Aula 03. INQUÉRITO POLICIAL (continuação)

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1 Turma/Ano: Direito Processual Penal (2015) Matéria/Data: Características e Formas de Instauração do Inquérito (30/01/15) Professor: Elisa Pittaro Monitora: Márcia Beatriz Aula 03 INQUÉRITO POLICIAL (continuação) Características do Inquérito Policial Conforme visto na aula anterior, o inquérito policial é: Inquisitivo Sigiloso Indisponível: característica voltada para a figura do delegado, visto que este não pode dispor das investigações do inquérito, ou seja, de uma forma ou outra o inquérito deverá prosseguir até o seu final 1 ; Dispensável: característica não conflitante com a anterior, pois é voltada para a figura do promotor que pode dispensar total ou parcialmente o inquérito desde que haja justa causa 2 ; Aproveita-se a oportunidade para tecer algumas observações sobre a JUSTA CAUSA, a começar pelo seu conceito que não possui consenso doutrinário. Destacam-se aqui as colocações de: * Afrânio Silva Jardim: justa causa é o suporte probatório mínimo sobre autoria e materialidade delitiva. Tem natureza de uma quarta condição da ação é o posicionamento dominante; * Tourinho Filho e Ada Pellegrini: justa causa é o legítimo interesse na demanda, ou seja, não possui existência autônoma, pois seu teor está contido no interesse de agir; * Marcellus Polastri: justa causa não é uma quarta condição da ação 3, mas sim algo inerente a toda ação penal. Na verdade, ela é uma condição específica para o recebimento da denúncia. 1 Por este motivo o delegado não pode, por vontade própria, arquivar o inquérito. Qualquer providência nesse sentido deve ser expedida pelo Promotor de Justiça com posterior autorização judicial expressa. 2 O promotor não precisa aguardar a conclusão e relatório do inquérito policial nem mesmo o final das investigações para proceder à deflagração de ação penal. Se durante sua análise ele concluir que existem elementos suficientes para deflagrar, ele poderá fazê-lo, ainda que o inquérito esteja no início.

2 Além do inquérito policial, a justa causa pode também ser obtida: - por meio de inquérito policial militar (IPM) 4 - por inquérito parlamentar instaurado no âmbito das CPIs - através da investigação direta promovida pelo Ministério Público. Observação 1: Consoante o disposto no art. 58, 3º da CRFB 5, a CPI possui os mesmos poderes investigatórios que um juiz. No entanto, deve-se atentar para os seguintes fatos: * Determinação de busca e apreensão e interceptação telefônica: a CPI não tem poderes para tanto, pois são garantias protegidas por cláusula de reserva de jurisdição (art. 5º, XI e XII, CRFB) 6. * Quebra de sigilo de dados bancários/fiscal por CPI estadual: é incontroversa a possibilidade de quebra de dados bancários por CPI federal, porém o mesmo não se pode afirmar de CPI estadual. A primeira vez que o assunto foi discutido no STF se deu em virtude do julgamento da Ação Civil Originária 730, proposta em 2003 pela ALERJ. Nesta ocasião, após votação apertada, o Supremo admitiu a quebra somente em ocasiões excepcionais. Em 2010 a ALERJ propôs nova ACO, porém esta perdeu o objeto com o encerramento da CPI questionada (ver boletim informativo n. 578 do STF). Desta feita, deve-se manter o posicionamento firmado no único precedente existente. * Quebra de sigilo de dados telefônicos 7 por CPI municipal: não há dúvidas de que CPIs federal e estadual podem determinar a quebra do sigilo de dados telefônicos visto que a Constituição não o protegeu com cláusula de reserva de jurisdição. Entretanto, no que concerne às CPIs municipais: - Primeira orientação do Supremo: como não há Poder Judiciário municipal para atender a equiparação constitucional (Legislativo x Judiciário de mesma esfera), a CPI sozinha não pode; - Segunda orientação do Supremo: pode, pois além dessa CPI ser exercida pelo Legislativo municipal, o poder de legislar é inerente ao de investigar. 3 Polastri argumenta que justa causa não é uma quarta condição da ação, pois do contrário o art. 395 do Código de Processo Penal não enumeraria em um novo inciso a falta de justa causa como meio de rejeitar denúncia ou queixa, visto que no inciso imediatamente anterior o legislador elenca a falta de condição da ação. Logo não são coisas idênticas. 4 Assim, se durante as investigações pela auditoria militar as autoridades chegarem à conclusão da ocorrência de crime comum e não crime militar, o IPM será concluído e remetido ao MP. 5 Art. 58, 3º: As comissões parlamentares de inquérito, que terão poderes de investigação próprios das autoridades judiciais, além de outros previstos nos regimentos das respectivas Casas, serão criadas pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal, em conjunto ou separadamente, mediante requerimento de um terço de seus membros, para a apuração de fato determinado e por prazo certo, sendo suas conclusões, se for o caso, encaminhadas ao Ministério Público, para que promova a responsabilidade civil ou criminal dos infratores. 6 Cláusula de reserva de jurisdição é uma expressão cunhada pelo jurista português J.J. Canotilho e consiste no fato de que determinados direitos individuais só podem ser violados com ordem judicial. 7 Entende-se por dados telefônicos todas as informações referentes à determinada linha como os números de telefone das chamadas realizadas e recebidas, quantidade e tempo de duração das ligações, etc. Este resumo documentado de todas as movimentações da linha é denominado de conta reversa.

3 Observação 2: Não obstante a rejeição da PEC 37 e por consequencia, a manutenção do antigo entendimento do STF que admite o poder investigatório ao Ministério Público, é interessante a exposição dos dois pontos de vista sobre esta discussão: * Argumentos contrários à possibilidade de investigação direta promovida pelo MP: - O art. 144, 1º, IV da CRFB deu exclusividade à polícia para conduzir investigações; - O MP é parte e como parte não conduziria uma investigação de forma isenta; O CPP não deu ao MP poderes para presidir inquérito essa função é exclusiva do delegado; O legislador já tentou em projetos de CPP passados dar esse poder investigatório ao MP, o que sempre foi vetado, em clara opção legal de negar-lhe esse poder investigatório; - Para André Nicolitt, essa investigação direta é incompatível com o sistema acusatório. * Argumentos favoráveis à possibilidade de investigação direta promovida pelo MP: O art. 144 da CRFB deve ser interpretado no âmbito das polícias, ou seja, a única polícia que pode exercer a função de polícia judiciária na União é a polícia federal; O MP é uma parte multiforme no processo penal, ou seja, ao mesmo tempo ele é parte e fiscal da lei. E, na qualidade de custos legis ele pode investigar; O art. 129, VI da CRFB estabelece que cabe ao MP expedir notificações nos procedimentos administrativos de sua competência. Não se trata aqui de inquérito civil, pois este está previsto no art. 129, III, CRFB. Logo o inciso IV só pode estar prevendo a hipótese de investigação direta 8 ; - Os únicos países no mundo que negam os poderes investigatórios do MP são Uganda, Indonésia e Quênia. Escrito: por não ter um fim em si mesmo, é indispensável que o inquérito seja veiculado pela forma escrita, posto que ele se preza apenas para dar justa causa ao Ministério Público; Unidirecional: no fim das investigações, o delegado só elabora um relatório, sem emitir qualquer juízo de valor, sob pena de ingressar na esfera de atribuição exclusiva do MP. Observação: Pode o delegado fazer análise de atipicidade material ou excludente de ilicitude no relatório? Segundo o TJ/RJ, o delegado também possui a sua opinio delicti, ainda que ela possa ser superada pela opinio do MP. Em relação à atipicidade material, o delegado pode se manifestar, uma vez que ele deve necessariamente fazer a análise dos elementos do crime. 8 Atualmente existe uma resolução do CNMP disciplinando o poder investigatório do Ministério Público por meio de procedimento investigatório criminal (PIC).

4 Em relação à excludente de licitude, naquelas hipóteses em que ela estiver categoricamente demonstrada o delegado também pode reconhecê la, até porque o CPP permite que ele lavre auto de resistência ao invés do APF quando verificar alguma excludente de licitude. Nos demais casos é recomendável que ele apenas relate os fatos investigados e deixe o juízo de valor a cargo do promotor de justiça. Formas de Instauração do Inquérito A instauração do inquérito é variável, ou seja, ela depende da natureza da ação penal. * Crime de ação pública incondicionada: De ofício (art. 5, I, CPP): início espontâneo, sem provocação a autoridade policial deverá instaurar inquérito assim que tomar conhecimento dos fatos; Por requisição do juiz (art. 5, II, CPP): a possibilidade de o juiz mandar instaurar o inquérito é questionada. Majoritariamente (Polastri e Pacelli) argumenta-se que o juiz não deve ter qualquer ingerência no inquérito, isso para não comprometer sua imparcialidade. Por outro lado, Geraldo Prado defende que o que fere o sistema acusatório é o juiz determinar o ritmo das investigações se ele apenas requereu a instauração do inquérito e se afastou, inexiste ofensa ao sistema acusatório; Por requisição do Ministério Público (art. 5, II, CPP): apesar de não haver qualquer subordinação da polícia para com o MP, o delegado deve atender à requisição do parquet tendo em vista que a atividade daquele é o meio para a atividade fim deste; A requerimento da vítima (art. 5, II, CPP): este requerimento é apenas um pedido que não subordina o delegado ele fará uma análise em termos de tipicidade antes de agir; Por decorrência de APF (art. 304, CPP): quando há flagrante, o auto de prisão é a peça inaugural do inquérito. * Crime de ação pública condicionada à representação: Consoante o disposto no art. 5º, 4º do CPP, o inquérito policial não poderá ser iniciado sem a representação nos casos em que a ação pública for a ela condicionada.

5 A representação é uma espécie de pedido-autorização para que seja instaurado o inquérito e a respectiva ação penal. Ela possui natureza jurídica de condição de procedibilidade e por ser um ato informal, é pacífico na jurisprudência que do comparecimento espontâneo da vítima à delegacia de polícia para narrar um fato criminoso, subentende-se que ela representou a representação não tem uma forma especial de materialização. Para o Supremo, na hipótese da instauração de inquérito para apurar um delito de ação pública incondicionada, mas que posteriormente à análise de tipicidade sinalize se tratar de outro crime cuja ação é condicionada à representação, é preciso observar o comportamento da vítima durante o processo para averiguar a ocorrência ou não de decadência caso já tenha decorrido mais de seis meses do conhecimento da autoria do fato. Se se chegar à conclusão de que a vítima cooperava, se ela se mostrava interessada na persecução penal, subentende-se que ela representou. A representação é voltada para a apuração do fato criminoso, independentemente de quem sejam os autores. Logo, ainda que a representação recaia apenas sobre dois dos autores do crime, o inquérito pode ser instaurado em face de todos, representados ou não. O art. 25 do CPP interpretado a contrario sensu permite a retratação da representação, que apesar de não estar expressa no art. 107 do CP, extingue a punibilidade, pois segundo a doutrina, ela é muito próxima do perdão e da renúncia que extinguem a punibilidade nos crimes de ação privada. CPP, Art. 25. A representação será irretratável, depois de oferecida a denúncia. CP, Art Extingue-se a punibilidade: I - pela morte do agente; II - pela anistia, graça ou indulto; III - pela retroatividade de lei que não mais considera o fato como criminoso; IV - pela prescrição, decadência ou perempção; V - pela renúncia do direito de queixa ou pelo perdão aceito, nos crimes de ação privada; VI - pela retratação do agente, nos casos em que a lei a admite; VII - (Revogado pela Lei nº , de 2005) VIII - (Revogado pela Lei nº , de 2005) IX - pelo perdão judicial, nos casos previstos em lei.