Sul (SC) Fone/fax: (47) 3521-0326 Email: info@apremavi.org.br Associação de Desenvolvimento da Microbacia

Leia mais

GEOGRAFIA ROTEIRO DE RECUPERAÇÃO 2ª ETAPA 2017

GEOGRAFIA ROTEIRO DE RECUPERAÇÃO 2ª ETAPA 2017 GEOGRAFIA ROTEIRO DE RECUPERAÇÃO 2ª ETAPA 2017 ENSINO FUNDAMENTAL II ANO: 7º PROFESSORA: MÁRCIA SANTI ALUNO(A): Nº: TURMA: ABCDE I INTRODUÇÃO Este roteiro tem como objetivo orientá-lo nos estudos de recuperação

Leia mais