Enxertia óssea em artroplastia primária do joelho: avaliação transoperatória *
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1 ARTIGO ORIGINAL Enxertia óssea em artroplastia primária do joelho: avaliação transoperatória 399 Enxertia óssea em artroplastia primária do joelho: avaliação transoperatória * Bone grafting in primary total knee replacement: evaluation during surgery JOÃO MAURÍCIO BARRETTO 1, RODRIGO PIRES E ALBUQUERQUE 2, PABLO GUIMARÃES DE OLIVEIRA 2, MÁRCIO MALTA 3 RESUMO Objetivo: Avaliar a incidência da necessidade de enxertia óssea em artroplastias totais primárias do joelho, correlacionando-a com a deformidade preexistente. Método: Foram avaliados 182 joelhos submetidos à artroplastia total em 163 pacientes. Resultados: Observou-se que tal procedimento se fez necessário em 11% dos joelhos operados. Os defeitos periféricos estavam todos localizados na tíbia e os contidos, tanto no fêmur quanto na tíbia. A análise estatística pelo teste do qui-quadrado evidenciou resultados com valores significativos quando comparado o uso do enxerto com o tipo de deformidade. Conclusão: Quanto aos fatores pré-operatórios predisponentes à necessidade de enxertia, observou-se que o percentual de defeitos ósseos enxertados foi maior nas deformidades em valgo do que naquelas em varo. Em todos os quatro pacientes, cuja degeneração articular foi secundária a fraturas, procedeu-se à enxertia óssea. Descritores Artroplastia do joelho; Transplante ósseo; Avaliação * Trabalho realizado no Serviço de Ortopedia e Traumatologia da Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro (RJ), Brasil. 1. Chefe do Serviço de Ortopedia e Traumatologia da Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro (RJ), Brasil. 2. Médico Ortopedista do Grupo de Joelho da Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro (RJ), Brasil. 3. Chefe do Serviço de Ortopedia e Traumatologia da Universidade Federal Fluminense UFF Rio de Janeiro (RJ), Brasil. Endereço para correspondência: Rodrigo Pires e Albuquerque, Av. Epitácio Pessoa, 2.530, apt , Lagoa Rio de Janeiro (RJ) Brasil. Tel./fax: (21) rodalbuquerque@ibest.com.br Recebido em 8/2/06. Aprovado para publicação em 31/10/ 06. Copyright RBO2006 ABSTRACT Objective: The authors studied the incidence of bone grafting in primary total knee replacement and associated the grafting to the presence of deformity. Material: 163 patients were examined with 182 total knee replacements. Results: The authors found that this procedure was performed in 11% of the operated knees. The uncontained peripheral defects were found in the tibia in all cases. The contained defects were found both in the tibia and in the femur. The chi-square test statistical analysis showed results with significant values when bone graft is compared to the type of deformity. Conclusion: The preoperative factors that appear related to necessity of bone grafting were valgus deformity and previous tibial plateau fracture. Keywords Arthroplasty, replacement, knee; Bone transplantation; Evaluation INTRODUÇÃO A artroplastia total do joelho é excelente opção para tratamento de processos degenerativos dessa articulação, quando indicada adequadamente. Os bons resultados obtidos após realização de substituição primária do joelho são bem documentados na literatura, tanto no que diz respeito ao alívio da dor, quanto na manutenção desses resultados no seguimento a longo prazo. Durante a realização da artroplastia total primária do joelho, muitas vezes nos defrontamos com a necessidade de realizar enxertia em razão de deficiência de estoque ósseo. A enxertia óssea durante a realização de artroplastia total do joelho tem por objetivo oferecer base adequada para apoio e fixação dos componentes.
2 400 Barretto JM, Albuquerque RP, Oliveira PG, Malta M O objetivo deste trabalho é avaliar a freqüência da realização de enxertia óssea durante a artroplastia total primária do joelho, assim como estabelecer relação entre o tipo de defeito com a deformidade pré-operatória, a etiologia do processo degenerativo e seqüela de fraturas do planalto tibial. MÉTODO No período compreendido entre outubro de 1995 e abril de 2000, 163 pacientes oriundos do Ambulatório de Joelho da Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro foram submetidos a 182 artroplastias primárias totais cimentadas do joelho que preservavam o ligamento cruzado posterior. A prótese utilizada foi de fabricação nacional (Baumer ), sendo 144 aplicadas unilateralmente e 19 bilateralmente. A idade dos pacientes variou de 21 a 84 anos, com média de 65,7 anos. Foram operados 140 pacientes do sexo feminino e 23 do masculino. Entre os joelhos operados, 116 apresentavam deformidade em varo, 45 em valgo e 21 sem alteração do eixo. Quanto à etiologia do processo degenerativo, 166 joelhos tinham o diagnóstico de osteoartrose, 12 de artrite reumatóide e em quatro a indicação do procedimento foi por seqüela de fratura do planalto tibial tratados previamente de forma conservadora (tabela 1). TABELA 1 Caracterização da amostra Iniciais dos Deformidade Etiologia Localização Tipo do pacientes do defeito defeito FJ Varo Artrose PTM Periférico AMO Varo Artrose PTM Periférico ZFC Varo Artrose PTM Periférico DCC Varo Artrose PTM Periférico DCC Varo Artrose PTM Periférico NPS Varo Artrose PTM Contido DS Varo Artrose CFM Contido MSF Varo Artrose CFM Contido EMS Varo Artrose CFM Contido MPC Varo Artrose CFM Contido DJS Varo Seqüela de fratura PTM Periférico ICC Varo Seqüela de fratura PTM Periférico FG Valgo Artrose PTL Contido MNR Valgo Artrose PTL Contido LFS Valgo Artrose CFL Contido WGC Valgo A.R. CFM Contido MAR Valgo A.R CFL Contido MCT Valgo A.R. PTL Contido MCR Valgo Seqüela de fratura PTL Periférico CAC Valgo Seqüela de fratura PTL Periférico A.R. Artrite reumatóide; PTM Planalto tibial medial; CFM Côndilo femoral medial; PTL Planalto tibial lateral; CFL Côndilo femoral lateral. Fonte: Santa Casa-RJ No pré-operatório foram realizadas mensurações clínicas do valor angular do eixo mecânico do membro inferior que ia ser operado, assim como radiografias do joelho com apoio monopodálico nas incidências ântero-posterior e perfil (1). A necessidade de realizar enxerto ósseo era prevista na análise pré-operatória e confirmada durante o ato cirúrgico. Os defeitos ósseos foram considerados centrais ou periféricos de acordo com a classificação proposta por Dorr (2) (figuras 1 e 2). Os defeitos centrais possuem a parede de osso cortical íntegra funcionando como suporte, ao contrário do observado nos defeitos periféricos. Portanto, essa característica confere maior dificuldade na manipulação desses defeitos periféricos.
3 Enxertia óssea em artroplastia primária do joelho: avaliação transoperatória 401 Figura 1 Defeito central ou contido Figura 2 Defeito periférico A indicação de enxertia óssea foi para preenchimento de defeitos contidos ou centrais que apresentassem mais do que 5ml de profundidade, como sugerem Door et al (3), assim como para defeitos periféricos que diminuíssem a área de apoio de um dos componentes da prótese em mais que 1cm. Nas enxertias com osso autólogo utilizaram-se sobras dos cortes do fêmur e tíbia e, nas homólogas, enxerto de banco de osso. Utilizamos como parâmetro de ressecção na tíbia, até 1cm distal ao lado menos comprometido da articulação, ignorando o nível de eventuais defeitos ósseos presentes no lado mais comprometido, conforme preconizam Insall et al (4) (figura 3). Após o corte tibial, observamos o tamanho e a natureza do eventual defeito ósseo remanescente para definir a necessidade de enxertia. Nos defeitos contidos, foram realizadas perfurações, com broca, no osso subcondral e utilizou-se enxerto de osso esponjoso, moído. Nos periféricos, procurou-se modelar o defeito, de modo a transformar forças de cisalhamento em forças de compressão na área a ser enxertada e utilizou-se enxerto corticoesponjoso. Os enxertos realizados nos defeitos contidos foram estabilizados por impacção e nos periféricos receberam fixação com fios de Kirschner ou parafusos corticais de grandes fragmentos, a fim de estabilizá-los ao leito ósseo receptor. A escolha do método de fixação foi realizada de acordo com o tamanho do enxerto e o menor dano a ser causado no mesmo, sempre procurando a melhor estabilidade possível. Na análise estatística do estudo utilizamos o teste do quiquadrado e adotou-se o nível de significância de 5% (p = 0,05). RESULTADOS Em nossa série de 182 artroplastias (144 unilaterais e 19 bilaterais), enxerto ósseo foi necessário em 20 artroplastias (gráfico 1). Em 18 pacientes utilizamos enxerto autólogo e, em um caso de artroplastia bilateral, foi necessária a aplicação de enxerto homólogo em ambos os joelhos (tabela 1). Gráfico 1 Joelhos submetidos à artroplastia, segundo necessidade de enxerto Figura 3 Referência do lado menos comprometido (à esquerda), em comparação com defeito tibial (à direita) Em relação às áreas que foram enxertadas e os tipos de defeitos, tivemos: 1) Planalto tibial medial: foi envolvido em sete pacientes, sendo o comprometimento em seis unilateral e em um bilate-
4 402 Barretto JM, Albuquerque RP, Oliveira PG, Malta M ral, todos com deformidade em varo, sendo cinco portadores de osteoartrose e dois com seqüela de fratura. Dos cinco pacientes portadores de osteoartrose, quatro tinham defeitos periféricos e em um o defeito era contido. Os dois pacientes com deformidade em varo por seqüela de fratura tinham defeitos contidos e os joelhos contralaterais não apresentavam alteração do eixo mecânico. 2) Côndilo femoral medial: foi enxertado em cinco pacientes, sendo quatro com deformidade em varo, portadores de osteoartrose e com defeitos contidos. Em um paciente, a deformidade era em valgo e o mesmo era portador de artrite reumatóide e também apresentava defeito contido. 3) Planalto tibial lateral: foi enxertado em cinco pacientes, todos com deformidade em valgo, sendo dois portadores de osteoartrose, um com artrite reumatóide e dois com seqüela de fratura. Nos pacientes com osteoartrose ou artrite reumatóide, os defeitos eram do tipo contido, enquanto que nos com seqüela de fratura os defeitos eram do tipo periférico. 4) Côndilo femoral lateral: foi enxertado em dois joelhos com deformidade em valgo sendo um portador de osteoartrose e outro de artrite reumatóide; em ambos o defeito era do tipo contido (gráficos 2 e 3). Gráfico 2 Joelhos submetidos à artroplastia com enxerto por localização e tipo do defeito Gráfico 3 Joelhos submetidos à artroplastia com enxerto segundo o tipo do defeito Dos 166 joelhos acometidos por osteoartrose, 14 foram enxertados; dos 12 acometidos por artrite reumatóide, dois foram enxertados e todos os quatro joelhos, que foram operados em razão de seqüela de fratura do planalto tibial, foram enxertados (gráfico 4). Gráfico 4 Distribuição do tipo de doença em joelhos com enxerto Dos 116 joelhos com deformidade em varo, 12 foram enxertados, enquanto que dos 45 joelhos com deformidade em valgo, oito foram enxertados. Dos enxertos ósseos usados para correção de defeitos periféricos, cinco foram estabilizados com parafuso e quatro com fio de Kirschner. À análise estatística, quando comparamos joelhos submetidos à artroplastia com o uso do enxerto e a deformidade, temos p = 0,092, não significativo. Quando analisamos joelhos submetidos à artroplastia com o uso do enxerto e o tipo de doença, temos p 0,001, significativo. DISCUSSÃO Em nossa série de pacientes, o sexo feminino predominou (85,89%) sobre o masculino (14,11%) concordando com o conceito de que a osteoartrose, assim como a artrite reumatóide, acomete, preferencialmente, o sexo feminino (5). Houve concordância também com a literatura a respeito do tipo de deformidade, com freqüência maior de varo (63,74%) em relação ao valgo (24,72%) (6). Apenas 21 pacientes (11,54%) não tinham alteração do eixo no membro inferior comprometido. Na etiologia do processo degenerativo articular consideramos útil diferenciar as osteoartroses primárias daquelas secundárias a fraturas no joelho, por entendermos que o padrão da fratura possa conferir alterações no estoque ósseo. Optamos pela enxertia óssea por serem artroplastias primárias do joelho, solução mais biológica, a nosso modo de ver, pois ocupamos o defeito com osso, tratamento mais econômico que o com as cunhas de adição (6-8).
5 Enxertia óssea em artroplastia primária do joelho: avaliação transoperatória 403 Figura 4 Falha óssea no planalto tibial medial abaixo do componente de teste Figura 5 Fixação inicial do enxerto Figura 6 Enxerto com fixação pronta Dorr et al pesquisaram defeitos tibiais em artroplastias do joelho e defenderam o uso do enxerto por ser uma solução mais fisiológica, menos onerosa e o enxerto ser incorporado com o tempo (3). Scuderi et al, avaliando defeitos tibiais em pacientes com artroplastia primária do joelho, usaram enxerto ósseo, corroborando nossa pesquisa. Eles alertam para o risco do uso do metilmetacrilato ou dele associado com parafuso, de falha na pressurização e má penetração no trabeculado ósseo, podendo ocorrer a fragmentação subseqüente do cimento (6). Windsor et al relataram que o uso de enxerto ósseo tibial é excelente opção devido aos custos serem reduzidos quando comparamos prótese com cunhas de adição, o risco do uso do cimento, a área de osso subcondral sendo preservada, otimizando biomecanicamente a fixação do componente tibial no osso e o cimento usado com espessura uniforme (9). Em nossa série, todos os defeitos femorais e quatro defeitos tibiais eram do tipo contido e para enxertá-los utilizamos os critérios de indicação de enxertia óssea adotados por Door et al (3). Os defeitos periféricos, num total de nove, estavam todos localizados na tíbia e consideramos muito arriscada a indicação de enxertar apenas quando a deficiência óssea for maior do que 50% da área correspondente à base metálica do componente tibial. Em nossa série, todo defeito periférico maior do que 1cm a partir da periferia da referida base foi enxertado (figuras 4, 5 e 6). O nível de corte do planalto tibial tem relação direta com o tamanho do defeito remanescente. Da mesma forma que Krackow (10) e Insall et al (4), consideramos que a referência do corte tibial deve ser o lado mais preservado da superfície articular. Em nossa prática, o máximo de ressecção permitida é de até 10mm, distais ao lado mais preservado da articulação, sem nos preocuparmos com o eventual defeito que esteja presente no lado mais comprometido. Quando procedemos dessa forma, existe grande probabilidade de preservação da inserção do ligamento cruzado posterior e de osso subcondral denso, adaptado para receber carga, o que otimiza a fixação do componente tibial. A estabilização de defeitos contidos foi realizada por impacção, que conferiu adequada fixação dos mesmos à cavidade a ser preenchida. Os defeitos periféricos apresentam características mecânicas que dificultam a estabilização do enxerto
6 404 Barretto JM, Albuquerque RP, Oliveira PG, Malta M e, por essa razão, em todos os casos, realizamos a fixação do enxerto com algum tipo de material de síntese. A escolha do material de síntese atendeu às características individuais de cada caso. Os enxertos maiores, cinco, foram fixados com parafusos, conforme relatou Laskin (11). Em quatro pacientes utilizamos fios de Kirschner, obtendo boa estabilidade, como relatam Krackow et al (12). Com relação à fixação, observamos, ao longo de nossa prática, tendência a realizá-la com menos material de síntese, pois a adaptação adequada do enxerto ao leito receptor, assim como a fixação conferida pelo cimento, proporciona estabilidade muitas vezes suficiente, como sugerem Watanabe et al (13), que propõem não utilizar qualquer tipo de material de síntese em enxertias do planalto tibial. Em nossa casuística, apenas um paciente, com varo bilateral grave, necessitou de enxerto de banco de ossos. A utilização dessa alternativa é respaldada pela literatura (14-16). Os defeitos periféricos estavam todos localizados na tíbia, oito deles no compartimento medial em pacientes com deformidade em varo, concordando com a literatura, a respeito da maior freqüência de consumo ósseo tibial medial nesse tipo de deformidade (4,17). Apenas um paciente apresentou defeito periférico no planalto tibial lateral, secundário a fratura prévia. Tal achado confirma o conceito de que, na deformidade em varo, o consumo de estoque ósseo acontece, rotineiramente, no planalto tibial medial, raramente comprometendo o fêmur (4). Em números absolutos, foi mais freqüente na nossa casuística enxertar joelhos com deformidade em varo; contudo, em números relativos, essa freqüência se alterou, desde que, dos 45 joelhos com deformidade em valgo, foram enxertados oito (17,78%), enquanto que, de 116 joelhos com deformidade em varo, 12 (10,34%) foram enxertados. Assim, as artroplastias nas deformidades em valgo, além das já bem estabelecidas, dificuldades relacionadas ao balanço ligamentar e estabilidade da patela (18), necessitam enxerto ósseo com mais freqüência do que aquelas realizadas nas deformidades em varo. Em contrapartida, os defeitos ósseos nas deformidades em valgo são, na maioria das vezes, defeitos contidos, mais fáceis de tratar do que os defeitos periféricos (19). Em nossa série de pacientes, todos os defeitos ósseos nas deformidades em valgo eram do tipo contido. CONCLUSÃO Artroplastia total primária do joelho teve indicação de enxertia óssea em aproximadamente 11% dos casos em nosso estudo. Deformidades em valgo do joelho têm maior probabilidade de requerer enxertia óssea do que as deformidades em varo. Fraturas prévias do planalto tibial são condições predisponentes à necessidade de enxertia óssea durante a realização da artroplastia total primária do joelho. REFERÊNCIAS 1. Engh GA, Ammeen DJ. 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