Imagem da Semana: Eletrocardiograma e Radiografia de tórax



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Transcrição:

Imagem da Semana: Eletrocardiograma e Radiografia de tórax Figura 1: Primeiro eletrocardiograma realizado. Figura 2: Segundo eletrocardiograma realizado.

Figura 3: Radiografia de tórax nas incidências postêro-anterior e perfil. Figura 4: Eletrocardiograma realizado durante episódio de mal estar. Enunciado Paciente masculino, 68 anos, comparece ao Pronto Atendimento com queixa de episódios súbitos e intermitentes de mal estar intenso com borramento visual, sensação de morte iminente e duração de poucos segundos, iniciados há 10 dias, com cerca de 6 episódios por dia. Relata episódio semelhante há 6 meses. É hipertenso, portador de doença de Chagas, asma persistente grave e diabetes mellitus. Ao exame: PA 160/90mmHg, FC 95 bpm, FR 20 irpm, RCR em 2T sem sopros, sons respiratórios normais, abdome livre e sem edemas de MMII. Paciente foi monitorizado, realizou eletrocardiogramas seriados (Imagens 1 e 2) e radiografia de tórax (Imagem 3). Evoluiu com novo episódio de mal estar, registrado por novo ECG (Imagem 4).

Com base na história clínica do paciente e nos exames complementares, é correto afirmar que: a) O paciente é portador de fibrilação atrial paroxística, e a droga de escolha para o controle de frequência é um betabloqueador. b) O episódio de mal estar que foi documentado é devido à taquicardia ventricular, e a cardioversão elétrica deve ser realizada imediatamente. c) O episódio de mal estar que foi documentado é devido à taquicardia ventricular não sustentada, e o tratamento de escolha é Amiodarona. d) O episódio de mal estar que foi documentado é devido à fibrilação atrial de alta resposta ventricular, e a cardioversão elétrica está indicada. Análise das imagens

Imagem 5: Primeiro eletrocardiograma realizado. Ritmo sinusal, FC=85 bpm, com presença de má progressão de R em derivações precordiais e bloqueio completo de ramo esquerdo. Imagem 6: Segundo eletrocardiograma realizado. Presença de fibrilação atrial, FC aprox. 110bpm, má progressão de R em parede anterior e bloqueio completo de ramo esquerdo. Imagem 7: Eletrocardiograma registrado durante episódio de mal estar. Ritmo sinusal procedido de taquicardia ventricular não sustentada. Observe R-R regular, dissociação atrioventricular e duração de aproximadamente 3 segundos, sem sinais clínicos de instabilidade hemodinâmica. Diagnóstico No eletrocardiograma realizado durante episódio de mal estar (Imagem 8), o ritmo é sinusal (ondas P positivas em DI/DII/aVF e negativa em avr) e sucedido por taquicardia de QRS largo, R-R regular e duração aproximada de 3 segundos, sem instabilidade hemodinâmica. Segundo os critérios de Brugada, observa-se dissociação AV, sendo assim

uma taquicardia ventricular não sustentada. O tratamento de escolha da taquicardia ventricular sem instabilidade hemodinâmica em pacientes com doença de Chagas é realizado com amiodarona. A cardioversão elétrica seria indicada se o paciente estivesse instável hemodinamicamente. O paciente é portador de fibrilação atrial paroxística, uma vez que evidenciamos ritmo sinusal (Imagem 1) alternado com fibrilação atrial (Imagem 2). A presença de asma persistente grave contraindica o uso de betabloqueadores. Na fibrilação atrial de alta resposta ventricular observa-se ausência de onda P e intervalo R-R irregular. Discussão A doença de Chagas é uma doença endêmica da América Latina que deve-se à infecção pelo protozoário Trypanosoma cruzi, o qual é transmitido classicamente por meio de fezes infectadas do barbeiro Triatoma sp. O envolvimento cardíaco é a manifestação mais frequente e grave da doença e tipicamente produz taquicardias ventriculares e supraventriculares, insuficiência cardíaca e eventos tromboembólicos. A taquicardia ventricular (TV) é o evento mais temido devido à possibilidade de degeneração para fibrilação ventricular e consequente morte súbita. No eletrocardiograma (ECG) observa-se frequência cardíaca > 100bpm, QRS largo (>120ms) com R-R regular e dissociação atrioventricular. Na presença de instabilidade hemodinâmica (congestão, hipotensão, dor torácica) ou duração maior ou igual a 30 segundos a taquicardia é classificada como sustentada. Nos demais casos é classificada com não sustentada. Em todas as taquicardias de QRS largo os critérios de Brugada (Tabela 1) devem ser aplicados para realizar diagnóstico diferencial com outras taquicardias. Pacientes com instabilidade hemodinâmica deverão ser cardiovertidos eletricamente (CVE) com 150-200J se cardiodesfibriladores bifásicos e 360J se monofásicos. Em pacientes refratários o diagnóstico diferencial deve ser revisto com atenção aos demais tipos de taquicardia (supraventricular, ortodrômica) e possibilidade de TV secundária a alterações hidroeletrolíticas (p.ex. hipercalemia). Logo após a CVE deve-se fazer uso de antiarrítmicos para evitar recidiva (Tabela 2). Em pacientes com TV sem instabilidade hemodinâmica, deve-se utilizar amiodarona ou procainamida (Tabela 2), sendo o primeiro fármaco a opção de escolha em pacientes com doença de Chagas. Nos casos refratários, pode-se realizar CVE.

Se houver dúvida quanto ao diagnóstico diferencial, sempre considerar o paciente como portador de TV. Nesse caso, preconiza-se a administração de procainamida EV se estável e CVE se instável hemodinamicamente. A prevenção de morte súbita (MS) pode ser feita com o uso de amiodarona ou cardiodesfibrilador implantável. Os critérios de indicação estão demonstrados na Tabela 3. Tabela 1 Os Critérios de Brugada - Realizam-se 4 perguntas em ordem para estabelecer o diagnóstico diferencial das taquicardias de QRS largo. A resposta positiva ( sim ) a alguma delas estabelece o diagnóstico de TV. A resposta negativa ( não ) a todas elas estabelece o diagnóstico é TSV. Tabela 2 Tratamento farmacológico da taquicardia ventricular

Tabela 3 Indicações de implantação de CDI para prevenção de morte súbita em pacientes com cardiomiopatia dilatada (doença de Chagas). Aspectos relevantes Doença de Chagas: resultado da infecção pelo Trypanosoma cruzi, é endêmica na América Latina e possui 2 fases, aguda e crônica. Taquicardia ventricular (TV) é evento mais temido da doença cardíaca devido possibilidade de degeneração para fibrilação ventricular e morte súbita. ECG: FC>100bpm, QRS largo (>120ms), R-R regular e dissociação atrioventricular. TV Sustentada: definida pela presença de instabilidade hemodinâmica (congestão, hipotensão, dor torácica) ou duração 30 segundos. O diagnostico diferencial das Taquicardias de QRS largo é realizado pelos critérios de Brugada. (Tabela 1) TV com instabilidade hemodinâmica: CVE com 150-200J (360 se PCR/FV). Se falha terapêutica: rever diagnóstico (TSV? Hipercalemia? Hipercalcemia? Intoxicação Digitálica?). Infundir antiarrítmico após CVE. TV sem instabilidade hemodinâmica: Amiodarona ou Procainamida. Se refratário: CVE. Prevenção de morte súbita: amiodarona ou CDI (ver indicações Tabela 3) Referências - Sarabanda AVL, Sosa E, Simoes MV, Figueiredoa GL, Pintya AO, Marin-Neto JA. Ventricular tachycardia in Chagas disease: a comparison of clinical, angiographic, electrophysiologic and myocardial perfusion disturbances between patients presenting with either sustained or nonsustained forms. International Journal of Cardiology 102 (2005) 9-19

- Rassi A Jr, Rassi A, Rassi SG. Predictors of Mortality in Chronic Chagas Disease : A Systematic Review of Observational Studies. Circulation 2007;115:1101-1108. - Punukollu G, Gowda RM, Khan IA, Navarro VS, Vasavada BC. Clinical aspects of the Chagas' heart disease. International Journal of Cardiology 115 (2007) 279 283 - Wijetunga M, Strickberger SA. Amiodarone versus Implantable Defibrillator (AMIOVIRT): Background, Rationale, Design, Methods, Results and Implications. Cardiac Electrophysiology Review 2003;7:452 456 Responsáveis Daniel Moore Freitas Palhares acadêmico do 11º período de Medicina da FM-UFMG. E-mail: danielmoore2[arroba]msn.com Diógenes Dias Teixeira acadêmico do 11º período de Medicina da FM-UFMG. E-mail: dditeixeira[arroba]yahoo.com.br Orientadora Profª. Milena Soriano Marcolino Clínica Médica, Professora Adjunta do Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Medicina da UFMG. E-mail: milenamarc[arroba]ig.com Revisores Ana Elisa Diniz, André Aguiar Souza Furtado de Toledo e Viviane Parisotto