PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO ACÓRDÃO

Transcrição

1 ACÓRDÃO Registro: Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação nº , da Comarca de São Paulo, em que é apelante LUCIANO IACOMINI (JUSTIÇA GRATUITA), é apelado CLAUDIR GIANNETTO. ACORDAM, em 5ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "Negaram provimento ao recurso. V. U.", de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão. O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores A.C.MATHIAS COLTRO (Presidente sem voto), FÁBIO PODESTÁ E FERNANDA GOMES CAMACHO. São Paulo, 24 de maio de Moreira Viegas RELATOR Assinatura Eletrônica

2 Apelação Cível: Comarca: Apelante: Apelado: São Paulo LUCIANO IACOMINI CLAUDIR GIANNETTO RESPONSABILIDADE CIVIL - Danos Materiais, Morais e Estéticos Tratamento odontológico Extração dentária Paciente acometido por parestesia facial - Relação de consumo Incidência do Código de Defesa do Consumidor Conjunto probatório que logrou demonstrar a inexistência de conduta culposa no tratamento do paciente Adequado cumprimento do dever de informação, previsto no art. 6º, inciso III, do CDC Improcedência mantida Recurso desprovido. VOTO Nº Apelação interposta em face da r. sentença de fls. 386/393, que, em autos de ação de reparação por danos materiais, morais e estéticos, julgou improcedentes os pedidos, condenando o autor ao pagamento das custas e despesas processuais, além de honorários advocatícios de 20% sobre o valor da causa, observada a gratuidade. Alega o apelante que o conjunto probatório coligido aos autos logrou demonstrar a existência de lesão a nervo facial, após realização de cirurgia odontológica, acarretando a perda da sensibilidade do lado esquerdo de seu rosto. Aduz que o apelado deixou de cumprir o dever de informar a respeito dos riscos da cirurgia. Sustenta que restou comprovada a conduta culposa do apelado, bem como o nexo causal, sendo impositiva a fixação de indenização pelos danos experimentados. Subsidiariamente, pugna pela redução dos honorários advocatícios fixados (fls. 405/419). Recurso processado, isento de preparo. Apelação nº

3 Contrarrazões não foram apresentadas. Submetidos os autos a este julgador, o recurso não foi conhecido pela Turma, face à ausência de reiteração do apelo, após o julgamento dos embargos de declaração opostos em face da r. sentença (fls. 442/444). Interposto Recurso Especial (fls. 471/495), o E. Superior Tribunal de Justiça deu-lhe provimento, para o fim de afastar a intempestividade da apelação, determinando o retorno dos autos a esta Corte (fls. 550/552). É o relatório. Trata-se de ação de indenização por danos materiais, morais e estéticos na qual alega o autor que, após a extração de dois dentes do siso da arcada inferior, foi acometido por perda da sensibilidade do lado esquerdo, em virtude de lesão em um dos nervos da face. Aduziu que, além do incômodo físico, sofreu com depressão, falta de autoestima, bem como gastos com tratamentos médicos, ficando impossibilitado de trabalhar no período. É inequívoca a relação de consumo, mas, mesmo nestas circunstâncias, a responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação de culpa (art. 14, 4º, Lei n /90), tratando-se, portanto, de hipótese de culpa subjetiva (REsp /MT, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 09/08/2011, DJe 19/08/2011; REsp /SP, Rel. Ministro CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO, TERCEIRA TURMA, julgado em 04/06/1998, DJ 24/08/1998, p. 71). Apelação nº

4 Com relação à responsabilidade do dentista, acentua José de Aguiar Dias que: "se, em princípio, a responsabilidade médica decorre de uma obrigação de meios, só excepcionalmente se manifestando por força de obrigação de resultado, não é possível dizer o mesmo da responsabilidade do cirurgião-dentista" (DIAS, José de Aguiar. Da Responsabilidade Civil. 3ª ed. Vol. I, Rio de Janeiro: Revista Forense, 1954, p ). Exceção feita a alguns tratamentos, como a implantação de prótese buco-maxilofacial, cirurgia e traumatologia bucomaxilofaciais, outros como a dentística restauradora, odontologia legal, odontologia preventiva e social, ortodontia, prótese dental, radiologia, importam em obrigação de resultado, na qual para a obrigação de reparar o dano, basta o nexo causal, independentemente da existência do elemento subjetivo, por obrigar-se o profissional a alcançar o êxito. Há, assim, a inversão ope legis (arts. 12, 3º, e art. 14, 3º, do CDC) do ônus da prova, pois a Segunda Seção do STJ, no julgamento do Resp /MG, Rel. Paulo de Tarso Sanseverino, DJ de 21/09/2011, pacificou a jurisprudência no sentido de que em demanda que trata da responsabilidade pelo fato do produto ou do serviço (arts. 12 e 14 do CDC), a inversão do ônus da prova decorre da lei (AgRg no AREsp /RJ, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, TERCEIRA TURMA, julgado em 26/11/2013, DJe 09/12/2013). Além do dever de informação acerca do tratamento e sobre os riscos que apresente (art. 6º, III, CDC), cabe ao profissional a escolha do melhor tratamento dentre as opções que se apresentem, que chegue ao melhor resultado com o menor risco. Apelação nº

5 Como esclarece Regina Beatriz Tavares da Silva: "a avaliação prévia dos riscos deve ser feita pelo dentista, já que não podem ser maiores do que as vantagens almejadas. Trata-se do dever do dentista de prestar informação, que corresponde ao direito do paciente de ser informado. Se não houver avaliação prévia dos riscos e informação precisa, o dentista estará descumprindo obrigação que deve ser havida como de resultado, com inversão do ônus da prova da culpa, no caso de ocorrência de dano" (SILVA, Regina Beatriz Tavares da. Responsabilidade Civil na Área da Odontologia: Responsabilidade Civil na Área da Odontologia. Série GVlaw. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 203). Por sua vez, aduz André Luis Maluf de Araújo que: "a indicação odontológica tem sua origem em que uma mesma enfermidade pode ser objeto de vários tratamentos com valor terapêutico e se entende como a seleção que efetua o profissional de uma prescrição feita nos parâmetros de sua necessidade, se é idônea e se tem preferência perante outras que se apresentam como aplicáveis ao caso concreto, no sentido de parecer a mais eficaz, havendo de esgotar o profissional, entre as várias alternativas, como possuidor de maior identidade terapêutica, aquela que, logrando um ótimo grau de saúde, implique às vezes os menores riscos ou prejuízos possíveis ao paciente. O dentista deve ordenar o tratamento menos perigoso, salvo em caso necessário, em que outra providência não possa ser tomada" (ARAÚJO, André Luis Maluf de. Responsabilidade Civil Médica, Odontológica e Hospitalar: Responsabilidade Civil dos Cirurgiões Dentistas. Coord. Carlos Alberto Bittar. São Paulo: Saraiva, 1991, p.171). Respeitado o inconformismo do autor, a r. sentença não merece reparos, diante do conjunto probatório coligido. Apelação nº

6 A prova pericial realizada concluiu que havia indicação da exodontia (extração dentária do 3º molar inferior à esquerda), esclarecendo que a parestesia [perda da sensibilidade de tecidos] é tida como um acidente, não desejável que ocorre independentemente da boa técnica odontológica aplicada, e evidentemente fora do controle do profissional cirurgião dentista (fls. 172). Esclareceu, ainda, o perito, que o procedimento realizado foi adequado para o caso do autor, tendo sido adotadas todas as cautelas necessárias tanto no pré-operatório quanto no pós-operatório (fls. 229). Ademais, relatou o expert que o autor foi devidamente informado acerca dos riscos inerentes ao procedimento cirúrgico (fls. 258), o que demonstra, destarte, o cumprimento do dever de informação por parte do profissional. Foi realizada nova perícia, por especialista em periodontia e implantes osseointegrados o que apurou, em síntese a adequação do diagnóstico e conduta adotada pelo réu (fls. 342/346). Ressalte-se, outrossim, que o autor possuía lesão preexistente ao ato cirúrgico a que foi submetido, de modo que já estava sujeito à parestesia, independentemente da realização do procedimento. Em suma, constatou-se a inexistência de conduta culposa do profissional, a ensejar sua responsabilização pelos danos apontados, razão pela qual a improcedência era mesmo de rigor. Considerando-se a complexidade da demanda, bem como o grau de zelo do patrono do réu, os honorários advocatícios Apelação nº

7 foram fixados com razoabilidade, não comportando redução. Ante o exposto, nega-se provimento ao recurso. JOÃO FRANCISCO MOREIRA VIEGAS Relator Apelação nº