JOGO KATAMINO: COORDENAÇÃO DE VARIÁVEIS ESPACIAIS, OS POSSÍVEIS E O NECESSÁRIO
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1 JOGO KATAMINO: COORDENAÇÃO DE VARIÁVEIS ESPACIAIS, OS POSSÍVEIS E O NECESSÁRIO Lilian Alves Pereira 1 - UEM Grupo de Trabalho Didática: Teorias, Metodologias e Práticas Agência Financiadora: Capes Resumo O ensino de geometria continua sendo uma prática escolar distorcida e desvinculada da realidade dos alunos na escola, bem como distante da reflexão e do estudo do professor. Enquanto isso, estudos demonstram que vêm crescendo as dificuldades encontradas na construção espacial das crianças e adultos brasileiros. Por conta disso, apresentamos os resultados de uma investigação sobre a influência de intervenções pedagógicas construtivistas com uso do jogo Katamino e construção de possíveis sobre a aprendizagem de conteúdos geométricos escolares de alunos de salas de acompanhamento pedagógico 5º ano do ensino fundamental. Sabemos que essa relação proporciona a construção e aprimoramento da estrutura cognitiva do sujeito, porém nossa proposta é tentar mostrar que além dessa ampliação uma metodologia baseada neste conceito é capaz de influenciar nos conteúdos escolares, no nosso caso o conteúdo de espaço e forma. Para tanto, antes e depois de um processo de intervenção pedagógica realizamos uma bateria de testes sobre noções espaciais, o possível e o necessário e conceitos espaciais (espaço e forma). Os resultados apontam que o uso do jogo Katamino contribuiu para a construção de possíveis nas estratégias dos estudantes, bem como para a melhoria de seu desempenho em todos os testes realizados após as intervenções pedagógicas. Nas avaliações sobre conteúdos geométricos o crescimento da quantidade de acertos mostrou-se estatisticamente significativo, além de qualitativamente mais adequados em suas respostas. Concluímos que esses resultados estão relacionados à metodologia utilizada durantes as intervenções pedagógicas, em especial, o uso do jogo de regras acompanhado de mediação clínica da pesquisadora. Palavras-chave: Educação. Possível e Necessário. Jogo. Geometria. 11 Mestra em educação pela Universidade Estadual de Maringá UEM.Aluna do Doutorado em Educação pelo programa de Pós-graduação da Universidade Estadual de Maringá PPE-UEM. lilianalvespereira@hotmail.com ISSN
2 36687 Introdução Observando o cenário atual da Educação Básica percebemos incoerência em relação à literatura (FONSECA, 2008; PEREIRA, 2005; PEREIRA, 2009) e aos textos legais (BRASIL, 1998) no que diz respeito aos conteúdos que são trabalhados na instituição escolar. Os estudos mostram que, na maioria das vezes, é priorizado o processo de alfabetização com atividades de lápis e papel em detrimento de atividades lúdicas e espaciais. Quando realizadas tais atividades são direcionadas ao brincar como entretenimento. Pesquisas nesta área têm concluído que os estudantes mantêm distância entre os conhecimentos ensinados na escola e os que vivenciam em seu cotidiano. É como se, por exemplo, as figuras geométricas ensinadas em sala de aula não tivessem estreita relação com os objetos com os quais lida em seu dia a dia. Mesmo aprendidas por meio de supostas atividades lúdicas estas noções parecem não se integrar aos conhecimentos cotidianos das crianças. É também observada entre os conhecimentos ministrados em sala de aula e as vivências dos educandos na Educação Infantil e primeiros anos do Ensino Fundamental. O saber cotidiano e o científico não se integram no processo escolar trazendo à tona problemas pedagógicos para os quais os docentes parecem não se sentir preparados. Neste sentido, apesar de estar presente nos Parâmetros Curriculares Nacionais: Matemática PCN s (BRASIL, 1997), nas Diretrizes Curriculares da Educação Básica: matemática (PARANÁ, 2008), no Currículo Básico para as Escolas Públicas do Estado do Paraná (PARANÁ, 2003) e no Currículo da Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental (MARINGÁ, 2012), a geometria continua se constituindo uma prática escolar distorcida e desvinculada da realidade dos alunos na escola, bem como distante da reflexão e do estudo do professor. Esses documentos oficiais (BRASIL, 1997; PARANÁ, 2003, 2008; MARINGÁ, 2012) indicam o espaço e a forma e/ou a geometria como conteúdos escolares, mostrando sua relevância para o desenvolvimento integral dos sujeitos. São consideradas atividades privilegiadas, nas quais o espaço, entre outros conteúdos, é aprendido e significado pelas crianças. Dessa maneira, os conteúdos escolares não são tratados como uma imposição, mas como uma necessidade pessoal e social, pois quando apreendidos pelos indivíduos se constituem ferramentas sociais. Como lembra Gasparin (2010, p. 97) o processo pedagógico requer uma aprendizagem significativa incorporada dentro de uma totalidade e que envolva intelectual e afetivamente os alunos na elaboração ativa do conhecimento sistematizado.
3 36688 Vários estudos demonstram que vem crescendo as dificuldades encontradas na construção espacial dos indivíduos. Os atrasos encontrados por Kobayashi (2001) em testes sobre as noções topológicas em crianças de 5-7 anos também foram identificados em crianças de Educação Infantil, com 4-5 anos em estudo recente 2 (PEREIRA, 2009). Esses dados sugerem que essas dificuldades podem estar se manifestando cada vez mais cedo, desde a primeira infância e confirmam as conclusões de pesquisas anteriores como as de Oliveira (1992), Porto (2003), Fávero (2004), Saladini (2006) e Rodrigues (2007). Esses estudos revelam que as lacunas existentes no desenvolvimento espacial das crianças não estão sendo atendidas pela família e pela escola. O ensino de geometria, principalmente nas séries iniciais tem ficado em segundo plano no dia-a-dia das aulas de matemática. Quando é ensinada, geralmente aparece como um tópico específico, sem conexão com os outros conteúdos da própria matemática. Porém, essa conexão não só é possível, como fundamental para o desenvolvimento do raciocínio geométrico dos estudantes (LORENZATO, 1995; PAVANELLO, 2004). Resultados de avaliações oficiais como a Prova Brasil 3 evidenciam que exercícios geométricos realizados com lápis e papel apresentam desempenho abaixo do esperado para a segunda etapa do Ensino Fundamental. Tais resultados correspondem aos encontrados há quase 20 anos atrás em pesquisas com as de Pavanello (1995) que evidenciam dificuldades dos alunos em geometria nas séries iniciais. Em razão disso, consideramos pertinente a realização de uma pesquisa que envolva esta lacuna e nos perguntamos: É possível por meio da construção dos conceitos do possível e do necessário produzir conhecimento espacial utilizando um jogo de regra? Como conceitos como a coordenação de múltiplas variáveis espaciais podem ser desenvolvidos por meio da construção dos possíveis e do necessário? 2 Esta pesquisa objetivou elaborar e aplicar uma metodologia de ensino envolvendo jogos corporais para o desenvolvimento da área motora (esquema corporal, orientação espacial e temporal), intelectual (tomada de consciência) e prevenção de dificuldades em conceitos topológicos. Neste sentido, pressupomos que a construção da noção de espaço leva em conta o espaço geométrico e suas relações topológicas. Foi hipótese deste trabalho que alunos com desempenho insatisfatório em noções topológicas, submetidos à intervenção pedagógica de caráter construtivista, envolvendo tomada de consciência e desenvolvimento psicomotor, mais especificamente, esquema corporal e coordenação espaço-temporal, obtêm ampliação de seu domínio nessas áreas. Verificou-se modificação do desempenho nas noções topológicas, habilidades psicomotoras e tomada de consciência corporal das crianças após as sessões de intervenção pedagógica a que foram submetidas. A partir dos resultados obtidos, concluiu-se a abordagem dos esquemas motores esquema corporal e espaço-tempo e da tomada de consciência, nas primeiras séries escolares, de acordo com a proposta de intervenção aplicada pela pesquisadora, foi capaz de alterar as estruturas cognitivas dos sujeitos. 3 Exames oficiais como Prova Brasil, Enem
4 36689 Tendo em vista as lacunas do desempenho dos estudantes sobre geometria nos exames oficiais o presente artigo apresenta alguns resultados de uma pesquisa de doutorado, em andamento, cujo objetivo foi o de investigar o desenvolvimento da coordenação de variáveis espaciais por meio do possível e do necessário com uso do jogo Katamino com alunos de salas de acompanhamento pedagógico 5º ano do ensino fundamental. Realizamos intervenção pedagógica por meio da qual foi possível acompanhar passo a passo os processos funcionais que estão presentes na coordenação de múltiplas variáveis espaciais e da formação de possíveis e do necessário. Nesse artigo iremos apresentar dados coletados antes e depois do processo de intervenção com relação à prova A construção de arranjos espaciais e equidistâncias (PIAGET, 1981/1985, p ) e uma das avaliações sobre conteúdos espaciais. Saber geométrico, o jogo e os possíveis Na Educação Infantil, entende-se que os professores não irão dar aulas de geometria para seus alunos; ao invés disso, a geometria deve estar inserida entre os conhecimentos que a criança deve vivenciar e experienciar desde que ingressa na escola. Ela vive em um mundo espacial desde o seu nascimento. Porém, não é apenas pela percepção que pode aprender as relações espaciais necessárias à sua vivência e nisso a intencionalidade do processo educativo é essencial. Este processo deve proporcionar a exploração de seu esquema corporal, de organização espacial e das primeiras noções geométricas. De acordo com o Currículo Básico para escolas públicas do Estado do Paraná (PARANÁ, 1990) os conhecimentos geométricos são foco da Educação Infantil como, por exemplo, Exploração e localização espacial; Noções de dentro, fora, vizinhança, fronteira, atrás, na frente, em cima, embaixo, à direita, à esquerda, entre e no meio; Semelhança e diferença entre as formas geométricas encontradas na natureza e Classificação dos sólidos geométricos de acordo com sua superfície: plana (não rolam) e curva (rolam). Nas séries iniciais do Ensino Fundamental são Classificação dos sólidos geométricos e figuras planas; Planificação dos sólidos através do contorno das faces; Semelhanças e diferenças entre sólidos geométricos e figuras planas; Identificação do número de faces de um sólido geométrico e do número de lados de um polígono; Noções sobre ângulos; Identificação e construção do ângulo reto; Construções e representações no espaço e no plano; Representação Cartesiana, confecção de gráficos; Interpretação geométrica de equações,
5 36690 inequações e sistemas de equação e Representação geométrica dos produtos notáveis todos são fundamentados no domínio espacial de campos mais reduzidos como uma folha de papel. Com base em teorias do desenvolvimento como a Psicologia Genética podemos afirmar que essa sequência não é adequada para a construção do conhecimento espacial. Como mostram as pesquisas de Piaget (1948/1993) e seus colaboradores esse processo se inicia pela construção topológica e, na sequência, as relações projetivas e euclidianas. Apesar disso, o ensino de geometria continua iniciando o ensino de geometria pelas relações projetivas e euclidianas antes das topológicas que envolvem as relações entre o corpo e o meio que o rodeia. Como consequência, a falta de um trabalho que envolva inicialmente os espaços topológicos tem provocado lacunas na construção do espaço tridimensional e prejudica as atividades geométricas que envolvem a bidimensionalidade, como as de lápis e papel. Vários são os jogos de regras que possibilitam o desenvolvimento de habilidades geométricas, entre eles o Katamino, utilizado nesta pesquisa. Além de desenvolver tais habilidades estes jogos também oferecem condições de promover a evolução da criatividade lógica por meio da construção dos possíveis e do necessário. É por encontrar esse movimento de forma evidente no jogo que o consideramos como instrumento adequado para o desenvolvimento de possíveis nas relações espaciais. Consideramos que ao organizar novas estratégias as crianças criam procedimentos de acordo com sua capacidade de antecipação e atualização. Para Brenelli (1996, p. 176) como os jogos permitem à criança inventar novos procedimentos, constituem contextos excelentes para a construção do possível e do necessário. Nesse sentido, os possíveis dizem respeito aos diferentes meios de se alcançar o resultado, e a necessidade à coerência e à integração dos meios em função dos resultados. Encontramos em Piaget (1981/1985) reforço à nossa posição quando ressalta que a cada novo procedimento realizado pelo sujeito em situação de jogo surge uma nova criação, isto quer dizer que novas possibilidades se atualizam. Sabe-se que a cada contato com o objeto de conhecimento o sujeito realiza interpretações abstraindo as propriedades desse objeto. Assim, a cada novo possível as interpretações dos sujeitos se tornam cada vez maiores e mais complexas. Podemos dizer que o jogo de regra, ao exigir estratégias na resolução de situações-problema relaciona-se com a formação de possíveis na medida em que exige do sujeito diversos procedimentos para ganhar a partida. Estudo como o de Amaral (2013) evidencia a necessidade de que professores e estudantes sejam capazes de solucionar criativamente situações-problema da vida escolar
6 36691 contemporânea. Isto significa criar novidades, produzir novos conhecimentos e também saber lidar com os saberes novos produzidos pelo outro. Dentro da teoria piagetiana as condições intelectuais para a abertura dos indivíduos ao novo, ao diferente e, portanto, aos pontos de vista diferentes dos seus estão presentes no conceito de criação de possíveis. Criar possíveis infinitos prepara intelectualmente o indivíduo para criar e aceitar a novidade. Desse modo, o jogo oportuniza os dois tipos de perturbações prováveis no sistema intelectual: as que se opõem as acomodações que são responsáveis pelos erros e fracassos e aquelas que consistem em lacunas que deixam as necessidades insatisfeitas, pois os esquemas assimilativos são insuficientes alimentados. Assim, o entendimento da formação do possível e do necessário envolve o aprofundamento do conceito de equilibração para explicar a criação de novidades que via reequilibração das estruturas atende aos erros, fracassos e lacunas cognitivas. Ao agir sobre o objeto de conhecimento, incluindo o pensar sobre, o sujeito pode vir a tornar sua ação ou ideia possível, desde que seja capaz de compreender que existem essas possibilidades e que tais possibilidades precisam enfrentar os limites do que é necessário naquele momento ou situação tendo em vista o contexto. Em sua obra O possível e o necessário: evolução dos possíveis na criança (1981/1985) Piaget procurou compreender o mecanismo formador de novos possíveis e seus experimentos permitiram comprovar que uma ideia ou possibilidade organizada pelo sujeito é capaz de desencadear novas ideias e possibilidades em um processo contínuo. Nesse processo distinguiu três tipos de esquemas: esquemas presentativos, que além de envolver os esquemas representativos podem ser sensório-motores. Dizem respeito a aquisições realizadas pelos sujeitos, isto é, são estruturas estáveis que servem para compreensão do real; esquemas de procedimentos que consistem em meios orientados para um fim. Ações práticas e/ou mentais utilizadas para a satisfação de lacunas; e, por último, esquemas operatórios que integram os dois precedentes organizando a forma de pensar dos sujeitos. Além desses esquemas fazem parte do processo de construção de novidades a identificação de suas limitações internas e externas. As limitações internas se prendem a uma indiferenciação inicial entre o real, o possível e o necessário e são denominadas de pseudonecessidades ou pseudo-impossibilidades. As pseudonecessidades evidenciam uma ilusão entre o real e o possível e leva o sujeito a não compreender o real como ele é, mas como deveria ser para ele naquele momento. Desse modo, surgem as inferências quase
7 36692 evidentes, que se uma variação é possível outras também são. Diante dessas considerações, Piaget (1981/1985) infere que o possível procede das vitórias obtidas sobre as resistências do real e,em segundo lugar, resulta das lacunas a serem preenchidas quando uma variação imaginada conduz a outras suposições. Porém, sempre que os esquemas presentativos são caracterizados por estados de equilíbrios momentâneos ou duradouros, a natureza dos possíveis gerados pelos sistemas de procedimentos, ao contrário, tem uma mobilidade contínua. Ao se acomodarem os esquemas de procedimentos transportam para níveis mais complexos os esquemas presentativos já constituídos como um novo conhecimento presente no sistema cognitivo dos sujeitos e disponível como esquema assimilador em novas situações-problema. Desenvolvimento de pesquisa Antes e depois do processo de intervenção pedagógica, aplicamos uma bateria de testes sobre noções espaciais adaptados de Piaget e Inhelder ( ): O relacionamento das perspectivas, Os sistemas de referência e as coordenadas: a horizontal e a vertical e Os esquemas topográficos e o mapa da aldeia; A construção de arranjos espaciais e equidistâncias. Além disso, também antes e depois da intervenção pedagógica, realizamos uma avaliação com nove exercícios sobre conteúdos matemáticos que envolviam a coordenação de variáveis espaciais. Essas atividades foram selecionadas da Prova Brasil/2013 e dos livros didáticos utilizados pela escola em foco. Essas provas foram realizadas individualmente com acompanhamento da pesquisadora que solicitou explicações e justificativas das respostas dadas por parte das crianças. Participaram da pesquisa 10 alunos do 5º ano do Ensino Fundamental com faixa etária entre 9 a 10 anos que frequentam a sala de acompanhamento pedagógico de uma Escola do município de Maringá-PR. No processo de intervenção pedagógica os alunos foram organizados individualmente, em duplas e quintetos. A intervenção pedagógica foi adaptada do método clínico sistematizado por Jean Piaget (1926/2005) e da formação dos possíveis e do necessário (PIAGET, 1981/1985). Apresentação e discussão dos resultados Neste artigo apresentamos os resultados obtidos em uma das provas sobre a formação dos possíveis e do necessário, A construção de arranjos espaciais e equidistâncias, bem como
8 36693 dos conteúdos escolares sobre geometria. Os resultados da prova a construção de arranjos espaciais e equidistâncias foram categorizados segundo os níveis de construção de possíveis (PIAGET, 1981/1985, p ). Ao comparamos os resultados do primeiro teste, antes e depois do conjunto de sessões de intervenção pedagógica, constatamos (Quadro 1) que nenhuma criança iniciou a pesquisa manifestando condutas compatíveis com o estádio IA de possíveis analógicos cuja caracterização é a das condutas mais elementares, a criança realiza sucessões sem programação e esforçam-se em reunir as casas de diferentes maneiras que podem ser apresentadas por um alinhamento vertical ou horizontal. As figuras se apresentam em curva, ziguezague, as casas em desordem e, perto da árvore. Além disso, elas chegam a fazer configurações fechadas, mas não circulares. A equidistância é admitida entre a árvore e cada uma das casas de forma individual, não levando em conta as outras casas envolvidas. No estádio IB encontramos 7 (sete) crianças no pré-teste que passaram para nenhuma no pós-teste. O estádio implica em possíveis analógicos menos elementares para a construção de possíveis, a criança tem como característica a produção de alinhamentos, mas predominam configurações fechadas, chegando até a uma forma semicircular ou circular fechada (com algumas casas), às vezes meio ovalada, mas ainda não vê o alinhamento circular como necessário. Alguns casos os sujeitos conseguem somente decompor a distância entre as casas e a árvore em uma parte variável, que é negligenciada, e uma parte comum equidistante, única retida (PIAGET, 1981/1985, p. 104). É como se o sujeito marcasse um ponto para que todos os moradores das casas se encontrassem para irem juntos até a árvore. Quando a criança começa com configurações não circulares fechadas, mas chega ao semicírculo ou círculo fechado por meio de tateios mesmo não realizando uma centralização correta da árvore podemos dizer que ela encontra no estádio IIA que implica em co-possíveis concretos para a construção de possíveis. Este estádio foi manifestado por 3 (três) crianças no primeiro teste passou para apenas uma no segundo teste. Chamou-nos atenção que se no primeiro teste nenhuma criança encontrava-se no estádio IIB no segundo ocorreu passagem para 2 (duas) crianças; enquanto no estádio III também ocorreu a passagem de nenhuma criança para uma frequência de 7 (sete) crianças no pós-teste (Quadro 1). O estádio IIB de co-possíveis abstratos para a formação de possíveis é caracterizado pela construção desde o início de formas circulares, apresentando-se às vezes meio ovalada. Nem sempre existe a correta centralização da árvore e/ou aumento ou diminuição do tamanho do círculo. A necessidade da construção do círculo é antecipada por
9 36694 dedução e não mais somente por constatação no estádio III (co-possíveis quaisquer). Existe um aumento indefinido de possíveis que se manifestam somente nas variações de dimensões do círculo. Quadro 1: Resultados da prova A construção de arranjos espaciais equidistâncias antes e depois do processo de intervenção pedagógica NOME/IDADE PRÉ-TESTE PÓS-TESTE DAN (9,10) I B III FEL (10,9) I B III LUA (9,11) I B IIB LUC (10,9) II A III MAT (10,9) I B III MAR (10,4) II A III PED (10,1) I B III RAY (9,9) II A III STE (9,7) I B IIB VAL (10,7) I B IIA Fonte: a pesquisadora Os resultados sugerem que as mudanças no desempenho das crianças estão relacionadas ao desenvolvimento dos conceitos de possível e necessário. Esses achados confirmam dados de estudos anteriores (ABREU, 1993; PIANTAVINI, 1999; BOGATSHOV, 2003 e ALVES, 2006) de que o uso do jogo associado a situações-problema permite mudanças estruturais no sistema cognitivos dos indivíduos como sugerem as mudanças de estádios em todas as crianças investigadas (pós-teste). Dessa forma, pode-se dizer que ocorreu organização de novos esquemas procedimentais, na formação de possíveis e do necessário na escolha das respostas aos testes. Os dados nos levam a supor também que durante as sessões de intervenção pedagógica as crianças foram provocadas e desafiadas a mudanças, por meio do jogo Katamino que pode ter promovido descentrações, retroações e antecipações de suas estratégias. Entre os participantes, destacamos o desempenho de DAN (9,10) que, no pré-teste, ao ser solicitado para organizar as 8 (oito) casas de uma forma que todos que moram nela andem o mesmo tanto até a árvore constrói um prédio. E uma vez que o ser questionado como ele faz para saber que as pessoas andam o mesmo tanto até a árvore, apresenta características do estádio IB por responder: Porque se eles descerem todos até aqui (porta) e eles vão andar o mesmo tanto até aqui (árvore) DAN (9,10). A resposta de DAN (9,10) mostra o estádio de possíveis analógicos menos elementares (IB), pois ele decompõe a distância entre as casas e a árvore em uma parte variável, isto é, arruma as casas formando um prédio com a árvore na frente.
10 36695 No pós-teste DAN (9,10) apresenta evolução na construção de possíveis passando do estádio de possíveis analógicos menos elementares (IB) para o estádio de co-possível qualquer (III). ao ser questionado sobre se existe outras formas de organizar as casas para as pessoas andarem o mesmo tanto responde: Existe! Fazendo círculos grandes e pequenos sem parar DAN (9,10). A evolução ocorre nos esquemas procedimentais, pois a criança dá conta de que para as pessoas andarem o mesmo tanto as casas devem estar organizadas em uma quantidade variada de círculos. Supomos que essa evolução foi proporcionada por meio dos procedimentos empregados no jogo Katamino, que por meio da reflexão das jogadas a criança começa a perceber do ponto de vista lógico que pode realizar novas construções e do ponto de vista estrutural demonstrar um número ilimitado de possíveis. A partir dos resultados obtidos consideramos que a formação dos possíveis e do necessário encontrados entre os participantes desta pesquisa deve-se ao método de intervenção pedagógica adotado pela pesquisadora e adaptado de Piaget (1981/1985). Acompanhado pela mediação clínica da pesquisadora e ao promover desequilíbrios cognitivos nos participantes, o jogo parece ter favorecido a criação de novos esquemas de procedimentos de jogo. Em relação ao desempenho escolar também podemos notar crescimento dos alunos em seu desempenho quanto ao aumento da quantidade acertos das questões relativas ás noções espaciais (Quadro 2). Além de estatisticamente significativos esses resultados são acompanhados de mudanças qualitativas para maior nas respostas fornecidas pelos estudantes ao serem interrogadas pela pesquisadora. Seus resultados levam-nos a supor a influência da evolução da formação dos possíveis e do necessário sobre a forma e o conteúdo de suas respostas. Quadro 2: Resultados dos alunos nas provas sobre conteúdos geométricos escolares NOME/IDADE PRÉ-TESTE PÓS-TESTE DAN (9,10) 4 acertos 6 acertos FEL (10,9) 5 acertos 8 acertos LUA (9,11) 4 acertos 7 acertos LUC (10,9) 2 acertos 6 acertos MAT (10,9) 4 acertos 7 acertos MAR (10,4) 3 acertos 5 acertos PED (10,1) 3 acertos 8 acertos RAY (9,9) 2 acertos 6 acertos STE (9,7) 5 acertos 6 acertos VAL (10,7) 2 acertos 6 acertos Fonte: a pesquisadora
11 36696 Comparando os resultados do pré-teste com os do pós-teste verificamos acréscimo de acertos em praticamente todas as questões de parte do conjunto de estudantes-participantes da pesquisa. Além desse aumento da quantidade de acertos também constatamos modificações na forma como as crianças passaram a resolver as atividades propostas. Mais uma vez supomos que o progresso de seu desempenho, agora nas provas sobre conteúdos geométricos, ocorrido no intervalo de tempo compreendido entre o pré-teste e o pós-teste, pode ter sido favorecido pelo uso do jogo acompanhado da mediação clínica da pesquisadora. Consideramos que o uso do jogo Katamino cujo conteúdo envolve noções espaciais bi e tridimensionais acabou por favorecer o estabelecimento de novos sentidos aos conceitos geométricos aprendidos na escola. Sobre esse aspecto podemos ressaltar as condutas de STE (9,7) ao resolver a seguinte atividade proposta na prova sobre conteúdos geométricos escolares: Paulo está fazendo uma reforma em um salão de festa e precisa cobrir toda a superfície com cerâmicas. Cada cerâmica possui 1 metro quadrado (1m²), veja a figura abaixo: Quantos metros quadrados (m²) de cerâmica ele precisará para revestir a superfície toda contando com a parte já preenchida? Para resolver esse exercício, no primeiro teste, STE (9,7) termina de fazer os quadrinhos com o lápis, conta todas as partes e responde que precisará de 25 m² de cerâmica para revestir a superfície. Mesmo acertando a questão questionamos sobre o que ela fez para resolver a atividade: Eu pensei que cada quadradinho tem 1 (um) metro e se a gente terminar de fazer os quadradinhos e contar os quadradinhos vai dar 25 quadradinhos STE (9,7). Entretanto, no pós-teste STE (9,7) também acerta a questão respondendo que precisará de 25 m² de cerâmica para revestir a superfície, no entanto, utiliza outra forma de realizar a atividade.faz a contagem da quantidade de quadrados da base e multiplica-os pela altura. Ao ser perguntada sobre como ela fez para resolver a atividade responde: Eu fiz assim porque é mais fácil eu contar as colunas e as linhas e fazer uma conta de vezes STE (9,7). A modificação da estratégia de resolução da tarefa proposta não modificou o resultado correto da questão proposta, mas sugere um dar-se conta de outras maneiras de resolver um mesmo problema. Essa conduta de STE (9,7) pode ser considerada relevante se levamos em conta o conjunto de suas atividades na quais apresentou o mesmo movimento. O que também foi observado entre o grupo de crianças pesquisadas que não somente melhoraram seu
12 36697 desempenho quanto a quantidade de acertos (Quadro 2), mas também modificaram procedimentos de resolução das tarefas no segundo teste tendo ou não acertado no primeiro. Esses resultados nos levam a concordar com Piaget (1981/1985) quando afirma que não é possível conceber esses processos em termos de simples transferências a situações novas, mas sim um processo que demanda uma reorganização mental. Entendemos que não basta a criança ser submetida à resolução de problemas, mas é de fundamental importância que se dê a ela a oportunidade de pensar sobre as suas ações, de estabelecer relações entre o contexto específico de resolução e outros contextos mais ou menos semelhantes a ele, como foi o caso do jogo Katamino. Nossa hipótese explicativa para a elaboração de novas estratégias de resolução das atividades de geometria por parte dos estudantes é de que atividades lúdicas como o jogo Katamino, desde que mediadas por uma abordagem construtivista, contribuem para o estabelecimento de relações entre um contexto (jogo) e outro (atividades geométricas escolares). Parece-nos ter ocorrido a construção de novos esquemas procedimentais que ao se consolidarem como presentativos disponíveis no sistema cognitivo das crianças favoreceram a melhor resolução das tarefas escolares sobre geometria. Considerações Finais Os dados coletados e analisados neste trabalho confirmam a hipótese do estudo de que a coordenação de variáveis espaciais (conteúdos de espaço e forma) de estudantes pode ser desenvolvida por meio da construção do possível e do necessário com uso do jogo Katamino mediado por um processo de intervenção pedagógica construtivista da pesquisadora. Os resultados apontam que o uso do jogo de regra Katamino contribuiu para mudanças nas condutas de construção de possíveis favorecendo mudanças estruturais com evolução de estádios em todas as crianças investigadas. Subentende-se que essas mudanças foram provocadas pelo uso do jogo Katamino e das características da intervenção pedagógica realizada que baseada no método clínico exigiu a reflexão e a verbalização dos procedimentos de jogo por parte das crianças. Esses dados sugerem também que uma metodologia baseada método clínico com desenvolvimento do possível e do necessário aplicada ao jogo Katamino foi capaz de contribuir para a construção de estruturas procedimentais e presentativas dos estudantes, bem como facilitar a aprendizagem de conceitos geométricos. Essa conclusão é comprovada pelos resultados dos estudantes nas provas escolares sobre conceitos espaciais em que o aumento da
13 36698 quantidade de acertos mostrou-se significativa. Além da significância estatística do aumento de acertos, as explicações e justificativas dos estudantes sobre as respostas fornecidas na prova de conteúdos geomapós as intervenções pedagógicas mostraram-se qualitativamente importantes. Os resultados de nossa pesquisa reforçam os de estudos anteriores de que as dificuldades de aprendizagem em geometria se devem ao não respeito da escola e dos livros didáticos ao desenvolvimento das noções espaciais das crianças, iniciando-o pelas relações espaciais projetivas e euclidianas antes das noções topológicas. Concordamos com Souza (2007) que a geometria deve ser desenvolvida de forma a promover experiências de aprendizagem com a intenção de oportunizar uma forma específica de ação/pensamento, próprio da geometria (SOUZA, 2007, p. 46). A manutenção de uma abordagem inadequada com relação ao conteúdo geométrico reforça nossa preocupação em buscar uma metodologia que contribua com a prática educativa dos professores como é o caso do trabalho com o jogo Katamino, plenamente viável nas escolas das séries iniciais. REFERÊNCIAS ABREU, Ana Rosa. O jogo de regra no contexto escolar: uma análise na perspectiva construtivista. Dissertação (Mestrado). Universidade de São Paulo, Instituto de Psicologia, São Paulo, SP, ALVES, Iron Pedreira. Níveis de construção dialética espaço-temporal no jogo xadrez e desenvolvimento de possíveis em escolares. Dissertação (Mestrado). Universidade Estadual de Campinas, Faculdade de Educação, Campinas, SP, AMARAL, Telma Cristian. Descentração cognitiva e esfera pública dialógica nas primeiras séries escolares? Um estudo exploratório. Dissertação (Mestrado em Educação). Universidade Estadual de Maringá UEM, Maringá, PR, BOGATSHOV, Darlene Novacov. Jogos computacionais heurísticos e de ação e a construção dos possíveis em crianças do ensino fundamental. Dissertação (Mestrado). Universidade Estadual de Campinas, Faculdade de Educação, Campinas, SP, BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais. Brasília, DF: MEC/SEF, Secretaria de Educação Fundamental. Referencial curricular nacional para a educação infantil. Brasília: MEC/SEF, 1998.
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