O exame das carreiras

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1 entrevista: Luiz Carlos Cabrera O exame das carreiras O headhunter e professor da FGV-EAESP Luiz Carlos Cabrera comenta as principais mudanças no mundo das carreiras e destaca pontos essenciais para sua autogestão por Renato Guimarães Ferreira 8 vol.7 nº1 jan/fev 2008

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3 entrevista: Luiz Carlos Cabrera Nos últimos trinta anos, mudanças importantes nas empresas fizeram com que a carreira deixasse de ser um contrato pelo qual o profissional alienava sua autonomia a uma organização em troca de segurança e estabilidade. Esse conceito tradicional deu lugar a uma seqüência de ciclos de realizações que criam energia para a abertura de novas etapas, com desafios mais complexos. Como conseqüência, a carreira torna-se responsabilidade do próprio indivíduo, o qual é então incumbido de gerenciá-la, levando em conta a necessidade de desenvolver um mapa mental global, o equilíbrio entre vida pessoal e profissional e o cuidado com idéias equivocadas muito disseminadas. Há mais de trinta anos você observa, de maneira próxima e atenta, carreiras de executivos no mercado brasileiro e internacional. Quais são as principais modificações que você tem observado na forma como elas são construídas? De 1975 para cá, quando montei, com Luiz Alberto Panelli (outro ex-gv) e Antonio Motta Carvalho, uma empresa especializada em contratações de executivos por abordagem direta, atividade apelidada de headhunting, fomos testemunhas de profundas transformações nas empresas brasileiras e internacionais que alteraram o conceito de carreira dos executivos. Na década de 1970, o profissional tinha um vínculo com uma única empresa, trocando lealdade por segurança. O mercado se aqueceu com o milagre brasileiro, gerando oportunidades de evolução mais rápida nas carreiras mediante mudanças oportunas. Depois tivemos a crise do petróleo e os 20 anos de estagnação do crescimento econômico; nesse período, o mercado provocou os executivos a fazerem trocas forçadas de emprego, devido ao baixo desempenho de algumas empresas e à obsolescência de outras. Dois outros movimentos afetaram as carreiras, tornando-as mais fragmentadas e fazendo com que o velho contrato de troca de lealdade por segurança fosse rasgado: as privatizações e a abertura dos portos feita pelo presidente Fernando Collor. Entramos agora na era da carreira autogerenciada, em um período em que o profissional aprende a ser independente da organização. Ao mesmo tempo, observamos as empresas desenvolvendo práticas de atração e retenção de talentos para criar lugares bons para se trabalhar. O conceito de carreira única transformou-se numa seqüência de ciclos de realizações que criam energia para a abertura de novos ciclos, com desafios mais complexos. 10 vol.7 nº1 jan/fev 2008

4 Não se deve trabalhar mais de cinco anos na mesma empresa. Isso é uma bobagem imensa. Uma carreira depende do fechamento de ciclos de realizações que podem perfeitamente ocorrer numa mesma empresa O que há de comum e o que há de distinto entre as modificações que você observa no mercado brasileiro e as que você observa no mercado internacional? Quando comecei a atuar como headhunter em meados da década de 1970, tínhamos uma defasagem de pelo menos dez anos em relação às práticas do mercado internacional. Viajar para os Estados Unidos ou para Europa era como ir ao futuro numa máquina do tempo. O nosso mercado e o nosso sistema político fechados fizeram com que essa diferença fosse mantida até o final da década de Os novos conceitos de carreira, de fidelidade, de remuneração, já eram praticados lá fora e aqui ainda estávamos trabalhando de forma muito tradicional. A partir de 1990, as empresas brasileiras mergulharam na modernização e na globalização sem nenhuma experiência própria. Há uma grande expansão da literatura voltada para o apoio ao executivo em transição, parte dela inclusive caracterizada como de auto-ajuda. Como você avalia essa literatura? Não sei se concordo com o fato de que existe uma grande expansão da literatura voltada ao apoio do executivo em transição. Na verdade, acho que alguns livros de autoajuda famosos, como O Monge e o Executivo, falam da transição mais ampla que afeta as várias carreiras dos executivos. As carreiras de pai e mãe, de marido e esposa, juntamente com a carreira profissional, passaram e passam por uma transição incrível e daí o sucesso dos livros de auto-ajuda. Eles tratam da transição na vida, e não da transição apenas da carreira profissional. Entretanto, se olharmos os livros sobre carreiras profissionais, estes são raros tanto no mercado internacional como no nosso mercado. O que acontece é que, com a velocidade das transformações, muitos autores estão preferindo publicar artigos e depois organizá-los em livros. Veja o exemplo de uma autora que conheço, Hermínia Ybarra: ela começou publicando artigos para registrar seus conceitos, antes que algum aventureiro se apoderasse deles, e só depois de dois anos é que publicou seu livro: Working Identity. Quais são os mitos com os quais você depara no diálogo com executivos e considera mais danosos para uma gestão bem-sucedida de carreira? Os jovens, tanto quanto os executivos mais experientes, trazem uma coleção de mitos que atravancam um projeto de carreira bem-sucedida. Por exemplo: Não se deve trabalhar mais de cinco anos na mesma empresa. Isso é uma bobagem imensa. gvexecutivo 11

5 entrevista: Luiz Carlos Cabrera As empresas boas para se trabalhar não permanecem cinco anos seguidos sem mudanças, pois, se ficarem, correm o risco de desaparecer Uma carreira depende do fechamento de ciclos de realizações que podem perfeitamente ocorrer numa mesma empresa desde que o executivo esteja sempre disposto e disponível a enfrentar novos desafios. As empresas boas para se trabalhar não permanecem cinco anos seguidos sem mudanças, pois, se ficarem, correm o risco de desaparecer. O que pode servir de alerta é a estagnação da evolução de seus direitos decisórios: estes definidos pelas decisões que são de sua autonomia ou pela sua influência em decisões de nível mais estratégico é que não podem congelar. Outro fator ao qual o executivo deve estar atento é o ato de aprender : parou de aprender, acende-se uma luz amarela. Se persistir por mais tempo sem que as causas sejam claras e administráveis, aí é hora de mudar. Um outro mito é o da condenação podemos observar esse mito em frases como Comecei na Controladoria e vou morrer na Controladoria!. Ora, a transição funcional é hoje cada vez mais viável e estruturada, na medida em que os processos incorporam as funções. Assim, as mudanças de carreira ocorrem dentro dos processos com muita facilidade, ou então na transição dos opostos: no caso desse nosso exemplo, da área de Suprimentos para a área de Vendas. Essas transições são enriquecedoras e nada impossíveis, desde que haja planejamento para que elas de fato ocorram. Em um mundo que se globaliza de maneira rápida e intensa, qual é a importância que você atribui ao processo de expatriação como forma de ganhar experiência internacional? Temos, aqui também, um outro tipo de mito que é importante desfazer. Há pessoas que dizem Só valer a pena fazer carreira em países do primeiro mundo!. O jovem executivo que recebe um convite para trabalhar na Colômbia entende isso muito mais como uma espécie de punição. Na verdade, o mais importante para uma carreira internacional não é a geografia da expatriação, mas sim a criação de um modelo mental global. Isso quer dizer que o profissional deve entender as diferenças e similaridades das várias culturas e estar aberto para aprender sobre cada uma delas. Ir trabalhar em Bogotá, hoje, por exemplo, é ir trabalhar em condições bem diferentes das brasileiras, em um país com crescimento na casa dos 8,5% ao ano. O segredo é perceber e exercitar a capacidade de adaptar-se. Posso dizer que a experiência da expatriação é sempre um salto na carreira, pois traz um conjunto simultâneo de desafios que serve para desenvolver competências (aliás, devo ressaltar que não há outro jeito de desenvolvêlas a não ser enfrentando desafios). No entanto, é importante lembrar que a expatriação não torna o executivo um global. É um bom começo, não há dúvida; mas, na verdade, o essencial é desenvolver um modelo mental global. 12 vol.7 nº1 jan/fev 2008

6 Quais são os critérios que você utiliza para analisar a consistência de uma carreira executiva? Sempre começo avaliando um executivo por sua taxa de empregabili- dade. Observo a atualização de seus conhecimentos e seus esforços para isso. Depois, por meio de uma revisão biográfica, avalio suas principais competências e a qualidade de sua rede de relações, composta ao longo dos anos. Em seguida, a avaliação passa pelos ciclos profissionais: quantos estão fechados, quantos foram interrompidos, quantos estão em processo. Ciclos abertos, sem negociação de fechamento, são sinais claros de inconsistência. Aí então considero os resultados entregues por esse executivo, quer dizer, suas obras prontas. Muitos profissionais têm diversas histórias, mas poucas obras feitas. Depois, faço um passeio pelas outras carreiras: como pai ou mãe, como cidadão, como marido ou esposa. A experiência tem me mostrado que os melhores executivos são seres inteiros e o equilíbrio entre as várias carreiras é um grande sinal de sucesso. Como você vê a separação e a busca de equilíbrio entre vida pessoal e vida profissional? Esse é um dos grandes temas da atualidade. Em primeiro lugar, acho importante dizer que essa pressão dos jovens por uma melhor qualidade de vida não reflete um desejo de trabalhar menos. É injusta e errada essa abordagem. O que eles querem é ser melhores pais e mães, melhores maridos e esposas, e pessoas mais felizes que as da geração que os antecedeu. Não podemos confundir qualidade de vida com ócio. Até porque, se na vida passamos 70% (em média) do tempo em que ficamos acordados trabalhando, a qualidade de vida depende intrinsecamente do trabalho. Então, se você não está feliz no trabalho, sobram apenas 30% do tempo em que ficamos acordamos para você se recuperar e é claro que será difícil você conseguir isso. Outro aspecto importante do equilíbrio é trabalhar adequadamente com os conceitos de tempo e intensidade. Não adianta separar uma hora para seu filho ou seu cônjuge e não estar disposto a interagir de verdade. É a intensidade que sustenta as relações, não o tempo! Não tenho nada contra quem trabalha mais de dez horas por dia, por um período, desde que se negocie isso com os stakeholders principais da sua vida. Como se coloca a questão da felicidade pessoal entre os executivos com os quais você tem convivido ultimamente? Eles se consideram felizes? Depois de ter acesso às últimas pesquisas sobre felicidade de executivos e nas conversas que tenho tido com nossos alunos na FGV-EAESP nos últimos dez anos, acho que a questão nuclear não é propriamente a felicidade, pois este é um conceito muito particular. Conheço executivos que trabalham muito e que são muito críticos em relação às suas outras carreiras. Não são infelizes: estão preocupados em desempenhar melhor todos os seus papéis. Estão preocupados, mas não infelizes; às vezes insatisfeitos com sua performance, mas otimistas em melhorá-la. Não creio que os profissionais sejam infelizes. Eu os vejo atentos, preocupados e às vezes momentaneamente frustrados, mas não infelizes.6 renato guimarães ferreira, professor da FGV-EAESP. renato.ferreira@fgv.br gvexecutivo 13