emocional e social do indivíduo por um longo período, inclusive até a idade adulta.
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- Ângelo Barbosa Conceição
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1 Crescimento e Desenvolvimento das Crianças em Contextos Migratórios: Cabo-Verdianos e Descendentes de Cabo- Verdianos no Bairro da Cova da Moura O crescimento e desenvolvimento de um indivíduo são fortemente afectados pela sua experiência na primeira infância. Vários estudos demonstram que esta etapa é fundamental na vida de qualquer indivíduo. As experiências vividas durante a mesma fazem sentir os seus efeitos no desenvolvimento físico, intelectual, emocional e social do indivíduo por um longo período, inclusive até a idade adulta. Na presente comunicação, abordar-se-ão alguns factores relacionados com o crescimento da criança descendente de imigrantes cabo-verdianos identificados no âmbito de uma investigação em curso sobre o investimento parental em contextos migratórios. Entenda-se por investimento parental a acepção avançada pela Parental Investment Theory, um subcampo da Life History Theory, a saber: atribuição de recursos (ex: tempo, energia, etc.) a um filho, aumentando a sua probabilidade de sobrevivência e por conseguinte de futura reprodução, em detrimento da capacidade dos pais para investir em outras componentes de fitness (ex: reprodução, próprio desenvolvimento, etc.). Sendo os recursos limitados, é necessário decidir como distribuí-los de modo optimal. Essa atribuição de recursos, em quantidade e qualidade, que começa na concepção e prossegue ao longo da vida pós-natal, depende de factores como recursos disponíveis, parentesco biológico, estado de saúde, sexo e ordem de nascimento da criança, entre outros. Os progenitores não investem, no entanto, de igual modo. A contribuição do sexo feminino tende a exceder à do sexo masculino na grande maioria dos casos. Contudo, o inferior investimento inicial do sexo masculino poderá traduzir-se mais tarde, sobretudo no período pós natal, num investimento igual ou superior ao do sexo feminino, mediante o providenciar de alimentação, alojamento, protecção e aprendizagem ao filho. É importante, argumentam os antropólogos especialistas em crescimento e desenvolvimento da criança, atender à interconexão entre ambiente e cultura na formação da matriz em que ocorre o crescimento e desenvolvimento da criança. As condições físicas e o ambiente social adaptado localmente em que se inserem as crianças é
2 enquadrado por crenças, valores e práticas convencionais aprendidas e partilhadas pela comunidade. Neste contexto, a cultura contribui para a condição de paternidade através da forma como os pais percebem a tarefa de cuidar da criança de modo a que esta sobreviva e seja saudável. Por sua vez, os especialistas em crescimento sustentam que o crescimento é um indicador adequado para avaliar o estado de saúde/ bem-estar de uma criança, em particular o crescimento em altura porque representa o produto cumulativo desde o período pré-natal. O peso, outra medida antropométrica a que se faz recurso, é mais lábil do que a altura, na medida em que representa as alterações ocorridas num curto prazo. Os centímetros acumulados ao longo da vida são, no entanto, o produto de uma interacção complexa entre factores sociais, económicos, culturais, políticos e geográficos. A influência destes factores é indirecta. Actuam através de aspectos como nutrição, cuidados de saúde primários, entre outros, que interferem directamente no processo de crescimento. *** A investigação em curso tem como objectivo apreender a existência ou não dessa relação entre o investimento dos pais e o crescimento dos filhos e, no caso da sua existência, que tipo de relação e impacto. A investigação está a ser realizada no Bairro do Alto da Cova da Moura, um bairro sito nas freguesias da Buraca e da Damaia, a poucos quilómetros da sede do concelho da Amadora. É um bairro de construção de habitação em alvenaria, ocupando ilegalmente uma área com cerca de 16,5 ha constituída por terrenos privados e públicos. O Bairro da Cova da Moura possui quer uma boa localização quer uma boa acessibilidade em termos de transportes e de estradas. É dotado de equipamentos sociais destinados a crianças e idosos, assim como de unidades comerciais que cobrem desde a alimentação a serviços específicos. O bairro continua a crescer em termos populacionais pela contínua entrada de familiares ou conhecidos que vão chegando a Portugal e pela taxa de natalidade. Segundo os dados de um levantamento realizado no bairro em 2000, a sua densidade habitacional (85,4 fogos/ha) e densidade populacional (306,5 hab/ha) são elevadas.
3 Porquê a escolha de um bairro em geral e do Bairro da Cova da Moura em particular? 1) pela existência de alguns estudos de caracterização das famílias e de caracterização do bairro que permitem um melhor enquadramento da situação geral e comparar as informações recolhida em momentos diferentes 2) pela avaliação do crescimento de crianças de origem cabo-verdiana, ou seja, crianças naturais ou com um dos progenitores natural de Cabo-Verde, através de medições antropométricas (como peso, altura, perímetro do braço e perímetro da barriga). Este bairro apresenta uma grande concentração de população de origem caboverdiana. A existência de uma escola com primeiro ciclo dentro do bairro facilitava, em termos logísticos, a realização do estudo. A escola no bairro é frequentada na sua quase totalidade por crianças naturais ou com um dos progenitores natural de um dos países africanos oficiais de língua portuguesa, à excepção de poucas crianças de origem lusa. Assim sendo, fomos poupados da dificuldade de efectuar uma prévia triagem das crianças e do constrangimento de explicar às crianças a razão pela qual umas seriam medidas e outras não. À excepção de cinco alunos que se encontravam ausentes, medimos a totalidade dos alunos da EB1, cerca de 221, excluindo-se a posteriori os casos correspondentes a crianças não descendentes de cabo-verdianos. A maior parte dos alunos são, no entanto, descendentes de cabo-verdianos. Mais de 70% nasceu em Portugal, mas a maioria não possui a nacionalidade portuguesa. Ao abrigo da nova lei da nacionalidade que entrou em vigor no dia 15 de Dezembro de 2006, estas crianças podem adquirir a nacionalidade desde que pelo menos um dos progenitores tenha nascido e residisse em Portugal, independentemente de título, ao tempo de nascimento. De qualquer das formas, a lei prevê que qualquer cidadão estrangeiro residente em Portugal, e se sinta doente ou precise de qualquer tipo de cuidados de saúde, tem o direito a ser assistido num Centro de Saúde ou num Hospital (em caso de urgência) sem que esses serviços se possam recusar a assisti-lo com base em quaisquer razões ligadas a nacionalidade, falta de meios económicos, legalização ou outra. De acordo com a legislação em vigor, os pagamentos de cuidados de saúde prestados pelos serviços do Serviço Nacional de Saúde aos cidadãos estrangeiros que efectuem descontos para a Segurança Social, e respectivo agregado familiar, é assegurado nos
4 termos gerais, em condições iguais aos cidadãos nacionais, ou seja, os serviços são tendencialmente gratuitos, tendo em conta as condições económicas e sociais dos utentes. No caso da saúde materna e saúde infantil, o serviço é gratuito. O problema coloca-se, regra geral, aos cidadãos estrangeiros sem residência legal em Portugal. A estes cidadãos é exigido um documento comprovativo (atestado de residência), emitido pelas juntas de freguesia, de que se encontram em Portugal há mais de noventa dias. Para esse atestado, é necessário duas testemunhas também residentes na área que confirmem a informação ou sob apresentação de uma declaração por honra. Dificuldades burocráticas levantadas nas juntas de freguesia, incompatibilidades de horários das testemunhas e dos serviços da junta, e, sobretudo, o medo de exposição da sua situação por parte imigrante sem título de residência constituíram e continuam a constituir obstáculos à obtenção do referido documento. 3) pelo interesse em averiguar eventuais variações em termos de estatura e massa corporal em crianças que aparentemente vivem sob as mesmas condições socioeconómicas e culturais. Utilizando um bairro com características aparentemente homogéneas, seria menos complexo identificar as causas de eventuais discrepâncias. De uma forma resumida, as medições antropométricas efectuadas às crianças revelam-nos que a mediana dos valores observados na estatura dos alunos é geralmente inferior aos valores de referência da Organização Mundial de Saúde (OMS), à excepção das crianças com 6 anos. Aos 6 anos de idade, o valor da mediana dos alunos é superior ao valor de referência da OMS em cerca 2 cm para as raparigas e 1 cm para os rapazes. Nos rapazes de 7 anos, essa diferença aumenta para cerca de 3 cm, ao passo que nas raparigas, a mediana é inferior em cerca 4 cm. Nas restantes idades em análise, dos 8 aos 11 anos, a mediana dos alunos de ambos os sexos é inferior à da OMS. Essa diferença tende a aumentar, chegando a atingir os 5 cm nas raparigas e 4 cm nos rapazes. O índice de massa corporal das raparigas é superior à referência da OMS em qualquer idade, ao passo que o índice de massa corporal dos rapazes é inferior à referência da OMS em todas as idades, à excepção dos 7 anos.
5 A diferença entre os valores observados na população e os valores de referência da OMS tendem, no entanto, a diminuir com o avançar da idade. Existem, no entanto, alguns casos de sobrepeso e obesidade (26,6% no total das raparigas e 18% no total dos rapazes). Estes casos tendem a diminuir nas idades mais avançadas. Não existem casos de subnutrição nas raparigas, nem nos rapazes entre os alunos. Estes dados permitem-nos afirmar que, em termos de estatura, os valores dos alunos são inferiores aos de referência, excepto aos seis anos, ano em que o aluno ingressa no sistema de ensino oficial. Esta situação suscita-nos uma questão que estamos a tentar responder com entrevistas a algumas mães dos alunos: porque razão a estatura dos alunos que no primeiro ano da escola é adequada, não o é nas restantes idades? É importante compreender esta situação sobretudo porque essas crianças almoçam na cantina da escola e, quando necessário, são encaminhadas para receber outro tipo de apoios sociais. Além disso, as mães que trabalham colocam os seus filhos em instituições de actividades de tempos livres que também providenciam algumas refeições como pequeno-almoço e lanche. A compreensão desta situação torna-se tanto mais pertinente em situações em que supostamente são escassos quer os recursos financeiros, quer os recursos como o tempo e energia dos progenitores. Há estudos que apontam para uma situação profissional precária entre os habitantes do bairro. No caso dos homens, há uma tendência para trabalhos na construção civil, exigindo esforço físico, executado por vezes em situação de risco, remunerados à jornada de trabalho, sem garantia de trabalho todo o ano. Por sua vez, no caso das mulheres, há uma tendência para execução de tarefas na área da prestação de serviços de limpeza, apoio a crianças e idosos e restauração, salários baixos, por vezes não existindo um contrato de trabalho e com horário flexível ou não contínuo. Os agregados domésticos sofrem ainda de outra deficiência entendida como uma marca cultural. Muitos agregados carecem da presença da figura paterna por dissolução dos laços matrimoniais ou por uma questão de trabalho noutra região ou país. Mesmo no caso de existência da figura paterna, o apoio fornecido parece limitarse a questões financeiras, por vezes nem sequer cobrindo suficiente e regularmente as despesas do agregado. As
6 mães assumem frequentemente o papel de chefes de família, cabendo-lhes a responsabilidade de arranjar regularmente recursos financeiros para fazer face a essas despesas, da gestão doméstica e de acompanhamento da educação e saúde dos filhos, não raras vezes frutos de diferentes uniões de facto, e nem sempre tendo uma figura feminina no agregado com quem poder partilhar as tarefas domésticas e educação das crianças como dizem acontecer em Cabo Verde. As mães começam a ter filhos cedo, por vezes por ausência de planeamento familiar, por vezes porque, como frequentemente afirmam, ter filhos cedo faz com que as crianças sejam saudáveis. Quando chegam aos trintas anos, na maior parte das vezes já passaram por mais de três partos. No nosso estudo, 22,4% das mães tinham uma idade inferior a 18 quando deram à luz ao aluno e cerca de 20% uma idade superior a 35. Com efeito, mais de metade das mães tinha entre 19 e 34 à data do parto do nascimento do aluno e esse não era o primeiro parto. As responsabilidades que recaem sobre a mãe são frequentemente discutidas nos estudos de género sobre caboverdianos. Estes estudos sugerem um forte investimento do progenitor do sexo feminino e um fraco investimento do progenitor do sexo masculino, sobretudo entre as populações mais carenciadas. A emigração da mulher-mãe, entendida como uma das formas para a reunião de recursos necessários à sobrevivência da família, deixando filhos menores a cargo de outros familiares, tende a introduzir alterações no investimento parental. Não raras vezes, os imigrantes cabo-verdianos aumentam a prole no país de imigração, quer no seio do casal, quer contraindo novos laços matrimoniais. Esse aumento da descendência aumenta a pressão sobre os fracassos recursos existentes, na medida em que os recursos terão de ser partilhados entre mais agregados domésticos, sobretudo, no caso de existência de menores. Para concluir, não é abusivo afirmar que estamos perante uma situação em que o investimento do progenitor do sexo feminino é superior ao do sexo masculino. Os resultados das medições parecem apontar para alteração no investimento parental após o ingresso dos filhos no ensino básico. Que tipo de mudança se verifica no investimento parental? é outra das respostas que esperamos que as nossas entrevistadas nos proporcionem.
7 Joelma Almeida Loughborough University, Reino Unido
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