UNIVERSALISMO E RELATIVISMO: CURRÍCULO NA ESCOLA PÚBLICA MUNICIPAL DE GOIÂNIA
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- Edson Leão Amaro
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1 UNIVERSALISMO E RELATIVISMO: CURRÍCULO NA ESCOLA PÚBLICA MUNICIPAL DE GOIÂNIA MENEZES JÚNIOR Antônio da Silva Pontifícia Universidade Católica- PUC- GO SILVA Domingos Pereira da Pontifícia Universidade Católica- PUC- GO FERNANDES Marinalva Nunes Pontifícia Universidade Católica- PUC- GO INTRODUÇÃO Para desenvolver este artigo, nosso propósito é tratar do currículo circunstanciado a aspectos sociais, políticos, educacionais e culturais A ênfase neste trabalho, no entanto, dar-se-á no aspecto cultural estabelecendo relações entre o currículo escolar e a cultura que se expressa sob uma visão relativista e uma visão universalista presente nas análises dos estudiosos desse campo do conhecimento. Tomamos por base os estudos de Silva (2004) que aborda as teorias do currículo apresentando sua divisão em três grandes blocos: tradicionais, críticas e pós-críticas. As questões relacionadas à cultura, à representação, ao gênero, à raça, à etnia, à sexualidade, ao multiculturalismo são dimensionadas pelo autor nas teorias pós-críticas. Os estudos de Giroux e Simon (2005) para sustentar a discussão sobre a importância da cultura popular no espaço da escola, os de Forquin, (2000) que comparam universalismo e relativismo no currículo escolar e Canen (2002, 2009) estudiosa do multiculturalismo, além de outros autores que integram a base teórica do trabalho. As visitas às escolas, a análise dos documentos oficiais e os debates em grupo, realizados semanalmente, serviram de subsídios para a escrita final do presente trabalho. 1. CULTURA POPULAR E CURRÍCULO
2 Giroux e Simon (2005) concebem a escola como um território de luta, espaço que concentra culturas diversas. Para eles, a pedagogia é concebida como uma forma de política cultural. Sendo assim, existe uma estreita relação entre cultura popular e pedagogia que oferece elementos teóricos importantes que possibilitem repensar a escolarização. Para os autores, cultura popular é um espaço pedagógico que ao ser apropriado pelos aprendentes ajuda a validar suas vozes e está organizada em torno do prazer e da diversão. Cultura popular situa-se no terreno do cotidiano. Na concepção do discurso dominante a cultura popular é banal, insignificante para a vida cotidiana. A pedagogia é vista como instrumento que dependendo da sua utilização contribui, ou não, para validar as vozes ecoadas dos que constroem a cultura popular. Na maioria das vezes a pedagogia legitima e transmite a linguagem, os códigos e os valores da cultura dominante, asseguram Giroux e Simon (2005). Tendo em vista que o currículo constitui-se como um dos elementos de mediação entre a política educacional e as aspirações culturais da maioria da população, Giroux (2000) reflete acerca de três questões, posição conservadora, conservadora renovada e a pedagogia crítica, que orientaram o processo de construção do currículo educacional em diferentes contextos, sobretudo a partir de A posição conservadora atrela-se aos interesses e orientações das grandes empresas. A cultura popular nesta perspectiva é vista como elemento perturbador da ordem e as escolas passam a servir para a formação da mão de obra qualificada, tornamse extensão do chão da fábrica. Assumindo tal função, a escola submete-se às exigências de uma formação técnica e instrumental. Como movimento de reação à ascensão do setor conservador emerge a posição conservadora renovada de extrema direita, cujos alvos principais a serem combatidos no que diz respeito à construção curricular são: a democracia, a diversidade e o relativismo. Segundo os preceitos desta visão, a nosso ver, míope as maiores ameaças à ordem e civilidade, residem no crescente fortalecimento da esfera da cultura popular, que, por isso, precisa ser combatida de todas as formas. Ressaltamos que as duas posições supramencionadas, apesar de defenderem diferentes aspectos, partem dos mesmos princípios, pois ambas desconhecem discursos
3 e experiências construídas historicamente pelos alunos, o que consiste em ignorar as questões praxiológicas que dão o verdadeiro sentido de existência aos sujeitos envolvidos no processo social. Quanto à cultura popular, Saviani (1991) defende a apropriação pela escola a cultura do alunado e levar os discentes a compreender a cultura que lhe é inerente, o que facilita o avanço na apropriação da cultura erudita. Esse movimento constitui-se num processo educativo, entretanto esta ação não é valorizada no currículo escolar de modo a incentivar o aprendente a aumentar cada vez mais o seu conhecimento. Tendo em vista que uma das principias funções da escola constitui-se em transmitir o conhecimento historicamente acumulado e que à pedagogia cumpre o papel cientifico de melhor transmitir esse conhecimento de forma ética e política, Giroux e Simon (2000) argumentam a favor de uma pedagogia crítica, como forma alternativa aos preceitos mecanicistas, funcionais e mercadológicos, retratados e preconizados pelas visões conservadoras supracitadas. A pedagogia crítica toma a cultura popular como objeto de estudo procurando esclarecer as contradições sociais a qual estão submersos os agentes internos e externos da escola. Desta forma, cultura popular representa não só um contraditório e incerto terreno de embates entre projetos e intenções distintas, mas também um importante espaço pedagógico onde são levantadas questões sobre os elementos que organizam a base da subjetividade e da experiência dos alunos (GIROUX; SIMON, 2000). Refletindo sobre o movimento entre a cultura erudita e a popular, a nova sociologia da educação e as propostas de Bourdieu (1987) para reformulação universitária na França em 1980, nos remetemos à discussão entre o universalismo e relativismo (Quadro 1). Quadro 1. Comparação entre características do currículo universalista e do relativista. Currículo Universalista Baseia na cultura clássica Idéias homogêneas Currículo Relativista Baseia na cultura popular Idéias plurais, heterogêneas
4 Visão de mundo branca Visão de mundo étnicos plurais Privilegia o gênero masculino Não há privilégio de gênero Considera a Inclui a homossexualidade heterossexualidade Cacofonia de vozes Polifonia de vozes Inclui todos os espaços geográficos Destaca a Europa como espaço geográfico das idéias como promotores de ciência 2. UNIVERSALISMO E RELATIVISMO Forquin, (2000) aborda a questão da natureza e da justificativa daquilo que é suscetível de ser ensinado nas escolas, utilizando como referência dois princípios aparentemente contraditórios de interpretação e de orientação que são o relativismo e o universalismo. O reportado autor define o currículo como algo programado, sob a responsabilidade de uma instituição de educação formal, abrangendo tudo aquilo que deve ser ensinado ou aprendido. Estabelece uma dualidade aparente entre o conjunto dos conteúdos cognitivos e simbólicos (saberes, competências, representações, tendências, valores) e as situações de escolarização (dimensões cognitivas e culturais). Atualmente, para o autor, a questão do multiculturalismo assume grande relevância em países de primeiro mundo, especialmente na França, forçando uma conciliação entre o universalismo e o relativismo imposta pelos sistemas de educação, com intuito de lidar com o pluralismo cultural. Estes não seriam conceitos antagônicos, mas complementares na construção curricular. Ressaltamos que no Brasil o relativista tem sido foco de vários estudos. Em direção à corrente da Nova Sociologia da Educação dos anos 1970 e atualmente a pedagogia ou sociologia crítica, Forquin (2000) designa uma relação desestabilizadora do relativismo como característica interna e estrutural dos saberes ensinados, na tentativa de validar o que se ensina com credibilidade.
5 A objeção relativista cria um problema à justificativa do que se ensina, e, no entender de Forquin (2000) o bom ensino remete ao espírito crítico e à reflexão. Classifica o relativismo em: Individualista radical (cada um com sua verdade) e Socialista e Cultural. O estudioso aponta a possibilidade de o indivíduo ser relativista por hipersubjetivismo toda verdade é uma construção ou uma conversão ou hiperobjetivismo toda representação mecanicamente refletem as características materiais e sociais dos fatos. Como justificativa do currículo, Forquin (2000) atribui ao relativismo, duas vertentes: epistemológicas e saberes estritos e culturais. Nesta segunda reside a desconfiança relativista mais direta e perigosa. Neste ponto poderia se antagonizar com o universalismo caracterizando a escola como uma instituição de natureza essencialmente universalista, seja no seu modo formal de funcionamento, seja em relação aos conteúdos de ensino (saberes cuja generalidade é independente de contextos particulares). Forquin esclarece: A cultura escolar é uma cultura geral, [...] no sentido de ser responsável pelo acesso e a conhecimentos e competências estruturalmente fundamentados, isto é, capazes de servir de base ou de fundamento, a todos os tipos de aquisições cognitivas cumulativas. [...] Podemos ver, então, na generalidade, o caráter fundamental da cultura escolar, a razão primeira de seu universalismo. O que a cultura escolar traz potencialmente para todos, porque se trata dos fundamentos de toda atividade intelectual e de todo desempenho cognitivos possíveis (FORQUIN, 2000, p.58). Notamos afinidade entre o conceito apresentado por Forquin (2000) para com a concepção de educação apresentada por Saviani (1991), [...] é a exigência de apropriação do conhecimento sistematizado por parte das novas gerações que se torna necessária a existência da escola. A escola existe, pois, para apropriar a aquisição dos instrumentos que possibilitam o acesso ao saber elaborado (ciência), bem como o próprio acesso aos rudimentos desse saber (SAVIANI, 1991, p.23) Forquin, (2000) assinala uma oposição ao universo escolar em relação ao universo doméstico, explicitando que a moral de amor se diferencia de uma moral de justiça, pertencente à escola. No berço da família a criança seria submetida a uma tirania do princípio da particularidade. O autor conceitua o universalismo de forma mais
6 abrangente, percorrendo critérios de seleção, de recursos, avaliação e manutenção de disciplina na sala de aula. Assim ele se expressa: todos devem ser tratados segundo os mesmos critérios, seja em relação à alocação de recursos, à avaliação dos desempenhos, aos procedimentos avaliativos e de seleção ou aos modos de manutenção da ordem e da disciplina (FORQUIN, 2000, p.58). Para o autor também se trata de um universalismo aberto e tolerante: [...] também podemos opor um universalismo etnocêntrico e dominador a um universalismo aberto e tolerante. Este último é perfeitamente compatível com o reconhecimento e a valorização das diferenças, precisamente na medida em que só se pode reconhecer e respeitar aquilo que se percebe como outra modalidade ou outra expressão possível do humano (FORQUIN, 2000, p.59) A análise de Forquin parte da educação escolar. Trata-se, concretamente, de uma tarefa a ser realizada, a saber, a formação escolar dos indivíduos frente aos problemas das diferenças culturais, os quais têm, diante de si, um legado humano: a apropriação de conhecimentos sistematizados, socialmente democratizados, via instituição escolar. Se tal legado deva ser questionado quanto à necessidade, que se explicitem os pressupostos filosóficos, históricos e epistemológicos que sustentem propostas educacionais de tal natureza. Forquin (2000) consegue visualizar um valor de socialização neste aspecto da escolarização, de uma forma independente, de uma iniciação e de uma preparação para um mundo social baseado em modos operacionais universalistas. Assim, a independência e realização não surgem de ações transformadoras e historicamente construídas, mas em função da obediência às regras em que o individualismo igualitário, quando transgredido, e baseado na moral de justiça do universo escolar, passa a constituir um delito passível de uma punição severa. O círculo familiar exerceria, neste caso, um papel antagônico ao propor a moralidade do amor e o paternalismo exacerbado, constituindo uma objeção relativa a esta universalização da escola como instituição da imposição de regras do individualismo igualitário. Apesar de citar a hipocrisia da igualdade abstrata como entrave às determinações sociais Bourdieu (1966) apud Forquin (2000; p.59) afirma: [...] escolhas pedagógicas diferentes podem ter efeitos muitos desiguais sobre desempenho escolar de alunos de origens sociais diferentes.
7 No seu papel de universalidade dos saberes generalizados sobrepõem os interesses particulares, e devem explicitamente ser controlados e formulados. Reconhece o autor que [...] os saberes escolares são essencialmente gerais ou dotados de um alto nível de generalidade (FORQUIN p.59). 3. MULTICULTURALISMO Tomando o relativismo como forma de pensar a construção curricular no Brasil, observamos que na atualidade a prática verticalizada, centralizadora e dominante ainda constitui uma realidade para muitos. Há um racismo, um preconceito, implícitos nas ações educativas, sendo muitas vezes incompreendido pelos professores. Para Oliveira (2006) o racismo e a discriminação estão presentes nas relações no interior da escola, em fatos significativos, muitas vezes considerados triviais e cotidianos na sociedade. Sodré (2000, p.244) afirma que a sociedade é esteticamente regida por um paradigma branco, a clareza ou a brancura da pele persiste como marca simbólica de uma superioridade imaginária. Não obstante alguns segmentos sociais, atuantes em áreas diversificadas (saúde, comércio, arte, entre outras) nos últimos tempos vêm tentando romper com esse paradigma, e muitas pesquisas embora localizadas, avançam nesse aspecto. A escola, por sua vez, continua fechada em posições curriculares respaldada no conceito de igualdade, homogeneizando todas as suas ações. Neste sentido a escola revela um tratamento preconceituoso, uma vez que o currículo foi direcionado para uma classe específica: a classe dominante. Oliveira esclarece que [...] a teoria do currículo, nos anos 1980 e 1990, tem se dedicado a estudar como a escola (re) produz assimetrias e desigualdades raciais. No interior desse campo, tem se efetivado um processo de denuncia da presença do preconceito racial em livros didáticos, em propostas curriculares, nos recursos didáticos utilizados pela escola, nas práticas docentes e nos rituais e celebrações escolares. O eixo teórico particularmente utilizado nessas análises está vinculado aos estudos culturais (OLIVEIRA, 2006, p. 104).
8 De acordo com Silva (2004), o multiculturalismo na perspectiva humanista liberal entende que as diferenças culturais seriam apenas manifestações superficiais de características humanas mais profundas. Em nome dessa humanidade comum, o multiculturalismo apela para o respeito, à tolerância e a convivência pacífica entre os diferentes. Na perspectiva pós-estruturalista a diferença não pode ser concebida fora dos processos lingüísticos e discursivos de significação. Na perspectiva materialista mais crítica as diferenças estão sendo constantemente produzidas e reproduzidas através de relações de poder. Elas não devem ser apenas toleradas e respeitadas, mas trocadas pelas relações de poder que presidem sua produção. Em contraposição ao ideário da modernidade tardia que defende a idéia do fim da história e do fim do sujeito, tem-se no interior da teoria pós-crítica a defesa de um currículo multiculturalista. Nessa vertente, Moreira e Silva (2001, p. 27) asseveram que na concepção crítica, não existe uma cultura da sociedade, unitária, homogênea e universalmente aceita e praticada e, por isso, digna de ser transmitida às futuras gerações através do currículo. Canen (2002) conceitua multiculturalismo como movimento teórico e político que busca respostas para os desafios da pluralidade cultural nos campos do saber, incluindo não só a educação (CANEN, 1999; 2000; 2001a; CANEN e GRANT, 2001; MOREIRA, 2001) como também outras áreas que podem contribuir para o sucesso organizacional (CANEN; CANEN, 1999). Ao abordar os sentidos e dilemas do multiculturalismo na educação Canen (2002) destaca quatro perigos: 1. Multiculturalismo reparador, que reduz a ações afirmativas e nega o seu caráter continuo e processual que deve iniciar na educação infantil com um currículo que proponha medidas de equidade, de acesso a uma educação de qualidade para todos; 2. Folclorismo, redução do multiculturalismo a uma perspectiva de valorização de costumes, festas, receitas e outros aspectos folclóricos; 3. Reducionismo identitário reconhece a diversidade cultural e a necessidade de combate aos preconceitos, mas não percebe que a identidade é formada de inúmeros marcadores identitários que se manifesta de forma plural e diferenciada na construção das subjetividades; 4. Guetização Cultural marcado por propostas curriculares que se voltam
9 exclusivamente ao estudo de seus padrões culturais específicos impedindo o diálogo entre padrões culturais plurais. Ao reconhecer esses perigos, Forquin (2000) assinala que o multiculturalismo designa a existência num mesmo espaço de grupos de origem étnica diferente e que possuem valores e modos de vida diferentes, assim, o ensino multicultural encontra nas escolhas éticas e políticas a forma de adaptação pedagógica possível. Ao individualizar as especificidades das culturas em prol de expressões minoritárias e de uma cultura hegemônica, o autor destaca o risco de se romper o papel da universalização e da ordem na comparação do ensino igualitário e propõe à coexistência, o reencontro, a interação de indivíduos portadores de uma cacofonia eclética. O autor define o multiculturalismo como discriminador e defensivo ao revelar o interculturalismo como aberto e mais interativo no sentido de manter uma hegemonia e respeito à pluralidade cultural [...] com efeito, é preciso ensinar certas coisas em vez de outras e ensiná-las como válidas e valendo para todos e não somente para um grupo. (FORQUIN, 2000, p.60). Na tentativa de traduzir os desafios para as propostas e políticas curriculares Canen, Oliveira e Assis (2009, p. 69) advertem que o currículo deve ser articulado aos contextos culturais diversos [...] não devemos recair, nem em uma centralização excessiva do currículo, homogeneizando-o, nem em uma relativização exagerada que leve a preconizar currículos locais exclusivamente [...]. Destacam os autores a multidisciplinaridade, a interdisciplinaridade e a transdiscplinaridade como formas de trabalhar o currículo integrado utilizando uma metodologia baseada em problemas. 4. ESCOLA PÚBLICA MUNICIPAL DE GOIÂNIA As inquietações acerca desta temática não surgiram do acaso, ou de uma inspiração pessoal, pois sabemos que o estudo exploratório, o levantamento diagnóstico, uma atividade acadêmica, dentre outros, são meios que permitem ao pesquisador o contato real com o objeto a ser discutido. Com base nessa premissa realizamos um trabalho de campo em uma escola municipal em Goiânia, cuja temática integrou um conjunto de reflexões norteado por um tema central Tendências de currículo, formação e profissionalização docente e cidadania na escola como direito à educação de qualidade
10 socialmente referenciada 1. Procedemos a estudos sobre o referencial teórico, analisamos documentos oficiais, realizamos debates em grupo e entrevista com a gestora. Esses procedimentos metodológicos e os resultados da pesquisa serviram como subsídios para desenvolver a temática em destaque. No decurso da entrevista com a gestora da escola pesquisada e na análise documental foi constatado um distanciamento entre a cultura popular e a cultura institucional. Notamos a ênfase dada ao currículo universalista, haja vista que as diretrizes curriculares da Secretaria Municipal de Educação devem ser seguidas rigorosamente, sem respeitar a cultura da escola. As questões referentes às eleições da diretora e ao Conselho Escolar respondiam aos anseios da Secretaria Municipal de Educação, há evidencias de controle sobre todo o procedimento, desde a coordenação do processo eleitoral para escolha do gestor até a aprovação, ou não, do projeto político pedagógico da escola. Refletindo sobre as situações descritas e reconhecendo a importância do currículo na dinâmica organizacional da educação no espaço escolar, perguntamos: Que representação social da escola possui a comunidade escolar? Qual o grau de confiabilidade existente entre escola e comunidade? De que modo a escola pode dialogar com a cultura local? A problemática aqui descrita retrata um cenário complexo, pois a relação entre a escola e a comunidade é tênue e a escola não considera a multiculturalidade, não trabalha a identidade como valor e não considera a dimensão pedagógica como significativa para a formação para a cidadania, podendo contribuir para o processo de emancipação humana. O corpo docente, administrativo e gestor da escola se prendem aos currículos pré-determinados por agentes externos a ela. 1 Outros pesquisadores visitaram escolas diferentes, visando analisar e refletir sobre a temática em relevo, pois essa investigação é realizada pelos discentes de diversas turmas de doutorado e de mestrado durante as disciplinas ministradas pela Profa. Dra. Iria Brzezinski, coordenadora da pesquisa Observatório da Escola Pública Municipal de Goiânia: a gestão democrática e cidadania na escola como direito à educação de qualidade socialmente referenciada
11 O sistema público de educação na atualidade, ao definir o currículo não considera a diversidade que o compõe, pois uma minoria decide e impõe sobre a maioria as suas verdades e crenças operando uma relação desigual e injusta, à medida que há muitos recortes na socialização do conhecimento acumulado historicamente pela civilização. Neste contexto, o popular é visto como ameaça à ordem vigente, sendo, inclusive justificado teoricamente, reproduzindo as críticas enunciadas por Bloom (1988) 2 que apresenta severos julgamentos a cultura da juventude estadunidense, utilizando de expressões autoritárias e até desrespeitosas. Forquin (2000) expõe sua posição contrária ao relativismo radical, como uma solução ao etnocentrismo e afirma que nas sociedades multiculturais contemporâneas, apesar de a escola reconhecer a diversidade, a aplicação do relativismo afasta a possibilidade de exercer seu papel coerente na formação intelectual e de integração cívica. Com tal posicionamento, Forquin, (2000) reforça o perigo do universalismo programático da cultura escolar, favorecendo um universalismo abstrato, sem memória e descontextualizado do pensamento científico e moderno. Conforme o universalismo pragmático, o papel do professor é multicêntrico, baseado na essência da cultura escolar que busca uma harmonia, na qual as múltiplas vozes possam ser ouvidas numa ordem polifônica, igualitária e universal. 5. O PAPEL SOCIAL NA TRANSIÇÃO E FORMALIZAÇÃO DE POLÍTICAS CURRICULARES As reflexões teóricas suscitadas acerca da multiculturalidade fazem parte de uma discussão ainda tímida, restrita a uma elite intelectual que por acreditar em sua 2 Allan Bloon (1988) em O Estreitamento da Mentalidade Americana argumenta que a cultura popular, no caso o rock, causou a atrofia do vigor e da inteligência da juventude americana. Quando Bloon ataca a cultura popular e ao mesmo tempo faz um apelo à restauração da herança clássica perdida, na verdade representa um discurso dissimulado sob o véu da restauração cultural, tendo em vista que são mais ataques à democracia, aos pobres, às mulheres, ou seja, aqueles privados do poder.
12 importância para a formação humana tenta implantar no currículo temáticas multiculturais. Mesmo assim, é perceptível que, em algumas escolas ao realizar alguma atividade pedagógica que envolve temas multiculturais, a imagem do negro é muitas vezes atrelada ao samba, à capoeira e ao futebol, ou seja, essas narrativas celebram os mitos da origem nacional, confirmam o privilégio das identidades dominantes e tratam as identidades dominadas como exóticas ou folclóricas. (SILVA, 2004, p ). A promulgação da Lei nº /2003 pelo presidente da República Luís Inácio Lula da Silva que altera dispositivos da LDB de 20/12/1996, tornando obrigatório o ensino sobre a história e cultura afro-brasileiras nos Ensino Fundamental e Médio das redes públicas e particulares do País, em muitas instituições de ensino continua como mero objeto legal. 3 Recentemente, foi sancionada a Lei nº , de 10/03/2008 que também altera a Lei nº , modificada pela Lei nº , que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da temática "História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena" e cumpre a mesma finalidade, em algumas instituições, enfeitar os armários das escolas. As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico- Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana explicitam enquanto preocupação: É preciso ter clareza que o Art. 26A acrescido à Lei /1996 provoca bem mais do que inclusão de novos conteúdos, exige que se repensem relações étnico-raciais, sociais, pedagógicos, procedimentos de ensino, condições oferecidas para aprendizagem, objetivos tácitos e explícitos da educação oferecidas pelas escolas (BRASIL/PR, 2005, p. 17). Preocupação que continua válida, mesmo transcorrendo alguns anos da sua publicação, o debate e as reflexões teóricas se acentuam, mas a aplicação da referida Lei nos currículos escolares ficam na intenção. 3 Existem casos de intervenção do Ministério Público junto às secretarias municipais de educação no sentido de garantir a aplicabilidade da Lei nº /2003.
13 CONSIDERAÇÕES Pelo exposto, não se percebe, com maior intensidade, um incentivo por parte dos gestores em incluir no currículo temas multiculturais. Falta orientação aos professores para pesquisas bibliográficas, os recursos audiovisuais são insuficientes, não há preparação na modalidade de formação continuada para compreender o novo conteúdo proposto por lei, entre outros. Os responsáveis pelos encontros, planejamentos pedagógicos omitem a discussão do currículo, justifica que os temas transversais contemplam essas especificidades, acreditando que realmente se trabalha com a transversalidade no espaço escolar. Em conformidade com esta nova proposta curricular, será preciso rever o saber escolar, romper com a Pedagogia da discriminação para que as manifestações culturais de origem africana e indígena não sejam tratadas como folclore. Assim, é preciso investir na formação do educador, possibilitando-lhe uma formação diferenciada da eurocêntrica. Alternativa possível para ressignificar o conhecimento universal e inserir o multiculturalismo no currículo escolar é a utilização por parte dos docentes e gestores da pedagogia crítica, uma vez que esta se caracteriza por levar em consideração as transições simbólicas e materiais presentes no interior do cotidiano escolar. Uma pedagogia crítica examina cuidadosamente as vias pelas quais as injustiças sociais contaminam as experiências que compõem a vida cotidiana dos alunos. A construção do conhecimento desloca-se do sujeito individual para os processos coletivos e a diversidade humana torna-se uma referência básica para a prática curricular, manifestando-se através da linguagem e da comunicação. Nesta perspectiva, o currículo questiona os aspectos pedagógicos que possam atribuir um sentido uniformizador, estático, definitivo e individualista ao conhecimento, baseando-se, antes, nas relações de interação, de cooperação, de parceria, de negociação e de conflitos. Além disso, deve-se inaugurar pesquisas cujo objeto e temáticas que fazem parte da agenda da atual, incorporando questões não tratadas ou raramente
14 estudadas no âmbito do currículo, tais como: etnia, raça, gênero, classe, sexo, nas suas relações com a cultura. A pedagogia crítica toma a cultura popular como objeto de estudo procurando esclarecer as contradições sociais a qual estão submersos os agentes internos e externos da escola. Desta forma, cultura popular representa não só um contraditório e incerto terreno de embates entre projetos e intenções distintas, mas também um importante espaço pedagógico onde são levantadas questões sobre os elementos que organizam a base da subjetividade e da experiência dos alunos (GIROUX; SIMON, 2000). Concluímos, então, que a construção do currículo na perspectiva democrática e transformadora implica a participação efetiva da comunidade interna e externa que compõem o espaço escolar, especialmente dos aprendentes, cujas vozes historicamente têm sido caladas em nome da implementação de uma proposta curricular extremamente conservadora. REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA BLOON, A The closing of the American Mind. 1st ed. Touchstone, New York:1988 BOURDIEU, P. "L'école conservatrice. Les inégalités devant l'école et devant la culture". Revue Française de Sociologie, 7ª, 1966, p CANDAU, V. M.. O currículo entre o relativismo e o universalismo: dialogando com Jean-Claude Forquin. Educação & Sociedade. CEDES, Campinas, n. 73, p , dez CANEN, A. Sentidos e dilemas do multiculturalismo: desafios para o novo milênio. In: LOPES, A. C.; MACEDO, E. (org) Currículo: debates contemporâneos. São Paulo: Cortez, p CANEN, Ana, OLIVEIRA, Luiz Fernandes e ASSIS, Marta D.P. Currículo uma questão de cidadania. In: CANEN, Ana e SANTOS, Ângela Rocha dos (orgs.). Educação Multicultural: Teoria e prática para professores e gestores em Educação. Rio de Janeiro: Ciência Moderna lta, FORQUIN, Jean-Claude. O currículo entre o relativismo e o universalismo. Educação & Sociedade. CEDES, Campinas, n. 73, p , dez
15 GIROUX, H.; SIMON, R.. Cultura popular e pedagogia crítica: a vida cotidiana como base para o conhecimento curricular. In: MOREIRA, A. F. e Silva, T.T. (org) Currículo, cultura e sociedade. 2 ed. Tradução de BAPTISTA, M. Aparecida. São Paulo: Cortez, p GOMES, N L. Educação e Relações Raciais: Refletindo sobre algumas Estratégias de Atuação. In MUNANGA, Kabengele (org.). Superando o racismo na escola. Brasília: MEC/SEF OLIVEIRA, Iolanda e SILVA, Petronilha Beatriz G. e (Orgs.). Negro e Educação Identidade Negra Pesquisa sobre negro e a educação no Brasil. Rio de Janeiro: ANPed, São Paulo: Ação Educativa (2006). REGO, T. C. Vigotsky uma perspectiva histórico cultural da educação. 4ª ed. Petrópolis: Vozes, SAVIANI, D. A nova lei da educação LDB trajetórias limites e perspectivas. 7ª ed. Campinas São Paulo: Autores Associados, Pedagogia histórico-crítica: Primeiras aproximações. 2. Ed. São Paulo. Cortez/Autores Associados, SILVA, T. T. S. Documentos de Identidade uma introdução às teorias do currículo. 2ª ed., 6ª reimp. Belo Horizonte: Autêntica, SILVA, T. T. Currículo, universalismo e relativismo: uma discussão com Jean Claude Forquin. Educação & Sociedade. CEDES, Campinas, n. 73, p dez SODRÉ, M. Claros e escuros: identidade, povo e mídia no Brasil. 2ª ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2000.
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