Reflexões Sobre o Conceito Ontológico de Esperança em Paulo Freire no Horizonte de uma Ética para a Educabilidade Ambiental
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- Rachel Margarida Rodrigues Lameira
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1 Reflexões Sobre o Conceito Ontológico de Esperança em Paulo Freire no Horizonte de uma Ética para a Educabilidade Ambiental Filipi Vieira Amorim filipi_amorim@yahoo.com.br Humberto Calloni hcalloni@mikrus.com.br Tamires Lopes Podewils podewils.t@gmail.com Alana das Neves Pedruzzi alanadnp@gmail.com Júlia Guimarães Neves juliaaneves@hotmail.com Programa de Pós-Graduação em Educação Ambiental Universidade Federal do Rio Grande Resumo Este ensaio, de natureza teórica, defende a tese de que é possível, viável e salutar o diálogo entre a Educação Ambiental e o pensamento do educador brasileiro Paulo Freire ( ). O levantamento bibliográfico de elementos que constituem e representam a totalidade da obra freireana são abordados num movimento dialógico entre ética e epistemologia, política e educação, filosofia e pedagogia. Reconhecendo essa impossível dissociabilidade, apresentamos as dimensões do pensamento freireano como base para a discussão acerca do conceito de Esperança, terminologia recorrente em suas obras. O intuito maior de nossa reflexão é sugerir, sem esgotar, elementos que sirvam aos ideais coletivos da Educação Ambiental. Palavras-chave: Paulo Freire, Esperança, Educação Ambiental. 63
2 Reflections on the Ontological Concept of Hope in Paulo Freire from the Point of View of Ethics for Environmental Educability Abstract This essay, of a theoretical nature, argues that it is possible, viable and salutary the dialogue between Environmental Education and the thought of the Brazilian educator Paulo Freire ( ). The bibliographic elements that constitute and represent the totality of Freire's work are addressed in a dialogical movement between ethics and epistemology, politics and education, philosophy and pedagogy. Recognizing this impossible dissociability, are the dimensions of Freire's thought as a basis for discussion about the concept of Hope, recurrent terminology in his works. The larger purpose of our reflection is to suggest, without depleting elements that serve the collective ideals of Environmental Education. Keywords: Paulo Freire, Hope, Environmental Education. Introdução Nas minhas relações com os outros, que não fizeram necessariamente as mesmas opções que fiz, no nível da política, da ética, da estética, da pedagogia, nem posso partir de que devo conquistá-los, não importa a que custo, nem tampouco temo que pretendam conquistar-me. É no respeito às diferenças entre mim e eles ou elas, na coerência entre o que faço e o que digo, que me encontro com eles ou com elas (FREIRE, 2014a, p. 132). A reflexão da qual nos propomos tratar resgata o Paulo Freire filósofo, por vezes esquecido, o pensador comprometido com as indissociabilidades da ética e da epistemologia, do pensar e do agir; o educador empenhado na religação entre a filosofia e a pedagogia, a política e a educação. Diante da conjunção entre esses conceitos, afirmamos a viabilidade de uma discussão teórica em torno das possibilidades de um encontro dialógico entre o pensamento freireano e a Educação 64
3 Ambiental. É por esse motivo que nossa abordagem está ancorada num diálogo bibliográfico com algumas obras de Paulo Freire. Além disso, temos um referencial biográfico do referido autor, pois assumimos aqui a sua postura ética, epistêmica e política no trato das questões sociais em que militamos. Sabemos que Paulo Freire não se dedicou exclusivamente ao tema stricto da Educação Ambiental, mas suas contribuições ao campo da formação humana mostram-se pertinentes ao debate sobre uma educação de múltiplas lateralidades, incluindo, assim, a tratativa interdisciplinar das questões ambientais pela educação. Ao encontro disso ancoramos nossa tese de que não se pode negar que há, no pensamento freireano, uma preocupação intrínseca com a causa ambiental, pois esta representa uma preocupação global que permeia os espaços da vida humana com anúncios e denúncias acerca de uma problemática no campo da ética. Nosso objetivo é aproximar a Educação Ambiental e o pensamento de Paulo Freire na busca de significações para o enriquecimento da compreensão da realidade que nos rodeia, oferecendo possibilidades ao enfrentamento da dita crise ambiental contemporânea. De antemão, anunciamos três dimensões do pensamento freireano que serão abordadas no decorrer do ensaio, a saber: teleologia, axiologia, epistemologia. A justificativa para a defesa e o aprofundamento dessas categorias é legítima diante da confirmação feita por Paulo Freire quando indagado sobre os elementos intrínsecos à sua produção bibliográfica e acadêmica. Em entrevista para a Revista Ensaio, Paulo Freire afirmou, num diálogo com José Chasin, Rui Gomes Dantas e Vicente Madeira (entrevistadores), que há em sua obra uma metodologia com três eixos: epistemológico, axiológico e teleológico (FREIRE, 1985, pp. 22, 23). Essa noção de metodologia freireana, embasada no tripé da epistemologia, da axiologia e da teleologia, nega o mito do método Paulo Freire. A defesa de Paulo está centrada na educação que perpassa uma teoria do conhecimento, que orienta a formação humana para determinado fim e com valores específicos. Queremos dizer que, em nossa interpretação e compreensão, surge a hipótese de que Freire e sua metodologia materializam a possibilidade de um novo telos para a 65
4 história da humanidade. A importância de legitimarmos esta intuição remete-nos à base daquilo que almejamos: a Educação Ambiental enquanto locus de resistência e campo de lutas sociais (econômicas, políticas e culturais). Isto significa romper com a concepção de educação determinista que impede o ser mais. A Educação Ambiental em diálogo com o pensamento freireano significa a tradução da dimensão política do ato educativo condicionado social e historicamente. Em continuidade a esta Introdução, passamos a nossa compreensão das dimensões do pensamento freireano para que possamos estabelecer o conceito de Esperança e sua contribuição à Educação Ambiental. Enfatizamos que, mesmo diante do fato de apresentarmos uma conclusão a esta temática, não propomos um fechamento da discussão, tampouco sua imutabilidade. Assumimos, conscientes, em consonância com a perspectiva do inacabamento do ser (FREIRE, 2014a, p. 50), a recusa da busca por uma verdade final e intransponível. Dimensões do pensamento freireano [...] só reconheço a existência de um lá porque há a existência de um aqui. E não há como chegar lá, a não ser partindo de um aqui (FREIRE, 1985, p. 21, grifos do autor). Tomando a afirmação feita na entrevista Caminhos de Paulo Freire (FREIRE, 1985), discorreremos sobre nossa interpretação quanto às dimensões do pensamento freireano nos eixos já referenciados na Introdução: teleologia, epistemologia, axiologia. A epígrafe utilizada neste tópico defende o movimento de historicidade presente no pensamento freireano. Esta defesa opõe-se ao social (econômico, político e cultural) a-histórico e estático, pois é um movimento de ida e volta, em espiral, que rejeita a concepção da sociologia clássica de uma história a posteriori, determinista, regida pelas inclementes leis da natureza. Reconhecer que existe um lá é assumir que, partindo do aqui, há busca, há finalidade no pensar e no agir 66
5 indissociáveis; por isso a historicidade do ser humano. Reconhecer esse significado pressupõe assumir que, pensando o futuro a partir do presente, e reconhecendo que existe um passado construído socialmente pelos seres humanos inseridos no mundo, é real a possibilidade da mudança, da transformação do eu, do outro e do mundo. Quando falamos em historicidade, queremos afirmar que a realidade que está posta pode ser outra, construída igualmente nas possibilidades históricas em que estamos inseridos e somos partícipes. Esta abordagem inicial aponta a dimensão teleológica do pensamento freireano. O sentido semântico da teleologia remete ao conceito grego de telos (fim, finalidade) em união com logos (teoria, ciência). Em Paulo Freire, isso significa orientar, dar sentido, ir e estar em busca de... É o trajeto que liga o movimento de partir do aqui para chegar ao lá. O lá é desconhecido, mas conhecendo o aqui podemos orientar o lá que queremos, a partir do nosso quefazer. Somos seres da práxis [...] seres do quefazer (FREIRE, 2014b, p. 167, grifos nossos). A vida humana, enquanto práxis, pressupõe, para o alcance da teleologia, pensar a ação, executar a ação, e amparar as consequências da ação. Significa o encontro da práxis enquanto reflexão, ação, reflexão, uma mudança situacional, ou seja, uma transição do ser que emerge do mundo em seu quefazer (FREIRE, 2014b). A questão teleológica não é exclusiva do pensamento freireano, mas difere de outras teleologias quando reconhece para si a interligação desta com a epistemologia e a axiologia. Em função disso, a axiologia encontra a teleologia, por tratar de uma teoria dos valores, da influência dos sentidos morais, éticos e estéticos sobre a valorização. A axiologia, enquanto ciência ou teoria dos valores, é construída social e historicamente; por isso permanece em constante movimento. Por exemplo, a dimensão ética do pensamento freireano, enquanto elemento axiológico, valoriza a ética universal do ser humano em oposição à ética capitalista. Essa ética capitalista não esteve sempre como a conhecemos hoje, mas é fruto de processos históricos. Mas, afinal, de que ética Freire nos fala? Vejamos em suas palavras: 67
6 [...] a ética de que falo não é a ética menor, restrita, do mercado, que se curva obediente aos interesses do lucro. [...] Falo [...] da ética universal do ser humano [...], que condena a exploração da força de trabalho do ser humano, que condena [...] falsear a verdade, iludir o incauto, golpear o fraco e indefeso, soterrar o sonho e a utopia (FREIRE, 2014a, p. 17). Nesse sentido, a axiologia possibilita a teleologia da vida humana enquanto práxis, nas dimensões já mencionadas do pensar a ação, executar a ação, e amparar as consequências da ação. A partir do reconhecimento de que existem valores e desvalores, a práxis teleológica surge como potencial transformador daquilo que está posto, ou seja, a teleologia axiológica como possibilidade de mudança, o fundamento da transição do ser menos para o ser mais (FREIRE, 2014a). Como modo de anteciparmos a discussão sobre o conceito de Esperança, oferecemos mais um exemplo axiológico do pensamento freireano. Nas palavras de Paulo Freire (FREIRE, 2014a, p. 71, grifo do autor): É preciso ficar claro que a desesperança não é maneira de estar sendo natural do ser humano, mas distorção da esperança. Eu não sou primeiro um ser da desesperança a ser convertido ou não pela esperança. Eu sou, pelo contrário, um ser da esperança que, por n razões, se tornou desesperançado. Há, nesse excerto, uma clara afirmação de inversão de valores, uma transmutação axiológica falsa, que tem em si uma teleologia que difere da teleologia freireana. Os seres humanos são, por natureza, seres da Esperança, a desesperança é que não é natural. O que nos torna, por vezes, seres da desesperança é a desvalorização da Esperança como possibilidade real do ser mais dos homens e das mulheres em sua práxis. A desesperança só existe quando há uma negação, socialmente posta, da possibilidade de outro telos histórico. Isso faz 68
7 com que nos deparemos com uma axiologia engessada pelo pessimismo desesperanso que nega a construção de um futuro diferente. Entre teleologia, axiologia e epistemologia existe um laço existencial e dialógico que as torna diferentes e complementares em sua ontologia. É possível distingui-las, mas não separá-las. Não há hierarquia, há coexistência mútua e retroalimentação. Por isso, pensar a epistemologia no arcabouço do pensamento freireano pressupõe a compreensão de que a produção do conhecimento é atravessada pela teleologia e pela axiologia. Esse é o motivo pelo qual não há hierarquia nessa tríade. Epistemologia, então, é o modo pelo qual se busca conhecer algo, o chamado objeto cognoscível. É com o desvelar do oculto que emergem as possibilidades do conhecer. O ser que se pode conhecer torna-se sujeito cognoscente. Mas a relação entre sujeito cognoscente e objeto cognoscível deve ser mediatizada pelo diálogo entre um e outro, sem que o objeto torne-se objetificado pelo sujeito. Inclusive, ao objeto cognoscível não pode ser negada sua condição existencial e historicamente datada, sob pena de fracionar a totalidade e simplificar a realidade: é essa negligência que transforma o objeto cognoscível em coisa objetificada. Destarte, nesse enlace insubordinável entre sujeitos e objetos do conhecimento e com conhecimento, emergem três indagações que servem como ponto de partida para a discussão do conceito de Esperança: i) o que é o conhecimento? ii) para que serve o conhecimento? iii) para quem existe o conhecimento? Para responder estas questões temos, necessariamente, que contextualizar a categoria básica do pensamento freireano que denuncia a estrutura de uma sociedade desigual e fragmentada. Essa base remete à discussão acerca da existência de duas expressões sociais que permeiam os processos econômicos, políticos e culturais: os opressores e os oprimidos. Paulo Freire compreende essa relação como uma luta entre classes distintas, concorrentes e antagônicas, pois para a manutenção das duas frações é necessário que sejam contrárias e desiguais. No seio dessa existência está a relação de opressão que possibilita 69
8 compreender melhor os sentidos do pensamento freireano. Os opressores são os que detêm os meios de produção que possibilitam a manutenção da vida dos oprimidos. São os donos dos meios de produção e, por consequência disso, a classe que define, na maioria das vezes, a finalidade (teleologia) do conhecimento e os valores da sociedade (axiologia). Mesmo sabendo que existem inúmeros movimentos de luta e de resistência frente aos moldes da sociedade atual propondo sua transformação; esse modelo antagônico ainda é preponderante. A resposta às perguntas colocadas anteriormente é unívoca: o conhecimento é um dos elementos que permite a manutenção da classe opressora enquanto opressora, ou seja, tem servido aos opressores como continuidade do status quo. O que queremos dizer é que na perspectiva do pensamento freireano o conhecimento deve, necessariamente, servir aos oprimidos, partir deles e voltar-se para eles. A epistemologia, unida à teleologia e à axiologia, em Freire, busca a superação da sociedade de classes como possibilidade ontológica do ser mais. A epistemologia que reconhece a historicidade é problematizadora da existência e da condição humanas; por isso a tríade do pensamento freireano, aqui apresentada, possibilita o conhecimento do mundo longe da incidência e da falsidade do mito de um determinismo histórico que naturaliza a desigualdade e a opressão. Tomando esta explanação como base da discussão para o entendimento do referencial conceitual do pensamento freireano, adentramos numa reflexão pontual sobre o sentido essencial da Esperança como conceito viável ao entendimento da Educação Ambiental em seus rumos, possibilidades e desafios. Sobre o conceito de Esperança em Paulo Freire Fazendo-se e refazendo-se no processo de fazer a história, como sujeitos e objetos, mulheres e homens, virando seres da inserção no mundo e não da pura adaptação ao mundo, terminam por ter no sonho também um motor da história. Não há mudança sem sonho, como não há sonho sem esperança (FREIRE, 2011, p. 126, grifo do autor). 70
9 O subtítulo anterior, onde tratamos das dimensões do pensamento freireano, fez-se necessário para que agora seja viável a explanação do conceito de Esperança nas obras do autor que nos dedicamos a estudar. Cabe dizer, nessa altura da discussão, que à noção de Esperança está intimamente ligado o Sonho. Essa relação é recíproca, complementar e dialógica. Não se trata de conceitos metafísicos de caráter inalcançável ou desligados da realidade. Na concepção freireana, tanto a Esperança quanto o Sonho são atos políticos de caráter histórico e social. A questão que se coloca é saber se, quem sonha, está sonhando um possível histórico. Segundo, se, quem sonha, está lutando para possibilitar o que está sendo impossível hoje (FREIRE, 1985, p. 20). Ao conceito de Esperança é necessário o entendimento da historicidade do ser, pois é na luta que reside o possível histórico. O impossível hoje não significa o eterno impossível; por isso, a Esperança deve ser entendida a partir da realidade objetiva dos seres humanos que emergem do mundo, que o admiram, que o enxergam de dentro, que colocam para si uma teleologia pautada na axiologia contrária ao que está legitimado. O conceito de Esperança concita ao movimento, não à espera estática. Para que seja evitado qualquer dispêndio cognitivo na apreensão deste conceito, afirmamos que Esperança, no sentido freireano do termo, não é sinônimo do verbo esperar, mas do verbo transcender. Porém, é um erro apreender o conceito de Esperança enquanto promessa que leva os oprimidos a serem opressores; isso se verifica, sobretudo, nos oprimidos de classe média, cujo anseio é serem iguais ao homem ilustre da chamada classe superior (FREIRE, 2014b, p. 68). O projeto freireano quer inviabilizar todas as formas de opressão e não uma mera inversão de papéis em que o oprimido se torne um opressor. A Esperança é um conceito que carrega os traços encharcados das dimensões do pensamento freireano. Por exemplo: i) enquanto teleologia, a Esperança rompe com a lógica do simples esperar; é propulsora da luta e da resistência ao fatalismo neoliberal que proclamou o fim da história e a necessidade de adaptação ao que está posto; ii) como axiologia, a Esperança jamais tornar-se-á desesperança ou desespero; dá novos sentidos à vida humana e às relações sociais (econômicas, políticas e culturais), pois integra a comunidade humana no seio da 71
10 igualdade e da ética universal do ser humano; iii) num sentido epistemológico, a Esperança desperta a curiosidade, faz do sujeito cognoscente um cético quanto ao determinismo; a Esperança transforma-se em busca permanente e promove a consciência crítica do inacabamento do Ser. Num sentido estético, a Esperança desperta a experiência da sensibilidade ética, do imperativo da subjetividade inconformada com o saber que não ultrapassa a aparência dos objetos cognoscíveis e quer ser mais. A Esperança também dá legitimidade à raiva sentida pela negação do amanhã, do Sonho que é impossibilitado pela ganância da exploração, do autoritarismo opressor que faz ser menos. A única ligação da Esperança com a espera é a luta: enquanto lutamos, esperamos; enquanto esperamos, lutamos. Assim, lançamos a premissa hipotética de que, se a Esperança é a luta consciente pela mudança, é autêntica sua ligação com a Educação Ambiental. Nossas considerações finais caminham, nesse sentido, para que possamos apontar possibilidades viáveis a esse emergente campo do conhecimento e sua necessidade inegável de transcender àquilo que está posto: a problemática ambiental contemporânea. Considerações finais para uma aproximação inicial A razão ética da abertura, seu fundamento político, sua referência pedagógica; a boniteza que há nela como viabilidade do diálogo. A experiência da abertura como experiência fundante do ser inacabado que terminou por se saber inacabado. Seria impossível se saber inacabado e não se abrir ao mundo e aos outros à procura de explicação, de respostas a múltiplas perguntas. O fechamento ao mundo e aos outros se torna transgressão ao impulso natural da incompletude (FREIRE, 2014a, p. 133, grifo do autor). 72
11 Para abrir este último tópico, gostaríamos de salientar a importância de os estudiosos da Educação Ambiental aprenderem a conviver com os diferentes estatutos epistemológicos, respeitá-los, dialogar abertamente com eles para assim lutarem contra o antagônico sem negar as lutas e os ideais dos diferentes naquilo mesmo que os difere. Muitas vezes presenciamos discussões que, ao negar o diferente, esquecem a crítica ao antagônico. Esse erro acarreta o maior de todos os prejuízos na luta em nome da Educação Ambiental que tem seu compromisso transformador, pois o antagônico é fortalecido quando os diferentes negam um ao outro a possibilidade do reconhecimento e respeito entre si. A problemática que denunciamos remete ao contexto, na cultura acadêmica, da dificuldade em cotejar e entrelaçar as partes e fugir das fragmentações, das disjunções, das reduções a sítios hermenêuticos incomunicáveis entre si, de totalizações fechadas, inamovíveis, pré-datadas e incompatíveis com as dinâmicas que os prognósticos da Educação Ambiental anunciam para os tempos atuais. Além disso, é de se esperar que as crises dos fundamentos havidas tanto nas Ciências quanto na Filosofia sirvam de esteio aos desafios epistêmicos, axiológicos e éticos nas configurações atuais da profunda crise ambiental em que vivemos. Os diagnósticos da crise ambiental denunciam o modelo irracional do modelo produtivo capitalista e o seu prognóstico anuncia urgentes apostas na superação das sociedades de classe, da dicotomia entre opressores e oprimidos, segundo o projeto freireano, onde o sentido e o significado da Esperança adquirem densidade ontológica. Em razão disso, não há como se esquivar de uma crise dos fundamentos na própria Educação Ambiental, por onde transitam alfândegas ideológicas antagônicas entre si e resilientes quanto ao ethos e ao telos das desiguais, posto que a luta não é travada no ambiente comum da biologia humana e não humana, no tatame planeta Terra, mas nas afrontas metafísicas do entendimento reduzido ao diagnóstico macroeconômico. Nessa Torre de Babel, em cujas vozes se avolumam quando contrariadas, a luta contra o planeta Terra se passa como uma guerra não declarada, que é o mesmo que a pura violência. Enquanto os humanos discutem suas motivações teóricas com a devida seriedade que faz corar os deuses do Olimpo, milhares de espécies vivas são exterminadas pela ganância, pelo ódio, pelo lucro, pela estupidez pura e 73
12 simples. O planeta Terra, reduzido a mero palco de combate entre as diferentes alfândegas ideológicas esvai-se em sangue purulento de suas águas mortas, de seu tecido necrosado pelos poluentes industriais, pelo uso e abuso de suas entranhas não renováveis. Assim, fica impossível saber-se o que é exatamente Educação Ambiental, qual o seu propósito efetivo, o que efetivamente desejamos saber/querer quando enunciamos Educação Ambiental. Neste sentido, a questão é saber se, efetivamente, responder a seguinte questão: O que educa a Educação Ambiental? Não temos a pretensão de legar um sentido único ao campo de estudos da Educação Ambiental, mas queremos enfatizar as dimensões do pensamento freireano como possibilidades de um movimento ético e epistêmico para seus fundamentos. Desse modo, a Educação Ambiental deve reconhecer a existência de opressores e oprimidos; das dimensões teleológicas, axiológicas e epistemológicas que os habitam e vivem em si e para si; da luta contra o antagônico; do respeito e da aliança com o diferente. Numa perspectiva ética e epistêmica, a Educação Ambiental não pode não estar encharcada de Esperança, pois na historicidade das questões ambientais a Esperança é legítima. Não cabe retornarmos ao histórico da Educação Ambiental (tampouco defenderemos a Esperança que não esteja fundada no discurso freireano); o que queremos salientar, com certa insistência, é a necessidade do reconhecimento de uma formulação que traga ao cerne da Educação Ambiental as dimensões da teleologia, da axiologia e da epistemologia alçadas à criticidade não exatamente de um novo mundo, mas de um mundo novo. Já nesse ponto da discussão, arriscamo-nos afirmar que a Educação Ambiental mostra-se carente de fundamentos, como, aliás, tentamos argumentar acima. Sua práxis parece fragilizada por decorrência de uma paralisia promotora da não retroalimentação depois da execução da ação. A ação é pensada e executada, mas não amparada em suas consequências. O amparar as consequências da ação, enquanto parte da práxis, é o que promove a garantia do pensar político, pois coloca em cena a historicidade da vida e de suas relações sociais enquanto elementos constitutivos do ser. 74
13 Fazemos também uma crítica à perspectiva tradicional da Educação Ambiental, porque esta se resume no treinamento e no adestramento. Como sabemos, a perspectiva ou tendência liberal tradicional incorpora-se naquilo que José Carlos Libâneo inclui no amplo contexto da perspectiva da Educação enquanto Redentora da Sociedade, minuciosamente explanada por Cipriano Carlos Luckesi (1994) em seu livro Filosofia da Educação e que Paulo Freire (2014b) faz uma severa crítica em seu Pedagogia do Oprimido ao tratar da Educação tradicional. Este modelo de Educação, assim como sói acontecer com demais modelos ou concepções, migra para os conceitos, entendimentos e práticas de Educação Ambiental. Ainda levando-se em conta de que as tendências pedagógicas não sejam teoricamente puras, isto é, há, certamente, promiscuidades de enfoques nas diferentes tendências, o certo é que a tendência tradicional reduz e fragiliza o discurso ambiental em nome de uma aguda dicotomia intelectual entre a escola e a sociedade. A esperança (agora com e minúsculo) da Educação Ambiental conservacionista, tradicionalista e preservacionista, é balizada por uma fragilidade epistemológica, por uma axiologia que não trata da ética universal do humano e não humano, mas por uma teleologia apolítica e a-histórica. Quando mantemos e legitimamos uma Educação Ambiental tradicional e conservacionista, reforçamos, consciente ou inconscientemente, o princípio do individualismo. Nessa perspectiva, fica exposta a justificativa para ouvirmos sempre mais a famosa frase: eu faço a minha parte para a preservação do meio ambiente. Porém, quando o indivíduo quer afirmar que faz sua parte e toma para si a responsabilidade pela problemática ambiental sem a congregação do conjunto da sociedade, parece-nos uma atitude inócua ou, no mínimo, inconsequente. Sentir-se pertencente e abraçar a causa ambiental é mais do que legitimo: é necessário; mas tomá-la na perspectiva individual é negligenciar a dimensão social, política e educativa da Educação Ambiental. Em consonância com as dimensões do pensamento freireano, queremos propor uma refundamentação da Educação Ambiental a partir da Esperança (com E maiúsculo) que não dissocie teleologia, axiologia e epistemologia, mas que reconheça a historicidade do conhecimento e o inacabamento do ser (humano). 75
14 Nossa proposta é por uma conjunção entre elementos que julgamos indissociáveis: epistemologia e ética; política e educação; filosofia e pedagogia. A Educação Ambiental, enquanto tratativa de questões ambientais não pode ficar na paralisia do discurso da sustentabilidade do consumo dos recursos materiais que, sabidamente, não são eternos. Há que se problematizar a ética capitalista, que promove a ruptura da sociedade em classes antagônicas. Aqui também se insere o argumento feito no início deste capítulo, que denuncia a repudia a falta de respeito entre os diferentes. Uma vez mais sentimo-nos na necessidade de afirmar que a luta da e para a Educação Ambiental é também uma luta mais ampla, contra o antagônico; não ao contraditório, mas ao que exclui a contradição inerente ao modelo de produção capitalista, que faz do ser humano um ser menos, individualista, soberbo em relação às demais espécies vivas e ao já fragilizado planeta Terra. Embora existam qualificadas concepções de Educação Ambiental por parte de intelectuais consagrados no país e no exterior; embora haja um esforço permanente da intelectualidade em aprimorar sempre e cada vez mais uma compreensão de educabilidade ambiental que não se reduza somente aos seus aportes ideológicos; enfim, ainda que a Educação Ambiental se revele como um conceito dócil a uma permanente reavaliação de seus Ideários, ainda assim, e sobretudo, é muito importante que o legado freireano, consubstanciado no seu maiúsculo legado da Esperança, possa referendar a todos quantos participam do Sonho comum a paz acalentada pela humanidade, a rejeição somente àquilo que rejeita; à unidade na luta pela dignidade de ser do Ser, aqui compreendido em sua inefável e inelutável liberdade de, simplesmente, ser enquanto Ser, ou seja, um estar sendo, tal como Freire aponta para a esperança, para a utopia viável, ou seja, o anúncio de um mundo novo. Referências FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 2014a. 76
15 FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. São Paulo: Paz e Terra, 2014b. FREIRE, Paulo. Pedagogia da esperança: um reencontro com a pedagogia do oprimido. São Paulo: Paz e Terra, FREIRE, Paulo. Caminhos de Paulo Freire [Entrevista]. Revista Ensaio. São Paulo, n.14, LUCKESI, Cipriano Carlos. Filosofia da Educação. São Paulo: Cortez, Sobre os autores Filipi Vieira Amorim Licenciado em Ciências Biológicas pela Universidade do Planalto Catarinense e Mestre em Educação pela mesma universidade. Doutorando em Educação Ambiental no Programa de Pós-Graduação em Educação Ambiental, na Universidade Federal do Rio Grande; bolsista da CAPES. Humberto Calloni Graduado em Filosofia e Pedagogia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Mestre e Doutor em Educação pela mesma universidade. Professor e pesquisador do Programa de Pós- Graduação em Educação Ambiental, na Universidade Federal do Rio Grande. 77
16 Tamires Lopes Podewills Licenciada em Ciências Biológicas pela Universidade Federal do Rio Grande e Mestre em Educação Ambiental no Programa de Pós-Graduação em Educação Ambiental pela mesma universidade. Alana das neves Pedruzzi Bacharel em História pela Universidade Federal do Rio Grande e mestranda em Educação Ambiental no Programa de Pós-Graduação em Educação Ambiental na mesma universidade. Bolsista do CNPQ. Júlia Guimarães Neves Licenciada em Ciências Biológicas pela Universidade Federal do Rio Grande e mestranda em Educação no Programa de Pós-Graduação em Educação na mesma universidade. Bolsista da FAPERGS. Revista Comunicação e Educação Ambiental - ISSN: Volume 4- N o 2- Julho/Dezembro de Submetido em: 13/5/2014 e aceito para publicação em 7/7/
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