AS INTERFACES DO PLANEJAMENTO URBANO COM A MOBILIDADE
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- Dina Quintão Fidalgo
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1 AS INTERFACES DO PLANEJAMENTO URBANO COM A MOBILIDADE Quando focalizamos a condição de sermos moradores de um aglomerado, isso nos remete a uma posição dentro de um espaço físico, um território. Esse fato, por sua vez, implica, em decorrência, na necessidade de nos deslocarmos do local onde estamos domiciliados ou onde nos encontramos para vários outros a fim de satisfazermos necessidades ou cumprirmos compromissos e obrigações. Com isso, fica claro que a mobilidade é essencial na vida das pessoas e, mais enfaticamente, na dinâmica das cidades que têm função não apenas residencial, mas também proporciona ocupações, serviços e facilidades. As conexões entre essas funções, fazendo-se regularmente ou não, utilizam meios de locomoção através de infraestrutura viária disponível. Dessas considerações se depreende que a mobilidade urbana significa as diferentes maneiras que indivíduos e agentes econômicos usam para suprir ou prover suas necessidades de deslocamento. Ela está associada às pessoas e aos bens em suas relações buscando acessos e produzindo transferências. O esforço de ir e vir pode se dar de maneira direta, no caso dos deslocamentos a pé, ou pode recorrer a meios de transporte motorizados ou não motorizados. A distância, a adequabilidade do meio de acesso e de locomoção e a condição socioeconômica são os fatores mais salientes que, em geral, determinarão o uso de um ou outro modo de movimentação. Assim se evidencia que o ato de se deslocar pressupõe relações com pessoas e com espaços, sejam eles seu local de moradia ocupação, formação, tratamento, diversão, compras, interesse espiritual ou outro. Tais questões estão na base do conceito de mobilidade. No entanto, a mobilidade urbana não é somente a ação de ir e vir, de se deslocar, mas também implica em sustentabilidade e segurança. Para uma ação continuada e permanente, esses são pré-requisitos essenciais e foram bem incorporados à Política de
2 Mobilidade Urbana Sustentável, aprovada na reunião do Conselho Nacional das Cidades, em A mobilidade resulta de um conjunto de ações e iniciativas de transporte e circulação que visam a proporcionar acesso amplo e democrático a espaços urbanos de maneira segura, socialmente inclusiva e ambientalmente sustentável, priorizando, para isso, meios coletivos e não motorizados de transporte. A tônica desse modelo de política difere daquela que sempre regeu tanto o deslocamento na cidade, quanto o tipo de planejamento e de desenvolvimento urbanos com base nos quais a cidade, que foi preparada para o automóvel e a fluidez do trânsito, nem sempre reconheceu a lógica que racionaliza a ocupação do solo. Conquanto tenha havido a compreensão da necessidade de reorientação da política oficial de governo, em termos práticos há muito por fazer para centrar a mobilidade urbana nas pessoas, especialmente nas mais vulneráveis. Em suma, reconhece-se que há um longo trajeto a ser percorrido para que tenhamos cidades justas, inclusivas, cidadãs, enfim, que possam ser usufruídas. Nessa nova ótica, o planejamento setorial de transporte não pode ser desvinculado do planejamento urbano, assim como de outros setores que participam da produção das cidades. Isso significa, por outro lado, que a construção e a expansão da estrutura urbana têm que ser geradas a partir de diretrizes de uso e ocupação do território. Uma informação básica é a de que edificações geram necessidades de deslocamentos e afluxos. Dependendo das atividades ou uso dessas edificações, elas podem gerar maior ou menor interferência no fluxo e na demanda de tráfego. Ao se transformarem em pólos geradores de tráfego de grande impacto, sobrecarregam o sistema viário imediato e do entorno, produzindo, desse modo, as chamadas deseconomias do trânsito. Essas deseconomias nada mais são que os efeitos indesejáveis decorrentes do caos de trânsito, como: poluição atmosférica, doenças respiratórias e alérgicas, degradação do patrimônio cultural, congestionamentos com perda de tempo
3 produtivo, stresse e mortes, mutilações e sequelas produzidas por acidentes etc. Outro aspecto a considerar na necessidade de interface entre o planejamento urbano e o de transporte refere-se à periferização urbana. Esse fenômeno foi induzido por dois movimentos que participaram da composição do processo de urbanização brasileiro. O primeiro, de origem externa, decorreu da massiva transferência populacional de áreas rurais ou urbanas pouco desenvolvidas para cidades de grande e médio portes, nos anos 70 e 80. Esse contingente dirigiu-se significativamente às regiões periféricas dessas cidades, tendo em vista maiores possibilidades de acesso à terra nessas áreas. Ressalta-se que tal segmento ocupou irregularmente áreas públicas urbanas ou se inseriu nos assentamentos e conjuntos habitacionais acessíveis, todos situados na franja mais externa da cidade. O segundo movimento, dirigido à classe média e promovido pela iniciativa privada urbana ou por agências governamentais de habitação, teve por objetivo produzir imóveis novos, em novos bairros, formando ou fortalecendo novas centralidades e produzindo, consequentemente, um esvaziamento dos centros tradicionais. Mais recentemente, vê-se a alocação de condomínios fechados nas áreas periféricas e formas de renovação urbana nas áreas do entorno dos centros tradicionais, onde o uso residencial vigente tem sido substituído por padrão mais sofisticado ou por outros usos. Isso tem propiciado a transferência das populações residentes para áreas mais externas das cidades e cada vez mais distantes. Tais ocorrências evidenciam a maximização do fenômeno da periferização e com ele uma maior pressão sobre a demanda de transporte e de infraestrutura viária e outras, favorecendo, cada vez mais, o uso do veículo particular e, no caso da população pobre, a redução da mobilidade desse segmento ou sua supressão, caracterizando, assim, um quadro de exclusão social. Periferizar a cidade é conferir-lhe um desenho espraiado de expansão horizontal, baixa densidade e entremeado de muitos vazios ociosos; é aumentar distâncias, dificultar a alocação e provimento de infraestrutura urbana
4 e avalizar desequilíbrios sociourbanísticos. Mais ainda, é fortalecer o modelo de circulação que se deseja mudar e também o modelo de urbanização que a ele se associou para produzir as deseconomias urbanas e cidades com qualidade de vida insustentável. A cidade sustentável, defendida pela nova Política de Desenvolvimento Urbano, é a que se aproxima de uma ocupação compacta, que busca aproveitar a sua capacidade espacial e de infraestrutura instaladas como forma de concretizar a função social do solo, de minimizar manutenção e investimentos públicos. Ajustar a situação real das cidades a um modelo de ocupação e uso mais racional, social e sustentável do solo urbano significa exercer enfrentamentos objetivos que controlem a especulação fundiária, alimentadora do processo de periferização. O governo tem legitimidade para prover controles eficazes no sentido de perseguir a cidade sustentável. Tanto no Estatuto da Cidade, quanto no Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano local, há uma coleção de instrumentos de intervenção urbanística que assegura o exercício de condução e controle da ocupação da cidade, direcionando-a para o modelo que se deseja construir e reconhecido pela atual Política de Desenvolvimento Urbano. Vê-se, no entanto, que a existência desses mecanismos não é suficiente, por si só, para transformar a cidade. Além disso, é necessário considerar a urgência da estruturação da gestão local, afirmando sua competência para planejar e regular condutas, serviços e ocupações públicas e privadas dentro de seu espaço urbano. O fortalecimento e o desenvolvimento institucionais são prérequisitos para que os desafios previstos pelos dispositivos legais e pela realidade sejam colocados como pauta inadiável, isto é, enfrentamentos de primeira linha.
5 O desenvolvimento urbano negligenciado ou mal planejado contribuiu significativamente para degradar a mobilidade urbana e a qualidade da apropriação do espaço urbano. Não se pode omitir, também, o fato de que a cidade é fruto de um pacto, um consenso entre governo, agentes econômicos e cidadãos. Anteriormente à Constituição Federal de 1988, o governo tecnocrático era quem dava o tom e impunha o ritmo para o curso urbano. Com ela obtivemos conquistas irreversíveis, que impuseram mudanças no paradigma gerencial dos entes federados e da sociedade. Daí o que é direito deve materializar-se em fatos com a participação social e das entidades organizadas da sociedade na parceria e no controle social das ações e políticas públicas governamentais, a despeito da pouca compreensão e desconforto que seus impactos têm ainda sobre o padrão gerencial de alguns governos. Todavia é imperativo avançar na perspectiva de uma co-gestão pública. A mobilidade urbana sustentável não pode prescindir do ponto de vista dos usuários do sistema viário público. Condutores motorizados e não motorizados, pedestres e, entre esses, os mais vulnerabilizados, necessitam de estruturas públicas constituídas, canais institucionalizados e valorizados e rotinas que possibilitem os cidadãos exercerem seu direito e dever de sinalizar para os governos os pontos nos quais se deve ajustar as políticas públicas de circulação, acessibilidade e mobilidade. A Constituição Federal delegou os assuntos relativos aos transportes coletivos urbanos aos executivos locais. Também, nesse sentido, o Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano do Município, no seu art. 19, estabelece diretrizes importantes que, uma vez viabilizadas, juntamente com as prescrições do Código de Trânsito Brasileiro, podem definir fronteiras mais visíveis e perceptíveis da civilidade e do uso adequado e justo dos recursos viários e de circulação com valorização preponderante da vida.
6 Dentro da nova ótica de mobilidade urbana, as pessoas têm primazia sobre os veículos. Isso exige considerar as políticas de transporte e trânsito de modo interdisciplinar, porque envolvem questões sociais, econômicas, laborais e ligadas à saúde das pessoas. Assim sendo, o insulamento e o confinamento de decisões a um grupo especializado de governo têm pouca eficácia na introdução de mudanças nas vidas, nas relações, no desenvolvimento econômico e na identidade urbana. A função adequada do Estado, no contexto que envolve transporte e trânsito urbanos, é catalisar as demandas da sociedade e dar coesão aos esforços de diversas origens, visando a torná-los mais seguros, inclusivos e equilibrados quanto aos modos de circulação.
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