Entrevista exclusiva com Guilherme Corrêa

Transcrição

1 Entrevista exclusiva com Confrade Luciano Ourique Sommelier Campeão Brasileiro 2006 Sommelier Campeão Brasileiro 2009 Semifinalista "XII Concours Mondial" da Association de la Sommellerie Internationale (ASI) Finalista "Mejor Sommelier de las Américas" da Alianza Panamericana de Sommeliers (APAS), filiada à Association de la Sommellerie Internationale (ASI), 3º lugar Como você deve saber, a figura do Sommelier é presença quase que marcante em alguns bons restaurantes de São Paulo, mas infelizmente esta não é a realidade para o restante dos Estados brasileiros, inclusive aqui no Rio Grande do Sul, com toda pompa que o Estado ostenta. Neste panorama gostaria que você comentasse quais as perspectivas de inserção do Sommelier no mercado e principalmente, quais as perspectivas de regulamentação legal da profissão, visto que ainda tramita no Congresso Nacional (desde 2003) um projeto de Lei sobre este assunto? O sommelier é um profissional já imprescindível em qualquer empreendimento de bom nível na Europa, nos Estados Unidos e em outros mercados mais desenvolvidos. Com a riqueza, a diversidade e a complexidade do mundo moderno do vinho, é impossível improvisar, remediar ou substituir a presença de uma pessoa com conhecimento abrangente de todos os aspectos concernentes a esta bebida pluricultural e multifacetada. Os empreendedores da gastronomia lá fora já perceberam que pagar um bom Sommelier é investimento, não custo, pois estes novos profissionais, formados em escolas cada vez mais preparadas e acostumados com concursos cada vez mais exigentes, detêm uma visão de 360º e são capazes de transformar a empresa vinho dentro da empresa restaurante/bar/hotel/importadora em um negócio que gera lucros e se diferencia dos seus concorrentes. No Brasil ainda estamos engatinhando, mesmo em centros de alta gastronomia como São Paulo e Rio de Janeiro. À medida que bons profissionais aparecem, a profissão ganha força e respeito.

2 Porém, com o crescimento da demanda por Sommelier e uma ineficiência na formação dos mesmos, pessoas despreparadas surgiram no mercado, às vezes ganhando salários impressionantes, fato este que gerou a desconfiança por parte da sociedade e também de alguns restaurateurs, se um Sommelier realmente vale o que pesa. Este descompasso entre uma demanda crescente por Sommelier e uma formação insuficiente é um problema que precisa ser equacionado, para o bem da profissão. Um reconhecimento legal pode ajudar por um lado, tornando o métier mais conhecido e almejado por jovens do Brasil inteiro, pois as oportunidades são excelentes, mas me preocupo se as portas para os mais humildes que já trabalham no ramo da gastronomia não se fechariam demais. Fiz nestes últimos 15 anos mais de uma dezena de bons Sommelier, alguns vieram do zero e hoje ganham muito bem, viajam o mundo, aprendem línguas, me sinto realizado com isto! ensinar sempre o que aprendi lá fora, mas sem ferir o nível de conhecimento de ninguém. Este é um desafio, e o bom Sommelier saberá a medida certa entre corrigir e atender aos anseios, entre defender sua autoridade e ser cortês. Confrade Luciano Ourique Apesar de sabermos que nem sempre a prerrogativa é válida, aqui no Brasil o cliente tem sempre a razão. Você teria alguma história interessante para nos contar sobre isto? Esta lógica americanizada não existe na Itália, onde me formei. Vá a um bom restaurante na Velha Bota e peça uma pimenta para colocar num prato, ou um queijo para ralar numa massa com frutos do mar, ou um vinho equivocado para harmonizar com um prato especial que o Chef elaborou... Se der sorte, você não é posto para fora do restaurante! Lá na Europa, os profissionais de sala são respeitados, eles conquistaram uma AUTORIDADE PROFISSIONAL ao longo da história. Quer colocar catchup numa Bistecca alla Fiorentina só porque está pagando por ela? Quer destruir um tornedor pedindo para abri-lo e torrando-o até perder toda a suculência? Quer gelar o Barolo porque acostumou a fazer assim na sua fazenda no Brasil? Esqueça a máxima do cliente é o rei... Respeite para ser respeitado, vá àquele restaurante com humildade para aprender, aprecie o jeito com que as coisas são feitas ali, tudo tem um sentido, uma lógica atávica que pode ter sido transmitida por umas três, quatro ou cinco gerações... Como no Brasil estamos aprendendo a comer e beber, ou seja, ainda não existe uma cultura enogastronômica formada, sempre tentei ponderar com muita calma neste sentido, procuro

3 tecnicamente e oferecer uma alternativa mais adequada a uma harmonização, com simpatia e uma dose de poesia. Confrade Daniel Boessio Guilherme! Como se dá a arte, dentro do ofício de harmonizar e sugerir vinhos, diante da tão particular leitura gustativa e olfativa de cada pessoa, além das preferências? Tudo mudou para mim quando conheci o método de harmonização da contraposição e concordância da Associazione Italiana Sommeliers. Nunca foi desenvolvido nada que se aproxime deste método técnico-científico em nenhum outro país do mundo! O domínio desta metodologia coloca o Sommelier em um outro patamar quando o assunto é harmonizar. Hoje, com experiência e método, consigo realizar harmonizações fantásticas, e mesmo quando não acerto plenamente, consigo entender em qual aspecto poderia ter sido melhor, pois esta técnica objetiva ao máximo o que acontece quando degustamos um vinho com algum alimento. A questão das preferências existe e deve ser respeitada em um país novato como o nosso. Havia um cliente que jantava toda sexta-feira um linguado com um molho delicado de Champagne e caviar com um Château famoso de Bordeaux tinto, safra 1982, que eu comprava só para ele... Fazer o quê se ele tinha prazer com esta trágica harmonização? No entanto, gosto não se discute, mas se aprende. Quando a abertura é concedida ao Sommelier, ele deve saber explicar

4 cartas de vinho por ano, e nunca fiz uma igual à outra! Cada empreendimento tem a sua cara, o seu terroir, e isto me guia para escolher os 20, 100 ou 500 vinhos que vou colocar na carta. Mas como disse, o que importa é que sejam bem trabalhados. Confrade Marcelo Arbo Magalhães Dentro deste contexto organizacional, ainda questiono: Qual o sentido, qual a necessidade e como o Sommelier consegue conciliar a harmonização (menu oferecido pelo restaurante e carta de vinhos), satisfazendo aos seus clientes e ao mesmo tempo obter um retorno pessoal e para o restaurante? Confrade Marcelo Arbo Magalhães Guilherme. Conhecemos restaurantes que têm uma carta de vinhos enxuta e bem elaborada e outros com uma adega de milhares de rótulos. Considerando a quantidade de vinícolas e vinhos que existem disponíveis no mercado, que critérios um Sommelier utiliza para elaborar adega e a carta de vinhos em um bom restaurante? Esta pergunta é justamente o que um bom Sommelier deve conseguir oferecer, com sua bagagem teórica e prática: uma seleção de vinhos harmonizada à proposta gastronômica da casa, que esteja dentro do nível de conhecimento e do nível econômico dos seus clientes, mas ao mesmo tempo agregando alguns rótulos que criarão um diferencial em relação a concorrência e, apurando-se o exercício, que a empresa vinho gere lucro! Como conseguir fechar esta equação sem conhecimento técnico profundo de vinho? Sem conhecimento de harmonização? Sem boas noções de marketing e gerência? Sem ter estudado sobre a psicologia dos clientes e do trabalho em equipe? Tudo isto você aprende numa excelente escola de Sommelier e depois aprimora com a prática. Não vejo a menor chance de equacionar estes desafios sem a figura de um Sommelier de alto nível. Hoje não falamos mais em carta de vinhos pura e simplesmente, mas em WINE PROGRAM de um restaurante, um conceito amplo que envolve a armazenagem adequada, a aparelhagem correta (taças, decanters, etc.), a carta de vinhos, a oferta de vinhos em taça e sua conservação, a administração da empresa vinho dentro do restaurante, a brigada completa de sala, o Sommelier, etc. Resumindo, eu prefiro ir a um estabelecimento com 60 rótulos na carta, condizentes com a proposta gastronômica, armazenados em adega climatizada, servidos na temperatura correta, recomendados por uma brigada entusiasmada e treinada, do que ter o desprazer de tomar um vinho inadequado, em taças medíocres e mal lavadas, indicado com presunção por um Sommelier arrogante, em um restaurante que divulga para todo o mundo que tem 600 rótulos na carta! Elaboro dezenas de

5 taninos bem resolvidos. Tintos do sul da Itália, como um Montepulciano ou Primitivo caem muito bem. Esqueça a acidez de um Barbera, que só vai realçar sinergicamente a acidez do molho! Não indicaria nenhum branco, por mais encorpado que fosse, com carnes vermelhas grelhadas. Os perfis gusto-olfativos não se encaixam, e a falta de taninos para enxugar suculência rica em proteínas das carnes é uma desvantagem dos brancos, ainda que o álcool ajude neste sentido. Confrade Rodrigo Ardenghi Como bom gaucho e descendente de italianos, minha culinária predileta esta baseada no churrasco, pizzas e massas com molho vermelho. De uma maneira geral, que vinhos melhor harmonizam com pratos deste tipo? Ainda pergunto: existe algum vinho branco que possa acompanhar uma carne grelhada? Com o churrasco brasileiro indico um Malbec argentino de bom corpo, não concentradíssimo ou muito complexo, um vinho de meio de gama, por exemplo. Seus taninos moderados irão enxugar a suculência da carne na medida certa. Para cada recheio de pizza temos uma sintonia fina de um vinho diferente, mas para colocar em termos gerais, um tinto italiano de média estrutura, com bom frescor e pouca presença de carvalho é o ideal. Pense num Barbera d Alba, ou em um Chianti de entrada de gama, a acidez destes vinhos irá contrabalancear a tendência ao doce da massa e do queijo, e a gordura sólida deste será emulsionada pela salivação. Massa com molho vermelho, ao contrário do que qualquer livro de harmonização da escola anglo-americana sugere, pede um tinto macio, com um teor alcoólico médio-alto, direcionado à fruta, com

6 Confrade Alexandre Hoppe Aproveitando a deixa do Rodrigo qual tinto melhor se harmoniza com frutos do mar como, por exemplo, risoto de camarão ou salmão assado? Não que eu não goste de vinho branco, mas prefiro os tintos. Seria uma heresia de minha parte? Com qual tipo de tinto peco menos? Se você gosta de brancos, então não é necessário forçar a barra com tintos. Existem tantos brancos sensacionais para se conhecer, e que casam com tanta naturalidade com pescados... De toda forma, se os tintos forem uma imposição, prefira os tintos mais leves, com taninos muito redondos e bem resolvidos. Um Pinot Noir, um Beaujolais, um Valpolicella, um tinto leve do Loire, um Merlot simples da Serra Gaúcha... Lembre-se que os taninos se metalizam no confronto com o iodo dos produtos marinhos, você destrói o vinho e atropela a delicadeza do prato! Confrade Carlos Klemm Sabemos da vocação que os vinhos doces possuem para acompanhar sobremesas. Todavia, algumas combinações que temos feito, por vezes ficam pesadas demais e um tanto enjoativas. Diante disto, te pergunto: vinhos tipo Late Harvest podem ser harmonizados com sobremesas ou devem ser apreciados in solo? Caso possam ser harmonizados, como Sommelier, que dica você nos daria? Que tipo de sobremesa combina mais com estes vinhos? A tipologia dos vinhos de sobremesa é fantástica e traz algumas das mais sublimes experiências sensoriais possíveis. Estes vinhos gloriosos, elaborados a duras penas por produtores apaixonados, já que muitas vezes seus custos de produção superam o valor comercial, podem ser apreciados por si só como vinhos da meditazione como dizem os italianos, e neste caso passam a ser a sobremesa eles mesmos, ou também acompanhados de uma sobremesa ou de uma seleção de queijos nobres, curados e com veios azuis. As regras básicas para não errar na hora de harmonizar com sobremesas são: 1. O grau de doçura do vinho deve ser o mesmo da sobremesa, nada de colocar então um Espumante Demi-Sec com uma tarte tatin super doce;

7 2. A estrutura do vinho deve ser similar a da sobremesa, o que exclui então um Asti Spumante com um petit gateau de chocolate; 3. Sobremesas à base de frutas brancas e amarelas, cozidas ou assadas, com mel ou especiarias, pedem brancos tipo colheita tardia, mas não muito ácidos; 4. Sobremesas à base de frutas secas (damascos, castanhas em geral, passas), caramelo e especiarias vão bem com grandes Botrytisados e passitos; qualidades do vinho, com eloqüência! Ambos são profissionais que devem ter um grande preparo técnico, uma visão ampla, muita experiência (de décadas de trabalho), e se complementam. O enólogo é um cientista que cuida de milhares de variáveis para entregar um vinho perfeito do ponto de vista técnico, e então entra o trabalho do Sommelier em cena, que contará as histórias por detrás daquela garrafa e saberá maximizar o prazer do cliente no momento mágico do consumo, completando o ciclo. 5. Sobremesas à base de chocolate pedem fortificados tintos ou oxidativos como Porto, Madeira, Jerez Pedro Ximénez, etc. Confrade Walter Dias Como de fato sabemos, nem todo mundo que trabalha na área da saúde é médico ou enfermeiro. Da mesma forma sabemos que nem todos aqueles que trabalham com o vinho ou com a uva são enólogos ou Sommeliers. Por vezes assistimos imagens destes dois profissionais analisando algum vinho (quer seja na cantina / vinícola, quer seja no restaurante). Seria possível você descrever as diferenças que existem entre estes dois profissionais? E o que de fato eles (enólogos e Sommeliers) avaliam quando estão com uma taça de vinho nas mãos? O enólogo escrutina os defeitos do vinho, em silêncio, enquanto que o sommelier descortina as Confrade Sandro Laste Na maioria dos restaurantes que freqüento sempre solicito a carta de vinhos para analisar os produtos que o estabelecimento dispõe. Todavia, não é apenas a diversidade de produtos (entre nacionais e importados) que chama mais a atenção, mas sim o valor que os restaurantes colocam sobre os vinhos. Por vezes os percentuais passam dos 100% do valor do produto. Diante de uma atitude destas até entendemos porque o vinho não é tão consumido fora de nossas casas em nosso país. Pelo mesmo motivo é compreensível que o consumidor se guie mais pelo valor do vinho do que pelo seu efeito na harmonização do prato. Como o sommelier se vê diante de uma situação destas? Sem, necessariamente, deixar o cliente constrangido?

8 É impossível negar que o vinho no Brasil é caro de um modo geral, e caríssimo nos restaurantes. O que todos temos que compreender é que a grande fatia deste custo final fica para o governo através de impostos, um dos maiores em todo o mundo. Infelizmente não são os produtores, importadores, lojistas e restaurateurs que ganham muito em cima do vinho, como se supõe ao comparar os preços praticados em países como os EUA... Perante a este problema, o sommelier brasileiro deve mostrar o tradicional jogo de cintura e fazer milagre para ofertar uma boa gama de vinhos abaixo de R$ 50,00 num restaurante. Como? Pesquisando muito, freqüentando feiras e degustações, se apoiando em importadoras e produtores competentes. Outro ponto importante é que o sommelier conquista o cliente vendendo um vinho melhor do que ele imaginava a um preço menor do que ele esperaria pagar. Assim se cria uma clientela fiel e de longo-prazo! De que adianta empurrar uma garrafa cara em um cliente desconhecido e ele nunca mais voltar na casa? Sempre ensinei aos meus alunos que o sommelier precisa ganhar a confiança dos clientes primeiramente, e depois disto, viajar com eles pelo mundo do vinho através das suas indicações, testando com polidez os seus limites. vinhos nacionais? Particularmente gosto muito dos vinhos Chilenos e Argentinos. Você acredita que o Brasil tenha potencial para produzir vinhos especificamente os tintos com a mesma qualidade que nossos vizinhos? Sei que já produzimos excelentes espumantes e alguns vinhos brancos de expressiva qualidade. Mas será possível, algum dia o Brasil produzir um vinho tinto de real prestígio? Ou já o produzimos e sou eu quem está desinformado? Ainda não produzimos grandes tintos no Brasil, mas estamos melhorando muito, ano após ano! Novas regiões com mais potencial para tintos estruturados do que a Serra Gaúcha estão surgindo, como na Campanha e na Serra Catarinense, e alguns resultados auspiciosos mostram que ainda lograremos belos tintos, e num estilo próprio, o que é muito importante. Nossos espumantes são bons, não no nível dos melhores do mundo, mas realmente interessantes para o dia-a-dia e para a gastronomia. É uma pena que no Brasil os consumidores não queiram ainda vinhos tintos leves e de meio-corpo, com uma boa acidez, pois este é o perfil que podemos produzir facilmente na Serra Gaúcha sem forçar a barra nas cantinas. Vinhos deliciosos e suculentos como os do Loire na França, que tanto fazem sucesso em seu país natal... Confrade Homero Agra Como Sommelier, qual sua opinião sobre os vinhos que produzimos aqui em nosso país? Você costuma aconselhar nas harmonizações