Desafio do Ordenamento Territorial "O Pensamento" Região: Horizontalidades e Verticalidades
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- Marcela Macedo Sales
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1 Desafio do Ordenamento Territorial "O Pensamento" Região: Horizontalidades e Verticalidades Milton Santos 1994 No decorrer da história das civilizações as regiões foram se configurando por meio de processos orgânicos expressos através da territorialidade absoluta de um grupo, onde prevaleciam suas características de identidade, exclusividade e de limites. Podemos dizer que a solidariedade ocorreria, quase que exclusivamente, em função dos arranjos locais. Mas a velocidade das transformações mundiais deste século, aceleradas vertiginosamente no pós-guerra, fizeram com que a configuração regional do passado desmoronasse. Alguns falam inclusive na morte da região, tamanha é a dificuldade de se apreender os novos nexos regionais. Na verdade, temos hoje um edifício regional muito mais complexo do que aquele estabelecido no passado. Da existência da região passou a depender o próprio funcionamento da totalidade do espaçotempo mundial - e portanto, muito maior é o número de mediações com que nos defrontamos. As regiões são subdivisões do espaço: do espaço total, do espaço nacional e mesmo do espaço local; são espaços de conveniência, lugares funcionais do todo, um produto social. As divisões do trabalho que sucessivamente se instalam alteram a forma e conteúdo das regiões. Pela primeira vez na história do homem há uma completa superposição dos diversos níveis da divisão do trabalho, do internacional ao local. Assim como, a divisão do trabalho ocorre hoje de forma deliberada e, na maioria das vezes, como fruto de ações externas ao país. A própria circulação é dependente de um subsistema regulacional. Tais fatos, são fundamentais para se entender a atual construção das regiões. Se partirmos do pressuposto de que o espaço é constituído por um sistema de ações e um sistema de objetos, indissolúveis, uma divisão do trabalho complexa implica, do ponto de vista espacial, uma maior espessura do edifício regional, na medida em que objetos e ações tomam-se mais diversificados e mais complexizados. 1
2 Os avanços técnicos-científicos-informacionais fazem com que objetos e ações. cada vez mais, sejam operacionais e se dêem de forma sistêmica. Tratam-se de objetos e ações a serviço dos atores hegemônicos, subordinados à produção de uma mais-valia mundial e, que possibilitam, através de suas funcionalizações, a manutenção dos fluxos globais. Criaram-se, portanto, situações nitidamente diferentes. No passado, os objetos não continham tal conteúdo informacional e as ações não eram obrigatoriamente homogeneizadas. Ou seja, o sistema espacial contemporâneo foi totalmente redefinido e, com ele, todos os subespaços regionais. Em tal sistema espacial reorganizado encontram-se as redes que incluem ao mesmo tempo materialidade e ação. De um lado tais redes são globais, funcionam como instrumento de uma produção, circulação e informação mundializados. Incubem-se de transportar o universo ao local, unindo diferentes pontos ou regiões numa mesma lógica produtiva. Este seria o funcionamento vertical do espaço contemporâneo. o recorte vertical do território. Mas as redes também são locais, pois no lugar a rede praticamente se integra e se dissolve pelo trabalho coletivo. Aí são criadas as condições técnicas do trabalho direto, isto é, o funcionamento horizontal do espaço onde se estabelece a co-presença num espaço contínuo. Este, por sua vez, seria o recorte horizontal do território. Horizontalidades e verticalidades são recortes espaciais superpostos, ao mesmo tempo, condicionados e condicionantes da solidariedade organizacional, principal elemento de formação das regiões contemporâneas. Tal solidariedade tanto pode se dar a partir de contigüidades e continuidades, como da ação empreendida a partir de pontos distantes, mas não isolados. Ambas estão sempre sujeitas as leis do movimento. Aliás, é justamente pelo fato de estar sempre em movimento, em constante aceleração, que fica a idéia de que a região não mais existe. Temos que apreender que o momento atual faz com que as regiões transformem-se continuamente, ligando portanto uma menor duração ao edifício regional. E, também considerando que a espessura do acontecer é aumentada diante do enorme volume de eventos que sucedem. A região aí está, porém com um nível de complexidade jamais visto pelo homem. 2
3 O território como norma Dentre as formas sociais existentes, a forma jurídica é a única que detém, do ponto de vista legal, força para estabelecer comportamentos e sanções. O Estado Territorial, a província são regiões formais, legalmente instituídas. Quando falamos, por exemplo, no Estado de São Paulo nos referimos a um certo tipo de regras. Assim, o espaço submetido a uma lei e um poder jurídico, é normado por esse poder. Do mesmo modo existem normas, como as sociais e culturais, que mesmo não tendo força de lei, existem concretamente e encontram-se instituídas regulando comportamentos. São formas sociais herdadas, entre as quais se inserem a cultura local e regional, em oposição a global. Interessa-nos entretanto, apontar, que hoje o território é também uma norma, em função da racionalidade da produção do próprio espaço, de sua dependência técnica. Existe uma ordem territorial que é dada, primeiramente, pelo modo como objetos estão arranjados. Objeto no seu sentido amplo, porque aí também se inclui o homem. Um exemplo seria a própria distribuição da população. Em seguida temos um arranjo territorial quanto a qualidade, isto é, se a população é jovem ou velha, se é sadia ou não, se é educada ou não, se tem acesso a lazer, etc. Mas, temos também a ordem temporal dos objetos, que nos permite alcançar a história desses arranjos territoriais. A idéia do espaço como texto. Alguns tipos de relações se estabelecem antes do que outras o que implica na existência de um certo tipo de produção, proximidade ou distância de um objeto em relação ao outro e assim por diante. O modo como o território se organiza, dividido entre passado e presente, relaciona-se, por sua vez, com as possibiiidades atuais de organização, pois alguns lugares tomam-se mais aptos que outros, permitindo com que determinadas atividades se instalem. Conseqüentemente, o território é também uma norma. São normas que derivam das ações e do próprio território como ele se apresenta arranjado. Esse conjunto de características materiais e não-materiais constituem o que se pode chamar de Lei do Lugar. 3
4 Problemas para um planejamento regional Em um mundo comandado pelo imperativo da competitividade, os lugares se posicionam com sendo um conjunto de oportunidades para a efetivação do mundo enquanto possibilidades. Cada vez mais os lugares são previamente escolhidos entre aqueles capazes de atribuir a uma dada produção uma produtividades maior. Quando falamos no espaço territorial como norma, é precisamente porque o mundo depende, cada vez mais, das virtualidades do lugar, para se tomar espaço, para deixar de ser essência e passar a ser existência. As condições locais garantem, ou não, eficácia aos processos globais em curso. Tal é a tensão que se estabelece entre o global e o lugar. O problema principal decorrente de tal contexto é que, hoje, nenhuma região tem nela própria a totalidade das relações que decidem seu movimento. As regiões são mediadas por normas externas ao país, no caso uma ordem global, e também por normas internas centralizadas no Estado Federal. No primeiro caso, são as razões do mercado global que impõe um nexo que escapa ao sentido local. Sem dizer, que tal relação imposta corre o risco de esgotar-se rapidamente e gerar disfunções. Os sistemas técnicos contemporâneos são devoradores, invasores e se dão de forma entrelaçada, o que significa para o lugar, que funcionaliza o mundo, a possibilidade de entrar em colapso do dia para a noite. Já no segundo caso, onde temos as ações decorrentes do Estado Federal, o problema surge na medida em que o Estado, mesmo que estabeleça um programa para atribuir um tratamento diferenciado a frações do território, encontram-se distante daqueles que criam e produzem localmente. Muitas vezes, se a eficácia da ação federal se consolida é porque, ao estar distante, a relação da população local é menor. O Estado autoritário levou isso até as últimas conseqüências, impondo nexos organizacionais ao território, muitas vezes incompatíveis a realidade local. Assim, indagamos sobre o que fazer para podermos planejar regionalmente e, se possível, alcançar o comando da evolução do lugar. Antes de mais nada, torna-se necessário a criação de autoridades regionais que, descentralizadas do Estado Federal, sejam mais dotados de prerrogativas e recursos adequados para implantar projetos que levam em conta as reais necessidades locais. No caso de Tocantins, uma área menor, a 4
5 ação pode ser muito mais eficaz. Porém, não se descarta a idéia de se criarem autoridades que atuem diretamente junto a determinados subespaços produtivos da província. Um outro aspecto, mas que ligado ao anterior, seria criar um saber que seja voltado para apreender o lugar e o mundo, cujo objetivo, por exemplo, seria o preparo para enfrentar as tendências que desestabilizam o produto da área, de um ponto de vista mais pragmático. Um dado de nosso tempo, é que a cada dia acordamos mais ignorantes frente às novíssimas inovações, ou seja, frente aos objetos que nos cercam e as ações que nos escapam. Os riscos de sucumbirmos às disfunções são enormes. Mas, também, devemos repor um sentido teleológico ao mundo. Não podemos assistir passivamente à invasão de objetos e ações que invadem nosso cotidiano, tornando-nos submissos a uma racionalidade que perdeu o sentido, que retirou a dimensão do humano em troca da apologia da competitividade e de uma cultura tecnicizada. O lugar, mesmo que seja organizado por ordens externas, possui uma ordem local que funda a escala do cotidiano, cujos parâmetros são a copresença, a vizinhança, a intimidade, a emoção, a cooperação e a socialização com base na contigüidade. A riqueza comunicacional existente no lugar pode apontar para o futuro, tornando-o sede de uma resistência da sociedade civil. Mais uma vez é o conhecimento do Mundo que se aprofunda no conhecimento do lugar que nos permitirá agir, pois hoje cada lugar é o mundo. Somente deste modo poderemos perceber as intencionalidades estranhas que se instalam no lugar e romper com a perversidade de uma ordem global a serviço, única e exclusivamente, das ações hegemônicas. 5
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