MOÇAMBIQUE Estudo nacional sobre a mortalidade infantil 2009
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- Felícia Neto Raminhos
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1 República de Moçambique Ministério da Saúde Instituto Nacional de Saúde MOÇAMBIQUE Estudo nacional sobre a mortalidade infantil 2009 Em colaboração com a London School of Hygiene and Tropical Medicine e o Fundo das Nações Unidas para a Infância
2 Agradecimentos Este estudo foi preparado por Pierre Martel para o Ministério da Saúde de Moçambique, com o apoio da London School of Hygiene and Tropical Medicine e do Fundo das Nações Unidas para a Infância em Moçambique. O Ministério da Saúde agradece às Direcções Provinciais de Saúde, às direcções e pessoal dos hospitais centrais, provinciais, rurais e distritais, bem como aos centros de saúde que deram o seu apoio durante a recolha das informações relacionadas com os casos comunitários e hospitalares. Sinceros agradecimentos vão também para todas as famílias envolvidas neste estudo, pela sua paciência e colaboração. O Ministério da Saúde extende também a sua gratidão ao Instituto Nacional de Estatística que autorizou a ligação deste estudo ao Inquérito Nacional sobre as Causas de Morte (INCAM) e o Inquérito de Indicadores Múltiplos (Multiple Indicator Cluster Survey), e que, juntamente com o Center for Disease Control, teve uma apresentação exemplar a este respeito. Ministério da Saúde UNICEF Moçambique London School of Hygiene and Tropical Medicine
3 ÍNDICE 1 Introdução Objectivo geral do estudo Objectivos específicos Revisão da literatura Métodos Concepção do Estudo Estudo-Piloto Protocolo do estudo População de estudo Recrutamento dos sujeitos Tamanho das amostras Recolha de dados Variáveis de interesse Procedimentos do trabalho de campo Situação dos arquivos hospitalares Processamento e análise de dados Considerações éticas Taxas de mortalidade de menores de cinco anos por todas as causas Estimativas directas das taxas de mortalidade bruta Principais causas da mortalidade de crianças Codificação da causa de morte Resultados da análise da autópsia verbal King-Lu Análise comparativa dos métodos de autópsia verbal Comparação entre COD de VA e registos médicos Comparação do método King-Lu com a avaliação médica Taxas de mortalidade menores de cinco anos por causas específicas Resultados deste estudo Comparação com outros estudos e estimativas projectadas Conclusões e recomendações Conclusões Recomendações Referências ANEXOS Anexo 1: Anexo 2: Anexo 3: Anexo 4: Questionário para autópsia verbal para recém-nascidos. Questionário para autópsia verbal para pós-recém-nascidos e outras crianças. Detalhes dos procedimentos do trabalho de campo ao nível das províncias Formulários dos relatórios semanais para os assistentes de campo iii
4 LISTA DE TABELAS Tabela 1: Principais causas de morte em crianças com menos de cinco anos de idade no distrito de Mocuba (Zambézia), Tabela 2: Taxas e percentagens de mortalidade pós-neonatal e de crianças por causa de morte nas crianças com menos de cinco anos de idade, DSS da Manhiça, Tabela 3: Escala semi-qualitativa usada por Byass et al Tabela 4: Exemplos de intervalos de sensibilidades e especificidades obtidas em diferentes estudos para grandes causas da mortalidade infantil Tabela 5: Número de crianças incluídas no estudo-piloto por idade e província Tabela 6: Estimativas da precisão, geral Tabela 7: Estimativas da precisão, zonas rurais Tabela 8: Estimativas da precisão, zonas urbanas Tabela 9: Estimativas brutas de mortalidade directa do MICS, referentes aos três períodos mais recentes de cinco anos cada, Moçambique Tabela 10: Estimativas brutas da mortalidade directa do MICS, referentes ao período mais recente de 10 anos, por população de interesse Tabela 11: Distribuição das causas de morte por tipo de causa, para os vários sistemas de classificação Tabela 12: Distribuição dos códigos das autópsias verbais para as causas de morte, segundo a avaliação médica, por período de morte e conjunto de dados * Tabela 13: Lista condensada dos códigos de autópsias verbais sobre a causa da morte, segundo a avaliação médica, por período da ocorrência da morte e conjunto de dados.* Tabela 14: Distribuição da amostra da população para as várias subpopulações de interesse, por período da ocorrência da morte Tabela 15: Fracções de mortalidade por causa específica por categorias principais de causas de morte, para vários grupos etários; Moçambique, total Tabela 16: Erro padrão das estimativas da fracção da mortalidade por causa específica do modelo King-Lu para os períodos de ocorrência de mortes neonatais e abaixo dos cinco anos de idade; Moçambique, total Tabela 17: Proporção de mortes atribuídas à doenças infecciosas gastro-intestinais por sexo e zona de residência, para vários grupos etários Tabela 18: Proporção de mortes atribuídas ao HIV/SIDA por sexo e zona de residência, para vários grupos etários Tabela 19: Proporção de mortes atribuídas à malária por sexo e zona de residência, para vários grupos etários Tabela 20: Proporção de mortes atribuídas à meningite por sexo e zona de residência, para vários grupos etários Tabela 21: Proporção de mortes atribuídas à infecção aguda do tracto respiratório inferior por sexo e zona de residência, para vários grupos etários Tabela 22: Proporção de mortes atribuídas à outras doenças infecciosas por sexo e zona de residência, para vários grupos etários Tabela 23: Proporção de mortes atribuídas à desnutrição por sexo e zona de residência, para vários grupos etários Tabela 24: Proporção de mortes atribuídas à prematuridade por sexo e zona de residência, para vários grupos etários Tabela 25: Proporção de mortes atribuídas à asfixia perinatal por sexo e zona de residência, para vários grupos etários Tabela 26: Proporção de mortes atribuídas à sepsis do recém-nascido por sexo e zona de residência, para vários grupos etários iv
5 Tabela 27: Proporção de mortes atribuídas à outras causas por sexo e zona de residência, para vários grupos etários Tabela 28: Distribuição sumária da proporção de mortes em crianças com idade inferior a cinco anos por 4 causas principais, por zona de residência Tabela 29: Combinação da codificação do INCAM e NCMS sobre as causas de morte dos casos comunitários Tabela 30: Comparação dos códigos de VA do INCAM e do NCMS.* Tabela 31: Comparação dos códigos de VA entre o NCMS e o INCAM.* Tabela 32: Percentagem dos códigos de autópsia verbal dos casos de referência comunitária por método de classificação Tabela 33: Fracções de mortalidade por causa específica por categorias principais de causas de morte, para vários grupos etários; Moçambique, total Tabela 34: Taxas de mortalidade por causas específicas por categorias principais de causas de morte, para vários grupos etários; Moçambique, total (últimos cinco anos) Tabela 35: Taxas de mortalidade por causas específicas por categorias principais de causas de morte, para vários grupos etários; Moçambique, total (últimos dez anos) Tabela 36: Taxas de mortalidade por causas específicas por doenças infecciosas gastro-intestinais por sexo e zona de residência, para vários grupos etários (últimos dez anos) Tabela 37: Taxas de mortalidade por causas específicas por HIV/SIDA por sexo e zona de residência, para vários grupos etários (últimos dez anos) Tabela 38: Taxas de mortalidade por causas específicas por malária por sexo e zona de residência, para vários grupos etários (últimos dez anos) Tabela 39: Taxas de mortalidade por causas específicas por meningite por sexo e zona de residência, para vários grupos etários (últimos dez anos) Tabela 40: Taxas de mortalidade por causas específicas por infecção respiratória aguda por sexo e zona de residência, para vários grupos etários (últimos dez anos) Tabela 41: Taxas de mortalidade por causas específicas por outras doenças infecciosas por sexo e zona de residência, para vários grupos etários (últimos dez anos) Tabela 42: Taxas de mortalidade por causas específicas por desnutrição por sexo e zona de residência, para vários grupos etários (últimos dez anos) Tabela 43: Taxas de mortalidade por causas específicas por prematuridade por sexo e zona de residência, para vários grupos etários (últimos dez anos) Tabela 44: Taxas de mortalidade por causas específicas por asfixia perinatal por sexo e zona de residência, para vários grupos etários (últimos dez anos) Tabela 45: Taxas de mortalidade por causas específicas por sepsis do recémnascido por sexo e zona de residência, para vários grupos etários (últimos dez anos) Tabela 46: Taxas de mortalidade por causas específicas por outras causas por sexo e zona de residência, para vários grupos etários (últimos dez anos) Tabela 47: Distribuição sumária das taxas de mortalidade por causas específicas em menores de cinco anos por 4 causas principais, por zona de residência Tabela 48: Comparação das fracções da mortalidade de crianças menores de cinco anos entre o NCMS, o INCAM, o DSS da Manhiça e o WHO SIS Tabela 49: Comparação das fracções de mortalidade neonatal entre o NCMS, o INCAM e o sistema de informação estatística da OMS v
6 LISTA DE FIGURAS Figura 1: Tendências nas taxas brutas de mortalidade de menores de cinco anos em Moçambique segundo vários estudos e o modelo internacional...2 Figura 2: Gráfico das dispersões das estimativas de mortalidade por causa específica obtidas do método de King-Lu em relação ao valor verdadeiro...8 Figura 3: Fluxograma do Estudo Nacional sobre a Mortalidade Infantil (vide o texto para mais detalhes)...16 Figura 4: Tendências nas taxas brutas de mortalidade de menores de cinco anos em Moçambique, incluindo os resultados do MICS Figura 6: Fracções cumulativas de mortalidade entre as menores de cinco anos pelos estudos*...60 vi
7 ABREVIATURAS COD CSMF DSS HIV ICD-10 INCAM INE INS INSIDA IRA LSHTM MICS MISAU NCMS OMS pyrs SIDA UNICEF VA WHOSIS Causa de morte Fracção de mortalidade por causa específica (a proporção de todas as mortes que é atribuível a uma causa específica) Demographic Surveillance System (Sistema de Vigilância Demográfica) Vírus de Imunodeficiência Humana International Classification of Diseases (Classificação Internacional de Doenças), 10 a revisão Inquérito Nacional sobre as Causas de Morte Instituto Nacional de Estatística Instituto Nacional de Saúde National behaviour and HIV seroprevalence survey (Inquérito Nacional sobre Comportamento e Seroprevalência) Infecção respiratória aguda (incluindo a pneumonia) London School of Hygiene and Tropical Medicine Multiple Indicator Cluster Survey (Inquérito de Indicadores Múltiplos) Ministério da Saúde Estudo Nacional sobre a Mortalidade Infantil Organização Mundial da Saúde Person years at risk Sindroma de Imunodeficiência Adquirida Fundo das Nações Unidas para a Infância Autópsia Verbal Sistema de Informação Estatística da OMS vii
8 SUMÁRIO EXECUTIVO Os programas de saúde pública poderão apenas ser adequadamente monitorados e responder às necessidades da população que servem se forem disponibilizadas informações correctas aos seus gestores. Nesta linha de pensamento, o objectivo do presente estudo foi de medir as taxas de mortalidade neonatal, infantil e de crianças com menos de cinco anos de idade em Moçambique para todas as causas relevantes aos programas, utilizando os dados recolhidos a nível de comunidade. Depois de analisar várias opções, a abordagem adoptada para este estudo foi de implementá-lo como extensão do Inquérito Nacional sobre as Causas de Morte (INCAM) para evitar a duplicação de esforços e recursos. Dados médicos de ~500 mortes de crianças menores de cinco anos que ocorreram numa unidade sanitária foram seleccionados para servir de casos de referência com uma causa de morte conhecida. O método King-Lu de autópsia verbal derivado de dados foi então usado para calcular as fracções de mortalidade específica aos ~ casos com autópsia verbal do INCAM, representativos da experiência de mortalidade da população de crianças moçambicanas abaixo dos cinco anos de idade durante o período de 1 de Agosto 2006 a 31 de Julho de Estimativas brutas da mortalidade obtidas pelo MICS foram então usadas para transformar estas fracções de mortalidade por causa específica em taxas. Para o período neonatal, o estudo revela que as três principais causas de morte são: a prematuridade (35%), asfixia perinatal (24%) e sepsis do recém-nascido (17%), representando, no total, 76% da mortalidade neste grupo etário. As restantes mortes são causadas por doenças infecciosas (12%) e outras causas não infecciosas (12%). No período pós-neonatal, a principal causa de morte é a malária (33%), seguida da infecção respiratória aguda (IRA) (19%), SIDA (11%), doenças diarréicas (10%), meningite (3% ) e outras doenças infecciosas (10%). As doenças não infecciosas são responsáveis por 14% das mortes. A malária é responsável por quase metade (46%) das mortes no grupo etário dos 12 meses a quatro anos de idade. As outras causas são a SIDA (13%), doenças diarréicas (8%), IRA e a desnutrição (6% cada), outras doenças infecciosas (4%, incluindo a meningite) e 16% para as outras doenças não infecciosas. O facto de mais de 80% das mortes no período pós-neonatal e no grupo etário de um a quatro anos de idade serem de uma natureza infecciosa realça a eminente preventabilidade da maior parte das mortes neste grupo etário. Ao nível das zonas geográficas, as maiores proporções de mortes por doenças diarréicas são registadas em Inhambane (12%) e Cabo Delgado (11%). As mortes por SIDA são, de certa forma, maiores em zonas urbanas (11%) do que nas zonas rurais (9%), sendo a Província de Maputo (18%) e a província de Gaza (16%) as que registam as maiores fracções de mortalidade. viii
9 Com relação à malária, as áreas rurais registam as percentagens mais elevadas de morte (34%). A malária é responsável por mais de um quarto das mortes de crianças com menos de cinco anos em todas as províncias à excepção da Província de Maputo e Cidade de Maputo (18%). Finalmente, IRA representam 13% a 14% das mortes de crianças abaixo dos cinco anos nas quatro províncias: Zambézia, Tete, Manica e Cabo Delgado. Note-se que deve ser exercida alguma cautela na interpretação das fracções de mortalidade visto que elas são aplicadas contra todas as taxas de mortalidade por todas as causas nas várias áreas geográficas do país. É mais seguro fazer comparações com base nas taxas de mortalidade, tal como se apresenta abaixo. Em termos de taxas de mortalidade por causas específicas entre as crianças com menos de cinco anos de idade, as zonas rurais registam os níveis mais altos de doenças diarréicas (110 por pyrs), malária (551) e IRA (163), enquanto as taxas de mortalidade por SIDA são semelhantes em cerca de 150 por pyrs quer nas zonas rurais como nas zonas urbanas. Ao nível provincial, a província de Cabo Delgado tem a maior taxa de mortalidade por doenças diarréicas (192), seguida pela província da Zambézia (169). No que diz respeito ao HIV e SIDA, os índices mais altos de mortalidade de crianças com menos de cinco anos de idade são registados na província de Gaza (268), seguida pela província da Zambézia (237). Em relação à malária, as taxas de mortalidade são mais altas na Zambézia (569) e Cabo Delgado (539). Finalmente, em relação aa IRA, as taxas mais elevadas registam-se mais uma vez na província da Zambézia (282), seguida da província de Tete (238) e Cabo Delgado (225). É importante realçar que a Zambézia encontra-se entre as taxas mais altas de mortalidade em todos os quatro grupos patológicos e Cabo Delgado em três deles, sinal de que há uma necessidade especial de concentrar os esforços nestas duas províncias. Para além de fornecer estimativas de fracções e taxas de mortalidade por causa específica, o facto de que 123 casos de referência com uma causa de morte atribuída com base apenas na sua autópsia verbal (durante a avaliação médica do INCAM) também tiveram registo médico com um diagnóstico médico conhecido, constituíu uma oportunidade única para avaliar a precisão da codificação da autópsia verbal sobre a causa da morte. Em geral, apenas 34% da codificação baseada somente na autópsia verbal corresponderam ao diagnóstico hospitalar. Por exemplo, 44% dos casos de referência comunitária codificados como malária durante a Avaliação médica do INCAM de facto eram casos de malária, enquanto vários outros casos de diarreia, HIV e SIDA, meningite e também desnutrição (entre outros) foram erroneamente classificados como sendo malária. Ao contrário, 42% dos casos verdadeiros de malária foram classificados correctamente durante a Avaliação médica do INCAM, enquanto 19% deles foram erradamente classificados como HIV e SIDA, 8% como diarréia e outros 8% como meningite (entre outros). Isto sublinha a necessidade de se desenvolver e aperfeiçoar os métodos derivados de dados, como o método usado no presente estudo, para melhorar a fiabilidade da atribuição da causa de morte nos estudos de autópsia verbal. ix
10 Algumas das recomendações chave do presente estudo são as seguintes: a) O país deve prosseguir e intensificar os seus esforços para reduzir a incidência bem como a taxa de fatalidade da malária, aumentando o número de crianças usando rede tratada com insecticida (que actualmente é de 23%) e quando necessário reforçando o seu programa de pulverização e aumentando a percentagem de casos tratados com medicamentos antimaláricos no prazo de 24 horas do início dos sintomas (que actualmente é de 23%). b) O país deve prosseguir e intensificar os seus esforços para reduzir a mortalidade neonatal, aumentando a proporção de partos assistidos por profissionais de saúde (que actualmente é de 55%), bem como a sua capacidade de intervenção obstétrica e encaminhamento atempado dos partos que requeiram assistência especializada. c) Há uma necessidade de aumentar a proporção de casos de suspeita de pneumonia que procuram os serviços de saúde (que actualmente é de 65%) e receber tratamento antibiótico (que actualmente é de 22%). d) É também necessário aumentar a percentagem de mulheres grávidas que recebem informações sobre HIV e SIDA (que actualmente é de 60%) e são testadas (que actualmente é de 29%) durante as suas consultas pré-natais, e as mulheres seropositivas e seus bebês que recebem tratamento adequado para a prevenção da transmissão vertical. e) Embora os dados estatísticos apontem para avanços significativos na redução das mortes por doenças diarréicas, o uso da terapia de reidratação oral (actualmente estimado em 54%) deve ser incrementado e os conhecimentos dos cuidadores devem ser melhorados para reduzir ainda mais a mortalidade causada por esta causa de morte eminentemente prevenível. f) Esforços especiais devem ser concentrados nas províncias da Zambézia e Cabo Delgado uma vez que apresentam elevadas taxas de mortalidade por várias das principais causas de morte em menores de cinco anos. x
11 ESTUDO NACIONAL SOBRE A MORTALIDADE INFANTIL 1 Introdução Os programas de saúde pública poderão apenas ser adequadamente monitorados e responder às necessidades da população que servem se forem disponibilizadas informações correctas aos seus gestores. O quarto dos Objectivos de Desenvolvimento do Milénio definiu uma redução de 2/3 na mortalidade infantil entre 1990 e [2] Informações fiáveis sobre as mortes de crianças atribuíveis à causas específicas são essenciais para definir adequadamente os alvos dos programas e monitorar o progresso registado em prol da realização deste objectivo. 1.1 Objectivo geral do estudo O objectivo geral do estudo é medir as taxas da mortalidade neonatal, infantil e de menores de cinco anos em Moçambique, para todas as causas relevantes aos programas, usando os dados recolhidos ao nível comunitário. 1.2 Objectivos específicos Os objectivos específicos do estudo são: Estimar todas as taxas de mortalidade por causas específicas das doenças relevantes aos programas de saúde pública neonatal, infantil e de crianças com menos de cinco anos de idade nos contextos urbanos e rurais de Moçambique, usando dados recolhidos ao nível comunitário. Avaliar como as estimativas publicadas da mortalidade específicas à causas derivadas dos modelos estatísticos se comparam com os dados obtidos na comunidade em Moçambique. Analisar a relação entre os dados sobre mortalidade específica às causas registados ao nível das unidades sanitárias e os dados recolhidos ao nível comunitário em Moçambique. Medir o nível de cobertura das intervenções para a sobrevivência infantil e realçar os padrões de desigualdade em Moçambique. 2 Revisão da literatura Cerca de 10 milhões de crianças [3] morrem todos os anos principalmente nos países mais pobres e de causas preveníveis. Destas, quatro milhões morrem nas primeiras semanas de vida. [4] Para melhorar as abordagens das intervenções para a sobrevivência infantil é necessário obter um melhor conhecimento sobre quem são estas crianças e as causas da sua morte. 1
12 Num estudo amplamente divulgado por Black, Morris, e Bryce em 2000 [3], estimava-se que Moçambique tinha a 12 a taxa de mortalidade mais alta do mundo, ocupando o 13 o lugar dos países com maior taxa de mortalidade de crianças com menos de cinco anos. Um estudo mais recente do Interagency Coordination Group for Child Mortality Estimation (Grupo Interagências para a Estimação da Mortalidade Infantil), usado na Organização Mundial da Saúde (OMS) e publicações do UNICEF [5] colocava Moçambique na 14ª posição em 2007, com uma taxa de mortalidade de crianças abaixo dos cinco anos de 168 e taxa de mortalidade infantil de 115 por nados vivos. Para Moçambique, o relatório Situação Mundial da Infância 2009 do UNICEF cita uma taxa de mortalidade neonatal de 35 por nados vivos em 2004 [5]. Os dados estatísticos gerais sobre a mortalidade disponíveis em Moçambique baseiam-se em geral nos recenseamentos populacionais e estudos longitudinais como o Inquérito Demográfico e de Saúde [6] e o MICS, ou projecções modelo. A Figura 1 apresenta um sumário da maior parte das informações disponíveis dos inquéritos e recenseamentos e apresenta uma estimativa da tendência produzida pelo Interagency Coordination Group for Child Mortality Estimate [7]. Figura 1: Tendências nas taxas brutas de mortalidade de menores de cinco anos em Moçambique segundo vários estudos e o modelo internacional, Moçambique CME (m) Censo 1980 (i) Censo 1997 (i) IDS 1997 (i) Censo 1970 (i) IDS 1997 (d) IDS 2003 (i) MICS 1995 (i) IDS 2003 (d) Fonte: Devinfo [7]. (d)= estimativas usando o método directo, (i)= estimativas usando o método indirecto, (m)= estimativas baseadas no modelling. Estes estudos e modelos apontam para uma redução constante nas taxas de mortalidade de crianças abaixo dos cinco em Moçambique de cerca de 280 por mil na década de 70 para cerca de 180 quase nos finais do século XX, e continuando a descer. Ao contrário, são escassos os estudos que apresentam estimativas por causas específicas. Um curto relatório sobre a mortalidade infantil baseado nos dados do Sistema de Informação Sanitária do Ministério da Saúde para 2004 [8] reporta como as principais causas das mortes em crianças dos 0 8 anos de idade a 2
13 malária (39%), infecções respiratórias agudas (12%), desnutrição (16%), anemia (5%), diarreia (3%), SIDA (5%) e outras (20%). Todavia, estes resultados são apenas baseados em mortes de crianças internadas nas 29 enfermarias de pediatria em todo o país e representam menos de 5% de todas as mortes entre as crianças em Moçambique. Existem muito poucos estudos das causas de morte ao nível comunitário em Moçambique. Um destes estudos foi implementado no distrito de Mocuba, Zambézia, em 2001 [9] e foi um estudo longitudinal durante o qual uma amostra representativa de mães foi entrevistada e foi registada o seu historial de partos. As que reportaram a morte de um/a filho/filha durante o ano anterior foram submetidas a uma autópsia verbal para se determinar a causa da morte (COD). A Tabela 1 apresenta os resultados deste estudo. Tabela 1: Principais causas de morte em crianças com menos de cinco anos de idade no distrito de Mocuba (Zambézia), 2001 Grupos etários Principais causas Menos de 1 mês 1-12 meses meses Malária 8% 35% 28% Pneumonia 15% 20% 16% Anemia - 2% 12% Meningite 8% 11% 10% Desnutrição - 6% 12% Desconhecidas 10% 16% 10% Diarreia - 4% 6% Septicémia 34% - - Prematuridade 17% - - Outras 8% 6% 6% *Fonte: Mortalidade Geral, Mortalidade Específica, Prevalência da Malária e Cobertura das Redes Mosquiteiras em Crianças Menores de 5 anos, Mocuba Rural. Centro de Investigação em Saúde de Manhiça (2002). [9] Provavelmente as fontes mais úteis e sistemáticas das informações comunitárias sobre causas específicas de mortes em Moçambique vem do Sistema de Vigilância Demográfica (Demographic Surveillance System (DSS)) estabelecido em 1996 no distrito da Manhiça, Província de Maputo. O sistema procura registar todas as mortes na área através de visitas domiciliárias bianuais, visitas diárias às enfermarias do hospital e maternidades e relatórios semanais de informantes locais. Fazem-se autópsias verbais de todas as mortes registadas de crianças com menos de 15 anos de idade e são codificadas por três médicos. Um relatório recente [10] contém informações sobre a COD atribuída a 3730 mortes ( pyrs) que se registaram na zona entre Janeiro de 1997 e Dezembro de Os resultados seleccionados são apresentados na Tabela 2. 3
14 Tabela 2: Taxas e percentagens de mortalidade pós-neonatal e de crianças por causa de morte nas crianças com menos de cinco anos de idade, DSS da Manhiça, Mortalidade pós-neonatal (28d 11m) Mortalidade de crianças (1-4a) # Causa de morte Taxa de Taxa de Fracçao de Percentagem mortalidade mortalidade mortalidade da mortalidade por 1000 pyrs por 1000 pyrs 1 Malária % % 2 IRA % % 3 HIV/SIDA % % 4 Doenças diarréicas % % 5 Desnutrição % % 6 Anemia % % 7 Distúrbio inflamatório de CNS. 5.3% 4.0% 8 Outras doenças bacterianas 4.1% 1.1% 9 Tuberculose % % 10 Distúrbios metabólicos % % 11 Queimaduras % % 12 Outras causas externas % % 13 Acidentes de transporte 0.0% 0.6% 14 Ferimentos múltiplos % % Total % % *Fonte: Estudo de 10 anos sobre as causas de morte em crianças com menos de 15 anos de idade na Manhiça, Moçambique. DSS da Manhiça (2009). [10] A restante revisão da literatura focaliza-se no uso de autópsias verbais no cálculo da mortalidade infantil e os respectivos métodos para atribuir a causa de morte. Autópsia verbal Uma autópsia verbal (VA) trata de entrevistar membros de uma família ou provedores de cuidados sobre as circunstâncias por detrás da morte de uma criança depois da ocorrência do evento. [11] Embora este método seja reconhecido como útil, e de facto é insubstituível nos países com fracos sistemas de registo de óbitos, muitas questões continuam sem resposta, e a aplicação das técnicas da VA para investigar as mortes de crianças tem os seus desafios particulares. Questões de interesse incluem: a estrutura e conteúdo do questionário da VA; o período de ocorrência; se se deve permitir uma única causa ou multiplicidade de causas da morte (COD) para cada caso; os métodos usados para atribuir a COD, o seu rigor, repetibilidade e potenciais vícios. Estas questões são resumidamente discutidas a seguir. Questionário de VA Um questionário padrão da autópsia verbal para investigar as COD dos lactentes e crianças foi publicado sob os auspícios da OMS em [12] O questionário é apresentado com algorítmos de especialistas para a determinação de principais COD. Uma nova versão dos questionários baseados nos censos populacionais, incluindo para os recém-nascidos e pós recém-nascidos foi adoptada em 1997 pela OMS como um novo padrão de VA, [13] juntamente com orientações para a 4
15 codificação das COD. O questionário da OMS é constituído por questões abertas no princípio da entrevista de VA, seguido por uma série de questões précodificadas (questões fechadas). Embora os questionários-tipo da OMS tenham sido amplamente usados como modelo, os questionários de VA são diferentes de estudo para estudo visto que tendem a ser adaptados às necessidades específicas dos utilizadores. [14] COD única versus COD múltiplas Embora os sistemas de classificação como ICD-10 [15] reconheçam que uma cadeia de eventos e doenças podem contribuir para a morte de uma pessoa, assumem geralmente que se pode atribuir uma única COD. Embora esta abordagem pareça fácil e directa/simples, ela é variação da percepção comum de que pode-se atribuir causas múltiplas simultaneamente à morte de uma criança. Além disso, permitir que se atribua apenas uma COD pode aumentar o efeito dos erros da má classificação [16]. Todavia, as VA em geral não apresentam detalhes suficientes para diferenciar entre a COD imediata, subjacente ou que contribui para a morte, e a OMS recomenda o uso de uma única COD subjacente em conformidade com o sistema de classificação ICD-10. Atribuição da COD Embora existam classificações mais detalhadas, [14] os métodos usados para atribuir a COD na VA podem, em termos de conceito, ser divididos em duas grandes categorias: baseados em opiniões e baseados em dados. Na primeira categoria, a decisão sobre a COD baseia-se essencialmente no conhecimento (subjectivo) especializado e experiência dos trabalhadores da saúde. As avaliações dos médicos e algorítmos dos especialistas enquadram-se nesta categoria. Para a segunda categoria, a COD é atribuída através de modelos estatísticos. É isto que ocorre para os modelos baseados na regressão logística ou redes neurais, e outros métodos semelhantes. A revisão através de médicos é uma abordagem amplamente usada [17-19], através da qual os dados da VA são analisados por médicos (médicos locais geralmente experientes) que atribuem uma ou duas COD quer baseando-se inteiramente na sua experiência e julgamento, ou guiados por definições mais ou menos estritamente pré-estabelecidos. Uma das vantagens mais importantes desta abordagem é que, para além da informação contida nas respostas précodificadas, os médicos podem também fazer uso das questões semi-abertas que podem conter detalhes cruciais para chegar a um diagnóstico correcto. As principais desvantagens desta abordagem são o uso excessivo do tempo do médico nos países com falta de pessoal médico, a subjectividade da abordagem e seu baixo nível de replicabilidade (i.e. fiabilidade). [14] Devido à subjectividade e baixa replicabilidade deste método, os dados estatísticos baseados na avaliação da VA por médicos são muitas vezes considerados menos adequados em relação às abordagens mais sistemáticas para comparações internacionais e para estudos de tendências da mortalidade específica às causas ao longo do tempo. [20] 5
16 Algorítmos desenvolvidos por peritos foram também extensivamente usados. [21-24] Embora a OMS tenha promovido algorítmos padronizados para as COD mais importantes nas crianças [13, 14], a verdade é que os algorítmos têm variado bastante de um estudo para o outro, tornando pois a comparação extremamente difícil. A grande vantagem dos algorítmos de especialistas é que uma vez concebidos, eles podem ser aplicados por pessoal não médico ou integrados num programa de computador para processamento automatizado. Por serem repetíveis de natureza, o seu uso em diferentes estudos permite maior comparabilidade. Ao contrário, o desenvolvimento destes tipos de algorítmos retem um elemento importante de subjectividade e tende a ser menos rigoroso do que a avaliação através de médicos (i.e. têm validade mais baixa) [14, 25], em parte porque os algorítmos dos peritos não se podem beneficiar das possíveis informações obtidas na secção semi-aberta da VA. Foi usada uma regressão logística para produzir algorítmos derivados de dados, numa tentativa de reduzir a componente subjetiva dos algorítmos de perito. De um conjunto de casos de referência, os sintomas com a associação estatística mais forte com uma determinada COD são identificados através e incluídas num modelo de regressão logística. Os pontos são então calculados para cada criança falecida e as que estiverem acima de um nível máximo (arbitrariamente definido) são atribuídos a COD correspondente. Modelos distintos, cada um com seus pontos máximos, têm de ser desenvolvidos separadamente para cada COD, o que torna o método bastante laborioso. Redes neurais artificiais (RNA) foram também usadas para atribuir COD nas VA. As redes neurais artificiais aplicam estatísticas não lineares para o reconhecimento de padrões. As entradas, saídas e pesos numa rede neural são análogos às variáveis de entrada, variáveis de resultados e os coeficientes numa análise de regressão. A complexidade acrescida resulta principalmente das camadas de nódulos que produz um mapa mais detalhado do espaço de decisão. Num estudo utilizando este método no contexto de VA [26], os resultados foram comparados favoravelmente com os da regressão logística, mas não corresponderam ao resultado da revisão por médicos quando comparados à COD nos registos hospitalares. Uma abordagem Bayesiana também foi desenvolvida por Byass el al. para VA [27]. Probabilidades anteriores aproximadas [por exemplo, P (sintoma COD)], estimado numa escala semi-qualitativa (vide a Tabela 3), são incorporadas no modelo após consulta com especialistas. Dados dos questionários de VA são então combinados com as probabilidades anteriores para obter probabilidades posteriores de cada COD. Só as COD com a probabilidade acima de um nível máximo pré-determinado (definido arbitrariamente) são atribuídos ao caso. 6
17 Tabela 3: Escala semi-qualitativa usada por Byass et al. O método de VA, concebido por King e Lu, é o desenvolvimento mais recente em relação às abordagens de VA derivadas de dados. [28] O método baseia-se em menos e menores assumpções em relação aos modelos probabilísticos descritos anterioremente. Também tem a vantagem de ser independente de qualquer valor ou nível definido arbitrariamente tais como os que necessários para a regressão logística, redes neurais artificiais e modelo Bayesianos. A principal assumpção que suporta este modelo é que a probabilidade de que certas combinações estejam associadas a uma determinada COD é a mesma no conjunto de casos de referência como na população em estudo. A equação da matriz básica para este modelo é a seguinte: P(S) = P(S D) P(D) Onde: S é um vector dos perfis dos sintomas D é a variável categórica que pode conter o número de categorias cor respondentes às COD No conjunto de referência, S (da VA) e D (a COD conhecida ) são usados para estimar P(S D). S do conjunto de referência é então substituído por S do conjunto da comunidade e a equação é resolvida para o P(D): Fracções de mortalidade por causa específica para a população. Nenhuma COD é atribuída a casos individuais. 7
18 Figura 2: Gráfico das dispersões das estimativas de mortalidade por causa específica obtidas do método de King-Lu em relação ao valor verdadeiro (painel superior) e respectivos intervalos de confiança de 95% (painel inferior). Nota: Resultados baseados num conjunto de mortes registadas em hospitais nas zonas urbanas da China, metade dos casos foram seleccionados aleatoriamente como casos referência e a outra metade para testar o êxito do método. [28] As fracções da mortalidade estimada das 13 COD são representadas pelos pontos vermelhos (painel superior) e as fracções reais da mortalidade (baseadas nas COD atribuídas pelos médicos em serviço) são apresentadas na linha diagonal. Neste caso, todos os treze intervalos de confiança de 95% (linhas verticais vermelhas no painel inferior) incluem o valor real (linha horizontal preta). O método foi inicialmente testado em dois grandes conjuntos de dados, tendo obtido resultados satisfatórios (vide a Figura 2 e a nota). O software para esta aplicação está disponível ao público e pode ser gratuitamente obtido da internet. Esta abordagem foi adoptada como método preferido para o nosso estudo por causa da sua base teórica lógica, objectividade (nenhum nível máximo artificial), facilidade de uso (disponibilidade do software) e repetibilidade. Também esperamos demonstrar a sua validade no contexto Moçambicano distribuindo aleatoriamente o nosso conjunto de casos de referência e calculando a fracção de mortalidade por causa específica (CSMF) estimada para uma metade do conjunto com base na outra metade (vide teste semelhante em [28] ). 8
19 Uma vez obtido um conjunto de casos de referência, será possível usar o método para outros estudos de VA em crianças com menos de cinco anos de idade em Moçambique sem precisar de avaliadores médicos ou casos de referência adicionais. Padrão ouro É prática estabelecida em epidemiologia avaliar o desempenho de qualquer teste ou método novo comparando os seus resultados aos do melhor teste ou método relevante disponível, comumente designado como o padrão ouro. O desempenho é então expresso em termos de sensibilidade, especificidade e valores previsíveis positivos/negativos. [29] Para uma COD, o padrão-ouro seria provavelmente as conclusões de uma equipa de médicos especialistas determinando a COD com base num registo completo de historial médico, exames físicos, testes laboratoriais e exames acessórios, para além de uma autópsia real. Isto raramente, ou nunca, acontece em países onde as VA são usadas para fornecer estatísticas de mortalidade específicas à causa. A imperfeição do padrão de referência leva a uma série de problemas na avaliação do verdadeiro resultado dos métodos de VA que foram objecto de discussão em muitas publicações. [12, 14, 16, 17, 20, 25-28, 30] A primeira questão referese ao facto de que o padrão de referência é normalmente um conjunto de casos hospitalares. A mistura de casos fatais num hospital normalmente será diferente da da população em geral. Além disso, para determinada patologia, a sintomatologia (gravidade e mistura de sintomas) pode variar entre os casos que são levados ao hospital e os que morrem em casa. As características dos membros da família (por exemplo, educação, estatuto socio-económico, etc.) que levam os seus filhos doentes ao hospital também podem ser diferentes dos que não o fazem. Além disso, há o problema amplamente reconhecido das influências dos informantes associado ao facto de que contactos com trabalhadores de saúde durante a doença da criança pode alterar a maneira como os entrevistados respondem ao questionário da VA (por exemplo, eles poderão estar mais cientes de certos sintomas e podem ter sido informados do diagnóstico médico). Tudo isto tem o potencial de afectar a sensibilidade estimada e especificidades dos métodos de VA quando aplicados à comunidade em geral. A mistura de patologias na população em si (por exemplo, a presença ou não da malária e de outras patologias cujos sintomas não são bem definidos e/ou característicos) poderá também significar que as especificidades e sensibilidades de um determinado método de VA poderão não ser as mesmas em diferentes contextos. Isso ocorre porque os métodos de VA assentam em grande medida no pressuposto necessário de que uma COD será diferente das outras com base nos sintomas e sinais facilmente observáveis. A não ser que para um determinado método de VA a sensibilidade e a especificidade estejam próximas a 100%, as estimativas da CSMF geralmente serão de certo modo tendenciosas. [16] 9
20 Tabela 4: Exemplos de intervalos de sensibilidades e especificidades obtidas em diferentes estudos para grandes causas da mortalidade infantil COD e país Sensibilidade Especifidade Algorítmo ARI Malária Desnutrição Tétano neonatal Sarampo Diarreia Filipinas 59% 77% Tosse 4 dias e dispneia 1 dia Quénia 28% 91% Tosse 4 dias e dispneia 1 dia Diagnóstico baseado em registos Quénia 46% 89% médicos, inclui toda a parasitemia da malária Namibia 45% 87% Febre e convulsão ou desmaio (toda a parasitemia da malária) Namibia 72% 85% Febre e convulsão ou desmaio (só a malária cerebral) Quénia 89% 96% Namibia 73% 76% Quénia 90% 79% Bangladesh 97% 98% Filipinas 98% 90% Idade 120 dias, sarna e febre 3 days Namibia 71% 85% Idade 120 dias, sarna, febre 3 days Quénia 36% 96% 6 fezes líquidas por dia Filipinas 60% 85% Fezes soltas e líquidas frequentes Filipinas 78% 79% 6 fezes líquidas por dia Namibia 89% 61% 6 fezes líquidas por dia 1 Fonte: A Standard Verbal Autopsy Method for Investigating Causes of Deaths in Infants and Children. WHO, [12] Com as limitações já descritas, as sensibilidades e as especificidades das várias ferramentas de VA foram extensivamente testadas em muitos contextos diferentes. As principais conclusões destes estudos são de que as sensibilidades e especificidades raramente chegam perto de 100% (geralmente são muito mais baixas), e que existem grandes variações entre os métodos, COD, tipo de algoritmos e estudos, como se ilustra na Tabela 4. Estas variações de sensibilidade e especificidade, bem como os seus valores muitas vezes pouco satisfatórios, explicam a razão por que muitos esforços estão sendo feitos para desenvolver métodos derivados de dados objectivos que possam ajudar a melhorar a validade e fiabilidade dos resultados das VA. É importante notar que as questões acima mencionadas em relação às baixas sensibilidades e/ou especificidades não se aplicam ao método King-Lu [28], uma vez que não atribui uma COD individual. 10
21 3 MÉTODOS 3.1 Concepção do Estudo O primeiro desenho a ser considerado foi de um estudo de longitudinal nacional, um enorme e difícil empreendimento. Este desenho foi modificado para ser um grande estudo longitudinal representativo nacional para recolher dados durante um período de oito meses. Logo que foram definidos o âmbito e metodologia apropriada do INCAM sendo realizado pelo Instituto Nacional de Estatística (INE), foi adoptado o estudo (doravante designado por Estudo Nacional sobre as Causas da Mortalidade Infantil) (Estudo Nacional sobre a Mortalidade Infantil (NCMS)) como extensão para complementar o INCAM de modo a evitar a duplicação de esforços e recursos. O estudo abrangeu todas as mortes de crianças identificadas através do INCAM, que registou as mortes de crianças de todas as idades numa amostra representativa de 388 agregados de cerca de 2000 habitantes de todas as 11 províncias de Moçambique. [1] A identificação de todos os agregados familiares que registaram mortes de crianças num período de um ano, entre 1 de Agosto de 2006 a 31 de Julho de 2007, foi feita durante o censo geral da população de 2007 e a implementação do INCAM foi planificada para acompanhar de perto o censo. Inicialmente, o INCAM esperava identificar cerca de mortes de todas as idades no período indicado acima. Os dados indicavam que o número final seria muito menor, cerca de , dos quais ~4500 eram crianças com menos de cinco anos de idade. Apesar desta redução, ainda era substancialmente superior às mortes que inicialmente haviam sido previstas para o estudo transversal. As vantagens e desvantagens de associar o NCMS ao INCAM foram analisadas com cautela antes de confirmar esta metodologia como a metodologia apropriada. Vantagens 1. A obtenção da amostra de mortes de crianças com menos de cinco anos de idade do INCAM representou um custo-benefício substancial para o NCMS. Para além das implicações em termos de recursos, era eticamente questionável se a implementação de um estudo separado para medir a mortalidade infantil logo após o INCAM seria justificável. 2. Esperava-se que o INCAM apresentasse uma amostra de mortes de crianças com menos de cinco de idade maior que a amostra prevista para o NCMS, resultando numa maior precisão dos resultados do NCMS e redução do erro amostral. 3. O questionário da VA usado pelo INCAM nas crianças com menos de cinco anos de idade acompanha de perto os questionários recomendados pela OMS. 11
22 4. A amostra do INCAM poderia fornecer um número de casos de referência necessários para o método das VA utilizado para estimar as fracções de mortalidade específica às causas por parte do NCMS. Estas são crianças cuja morte ocorreu dentro de uma unidade sanitária e para as quais uma COD já terá sido atribuída pelos médicos. Chegou-se à conclusão que muito provavelmente estes casos de referência teriam que ser complementados por casos hospitalares adicionais (casos seleccionados directamente dos hospitais) para satisfazerem os requisitos do método King-Lu. 5. Uma vantagem para o INCAM foi que os diagnósticos hospitalares obtidos através do inquérito sumplementar a ser implementado pelo NCMS permitiria ao INCAM comparar (validar) os diagnósticos de avaliação dos médicos aos diagnósticos baseados em registos hospitalares. Desvantagens e medidas correctivas 1. Todos os objectivos do NCMS não podem ser alcançados analisando as mortes de crianças menores de cinco anos na amostra do INCAM pois o questionário da VA não contém questões relacionadas com a cobertura do serviço, excepto de forma limitada no que diz respeito ao acesso aos serviços de saúde durante a doença terminal. Embora seja possível obter dados do censo populacional para os casos incluídos no INCAM, isto só permitirá uma análise das desigualdades e das taxas de mortalidade diferencial em relação ao estatuto socio-económico. Por conseguinte, para alcançar os objectivos do NCMS era fundamental conduzir um inquérito nacional aos agregados familiares para recolher as informações necessárias para uma análise da cobertura e da equidade. O UNICEF (que financiou o NCMS) e o INE concordaram em implementar um MICS em 2008, que recolheria a maior parte das informações necessárias. 2. O período retrospectivo de mortes no INCAM é 12 meses anteriores ao censo. Até o momento em que o trabalho de campo do INCAM seria concluído, o período da ocorrência poderia ser de um ano e meio à cerca de dois anos. Isto traz preocupações sobre as influências sobre a memória, especialmente em relação às mortes neonatais. Embora este problema pudesse ser mitigado através da inclusão apenas de casos com VA no prazo de um ano do estudo, a sazonalidade de algumas doenças, o que requer a obtenção de uma amostra durante um período de 12 meses, demonstrou que isso é impraticável. 3. Durante o processo da VA, o INCAM constatou, com provas, que houve um grande nível de sobre-registo de mortes durante o recenseamento, tendo algumas das mortes que ocorreram há mais de um ano sido reportadas como tendo ocorrido no ano anterior. Embora os dados recolhidos pelo INCAM permitem a correcção deste vício, eles não fornecem dados para corrigir os casos sub-reportados, visto que as famílias classificadas não tendo registado mortes no período analisado pelo censo não foram visitadas pelos entrevistadores do INCAM. Consequentemente, o nível de casos sub- 12
23 reportados não é conhecido, mas poderia ser significativo e poderia distorcer os resultados. Além disso, uma estimativa precisa da taxa de mortalidade geral nas crianças com menos de cinco anos é essencial para o nosso estudo com vista a traduzir CSMF em taxas de mortalidade por causa específica. Felizmente, o MICS implementado em Moçambique em 2008, forneceu outras estimativas da taxa de mortalidade de crianças abaixo dos cinco anos para fins de comparação. 4. O impacto do HIV e SIDA na mortalidade infantil nunca foi medido directamente em Moçambique mas deve ser significativo dada a prevalência de HIV relativamente elevada entre as mulheres atendidas nas consultas prénatais. As autópsias verbais não podem diferenciar bem entre as mortes atribuíveis ao HIV e SIDA e as mortes resultantes de outras causas. Para lidar com este problema, o teste de HIV em crianças havia sido integrado no inquérito longitudinal que inicialmente tinha sido planificado de modo a definir o perfil das taxas de infecção em crianças com menos de cinco anos, para modelar o impacto do HIV na mortalidade infantil e ajustar as estimativas das VA. Esperava-se obter estas informações com o inquérito nacional sobre comportamento e seroprevalência (INSIDA) que tinha sido planificado para 2008, mas mais atrasos fizeram com que os resultados do INSIDA não estivessem disponíveis aquando da elaboração do presente relatório. Em face do exposto acima, considera-se que as vantagens do presente estudo colaborando estreitamente com o INCAM superavam as desvantagens. Decidiuse ligar os dois estudos e obter informações complementares do MICS para a análise sobre cobertura e equidade. Os detalhes a seguir referem-se ao primeiro objectivo do estudo, que exigiam procedimentos de recolha de dados no terreno. Os objectivos 2 a 4 deverão ser principalmente abordados através da análise dos dados recolhidos por outros estudos. 3.2 Estudo-Piloto Em Janeiro de 2008, um estudo-piloto foi realizado em quatro províncias de Moçambique. Os objectivos deste estudo estavam relacionados principalmente com a identificação dos casos de referência requeridos pelo Método King-Lu e a viabilidade de se obterem todos os dados necessários para estes casos, definidos da seguinte forma: Para fornecer informações sobre a viabilidade da metodologia proposta para o Estudo da Mortalidade Infantil Nacional, em conformidade com a alteração após a sua ligação com o INCAM, focando na componente de casos de referência; Para indicar possíveis avanços metodológicos no desenho do Estudo Nacional sobre a Mortalidade Infantil com vista a aumentar a sua eficiência e melhorar a qualidade dos resultados. 13
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