Páginas cortadas: Apontamentos sobre cobertura jornalística dos casos de suicídios nos periódicos ponta-grossenses
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- João Vítor Camarinho Duarte
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1 Páginas cortadas: Apontamentos sobre cobertura jornalística dos casos de suicídios nos periódicos ponta-grossenses COSTA, Alvaro Daniel. ALMEIDA, Franciely Menezes. UNIVERSIDADE ESTADUAL DE PONTA GROSSA - PR RESUMO O presente trabalho visa discutir as transformações ocorridas no tratamento de casos de suicídio na imprensa, a partir da observação da cobertura jornalística realizada pelos jornais Diário dos Campos e Jornal da Manhã, de modo a lançar um olhar sobre as características do jornalismo Ponta Grossa/PR, entre os anos de 1950 e Para a realização da pesquisa, foram consultados os processos criminais envolvendo casos de suicídio no período considerado e as notícias publicadas nos referidos jornais a respeito do tema. Com base nestes elementos, busca-se discutir as mudanças no modo de noticiar o suicídio pela mídia impressa ponta-grossense, ocorridas ao longo de 50 anos, conforme se pode observar nos fragmentos de jornais analisados. PALAVRAS-CHAVE: história do jornalismo; suicídio; jornais ponta-grossenses; valores notícia. O significado de suicídio deriva do latim, sui (si mesmo), e caederes (ação de matar). É um ato voluntário no qual um indivíduo possui a intenção e provoca a própria morte. Números da Organização Mundial da Saúde (OMS) apontam que, todo ano, entre 20 a 60 milhões de pessoas tentam o suicídio. Cerca de um milhão consegue. Durkheim foi o precursor dos estudos que tratam desta temática como um problema social, excluindo aquela visão do suicídio como uma forma de loucura. Ele também foi um dos pioneiros em coletar dados, números e discussões a respeito do assunto. Comparar é o único meio de explicar o suicídio. O investigador é forçado a construir, ele próprio os grupos que pretende estudar, de modo a conferir-lhes homogeneidade e especificidades necessárias para poderem receber um tratamento científico. (Durkheim, 1897, p.11 e 12). Após Durkheim, a ênfase sobre o suicídio se modificou. De acordo com A. Alvarez, ele passou a ser mais respeitado depois que se tornou objeto de pesquisas científicas, uma vez que a ciência torna qualquer coisa explicável. O autor inglês ainda vê preconceito ao redor do tema, mas já identifica um tom menos evidente do que já foi considerado um pecado mortal. 1
2 Hoje, o suicídio não passa de segredinho sujo, algo vergonhoso a ser evitado e varrido para debaixo do tapete, inominável e ligeiramente obsceno, menos um auto-aniquilamento do que uma auto violação (1971). Predominaram, desde o século XVII já nas folhas volantes, as publicações de catástrofes, assassinatos, casamentos, adultérios, etc. Nascia aí uma prática que pautou durante muito tempo os textos jornalísticos, o sensacionalismo. A preocupação com o fazer jornalístico só surgiu no final do século XIX, quando apareceu o primeiro código de conduta para profissionais da imprensa. Mundialmente, foi aprovado somente em 1939, na França, o primeiro código deontológico profissional. A proposta da presente pesquisa é de lançar um olhar sobre o comportamento da mídia imprensa ponta-grossense, partindo de recortes aleatórios que exemplifiquem de que maneira se deu a cobertura de suicídio no Jornal da Manhã (JM) e no Diário dos Campos (DC) a partir da década de Jornal da Manhã e Diário dos Campos na história da imprensa em Ponta Grossa O Jornal da Manhã é um diário fundado em 4 de julho de 1954 que se apresenta em formato standart. Circula de terça a sábado com três cadernos principais e aos domingos com cadernos especiais. Abrange um total de 22 municípios localizados na região dos Campos Gerais, no centro-sul do Paraná. Fundado em 27 de abril de 1907, outro periódico é o Diário dos Campos, chamado de O Progresso até Também em formato standart, hoje suas edições circulam de terça a sábado com o primeiro caderno de dez páginas, o segundo de quatro, e o Caderno de Classificados, variando conforme o volume de anúncios. Aos domingos o jornal triplica o número de páginas com o acréscimo de cadernos segmentados. Abrange praticamente a mesma área do JM. O jornal sofreu uma interrupção nos anos 90, e só voltou a circular em 1999 com nova proposta gráfica e editorial. Ambos os impressos passaram por mudanças na sua linha editorial, sendo elas modificadas ao longo do tempo pelas próprias características que assumiu a sociedade princesina e também pela mudança nas equipes que coordenavam os jornais desde a década de 50. Isso refletiu na maneira como o jornalismo se ocupou do suicídio durante 2
3 os anos, uma vez que a imprensa em Ponta Grossa foi, gradativamente, assimilando as regras e tendências do fazer jornalístico que marcaram cada período. Recortes do tratamento do suicídio nos jornais de Ponta Grossa O suicídio, pouco trabalhado nos dias de hoje, já recebeu destaque dos periódicos que não poupavam detalhes e opiniões a respeito deste tipo de ação. A partir de certo período, essas notícias praticamente desapareceram dos jornais. A imprensa pouco aborda a questão e, quando o faz, quase sempre obscurece o acontecimento individual alguém decidiu que vida não valia mais a pena ser vivida - atrás de uma cortina de eufemismos. (DAPIEVE, p.13). Do período proposto para análise, já foram finalizados 14 anos de apreciação do Jornal da Manhã e outros 26 de Diário dos Campos. Para este trabalho, foram delimitados alguns anos a fim de ilustrar como se deu o tratamento da imprensa pontagrossense na cobertura, ou não, dos casos de suicídio ocorridos na cidade. As escolhas dos períodos foram determinadas com base nos anos já analisados dos dois jornais, e também com a intenção de ilustrar as disparidades na construção dos textos jornalísticos entre as décadas propostas. Foram comparados para a construção deste trabalho os seguintes anos: 1954, 1955, 1956, , 1970 e Nos anos analisados da década de 50, dos 31 casos de suicídios registrados pela 1 a Vara Criminal da cidade, apenas um não foi noticiado. No Diário dos Campos, 27 mortes voluntárias receberam espaço no periódico, duas delas no ano de 1954, como nota de falecimento. Em 1955, uma foi divulgada na primeira página. No Jornal da Manhã, no mesmo período, 20 notícias sobre suicídio foram publicadas, sendo duas também em forma de nota de falecimento. Apesar das diferenças entre os teóricos a respeito do que são os chamados valores notícia, Traquina (2005) salienta que o padrão geralmente é bastante estável e previsível. O autor cita os critérios de noticiabilidade como definidores do que se torna ou não publicável. Na lista de valores notícia de Ericson Baranek e Chan (1987), a dramatização de um acontecimento pode ser importante fator para estabelecê-lo como notícia. Por dramatização entendemos a evidência de aspectos mais críticos, do lado emocional e da natureza conflitual dos ocorridos, características presentes e comuns no que se refere à morte voluntária. 3
4 Em evidência os títulos sob os quais eram chamadas as matérias: Triturado pelas rodas da composição impressionante suicídio (JM em 10 de dezembro de 1954); Outro suicídio nesta cidade!!! Essa febre de auto-destruição física precisa acabar (DC em 26 de outubro de 1954). Uma verdadeira onda de suicídios invadiu a cidade nestes últimos tempos, sendo rara a semana que não ocorre um desses lamentáveis fatos, ao qual recorrem, em [ilegível] jovens, em plena flor da idade, inexperientes, em a necessária capacidade de reação ás rajadas contrarias do vendaval da vida (DC em 26 de outubro de 1954) As diferenças textuais entre os jornais nos anos 50 ficam por conta da forma da narração. A estrutura discursiva empregada no Diário dos Campos era mais próxima da literatura, diferente da usada nas páginas do Jornal da Manhã. Uma característica constante nos dois periódicos era a descrição minuciosa do fato que contemplava a ação da vítima. Para conseguir levar a termo seu tresloucado gesto, Nair Gomes dos Santos misturou uma grande porção de formicida com água numa lata, tomando-a tôda. Em seguida, correu do quarto à cozinha, dizendo à sua irmã que chamasse a mãe; logo após, caiu no chão para nunca mais se levantar. (JM em 26 outubro de 1954) No período que compreende 1968 e 1969 foram registradas 19 mortes voluntárias em Ponta Grossa. O DC publicou apenas sete delas, sendo duas notas de falecimento em 69. Enquanto que o JM noticiou 13, sendo uma chamada de capa em 68 e em 69 uma publicada com foto. Para Wolf (1995), os critérios que definem o valor de um acontecimento são inúmeros. No caso do suicídio, as questões do conteúdo e do público são as principais. Classifica-os em cinco principais frentes: 1. Características substantivas (relacionadas ao conteúdo) 2. Critérios relacionados ao produto (atualidade e acessibilidade) 3. Ao meio de informação (quantidade de tempo destinado) 4. Ao público (a imagem que faz dos receptores) 5. À concorrência (a pauta do concorrente) Dos 16 suicídios ocorridos nos anos de 1970 e 1979, viraram notícia no DC sete 4
5 deles, outros quatro no JM. A publicação de fotos foi exclusiva do DC nesses anos, com três fotografias e uma notícia de capa. Em janeiro de 79, foi divulgado o suicídio de uma de jovem, 24 anos, com foto e publicação na capa pelo Diário dos Campos. A partir da década de 70, as notícias sobre suicídio começam a desaparecer dos periódicos, ficando cada vez mais parecidas com o conhecido boletim de ocorrência, que só se ocupavam do fato em si. Em forma de notas, agora os suicidas desconhecidos viraram pés de página. No início do período analisado, os jornais emitiam suas opiniões a respeito dos casos e do suicídio em si. Exemplo disso é a finalização da matéria publicada em outubro de 1954 pelo Jornal da Manhã. Precisamos acabar com isso... Chega de pessimismos... Temos que encarar os fatos com coragem e audácia... Não devemos nos deixar vencer pelas aparentes dificuldades da vida (aparentes porque nenhuma é impossível de ser desviada)... Liquidemos, pois, com essa febre de suicídio, encarando a vida com mais otimismo!... Através das análises, pode-se dizer que significativas diferenças na forma de tratamento da notícia permearam os dois jornais durante as décadas. A principal característica foi o tradicionalismo que adotou o Diário dos Campos, já que seus textos eram essencialmente literários e as notícias sobre suicídios dependiam do grau de importância da vítima. As notas de falecimento deixavam clara essa relação, pois eram destinadas a pessoas distintas da sociedade ponta-grossense. O Jornal da Manhã era pautado pelo caráter apelativo dos casos. Isso era bem claro no decorrer do texto e principalmente nos títulos. Mesmo com suas diferenças, JM e DC começaram a partir da década de 70, a selecionar as notícias sobre morte voluntária. Gradualmente, elas foram desaparecendo das páginas policiais em ambos os impressos, criando em torno do suicídio uma espécie de código de ética oculto, onde se selecionam as vitimas da morte voluntária que merecem destaque. O silenciamento da imprensa local obedece a uma vertente que parece se basear na escolha de outros periódicos nacionais quando o assunto suicídio aparece em pauta. 5
6 REFERÊNCIAS ALVAREZ, A. O deus selvagem: um estudo do suicídio. Trad. Sonia Moreira. São Paulo: Companhia das Letras, CASSORLA, Roosevelt M. S. O que é suicídio. Editora Brasiliense: 2 a Ed. SP, 1986 DAPIEVE, Arthur. Morreu na contramão: o suicídio como notícia. Rio de Janeiro. Jorge Zahar Ed., DURKHEIM, Émile. Le Suicide (Versão Traduzida). Editora Martín Claret, ERICSON, Richard V., BARANEK, Patricia M., e CHAN, Janet B. L. (1987). Visualizing Deviance: A Studyof News Organizations. Toronto: University of Toronto Press. SEQUEIRA, Cleofre Monteiro de. Jornalismo investigativo: o fato por trás da notícia. São Paulo: Summus, TRAQUINA, Nelson. Teorias do Jornalismo, porque as notícias são como são. Florianópolis: 2 a Ed, Jornal da Manhã. 26 de outubro de Página 8. Outro suicídio nesta cidade!!! Essa febre de auto-destruição física precisa acabar. Diário dos Campos. 26 de outubro de Página 8. Mais um suicídio A jovem fugiu á morte ingerindo forte dose de formicida. 6
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