Que castas e estilos de referência para a Região Tejo?

Transcrição

1 Que castas e estilos de referência para a Região Tejo? Antes de mais gostaria de agradecer à CVR Tejo o honroso convite que me foi feito para participar neste Workshop. O tema da minha intervenção foi-me proposto pela organização e intitula-se: Que castas e estilos de referência para a região Tejo? Confesso que é um tema bastante ambicioso, quase diria presunçoso, para alguém que, como eu, nada sabe de vinha ou de adega. Ou, pelo menos, alguém que nada sabe comparado com o conhecimento dos muitos profissionais aqui presentes. Assim, para corresponder à solicitação que me foi feita, procurarei basear-me nos cerca de 4 ou 5 mil vinhos diferentes que provo em cada ano. E no acumular de 20 anos de provas, através das quais acompanhei a evolução das diversas regiões vitivinícolas portuguesas, entre as quais, naturalmente, a região do Tejo. Qualquer sugestão de castas ou estilos de vinho para a região do Tejo irá pecar por ser demasiado generalista. Afinal de contas, e ao contrário de que muita gente pensa, esta região é tudo menos uniforme. Uma variedade de uva comporta-se de madeira diferente em terrenos de areia, de calhau rolado, de argila ou de charneca. E uma vinha plantada em Almeirim é diferente de uma vinha plantada em Tomar, por exemplo. Do mesmo modo, quando se aborda os estilos de vinhos possíveis ou desejáveis para a região do Tejo, devemos sobretudo ter em conta o ADN do produtor, a sua dimensão, os seus objectivos de mercado. Os caminhos que devem ser seguidos por uma adega cooperativa, por uma empresa que faz 4 milhões de garrafas ou por um pequeno produtor familiar que vinifica apenas as suas uvas e que produz 100 mil litros, são necessariamente diferentes. Por isso, peço-lhes que compreendam que sou forçado a generalizar quando abordo o tema que me foi proposto. Preâmbulo feito, vamos ao assunto. Que castas para a região do Tejo? A resposta mais adequada será: as que derem melhores resultados, tendo em conta as características e objectivos de cada produtor. Se respondesse assim terminava esta conversa e ficava despachado. Mas como não deve ser isso que esperam de mim, vou procurar ser mais específico. Com uma única excepção (que já abordarei) a região do Tejo tem a desvantagem de não ter castas que marquem os seus vinhos, ao mesmo tempo com qualidade e carácter inconfundível. Não há aqui castas que sejam para o Tejo o que a Touriga Nacional é para o Dão, o Arinto para Bucelas, a Baga para a Bairrada, a Touriga Franca para o Douro, o Loureiro e o Alvarinho

2 para os Vinhos Verdes ou a Trincadeira e o Antão Vaz para o Alentejo. Ou seja, o consumidor não se habituou a relacionar um determinado aroma e sabor com os vinhos do Tejo. Numa prova cega, eu não sou capaz de dizer: este é, sem sombra de dúvida, um vinho do Tejo. Mas há que aproveitar os aspectos positivos desse facto, que também existem. O primeiro, é que não havendo imagem perceptível do vinho junto do consumidor, também não existe uma má imagem por outras palavras, o consumidor não associa uma casta de que não gosta aos vinhos do Tejo; o segundo aspecto positivo, para mim fundamental, é que a região do Tejo é uma tela em branco, uma tela que podemos pintar com as formas e cores que quisermos. E podemos fazê-lo sem que apareça alguém a dizer que descaracterizámos os vinhos da região. Vamos pintá-la, então. E comecemos com a tal excepção que há pouco referi. Porque há efectivamente um vinho que eu reconheço em prova cega como sendo da região do Tejo: um branco de Fernão Pires. E, curiosamente, reconheço-o como Tejo quando é bom e quando é mau. Tenho para mim que a variedade Fernão Pires ainda não teve nesta região a atenção que merece. É verdade que vão longe os tempos daqueles brancos oxidados, dos Fernão Pirão como lhe chamavam, com 14 ou 15 graus, intragáveis. Hoje, os vinhos defeituosos quase não existem. Mas acredito que é possível fazer muito melhor com Fernão Pires do que limitarmo-nos a usar a casta para fazer uns milhões de litros de vinho para vender a granel ou para engarrafar vinhos brancos que não passam da vulgaridade. Acontece que tenho também provado vinhos brancos de muito bom nível, da região do Tejo, elaborados com base na casta Fernão Pires. Nesta apresentação não vou falar de marcas e por isso não os menciono pelo nome. Mas essas provas fazem-me acreditar que há que ser mais ambicioso com esta casta. Há que tratá-la melhor na vinha e na adega, pois ela é capaz de originar quer vinhos mais leves e simples, mas muito aromáticos e frescos; quer vinhos mais complexos, encorpados e profundos, utilizando-se para isso, de forma correcta e regrada as madeiras de fermentação. Outra casta que eu não dispensaria: Arinto. Senão é a melhor variedade branca portuguesa, é pelo menos a mais útil, pela sua notável capacidade de emprestar acidez e vivacidade a outras que não possuem estas características. E todos sabemos que a acidez é, cada vez mais um requisito que os consumidores nacionais e internacionais procuram. Continuando nas variedades brancas, apostaria sobretudo nas mais adaptáveis e polivalentes. Chardonnay faz todo o sentido (mas atenção às maturações elevadas, um erro que cada vez se comete mais) mas também faz sentido Viognier ou Verdelho, por exemplo, duas castas ainda pouco divulgadas entre nós mas com enorme potencial. Quanto a Sauvignon Blanc, é uma variedade que começa a estar na moda junto dos produtores nacionais mas acredito que só em raros locais,

3 muito específicos, poderá dar resultados interessantes. Conheço todos ou quase todos os Sauvignon Blanc que se fazem em Portugal e, permitam-me que o diga, nenhum me convence, sobretudo quando comparados com os seus congéneres franceses ou neozelandeses. Mesmo em Espanha, os únicos Sauvignon Blanc interessantes, de forma consistente, são os de Rueda ou os plantados em altitude na Catalunha. Em Portugal, tem acontecido, esporadicamente, um ou outro produtor fazer um Sauvignon Blanc com as características mais elegantes e frescas da casta. Mas na vindima seguinte, com um pouco mais de calor, esse sucesso já não se repete, o carácter varietal foi-se. Por isso, até que me convençam do contrário, não acredito no Sauvignon Blanc para a região do Tejo. Muitas vezes procuramos longe aquilo que temos mais perto. Tenho a sensação que, se bem trabalhada na vinha e na adega, a Fernão Pires pode evidenciar aquilo que procuramos na Sauvignon Blanc. Com a vantagem do carácter regional. Mas se a ideia é fazer diferente, então, porque não a Antão Vaz? A tropicalidade da sua fruta, a sua mineralidade, fazem dela um sucesso enorme no Alentejo. E tem no Arinto o parceiro ideal para compensar alguma falta de acidez. Fica a sugestão. Das brancas para as tintas, é inevitável falar da Castelão, a variedade tinta mais plantada no na região do Tejo. Penso que todos os produtores regionais têm consciência que é necessário diminuir a dependência de uma casta que só muito esporadicamente faz vinhos acima da média. Mas ela tem a sua utilidade, sobretudo para os lotes mais simples. Fora isso, tenho muitas dúvidas que possa entrar nos vinhos mais ambiciosos. Porém, sabemos que nas areias de Palmela, e em vinhas velhas, a Castelão se transfigura e origina vinhos cheios de cor, concentrados, com garra e acidez. Terão algumas zonas da região do Tejo características semelhantes a estas, capazes de tirar o melhor partido da Castelão? É bem possível. O que é verdade para os brancos é verdade para os tintos: a aposta mais forte da região do Tejo tem de ir para castas adaptáveis às suas diversas condições de solo e clima, polivalentes em termos de perfis de vinhos que originam e, sobretudo, com qualidade garantida. Em termos de variedades tintas, só encontro duas: Touriga Nacional e Syrah. A Touriga Nacional, para além das suas extraordinárias qualidades, que não vale a pena enumerar aqui, tem a vantagem de ser diferente daquilo a que os mercados de exportação estão habituados e em relação ao qual começam a ficar cansados. Diferente, mas de atracção imediata em termos de aroma e sabor, muito fácil de gostar. Já a Syrah tem provas dadas nesta região e é das castas mais polivalentes e seguras que conheço, sobretudo em climas quentes. O Alentejo que o diga. A Syrah é capaz de fazer quase tudo, capaz de fazer quantidade com qualidade, para os vinhos mais simples, mas também capaz de fazer grandes vinhos quando trabalhada de outra forma na vinha e na adega. É daquelas apostas com retorno absolutamente garantido.

4 Mas se defendo uma aposta global em Touriga Nacional e Syrah, não gostaria de ver a região do Tejo vestida apenas com duas cores. A Trincadeira, por exemplo. Sabemos que é uma variedade complicada na vinha mas se só se usássemos as variedades 100% seguras, o mundo do vinho estaria reduzido a meia-dúzia de castas. A Trincadeira, para além de ser resistente ao calor (e isso, como sabemos, é cada vez mais importante) é comprovadamente uma casta capaz de dar origem a vinhos de grande nível. Alguns dos melhores vinhos desta região vieram de vinhas velhas de Trincadeira. Para mim, será sempre uma casta a considerar, mas apenas nos locais mais adequados. Cabernet e Merlot, sim senhor. A região do Tejo tem condições para fazer bons lotes bordaleses. Serão, provavelmente, mais Napa Valley do que Bordéus em termos de estilo. Mas e daí? Tomara Bordéus ter a consistência de qualidade de Napa Valley Tinta Roriz (ou Aragonês, como quisermos). Não conheço um único 100% Tinta Roriz português que tenha sequer chegado ao muito bom, quanto mais ao excelente. É uma casta que precisa sempre de uma muleta, um suporte e tenho medo do que as produções avantajadas lhe poderão fazer. Mas é uma boa casta, quanto bem tratada, e óptima para compor lotes. Será uma opção possível. Quanto ao Pinot, por favor, esqueçam. Se nem nas regiões portuguesas mais frescas, como a Bairrada, se consegue fazer um Pinot de categoria superior ano após ano! E não é só em Portugal. Onde estão os grandes Pinot de Espanha, Itália ou do Sul de França? Não existem. Pinot é a casta mais difícil do mundo. A sua precocidade dá ilusões de facilidade. Mas para arrancar um vinho muito bom daquelas uvas, só em condições excepcionais. As condições que Borgonha tem e apenas mais uma ou duas regiões frescas do mundo de vez em quando acompanham. É que Pinot não tem nada que possa ser útil à região do Tejo. Para o consumidor que não conhece Borgonha, aparece como um vinho sem cor, sem concentração, logo, desvalorizado. Para o raro consumidor que conhece Borgonha, o Pinot português é pouco mais do que uma brincadeira. Mas, para determinado perfil de produtores, que trabalham em nichos de mercado é importante fazer diferente. E aí, existem alternativas. Há uma casta muito desconsiderada que está a ser objecto de recuperação de imagem em Espanha, com produtores de grande categoria a valorizá-la e a fazer vinhos de topo com ela. Garnacha. Já houve Garnacha nesta região. Sabemos que se dá bem com climas quentes e secos, e o trabalho que está a ser feito em Espanha aponta para produções escassas e ausência de irrigação. Para quem aposta na diferença, nos chamados vinhos de garagem, pode ser uma alternativa muito interessante. Especialmente se lotada com Syrah, à moda da Côtes du Rhone.

5 E Alicante Bouschet, como é? Hoje em dia tornou-se, provavelmente, na mais importante variedade tinta do Alentejo, indispensável em todos os vinhos de topo daquela região. Se tivermos cuidado com os excessos de produção, não vejo porque não possa ter um desempenho semelhante na região do Tejo. Finalmente, para não correr as castas todas do mundo, deixem-me falar de uma das minhas preferidas: Touriga Franca. Para mim, é a melhor casta do Douro, com um enorme equilíbrio de fruta, tanino e acidez, e com uma elegância e capacidade e envelhecimento inigualáveis. Como se comportará na região do Tejo? Não sei. Mas uma vez que esta é uma região aberta, nada como experimentar. Aliás, experimentar, experimentar sempre, devia ser o lema desta região. Apostar desde já, porque o mundo não espera, nos valores seguros. Mas não perder a oportunidade de experimentar outras coisas, outras castas, que no futuro poderão fazer diferença. A verdade é que está quase tudo por fazer. A região vitivinícola do Tejo começa agora. E será aquilo que aqueles que aqui trabalham na vinha, na adega ou na comercialização dos vinhos, quiserem que seja. Luis Ramos Lopes