O SISTEMA DE PREVIDÊNCIA PRIVADO NO PAÍS E O IMPACTO DAS PRÁTICAS DE GOVERNANÇA CORPORATIVA: O PAPEL DOS FUNDOS DE PENSÃO
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1 O SISTEMA DE PREVIDÊNCIA PRIVADO NO PAÍS E O IMPACTO DAS PRÁTICAS DE GOVERNANÇA CORPORATIVA: O PAPEL DOS FUNDOS DE PENSÃO Autoria: Joaquim Rubens Fontes Filho RESUMO Este trabalho examina a teoria da governança corporativa, extrapolando a dimensão econômica predominante nas discussões sobre o tema para analisar o assunto sob o ponto de vista do modelo de gestão, com ênfase na orientação estratégica do próprio investidor, no caso os fundos de pensão. São discutidas possibilidades quanto à existência de relações entre as características de gestão do principal e impactos nas empresas onde exerçam posições de controle, os agentes, segundo o potencial e interesse que tenham de influenciar nas formulações e implementações de estratégias e políticas. 1. INTRODUÇÃO O processo de privatização brasileiro estabeleceu um marco histórico na configuração empresarial do país. O Estado, anteriormente participando como o grande empresário nacional, retirou-se progressivamente da arena, abrindo espaço a outros players, destacadamente empresas internacionais e investidores institucionais brasileiros. Certamente, o processo de globalização tem também contribuído para redefinir esse contexto. Firmar-se com uma capacidade de produção e distribuição em escala global, diretamente ou via parcerias e alianças estratégicas, torna-se essencial para manter posição competitiva privilegiada. Para tanto, proliferam os movimentos de conglomerização, através de fusões e aquisições, gerando megaempresas com ativos que facilmente contam-se em bilhões de dólares. O objetivo da constituição de megaempresas é assegurar o potencial de acesso pleno ao mercado global, maximizando principalmente os ganhos de eficiência baseado em escala de produção. Para isso, contudo, diversos recursos tornam-se críticos, dentre os quais se destaca o acesso a fontes de capital para manutenção da capacidade produtiva da empresa e de sua capacidade de investimento. Nesse contexto, ganha importância o papel dos grandes investidores institucionais, como bancos de investimento, seguradoras e fundos de pensão. Os volumes de ativos gerados por esses investidores têm crescido nos diversos países, gerando uma demanda por novas oportunidades de investimento. A necessidade de investir esses recursos tem sido o combustível do processo de capitalização e crescimento das empresas. O Brasil, a partir do Programa Nacional de Desestatização (PND), iniciou um forte processo de privatização da máquina estatal, a nível federal e estadual. Assim 1
2 como no caso de outros países, este processo foi em grande parte sustentado pelo capital dos investidores institucionais, destacando no caso brasileiro os fundos de pensão das empresas estatais, que perceberam a ocasião como uma oportunidade para participar de investimentos adequados as exigências de seus passivos. Entretanto, o modelo empresarial brasileiro apoiava-se no tripé empresa familiar estatal multinacional. A falta de capital para investimento pelo empresariado nacional, somada a retirada do estado-empresário do cenário em virtude da privatização, tem produzido o surgimento de uma nova estrutura empresarial no país. Ademais, as regras impostas pelo modelo de privatização conduziram à formação de consórcios de investidores, aliando detentores de capital aos de tecnologia. Após pouco mais de cinco anos de iniciado o processo, o que se observa como padrão de controle das grandes empresas estabelecidas no Brasil é a prevalência, cada vez maior, do controle compartilhado entre investidores com interesses nem sempre convergentes. Esses padrões de controle, comuns em diversos países desenvolvidos, é justamente objeto dos estudos da governança corporativa. Questões referentes ao relacionamento investidor-agente são tratadas com a finalidade de buscar assegurar que este último execute o que é determinado pelo dono efetivo do capital. O modelo difuso de controle, contudo, torna complexa a negociação dos interesses para elaboração das estratégias empresariais. As origens diversas dos acionistas controladores tornam difícil assumir como óbvia a maximização do lucro como objetivo primordial. As investigações sobre governança corporativa tem priorizado as questões relativas aos custos de agência, oriundos do relacionamento investidor-agente, avançando pouco na questão de alinhamento de interesses divergentes dos próprios investidores, resultando em impacto óbvio sobre a formulação de estratégias. Definir quais são os interesses predominantes, quais podem ser parcialmente atendidos e como organizar os modelos internos de gestão torna-se fundamental na ampliação do arcabouço teórico da governança, predominantemente ocupado pelas visões econômicas. A visão tradicional dos modelos de planejamento assumiam como hegemônico o poder na organização e raramente tratavam a questão política e a negociação necessária à formulação dos objetivos. Expandindo ainda mais a abordagem, a percepção monolítica do poder inibiu a incorporação por esses modelos da demanda proveniente de outros atores, cuja sustentação era imprescindível ao processo, e mesmo à formação da própria estratégia, conforme terminologia proposta por Mintzberg (1993). Este trabalho visa a explorar os impactos das políticas dos fundos de pensão, enquanto investidores institucionais, sobre a configuração da propriedade empresarial do país, a partir da problematização apresentada pelas teorias de governança corporativa. A dicotomia entre a visão associada a uma percepção hegemônica de poder, presente no modelo baseado no acionista principal (shareholder) e aquela resultante de interesses plurais (stakeholders) é analisada, 2
3 ante o papel que será desempenhado pelos fundos de pensão em um cenário próximo, tendo em vista a participação que estes atores vêm tendo na assunção de parcelas de controle nas empresas privatizadas e tendências que apontam o forte crescimento do capital previdenciário no país. 2. ORGANIZAÇÃO E MODELOS DE GOVERNANÇA As questões referentes à modelagem de um sistema de gestão que permita aos atores exercerem poder sobre as organizações são estudadas no âmbito dos modelos de governança. Como denominação mais geral, encontram-se os denominados modelos de governança corporativa. A denominação governança corporativa 1, do original em inglês corporate governance, refere-se aos arranjos institucionais que regem as relações entre acionistas (ou outros grupos) e as administrações das empresas (Lethbridge, 1997, p.1). Embora o termo tenha se firmado nas disciplinas econômicas como exclusivo das relações empresariais, sua compreensão deve transcender ao universo das empresas de mercado, podendo vir a ser utilizado de forma mais ampla para designar os diversos arranjos necessários à gestão de uma organização, seja ela pública, privada, ou comunitária, com ou sem finalidade lucrativa. Quando um investidor procura maior influência sobre a atuação das empresas nas quais têm participação no controle, está buscando implementar práticas de governança corporativa de modo a assegurar que os agentes (empresas) atendam aquilo que, como investidor, delas se espera. Da mesma forma, quando uma comunidade pressiona um poder constituído com vistas a obter o atendimento de uma necessidade específica, tal como a construção de uma via expressa, a instalação de um posto de saúde, a maior fiscalização a um setor econômico, também está buscando assegurar que os agentes implementem seus anseios. Denominam-se problemas de agência 2 àqueles relacionados ao monitoramento das relações entre acionistas e administradores. Segundo a teoria da agência, tais problemas são oriundos da natureza incompleta dos contratos, dada pela impossibilidade de se escrever um contrato que especifique as ações a serem tomadas pelas partes em qualquer circunstância (Rabelo e Silveira, 1999). A Teoria da Governança Corporativa considera dois modelos como predominantes para explicar o comportamento das corporações: o modelo shareholder, onde se privilegia os interesses dos acionistas, e o modelo stakeholder, quando se adota uma visão mais abrangente, enfatizando a responsabilidade social da corporação e colocando-a no centro de uma rede formal e informal de relacionamentos com diversos atores. Esses dois modelos clássicos de governança corporativa estão normalmente associados aos ambientes ou modelos empresariais anglo-saxão e nipo-germânico. No modelo anglo-saxão, ocorre uma pulverização das participações acionárias e as bolsas de valores ocupam função primordial ao dar liquidez ao mercado e sinalizar 3
4 às empresas, através da oscilação no preço das ações, a avaliação dos investidores quanto à correção das estratégias adotadas. No modelo nipo-germânico, há uma concentração da propriedade em torno de grupos de investidores, ou keiretsus (conglomerados) e bancos respectivamente. No modelo shareholder, do contexto anglo-saxão, a ênfase é dada ao acionista, ou shareholder, e o objetivo principal é a obtenção de lucro. O acerto das estratégias adotadas é avaliado primordialmente pelo mercado, onde as análises dos investidore são refletidas nas oscilações dos mercados bursáteis. Na perspectiva stakeholder, base do ambiente nipo-germânico, os interesses dos acionistas buscam ser equilibrados aos de outros grupos que são impactados pelas suas atividades, como os empregados, fornecedores, clientes e a comunidade. A tônica do debate atual envolvendo governança corporativa está voltada para o modelo shareholder, certamente sujeita ao peso político-econômico dos países que o adotam. De acordo com as premissas do modelo shareholder, a firma tem como objetivo maximizar a riqueza dos acionistas, e como critério para avaliar seu desempenho utiliza seu valor de mercado (Maher, 1999, p.7). As principais dificuldades relacionam-se à separação entre propriedade e gestão, assimetria de informação e divergência de objetivos entre principal e agente, tendo como conseqüência os denominados problemas de agência. Segundo uma visão mais ampla, baseada na Teoria dos Stakeholders, as empresas devem ser socialmente responsáveis, administradas de acordo com o interesse público, e portanto devem prestar contas a diversos outros grupos tais como empregados, fornecedores, clientes e comunidade em geral, sendo forte a cobrança por accountability. Críticos a este modelo argumentam que os administradores podem atribuir à busca por atender expectativas dos stakeholders eventuais resultados negativos do negócio, mas reconhecem sua capacidade em agregar os esforços das partes interessadas em torno de objetivos de longo prazo e o sucesso da empresa (Maher, 1999, p.11). Entre os defensores do modelo stakeholder, há que se destacar Peter Drucker. Referindo-se aos movimentos de tomadas hostis de controles, compras alavancadas, aquisições e alienações, criticou as corporações por passarem a ser gerenciadas exclusivamente para a maximização do valor do acionista, e não nos interesses equilibrados dos stakeholders. Afirmou: "Isso também não irá funcionar, porque força a corporação a ser gerenciada em função do curtíssimo prazo, o que significa prejudicar, ou mesmo destruir, sua capacidade de produção de riqueza. Significa declínio rápido. Não se pode obter resultados a longo prazo empilhando uns sobre os outros os resultados a curto prazo. Eles devem ser obtidos através do equilíbrio entre necessidades e objetivos a curto e longo prazos." (Drucker, 1993, p.53) Certamente, entre as principais virtudes do modelo stakeholder está a adequação a lógicas outras que não à de mercado. Um modelo que tem como máxima a 4
5 priorização do lucro, como é o caso do modelo baseado nos shareholders, torna-se pouco útil em ambientes onde as organizações operam dentro de outra lógica. 3. FUNDOS DE PENSÃO COMO INVESTIDORES INSTITUCIONAIS A partir da divulgação da situação deficitária na contabilidade do sistema oficial de previdência brasileiro, envolvendo servidores públicos e o regime geral da previdência social, o governo vem se esforçando para promover mudanças tais como alterar limites mínimos para aposentadoria, tempo de contribuição, contribuição do inativo e capitalização do sistema. Este último item, característico da previdência privada, tem sido proposto principalmente para aqueles que recebem acima do teto de 10 salários mínimos, embora possa mesmo vir a substituir o regime oficial em vários âmbitos do setor público, tais como estados, municípios, autarquias e empresas públicas. Diferentemente do regime oficial, baseado na repartição simples e quando a contribuição dos ativos é imediatamente utilizada para o pagamento de aposentadorias, sem geração de reservas, pelo processo de capitalização há a formação de poupança vinculada a um indivíduo ou grupo. Para a repartição simples, o fator crítico é o equilíbrio entre ativos e aposentados, e para o regime de capitalização é fundamental o retorno dos investimentos. Em geral, o modelo capitalizado demanda que ao menos dois terços das reservas sejam oriundas de retornos sobre os investimentos. As entidades que ora operam segundo o regime de capitalização têm, portanto, uma preocupação forte em obter retornos financeiros adequados. Para essas entidades, o processo de privatização representou um importante veículo de investimento, por apresentar potencial de retorno e perfil de longo prazo, ajustando-se plenamente às características de um passivo previdenciário. De fato, desde a venda da Usiminas, no início da década, os fundos de pensão têm participado com freqüência das privatizações, diretamente ou através de fundos ou sociedades de propósitos específicos. Essa estratégia tem provocado uma transformação na estrutura de propriedade das empresas no Brasil. Embora grupos familiares ainda tenham um forte papel empresarial, este quadro começa a mudar com a maior participação dos investidores institucionais, representados pelos fundos de investimento e fundos de pensão, substituindo cada vez mais o estadoempresário neste cenário. Esse movimento reflete uma tendência já há muito observada em economias de países desenvolvidos, a exemplo dos Estados Unidos, Holanda, Suíça e Inglaterra. Nestes países, o volume de recursos investidos pelos fundos de pensão na economia real por vezes superior ao próprio Produto Interno Bruto do país encontra-se entre as principais fontes de financiamento de longo prazo. País Ativos como % do Ano 5
6 PNB Suécia Finlândia Japão Chile Canadá Irlanda Estados Unidos Reino Unido Países Baixos Suíça Fonte: home page da OCDE: (maio 1999) Para os fundos de pensão, o investimento em ativos não financeiros atende à demanda por um perfil de longo prazo em suas aplicações. Gera, contudo, um efeito importante para a economia como um todo: ao deterem expressivas quantidades de ações, obtém direitos de controle nas empresas, caracterizados por assentos em conselhos. Essas ações, pelo volume detido, possuem uma baixa negociabilidade, o que novamente ajusta-se ao perfil temporal desejado pelos fundos 3. Uma vez que não podem ser transacionadas nos mercados bursáteis (varejo), mas apenas em blocos, essas ações apresentam baixa liquidez. Os ganhos nessa modalidade de aplicação ocorrem não pela negociação do papel mas, principalmente, pelo fluxo de dividendos recebidos. Como conseqüência natural das características, e exigências, desses investimentos, os fundos de pensão têm adotado cada vez mais freqüentemente uma posição ativa frente às empresas, influenciando suas estratégias corporativas e as ações dos administradores, visando assegurar aquele fluxo e, adicionalmente, a valorização no longo prazo de sua posição de controle. O contexto anterior deve justificar uma atuação diferenciada dos fundos de pensão como investidor institucional. Essa diferenciação ocorreria, em uma primeira dimensão, sobre a eficiência das empresas participadas. Diante de suas necessidades como investidor, pode-se supor que seriam motivados a adotar comportamentos únicos no universo dos investidores institucionais e do próprio sistema de propriedade, privada ou estatal, no país. Esses comportamentos ou práticas seriam incorporados pelas empresas, onde os fundos passassem a deter posições de controle, quando da formulação de estratégias ou execução de políticas. O reflexo desses direcionamentos possivelmente estaria refletido nos resultados econômico-financeiros destas empresas. De fato, diversos estudos sobre a prática de ativismo nos investimentos concluiu, para os Estados Unidos, quanto à existência de correlação positiva no valor de mercado das empresas (Gordon et al, 1997; e Ambachtsheer e Ezra, 1998). Entretanto, mesmo para a experiência americana, é importante a ressalva feita por Logue e Rader (1998) sobre a necessidade de maiores estudos para confirmar o impacto positivo citado: 6
7 "It is really too early to say for certain, however, given the limited history of activism and data available for analysis. In general, we need solid evidence on long-term results that we do not yet have. It is one thing to observe a positive abnormal return due to a price increase attributable to shareholder activism. It is another altogether to be able to say that firms will restructure, will allocate resources more efficiently and will develop more sensible business strategies over the long term because of shareholder activism" (p.308) Mesmo em outras empresas, onde não ocorra essa participação, é possível que haja mudança nos direcionamentos estratégicos e comportamentos mercadológicos e gerenciais, com vistas a atrair o interesse e conseqüentemente os recursos dos fundos de pensão. Processo semelhante vem ocorrendo, por exemplo, com empresas brasileiras que lançam American Depositary Receipts (ADR) 4 no mercado norte-americano, visando atrair recursos a custos mais baixos. As regras de disclosure, padronização contábil, relacionamento com investidores entre outras, passam a ser adotadas, provocando mudanças internas na gestão. 4. IMPACTO DA ADOÇÃO DE PRÁTICAS DE GOVERNANÇA CORPORATIVA PELOS FUNDOS DE PENSÃO A formação de reservas de poupança previdenciária através de processos de capitalização, individuais ou coletivos, gera recursos que, por premissa do próprio modelo, devem ser investidos a taxas de retorno adequadas e a prazos compatíveis, normalmente longos. Administrados por entidades de previdência, abertas ou fechadas, têm na compra de participações em empresas uma oportunidade ótima de aplicação. Somando-se o crescimento dessa poupança ao processo de privatização ora em curso justifica-se grande parte das transformações que vêm ocorrendo nas relações de propriedade no país. Do formação anterior, baseada no tripé propriedade familiar-estatal-multinacional, observa-se a redução do Estado-empresário e a participação de um novo ator, os fundos de pensão, não apenas detendo parcela significativa da propriedade das empresas mas influenciando também na própria gestão. O sistema de fundos de pensão no Brasil vem buscando, como investidor, estabelecer práticas de governança corporativa. Com uma carteira consolidada de mais de R$ 116 bilhões em janeiro de 2000, sendo R$ 30,194 bilhões em ações (fora fundos de renda variável e debêntures), esses fundos passaram a adotar uma posição mais ativa em seus investimentos. Carteira consolidada por tipo de aplicação (R$ milhões) - Em janeiro de 2000 Discriminação Jan 2000 % Ações ,9 7
8 Imóveis ,7 Depósitos a prazo ,2 Fundos de investimentos - RF ,7 Fundos de investimentos - RV ,4 Empréstimos a participantes ,6 Financiamento imobiliário ,3 Debêntures ,5 Títulos públicos ,5 Outros ,1 Operações com patrocinadoras 71 0,1 TOTAL ,0 Fonte: Site da ABRAPP - Associação Brasileira das Entidades Fechadas de Previdência Privada Em trabalho onde analisa a atuação dos fundos de pensão brasileiros como investidores institucionais, Rabelo (1999) cita ainda o importante papel desempenhado pelos fundos nas empresas onde envolveram-se com a governança, como a Tupy, que de uma dívida total de US$ 200 milhões e prejuízo operacional de 2,5% em 1996, avançou para um lucro operacional de 11% em 1997 e um lucro líquido de R$ 6,7 milhões entre janeiro e setembro de 1998 (p.6). O quadro seguinte mostra as dimensões, em termos de ativos, dos maiores fundos de pensão no mundo: Projeção de Capital dos Fundos de Pensão no ano 2000 nos 8 maiores países Ativos (US$ milhões Ativos per capta Maiores fundos público/setoriais (US$ bilhões ) Maiores fundos corporativos (US bilhões) ) (US$) Estados (TIAA/CREF) 80 (General Motors) Unidos Japão (Local Government) 16 (Nippon Telephone) Reino Unido (Electricity 34 (British Telecom) Supply Group) Canadá (Ontario Teachers') 7 (Canadian National) Suíça (Canton of Zurich) 8 (CIBA-Geigy) Países Baixos (ABP) 16 (Phillips) Austrália ( NSW State) 4 (Telstra Super) Alemanha N.D. 14 (Siemens) Fonte: Intersec Research Corporation, Pensions & Investments (apud Ambachtsheer & Ezra, 1998, p.5) Do ponto de vista político, o estoque de ativos detido pelos fundos exige toda uma consideração específica. Somando-se apenas os 300 maiores fundos no mundo, o total dos ativos chega ao montante de US$ mil ou US$ mil 5 se considerados apenas os 500 maiores dos Estados Unidos. É um volume de 8
9 recursos equivalente ao PIB dos maiores países do mundo girando dentro de um sistema e de suas necessidades, pouco permeável às questões políticas ou necessidades sociais, participação que, como apresenta o quadro seguinte, acontece já em diversos países. Essas questões não são novas, mas foram levantadas desde 1960 por Paul Harbrecht em seu livro Pension Funds and Economic Power, onde argumentava que o crescimento dos ativos dos fundos de pensão poderiam ocorrer num vácuo de poder, a menos que fossem definidos mecanismos que tratassem da questão da propriedade dos ativos previdenciários. Para ele, a crescente acumulação de ativos nos fundos representava uma oportunidade para os trabalhadores influenciarem a atividade econômica. Mais recentemente, também Peter Drucker discutiu essa questão no livro The unseen revolution - how pension fund socialism came to America, de (Ambachtsheer e Ezra, 1998) Ao longo desta década os fundos têm aumentado sensivelmente seus investimentos diretos em empresas, detendo e administrando participações acionárias concentradas. Rabelo (1999) destaca duas razões que justificam essa mudança de comportamento. A primeira seria o interesse de fundos patrocinados por estatais em garantir, no caso de privatização da patrocinadora, assento nos conselhos de administração e assim poder zelar pelos interesses dos participantes. Outra explicação estaria na natureza do mercado de capitais, com menos de 80 empresas com real liquidez, e na incapacidade da legislação para proteger os investidores no Brasil, o que estimularia a concentração de propriedade como única forma destes protegerem seu patrimônio. Entretanto, conforme discutido anteriormente, os fundos de pensão estão sujeitos a suas práticas internas de governança, explicada por seus modelos de gestão e estratégias de investimentos. Modelos colegiados, congregando representantes tanto de patrocinadores quanto de participantes, vêm sendo implementados por vários fundos, sendo inclusive objeto de Projeto de Lei Complementar (PLP 10/99), em tramitação no Congresso, que determina que no mínimo um terço dos membros do Conselho Deliberativo das entidades seja escolhido pelos participantes. Para as entidades patrocinadas por entes públicos, outro Projeto (PLP 08/99) chega a propor a composição paritária. Estas modificações fortalecerão o debate sobre as políticas de investimento dos fundos, agregando novo ponto de vista. Questões relacionadas à manutenção do emprego, ao impacto social dos investimentos, não agressão ao meio ambiente, entre outras, passam a ter maior peso sobre as políticas, em virtude do apelo de tais causas frente aos participantes que estarão escolhendo seus representantes. Exemplo desse posicionamento pode ser observado hoje na PREVI, fundo de previdência dos funcionários do Banco do Brasil. Maior fundo de pensão brasileiro, com R$ 25,778 bilhões, o que representa mais de um quarto dos ativos do sistema, e associados, a PREVI tem sua diretoria executiva formada por 6 membros, sendo 3 eleitos e 3 indicados pela patrocinadora, e o Conselho Deliberativo com 7 membros, sendo 4 escolhidos pelos participantes. Conforme exposto no documento 9
10 de seu segundo Balanço Social, a entidade busca em seus negócios empresas que respeitem: " (a) direito dos empregados; (b) interesse nacional; (c) interesse das comunidades em que funcionam; (d) a preservação do meio ambiente; (e) interesse dos acionistas minoritários; (f) a promoção do desenvolvimento da previdência complementar; (g) a participação em projetos sociais de assistência e apoio à criança carente e ao idoso." (PREVI, 1998) Esses dados sinalizam, senão uma adesão ao modelo stakeholder, a assunção de compromisso outros que não apenas a maximização das receitas. Demonstram um reconhecimento explícito da responsabilidade da organização para com outros atores, além de seus participantes e patrocinador. O modelo stakeholder sofre críticas, contudo, por não priorizar a maximização do lucro e dar direcionamentos pouco claros aos gestores. Adotar suas premissas envolve, certamente, um posicionamento político da organização, mesmo porque não reflete as práticas dominantes de governança corporativa no Brasil e no influente bloco anglo-saxão, mais centradas nos interesses exclusivos dos acionistas. Blair (1998) sintetiza a dificuldade de aceitação das propostas para atribuir às corporações a missão de atender a responsabilidades sociais: "The idea never had much theoretical rigor to it, failed to give clear guidance to help managers and directors set priorities and decide among competing socially beneficial uses of corporate resources, and provided no obvious enforcement mechanism to ensure that corporations live up to their social obligations. As a result of these deficiencies, few academics, policymakers, or other proponents of corporate governance reforms still espouse this model "(p.48-9). A busca de benefícios sociais como externalidades desejáveis dos investimentos tem sido igualmente criticada. Nos Estados Unidos, o DOL (Department of Labor) sugeriu que os investimentos dos fundos de pensão procurassem gerar não apenas retorno financeiro a seus fundos, seus participantes e beneficiários, mas também vitalidade à economia como um todo. Segundo afirmou, esta modalidade de investimentos, denominada Economically Targeted Investments (ETIs), beneficiaria não apenas os aposentados mas a economia como um todo e, indiretamente, o bem-estar dos próprios pensionistas. (Moore, 1995) Polêmicos, os ETIs foram severamente criticados pelos representantes dos fundos de pensão norte-americanos, com a afirmação que a principal responsabilidade dos fiduciários é com os participantes de seus planos. A própria legislação da previdência privada, ERISA (Employee Retirement Income Security Act), de 1974, proíbe "investimentos sociais", entendidos como aqueles que não visem otimizar 10
11 uma taxa de retorno comparável e ajustável ao risco, uma vez que a principal obrigação do fiduciário de um fundo de pensão é realizar investimentos em benefício dos participantes. A crítica mais ácida surgiu do Chairman do Comitê Econômico, Jim Saxton, do partido Republicano, afirmando que os fundos de pensão públicos que investiam para promover objetivos sociais ou econômicos, que denominou "politically targeted investment", corriam grandes riscos e retornos inferiores a outros fundos que não o faziam. De fato, diversos fundos de pensão americanos tiveram problemas ao privilegiar aspectos sociais em seus investimentos, a exemplo do fundo dos funcionários públicos e professores do Alasca, dos empregados públicos de Kansas, e do estado de Connecticut (Moore, 1995). Retornando ao caso brasileiro, um dos destaques da agenda política tem sido as propostas de reforma da legislação previdenciária. Em vista dos problemas da previdência oficial, o Executivo Federal tem incentivado um modelo para o setor público, União, estados e municípios, inclusive administrações diretas e indiretas, baseado na capitalização. Neste modelo, haja vista a importância representada pelo retorno dos investimentos, como discutido anteriormente, o "calcanhar de Aquiles" é, certamente, a proteção dos recursos acumulados de eventual utilização política. Embora a legislação em tramitação (PLC 63/99 e PLC 01/00) proíba aplicações compulsórias, é importante que sejam criados mecanismos internos às entidades que as impeçam de praticar "investimentos políticos", sob pena de o ônus da aposentadoria de participantes desses planos vir a ser transferido, no futuro, para o contribuinte. Um equacionamento a esta questão consta na legislação proposta, ao estabelecer um modelo de co-gestão às entidades fechadas de previdência privada, assegurando a participação mínima de um terço de representantes dos associados nos conselhos deliberativos das entidades, percentual que chega a 50% naquelas patrocinadas por empresas estatais. Como conseqüência de tal modelo de gestão, a estrutura de governança da própria entidade tornar-se-ia mais permeável à influência de outro grupo de atores, quais sejam, os participantes dos planos, tanto em seus atos administrativos quanto nas políticas e decisões de investimentos. Entretanto, para os participantes, a eficiência e retorno dos investimentos é menos "evidente" que os impactos sociais resultantes, isto é, são mais sensíveis a questões tais como desemprego, agressão ambiental, ações sociais danosas e exposições negativas na mídia, principalmente se relacionadas a empresas onde o fundo de pensão tenha posição de controle. A afirmação de Lethbridge, analisando a experiência norte-americana, sustenta essa tese: "As táticas de ativismo de alta intensidade, contudo, têm poucos seguidores. (...) o risco de envolvimento em controvertidas reestruturações com milhares de demissões também desincentiva o uso desses recursos por parte de fundos mútuos, (...), sem falar em fundos de pensão de funcionários públicos muito identificados com comunidades específicas." (1997, p.10) 11
12 5. CONCLUSÃO E DIRECIONAMENTOS FUTUROS O meio acadêmico e a prática empresarial têm produzido vasto material sobre a questão da governança corporativa. Entretanto, o foco principal tem ocorrido sobre os aspectos econômicos na análise principal-agente, ou entre o investidor e a empresa, e as formas de reduzir os custos da separação entre a propriedade e a gestão 6. São pouco exploradas as dificuldades que podem advir da diversidade de modelos de gestão ou de estruturas de governança específicas dos investidores. Estes modelos contudo podem permitir compreender tanto a motivação para o a realização de um investimento quanto a influência ou o papel do investidor no resultado das empresas. Também os fundos de pensão seguem práticas internas ou estruturas de governança, devendo prestar contas a associados e patrocinadores. Seus investidores, os participantes e patrocinadores, esperam que os recursos sejam aplicados de forma ótima frente à missão de assegurar o pagamento de aposentadorias e pensões. Os problemas de agência quais sejam, aqueles relacionados ao monitoramento das relações entre acionistas e administradores ocorrem de forma semelhante em uma empresa aberta, com acionistas, e em um fundo de pensão. Entretanto, em paralelo à problematização dos contratos incompletos 7, os participantes de um fundo de pensão têm expectativas não tangibilizadas nos contratos, mas que esperam ser cumpridas. Tal campo de estudo torna-se especialmente importante ante as projeções de crescimento da poupança previdenciária no país e, a semelhança de outros países, este capital demandará oportunidades de investimentos que atendam suas características. Este crescimento já ocorre nos ativos das entidades existentes, especialmente os fundos de pensão, que hoje acumulam reservas superiores a R$ 115 bilhões. Para Rabelo (1999), há dúvidas quanto ao interesse ou a capacidade dos fundos de pensão de exercerem um monitoramento efetivo sobre as empresas onde possuem posição de controle e, ainda, se essas participações são vistas como investimentos de longo prazo por essas instituições. Caso se confirme o crescimento do sistema de fundos de pensão, e o interesse desses investidores em atuar ativamente nas estratégias empreendidas por suas participações, a estrutura própria de governança desses fundos consideradas como processo decisório, representatividade de patrocinadores e associados, crenças e valores de administradores e participantes, e modelo de investimentos terá papel determinante na formatação de um modelo de governança corporativa nacional. Assim, reforçando a reflexão seguida, é provável que ocorra a prevalência de um modelo mais preocupado com questões de responsabilidade social e accountability. Os modelos shareholder e stakeholder são hoje associados antes a estruturas de financiamento à propriedade nacionais que a setores econômicos. Desta forma, no momento que se discute as estruturas de governança corporativa que predominarão no contexto brasileiro, conhecer o papel e a influência dos fundos de pensão na formatação dessa estrutura torna-se fundamental. Ou, como aponta Rabelo, "O 12
13 papel dos fundos de pensão certamente será fundamental para consolidar a nova estrutura de propriedade e controle que vai se desenhando com o processo de privatização em vários países da Europa e da América Latina" (1998, p.51) 6. NOTAS DE REFERÊNCIA 1. Embora o termo Corporate Governance seja normalmente traduzido como governança corporativa, o termo em português pode gerar confusão com a expressão gestão empresarial, cuja compreensão transcenderia o universo das empresas de mercado, podendo ser utilizado latu senso para designar os arranjos necessários à gestão de uma organização, seja pública, privada, ou comunitária. 2. Usa-se aqui a tradução "problemas de agência e teoria da agência" como tradução literal de agency problem e agency theory, seguindo tradução dada por Araújo (1999), Rabelo e Silveira (1999) e Siffert Filho (1999), embora haja traduções que optem por manter o termo no original em inglês, a exemplo da tradução feita por Antonio Zoratto Sanvicente para Ross et al (1995) 3. Os fundos de pensão têm como objetivo administrar de forma eficiente e eficaz os recursos dos participantes de forma a assegurar o pagamento de aposentadorias. Como os recursos são depositados durante cerca de 30 anos antes de serem sacados, justifica-se a necessidade por aplicações a prazos semelhantes. Entretanto, dependendo da maturidade do fundo, podem ocorrer necessidades de desembolsos em prazos cada vez mais curso, o que os levaria a procurarem aplicações com outros perfis de retorno. 4. ADR representam ações de empresas estrangeiras que, colocadas sob custódia em um banco americano, são negociadas nas bolsas de valores dos EUA. 5. Dados extraídos do site da Pension & Investments ( maio de Exemplos desta ênfase na visão econômica estaria em Araújo (1999), Maher (1999), Rabelo e Silveira (1999), Williamson (1996), documento de princípios da OECD (1999). Material de curso ministrado para os executivos de fundos de pensão utilizado pela Graduate School of Business (1998) da Universidade de Chicago reafirma esta ênfase. 7. O problema da natureza imcompleta dos contratos, tratada nos estudos de governança corporativa, remete-se à "impossibilidade de escrever um contrato que especifique as ações a serem tomadas pelas partes em qualquer circunstância" (Rabelo e Silveira, 1999) 7. REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA 13
14 AMBACHTSHEER, Keith P.; EZRA, D. Don. Pension fund excellence: creating value for stakeholders. New York: John Wiley & Sons, ARAÚJO, Luiz Nelson Porto. "Os fundamentos da governança corporativa", Trevisan Consultores, mimeo, Jan BLAIR, Margaret M. " Whose interests should corporations serve?", In: Clarkson, Max B.E. (ed.). The corporation and its stakeholders: classic and contemporary readings. Toronto: University of Toronto Press, 1998, p CARROL, Archie B. (1998). "Stakeholder thinking in three models of management morality: a perspective with strategic implications". In: Clarkson, Max B.E. (ed.). The corporation and its stakeholders: classic and contemporary readings. Toronto: University of Toronto Press, 1998, p CLARKSON, Max B.E. "A stakeholder framework for analysing and evaluating corporate social performance". In: Clarkson, Max B.E. (ed.). The corporation and its stakeholders: classic and contemporary readings. Toronto: University of Toronto Press, 1998, p FREEMAN, R. Edward (1998). "A stakeholder theory of the modern corporation". In: Clarkson, Max B.E. (ed.). The corporation and its stakeholders: classic and contemporary readings. Toronto: University of Toronto Press, 1998, p GORDON, Michael S., MITCHELL, Olivia S.; TWINNEY, Marc M. Positioning pensions for the twenty-first century. Philadelphia: The Pension Research Council of the Wharton School of the University of Pennsylvania, GRADUATE School of Business. ICSS - Corporate Governance for Institutional Investors in Brazil. Notas de aula. Chicago: The University of Chicago, LOGUE, Dennis E.; RADER, Jack S. Managing pension plans: a comprehensive guide to improving plan performance. Boston: Harvard Business School Press, LETHBRIDGE, Eric. "Governança corporativa". Revista do BNDES, n.8, dez MAHER, Maria. "Corporate governance: effects on firm performance and economic growth". Organisation for Economic Co-operation and Development (OECD), sep MINTZBERG, Henry. The Rise and Fall of Strategic Planning : Reconceiving Roles for Planning, Plans, Planners. New York: Free Press,
15 MOORE, Cassandra Chrones. "Whose pension is it anyway? Economically Targeted Investments and the pension funds". Policy analysis n º 236, sep Organisation for Economic Co-operation and Development (OECD). Principles of Corporate Governance OECD PREVI. Balanço Social Rio de Janeiro. RABELO, Flávio Marcílio. "Fundos de pensão, mercados de capitais e corporate governance: lições para os mercados emergentes". Revista de Administração de Empresas. São Paulo, v.38, n.1, Jan./Mar. 1998: RABELO, Flávio Marcílio. "As estratégias dos fundos de pensão brasileiros e as estruturas de governança corporativa". Anais do XII Congresso Latinoamericano de Estratégia. São Paulo, mai ; SILVEIRA, José Maria da. "Estruturas de governança e governança corporativa: avançando na direção da integração entre as dimensões competitivas e financeiras". Texto para Discussão - IE/UNICAMP, Campinas, n. 77, jul ROSS, Stephen A.; WESTERFIELD, Randolph W.; JAFFE, Jeffrey F. Administração financeira. São Paulo: Atlas, SIFFERT Filho, Nelson. Governança corporativa: padrões internacionais e evidências empíricas no Brasil nos anos 90. Rio de Janeiro, BNDES, WILLIAMSON, Oliver E. (org.). The mechanisms of governance. New York: Oxford University Press,
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