LIBERTAR-SE A SI E AOS OPRESSORES: A TAREFA HUMANISTA DOS OPRIMIDOS
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- Cássio Mirandela Azevedo
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1 LIBERTAR-SE A SI E AOS OPRESSORES: A TAREFA HUMANISTA DOS OPRIMIDOS Gilnei da Rosa 1 Introdução O Homem nasce com possibilidade de tornar-se humano, mas somente chega a sê-lo, efetivamente, na e através da educação e da inserção cultural no mundo. Tornar-se humano é a vocação central da humanidade. (FREIRE, 1987). Se, tornar-se humano é uma possibilidade, o seu contrário - a desumanização, também é uma possibilidade, não somente ontológica, mas também uma realidade histórica. Para Freire, Humanização e desumanização, dentro da história, num contexto real, concreto, objetivo, são possibilidades dos homens como seres inconclusos e conscientes de sua inconclusão. (ibidem, p. 16). A história humana, entretanto, têm desenvolvido estruturas de opressão, de injustiça, exploração e violência do Homem sobre o próprio Homem, impossibilitando a realização de sua vocação central: a de tornar-se humano. Entretanto, a própria negação dessa vocação, afirma-a através do anseio de libertação e da luta dos oprimidos para recuperar a sua humanidade roubada. (ibidem). A luta dos oprimidos que ganha expressão através dos movimentos sociais, embora assuma bandeiras e objetivos diversos, clama pela mesma questão subjacente: a dignidade da vida humana, sendo imbuída, portanto, de um projeto profundamente humanizador. (BOFF, 2000). Entretanto, a luta pela libertação dos oprimidos somente tem sentido quando [...] os oprimidos ao buscarem recuperar sua humanidade [...] não se sentem idealistamente opressores, nem se tornam, de fato, opressores dos opressores, mas restauradores da humanidade em ambos. (FREIRE, 1987, p. 16). Libertar-se a si e aos opressores é, para Freire, a grande tarefa humanista e histórica dos oprimidos. O problema está em como o 1 Professor de Filosofia e Mestrando PPGEDU-UFRGS. gilneidarosa@hotmail.com. (55)
2 oprimido que hospeda em si o opressor e, vê nele o seu modelo de libertação, pode ser autor de sua própria libertação? Nesse sentido, o presente ensaio, pretende discutir a partir da obra Pedagogia do Oprimido de Paulo Freire, os caminhos para a libertação dos oprimidos em sua tarefa humanista e histórica de libertarem-se a si mesmos e aos opressores. A superação da contradição oprimido-opressor O ideal de libertação do oprimido tem sido, invariavelmente, tornar-se igual ao opressor, ao que Freire designa como aderência ao opressor. Isso acontece pela imersão em que os oprimidos se encontram na realidade opressora, onde o seu pensar e seu agir se encontram condicionados pelas estruturas concretas de opressão, que inferem, inclusive, seu conteúdo existencial. O seu ideal é, realmente, ser homens, mas, para eles, ser homens, na contradição em que sempre estiveram e cuja superação não lhes está clara, é ser opressores. Estes são o seu testemunho de humanidade. (FREIRE, 1987 p. 17). Dessa forma, os oprimidos lutam, não para libertar-se, mas, para alcançarem o mesmo padrão de vida dos opressores e, com eles, passarem a oprimir também ou ainda tornarem-se sub-opressores. Entretanto: [...] a superação autêntica da contradição opressoresoprimidos não está na pura troca de lugar, na passagem de um pólo a outro. (ibidem, p. 24). Quando isso acontece é um indicativo de que a situação concreta de opressão não foi transformada, não foi superada. A libertação para Freire só é possível se o oprimido não reproduzir a lógica do opressor. (FREIRE, 1999). Freire apresenta alguns aspectos para a construção de uma Pedagogia do Oprimido que deve ser forjada com eles e não para eles (ibidem), para forjar uma libertação autêntica e efetiva. Essa pedagogia deve fazer da opressão e de suas causas, objetos de reflexão dos oprimidos, o que resultará no seu posicionamento crítico perante a realidade e no engajamento pela luta de libertação, tornando-se práxis cotidiana e constante. Essa Pedagogia deve partir dos oprimidos, pois, Quem, melhor que os oprimidos, se encontrará preparado para entender o significado terrível de uma sociedade opressora? Quem sentirá, melhor que eles, os efeitos da opressão? Quem, mais que eles, para ir compreendendo a necessidade da libertação? Libertação a que não chegarão pelo acaso, mas pela práxis de sua busca; (55)
3 pelo conhecimento e reconhecimento da necessidade de lutar por ela. (FREIRE, 1987, p. 17). A impossibilidade dos agentes opressores tornarem-se agentes de libertação advém do fato de que ao oprimirem tornam-se também eles desumanizados. [...] Estes que oprimem, exploram e violentam, não podem ter, este poder, à força de libertação dos oprimidos nem de si mesmos. (ibidem, p. 17). Toda pedagogia que partindo dos interesses egoístas dos opressores, revela-se num egoísmo camuflado de falsa generosidade e, faz dos oprimidos objeto de seu humanitarismo mantendo e escarnando a própria opressão. Essa pedagogia manifesta em uma educação bancária e elitista é instrumento de desumanização. Somente a pedagogia que nasce na debilidade dos oprimidos pode libertar a ambos, numa luta que deve ser um ato de amor para se opor ao desamor produzido pela violência da opressão. O ponto de partida para uma pedagogia libertadora, segundo Freire, parte do momento em que o oprimido descobre-se como hospedeiro do opressor, hospedeiro de sua consciência opressora. Através do reconhecimento crítico dessa razão dominadora, é que o oprimido poderá subverter essa lógica através de uma nova lógica, da busca do ser mais e do engajamento na luta pela sua libertação. Entretanto, para isso, precisa enfrentar o medo da libertação que paralisa e causa desconforto ao exigir que o oprimido preencha o vazio existencial deixado pela separação do ideal opressor com o conteúdo de sua autonomia. É indispensável aos oprimidos na luta pela sua libertação, que compreendam a realidade da opressão não como um mundo fechado do qual não podem sair, mas como apenas uma realidade que os limita e que é preciso ser transformada. Para isso é preciso combater os imobilismos subjetivistas que transformam a consciência da opressão numa espera paciente de que a opressão desapareça por si mesma. Demo (2006) denuncia esse imobilismo na política quando se espera que um político, assim como um super herói, suba ao poder e resolva todos os problemas do estado e do país. Um dos problemas graves que se apresenta à tarefa de libertação é que a realidade opressora funciona como uma força de imersão das consciências tornando-se profundamente domesticadora. Libertar-se exige uma emersão sobre essa realidade o que exige uma práxis autêntica: a ação e a reflexão dos homens sobre o mundo para transformá-lo. Isso exige uma inserção crítica dos oprimidos na realidade opressora, atuando sobre ela. Ainda, é uma tarefa (55)
4 coletiva, pois segundo Freire, os homens não se libertam sozinhos, mas somente em comunhão. Para Freire, a pedagogia humanista e libertadora tem dois momentos distintos: [...] O primeiro, em que os oprimidos vão desvelando o mundo da opressão e vão comprometendo-se na práxis, com a sua transformação; o segundo, em que, transformada a realidade opressora, esta pedagogia deixa de ser do oprimido e passa a ser a pedagogia dos homens em processo de permanente libertação. (FREIRE, p. 23). Freire ainda destaca que nesses dois momentos distintos dessa pedagogia será sempre uma ação profunda com a qual se enfrentará, culturalmente, a cultura da dominação. Os oprimidos, na sua luta por tornarem-se humanos, retiram o poder do opressor de oprimir, lhes restaurando, portanto, a humanidade que haviam perdido no uso da opressão. Por isto é que, somente os oprimidos, libertando-se, podem libertar os opressores. Estes, enquanto classe que oprime, nem libertam, nem se libertam. (ibidem, p. 24). Conclusão Na construção de uma pedagogia, de uma educação com e não somente para os oprimidos, é preciso ter claro que A liberdade, que é uma conquista, e não uma doação, exige uma permanente busca. (FREIRE, 1987, p. 18). Essa consciência de inconclusão, de processo e projeto constante de humanização deve ser uma constante na construção dos projetos de educação e no fazer educativo dos educadores e educadoras. Educar os homens para prática da liberdade e para a libertação é uma tarefa árdua, pois, exige dos educadores e dos educandos uma práxis profunda que, partindo da realidade e das estruturas opressoras, visem a sua superação pela afirmação de um projeto humanista e libertador. Libertar a si e aos opressores, enquanto tarefa dos oprimidos é um projeto que vem carregado de uma forte dimensão humanista. Para Freire, A libertação [...] é um parto. E um parto doloroso. O homem que nasce deste parto é um homem novo que só é viável na e pela superação da contradição opressoresoprimidos, que é a libertação de todos. A superação da contradição é o parto que traz ao mundo este homem novo não mais opressor; não mais oprimido, mas homem libertando-se. (FREIRE, p. 19). (55)
5 A mudança é difícil, mas altamente necessária e o caminho da educação se impõe. Não uma educação bancária, mas sim, uma educação libertadora, contextualizada e dialógica, capaz de dialogar com a realidade e as vivências dos oprimidos, fazendo-os protagonistas e construtores do conhecimento e de sua libertação. Só assim, traçar-se-á, vias de efetiva libertação, quando o oprimido, não mais sonha tornar-se opressor, mas superando a realidade do opressor, restaura a humanidade em ambos. Referências BOFF, Leonardo. Ética da Vida. 2.ed. Brasília: Letraviva, DEMO, Pedro. Pobreza Política: a pobreza mais intensa da pobreza brasileira. Campinas SP: Armazém do Ipê (Autores associados), FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido.11.ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987., Paulo: Educação como prática da liberdade. 23.ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, (55)
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