CONVERSA DE PSICÓLOGO CONVERSA DE PSICÓLOGO

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1 Página 1 CONVERSA DE PSICÓLOGO Volume 05 - Edição 01 Agosto Entrevistada: Géssica Denora Ribeiro Entrevistadora: Priscilla Araújo Taccola TEMA: ENCOPRESE E ENURESE INFANTIL Psicóloga Analista do Comportamento no, graduada em Psicologia pela Universidade Estadual de Londrina e voluntária na Clínica Escola de Psicologia da mesma instituição. Pós graduanda do curso de especialização em Psicologia: Análise do Comportamento Aplicada, pelo Centro Universitário Filadélfia. Tem experiência em capacitação de pais e professores e intervenções psicoterápicas em grupo, pautadas na Análise do Comportamento e em avaliação neuropsicológica e intervenção psicopedagógica com crianças e adolescentes. Atua como psicoterapeuta clínica de crianças, adolescentes e adultos e atualmente está aprimorando-se em estudos no campo da psicologia educacional. Olá Géssica, gostaria de começar pedindo para você nos falar um pouco

2 Página 2 sobre seus objetivos dentro da psicologia. Bom, meus objetivos dentro da psicologia estão cada dia se ampliando mais. Meu foco inicial foi trabalhar com psicoterapia infantil e também com a avaliação e acompanhamento de crianças com dificuldades de aprendizagem. Tenho afinidade em trabalhar com pais, principalmente no que se trata de orientação parental. Hoje atendo casos relacionados à indisciplina e a encoprese e/ou enurese infantil, o que demanda grande enfoque de intervenção com os pais. Nos últimos tempos, porém, também tenho sido procurada pelo público adulto jovem, tenho visto muitos resultados e um enorme prazer em atendê-los. Então, pretendo focar também nessa população, assim como em adolescentes, que são casos diversos e exigem bastante do profissonal. Interesso-me muito em poder olhar para o ser humano e procurar entender seus comportamentos e o que está selecionando a cada um deles, assim como quais são as alternativas possíveis para modificá-los quando necessário. Gessica, você disse que vem atendendo casos de encoprese e enurese infantil. Pode nos explicar o que é cada um desses termos? A encoprese infantil é conhecida como um problema de evacuação, caracterizado basicamente pela eliminação das fezes de forma involuntária. Ela pode ser classificada como primária, caso a criança nunca tenha apresentado o controle do esfíncter ou secundária, caso essa criança já tenha tido ou aprendido o controle e depois começa a apresentar falhas. Acontece de a criança evacuar várias vezes em horas e lugares impróprios e muitas vezes não há presença de causas orgânicas (biológicas), por isso a grande angústia dos pais. Podemos, então, dizer que é uma desordem de origem emocional. Ao meu ver, é preciso olhar com bastante cuidado para cada caso, pois pode ou não haver questões biológicas envolvidas, então, nós, enquanto psicólogos, devemos trabalhar em conjunto com

3 Página 3 CONVERSA DE PSICÓLOGO os médicos, principalmente os gastroenterologistas, para levantar e descartar hipóteses e assim prosseguir no tratamento. Tenho percebido que normalmente os pais começam perceber alguma desordem no momento em que retiram a fralda da criança, fazem o treino de como usar o toalete e após um tempo seu filho começa apresentar tal problema: a criança pode evacuar de forma descontrolada e involuntária, pelo menos uma vez na semana, contudo, geralmente, apresenta a ocorrência de três ou mais vezes na semana. Lembrando aos pais que a encoprese geralmente é fonte de preocupação com a criança acima de 4 anos, antes disso ela ainda está em processo de aprendizagem e desenvolvimento do controle esfincteriano. É preciso exigir dos pais uma observação direta da criança e relatos diários de sua rotina. Já a enurese é conhecida como a micção (o fazer xixi) de forma frequente e involuntária, ficando atento, principalmente, quando a criança já está com 5 anos de idade ou mais. Para que se possa falar de enurese, eu peço aos pais para observarem o comportamento de micção, ele terá que se manifestar com uma frequência de pelo menos dois episódios semanais durante pelo menos três meses consecutivos. Para todos os casos é importante observar se há ou não presença de alguma causa orgânica, caso contrário, diz-se que pode ser de origem emocional. Mesmo sendo de origem biológica acaba por interferir no emocional da criança e afetando muitas vezes seu processo de aprendizagem e melhora. Ademais, a enurese pode aparecer sinalizando algum outro problema, como fatores de maturação, problemas emocionais, entre outros. Por isso a importância de um acompanhamento psicoterápico para um diagnóstico diferencial e preciso. A enurese pode ser classificada sobre dois aspectos: (1) Como enurese primária, quando nunca houve o controle vesical (da bexiga) e/ou treino ao toalete e a criança apresenta tal desordem, e enurese secundária, quando mesmo após o treino de toalete e/ou aprendizagem do controle vesical a criança começa a apresentar desordem em relação à eliminação do xixi. (2) E como enurese noturna,

4 Página 4 quando a criança apresenta micções involuntárias durante o sono, molhando a cama e enurese diurna, ao fazer xixi involuntariamente durante o dia. É importante ressaltar que tanto na encoprese quanto na enurese, a prevalência é maior em meninos, com proporção de mais ou menos 4 meninos para 1 menina. Vale dizer que é muito comum atendermos na clínica crianças cujos próprios pais tiveram o mesmo problema durante a infância, apontando então a presença para um fator hereditário e também de aprendizagem, visto que os pais são modelos para a criança. Podemos supor que está relacionado ao modo de ensinar e/ou treinar a criança a ir ao banheiro ou mesmo com fatores ambientais presente na vida dela. Em relação aos prejuízos para a criança, em grande parte dos casos, o problema surge como expressão de algum transtorno emocional, como a ansiedade ou mesmo um padrão de comportamentos agressivos e opositores. No geral, como observado em estudos de casos, as crianças acabam por apresentar dificuldades em expressar seus sentimentos, sentem vergonha e evitam se sociabilizar para evitar constrangimentos. Apresentam também uma baixa auto-estima e aos poucos a situação se agrava, dificultando ou mesmo impedindo a ação dos pais, que se vêem sem saber o que fazer nessas situações. Em idade escolar, as crianças começam também se prejudicam, pois podem não querer mais ir à escola ou apresentam comportamentos inadequados que dificultam o ensino. Os pais se preocupam pelo fato de observar que a criança não percebe que fez o xixi e/ou cocô sendo que isto ocorre também durante o dia ou em algum momento de tensão que a criança está vivenciando. Assim, ela mesma esconde o ocorrido por vergonha, culpa e medo da reação das outras pessoas, principalmente de seus pais. Eu aconselho os pais a procurarem ajuda assim que perceberem o problema, visto que, quanto antes essas crianças receberem atenção psicológica e quanto mais a família participar do tratamento, menor a chance de ser tornarem adultos com problemas agravados.

5 Página 5 CONVERSA DE PSICÓLOGO E como funciona a psicoterapia para casos de enurese e encoprese infantil? Para mim, a psicoterapia tem um papel primordial, acho que ela faz-se necessária, juntamente com a intervenção médica (pediatra gastroenterologista) porque em todos os casos, de encoprese ou enurese, há dificuldades emocionais e/ou comportamentais envolvidas. E, podemos observar que causam efeitos consideráveis no desenvolvimento da criança, principalmente pelos seus efeitos negativos sobre a convivência dela com outras crianças e com a própria família. Eu sempre sugiro, em meus atendimentos, o apoio dos pais no processo psicoterápico, eles precisam compreender que muitas vezes a encoprese e enurese estão relacionadas a forma de funcionamento da família. Quando constatado o problema, eu costumo dividir a psicoterapia em duas etapas. A primeira etapa é a orientação parental, uma vez que se os pais não mudarem suas atitudes a criança pode não conseguir mudar também. Eu oriento os pais a mudarem o estilo de vida, focando sempre no que causa stress e mau estar ao filho e que pode estar contribuindo em grande escala para a dificuldade da criança. Lembrando que a questão também não é eliminar o stress ou fazer da vida do filho uma redoma sem problemas, pois isso problemas fazem parte da vida, mas os pais, junto com a criança, precisam aprender a lidar de focar eficiente com os mesmos. Então, saliento que mudando o ambiente ao redor da criança ela também pode apresentar grandes melhoras. Eu não costumo dizer aos pais um tempo específico de duração para o tratamento, porém é de grande importância verificar primeiro qualquer hipótese de ordem biológica, para assim nos focarmos nas questões emocionais propriamente dita. Assim, o tratamento pode ser de 6 meses até 2 ou 3 anos, dependendo do andamento de todas as etapas do processo terapêutico, da colaboração da criança e principalmente da família. Sempre digo à família que ninguém nasce sabendo, e é natural que eles precisem aprender a lidar com várias questões relacionadas ao filho, por isso é fundamental eles buscarem e aceitarem ajuda de um profissional, que os orientem, tire suas dúvidas em relação

6 Página 6 ao problema e lhes dêem ferramentas para trabalhar com a criança. Por fim, ensino os pais alguns sistemas de recompensas de comportamentos adequados dos filhos, pois muitos ainda não sabem como fazer e isso é de cunho fundamental para manter o comportamento desejado da criança. Em termos de recompensa, primeiramente é preciso saber o que realmente agrada o filho e o que está dentro das condições de realização dos pais. De forma que, aos poucos eles parem de punir o filho devido a encoprese e/ou enurese e passem a recompensá-los por vários outros comportamentos adequados. Tento mostrar a eles que educar uma criança não é focar no que ela faz de errado e sim no que ela faz de certo. Ensino os pais a descreverem melhor as regras para criança saber o que é esperado dela, a melhor forma de elogiá-la, a falar assertivamente sobre o que ela fez de errado. Ajudo-os terem empatia pelos filhos: como olhar e sentir o mundo sob o olhar da criança. A segunda etapa do processo terapêutico, também de grande importante, é a intervenção realizada com a própria criança. Eu a ajudo a conhecer seu próprio corpo e compreender melhor seu funcionamento: como ocorre o processo digestório, desde o momento em que o alimento entra na boca até sua eliminação. Para isso utilizo várias estratégias, a depender de cada criança e família - desenhos, livros, jogos, massinha para reprodução do corpo humano e dos órgãos internos, pois entendendo o funcionamento da bexiga e do intestino, por exemplo, a criança poderá entender regras e condições favoráveis para a aprendizagem do fazer xixi e cocô de forma voluntária e em lugar apropriado. Em outro momento busco focar na auto observação da criança, é um treino meticuloso para que a criança passe a reparar no seu próprio corpo, como por exemplo: que sensação tenho quando a bexiga esta cheia? Que sensação tenho quando preciso fazer cocô?. Peço que elas, ou os pais, registrem as evacuações, onde foram, onde estava, quem estava por perto, o que estava acontecendo, o que aconteceu após a evacuação (reação das pessoas) e principalmente o que a criança sentiu. A partir da auto observação desenvolve-se o autoconhecimento que é um prérequisito para o autocontrole, comportamento este essencial para a criança com

7 Página 7 CONVERSA DE PSICÓLOGO encoprese e/ou enurese. Além disso, gosto muito de intervir com a intenção de proporcionar também a expressão de sentimentos, entendendo que isso pode ajudar a diminuir da ansiedade e evitar comportamentos agressivos, muito comuns em crianças com esses problemas. De forma geral é esse meu trabalho nesses casos, mas preciso salientar que estou falando de forma geral, a intervenção depende de quem é, em particular, a criança e a família que estou atendendo, quais suas características, qual a dinâmica de funcionamento, quais suas dificuldades específicas, etc. Cada caso é um caso. Em suma, eu foco meu trabalho na qualidade do relacionamento da família e nas dificuldades particulares de cada criança, por isso é um trabalho muito complexo, porém muito satisfatório. Você poderia encerrar nossa entrevista resumindo seu ponto de vista sobre seu trabalho com crianças? Sim. A psicoterapia infantil pode contribuir para solucionar qualquer tipo de problema que a criança possa ter, mas não depende exclusivamente do esforço da criança e do terapeuta. Pelo contrário, os pais precisam se envolver e estarem dispostos a modificar suas práticas educativas. A terapia da criança só funciona se os adultos responsáveis por ela se propuserem a mudar! Isso é um fato!

8 Página 8 Entrevistadora: Priscilla Araújo Taccola Graduada pela Universidade Estadual de Londrina UEL e Mestre em Psicologia Clínica pela Universidade de São Paulo USP/SP como bolsista Capes tendo como Orientadora a Profª Drª Sonia Beatriz Meyer. Atua como Psicóloga Clínica de Adultos no e como supervisora de Atendimentos Clínicos. Atua também como docente do Centro Universitário Filadélfia, além de ministrar aulas de especialização em Análise do Comportamento. Realiza pesquisas na área de análise de processos terapêuticos e além de ministrar cursos e palestras a comunidade acadêmica como ao público leigo. Rua: Malba Tahan, 420 Londrina Paraná. Fone (43) iacep@iacep.com.br Coordenação editorial: Bruna Aguiar e Laís R. Paes Revisão: Bruna Aguiar e Laís R. Paes Projeto gráfico e diagramação: Laís R. Paes