CAUSAS REDUZÍVEIS DE MORTE PERINATAL EM TRÊS MUNICÍPIOS BRASILEIROS 1

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Transcrição:

CAUSAS REDUZÍVEIS DE MORTE PERINATAL EM TRÊS MUNICÍPIOS BRASILEIROS 1 REDUCIBLE CAUSES OF PERINATAL DEATHS IN THREE BRAZILIAN CITIES Wladithe Organ de Carvalho* Darli Antônio Soares # RESUMO A condição precária da saúde perinatal no Brasil deve ser explicada a partir da qualidade da assistência e das condições de vida da população. A fim de comparar a distribuição e a freqüência de mortes reduzíveis entre os municípios de Maringá, Paiçandu e Sarandi, utilizou-se classificação proposta pela Fundação SEADE para agrupar óbitos perinatais em filhos de residentes, nascidos em 1994 nos hospitais dos três municípios. Os 113 óbitos perinatais seriam reduzíveis em 67,2% dos casos; em 16,8%, parcialmente reduzíveis. A proporção e distribuição de mortes reduzíveis nas cidades-dormitório, bem como a probabilidade de morte lá encontrada, demonstram diferenças socioeconômicas das suas populações quando comparadas a Maringá, e na qualidade da assistência maternoinfantil prestada pelos serviços de saúde. Palavras-chave: Mortalidade perinatal. Óbitos reduzíveis. INTRODUÇÃO A saúde perinatal reflete as condições socioeconômicas e assistenciais a que a população está submetida. Sua condição precária no Brasil deve ser explicada a partir da qualidade da assistência e das condições de vida da população (TANAKA et al., 1989). De forma geral, os fatores de risco não se distribuem homogeneamente entre as classes sociais. As diferenças existentes não se devem apenas a características pessoais e biológicas, mas também à forma como a sociedade se organiza e reparte a renda entre as classes (SOUZA et al., 1988; SILVA et al., 1991). A mortalidade perinatal é considerada como indicador de eficiência reprodutiva de mulheres em idade fértil e da cobertura e qualidade dos serviços de saúde na atenção maternoinfantil, especificamente na assistência à gestação, ao parto e ao recém-nascido (R.N.) (LAURENTI et al., 1975; TANAKA et al., 1989).. A redução desta parcela da mortalidade depende da adoção de ações de saúde voltadas a gestantes e recémnascidos: assistência pré-natal, parto e pós-parto imediato; e da correção de falhas existentes na atenção médica dispensada durante a gravidez, parto e primeiros dias de vida (ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE; ORGANIZAÇÃO PANAMERICANA DA SAÚDE, 1990). Apresentar dados de mortalidade segundo causas de morte possibilita formular diagnósticos de saúde em uma população e elaborar ações destinadas à prevenção de agravos e promoção da saúde; conhecer a causa básica do óbito é uma estratégia para prevenção da causa precipitante da morte (LAURENTI; MELLO JORGE, 1993). Com a municipalização dos serviços de saúde, espera-se que o modelo de atenção à saúde tenha como base o perfil da localidade onde estão 1 * # Estraído da dissertação: Nascidos Vivos e Óbitos Perinatais dos municípios de Maringá, Paiçandu e Sarandi, PR 1994. apresentada ao Curso de Mestrado em Saúde Coletiva na Universidade Estadual de Londrina, PR, em. Enfermeira. Mestre em Saúde Coletiva. Doutoranda em Saúde Pública pela Escola de Saúde Pública da USP. Docente do Departamento de Enfermagem da UEM desde 12 de julho de 1995. Disciplina d eestágio Interdisciplinar. Orientador. Docente do Departamento Materno Infantil e Saúde Comunitária. Universidade estadual de Londrina.

84 Carvalho e Soares implantados esses serviços. Para tanto, é fundamental a existência de sistemas de informações que viabilizem a orientação das ações que estão sendo e/ou que deverão ser desenvolvidas. Sabe-se, no entanto,que os dados não tem significado próprio se desvinculados da realidade em que foram gerados. Sendo assim, descrever o perfil dos óbitos perinatais do município de Maringá, isoladamente, esconderia a verdadeira situação. São os municípios vizinhos - Paiçandu e Sarandi - considerados cidades-dormitórios de Maringá que, sofrendo as influências desta relação, levam em si as contradições que complementam a realidade de saúde de seu município-sede. CARACTERIZAÇÃO DA REGIÃO A região teve sua origem ligada ao ciclo econômico do café, cultura de alta taxa de absorção de mão-de-obra, substituída posteriormente pela pecuária, cultivo da soja e de cana-de-açúcar. Nos anos 1976 a 1978, o intenso processo migratório regional concentrou populações em torno de Maringá e houve extravasamento da urbanização da cidade-pólo, incorporando cidades vizinhas, especialmente Sarandi e Paiçandu. O crescimento do aglomerado veio acompanhado de um forte movimento de periferização, principalmente para as parcelas menos favorecidas da população, introduzindo desigualdades de padrões de urbanização e expressivos déficits de ofertas de serviços e infra-estrutura. Em termos de importância relativa dos municípios na economia da região em estudo, Maringá respondia, em 1989, por grande parte do produto da indústria, pela quase totalidade do setor comercial e de serviços e pela maior participação na renda gerada pelo setor primário, o que demonstra a sua nítida função de pólo prestador de serviços (LAURENTI; MELLO JORGE, 1993). Características Maringá Paiçandu Sarandi População 258.094 habitantes 23.452 habitantes 50.693 habitantes Relação c/ 15ª Regional de Saúde do Paraná 1ª em nº habitantes. Sede 15ª R.S. 4ª em nº habitantes 2ª em nº habitantes Unidades de Saúde 24 unidades 3 unidades 5 unidades Hospitais com leitos obstétricos 1 público, 6 privados 1 privado 1 público Quadro - Características dos municípios no ano de 1994. OBJETIVOS - Classificar os óbitos perinatais de filhos de mulheres residentes em Maringá, Paiçandu e Sarandi, nascidos no ano de 1994 nos hospitais destes municípios, segundo critério de evitabilidade. - Comparar a distribuição e a freqüência de mortes reduzíveis entre os municípios de Maringá, Paiçandu e Sarandi. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS Trata-se de estudo longitudinal prospectivo que teve como população de estudo os filhos de mulheres residentes em Maringá, Paiçandu e Sarandi, nascidos vivos no ano de 1994 nos hospitais destes municípios, cujo óbito tenha ocorrido no período neonatal precoce e os óbitos fetais registrados nos cartórios de Maringá, Paiçandu e Sarandi, e cujo nascimento tenha ocorrido em hospitais destes municípios. Foram incluídos óbitos da primeira semana de 1995 de crianças nascidas em 1994. Excluíram-se os óbitos perinatais ocorridos em 1994 cuja data de nascimento não fosse deste mesmo ano, os óbitos perinatais cujo nascimento não tenha ocorrido nos hospitais destes três municípios e os óbitos fetais que, mesmo registrados como natimortos, ocorreram em idade gestacional inferior a 28 semanas ou com peso inferior a 1000g. Os dados foram obtidos através do Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos (SINASC) e Sistema de Informações em Mortalidade (SIM), cujos arquivos foram disponibilizados pela Secretaria de Saúde de Maringá, 15ª Regional de Saúde do Paraná e Centro de Epidemiologia do Paraná. Outra fonte de dados foram os documentos originais: declarações de óbito e declarações de nascidos vivos, arquivadas na Secretaria de Saúde de Maringá e 15ª Regional de Saúde do Paraná. Criou-se um banco de dados no Programa EpiInfo, importando estas informações do SIM e SINASC. Os dados informatizados foram comparados com os documentos originais: 1a. via das declarações de óbito e das declarações de nascidos vivos, arquivadas na Secretaria de Saúde de Maringá e 15ª Regional de Saúde do Paraná. No caso de erros de digitação foram

Causas reduzíveis de morte perinatal em três municípios brasileiros 85 realizadas as correções no banco de dados criado pelo EpiInfo. Foi calculada a probabilidade de morte perinatal para os três municípios, utilizando-se como numerador o número d as mortes fetais tardias ocorridas em hospitais dos três municípios e as mortes neonatais precoces referentes aos nascidos vivos nestes mesmos hospitais, em 1994, cujas mães residissem em Maringá, Paiçandu e Sarandi; e como denominador, o número de nascidos vivos e natimortos verificado em hospitais dos três municípios, em 1994, cujas mães residissem nestes mesmos municípios. A classificação se deu através da causa básica do óbito. Considerou-se como causa básica do óbito aquela codificada de acordo com a CID-9 por técnicos da Secretaria de Saúde do município e da 15a Regional de Saúde, revista e corrigida pelo Centro de Epidemiologia do Paraná. A seguir foram distribuídos proporcionalmente, segundo classificação proposta pela Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados de São Paulo, (FUNDAÇÃO SEADE, 1991) em reduzíveis, parcialmente reduzíveis e não evitáveis. Definições a) Mortalidade perinatal: mortes ocorridas no período perinatal. b) Período perinatal: período que vai desde a idade gestacional na qual o peso do feto atinge os 1.000g (equivalente a 28 semanas de gestação), até o final do 7 º dia completo de vida (menores de 24 horas, 1 dia, 2 dias..., 6 dias), correspondente a 168 horas. 11 c) Probabilidade de morte perinatal: medida que relaciona os óbitos perinatais de uma geração de nascimentos, com estes mesmos nascimentos, ou seja, com os nascimentos que deram origem à geração de óbitos estudados ( FERREIRA, 1990; SOUZA, 1992; SOUZA; GOTLIEB, 1993). RESULTADOS E DISCUSSÃO Os 113 óbitos perinatais ocorridos na população estudada foram predominantemente hospitalares (95,6%), três mortes ocorreram em domicílio (2,6%) e dois óbitos em via pública (1,8%). Todos eles se deram no município de nascimento, não havendo, portanto, deslocamento intermunicipal em busca de novos recursos. A proporção de natimortos foi de 29,2%; 51,3% das mortes neonatais precoces ocorreram antes de 24 horas de vida. Os nascimentos e óbitos ocorreram, na sua maioria, no município de residência da mãe, exceto no município de Paiçandu onde predominaram os óbitos entre os nascidos em Maringá: 84,6% (11 óbitos), o que já poderia se esperar diante da proporção de 73,2% nascidos vivos de Paiçandu em hospitais de Maringá (CARVALHO; SOARES, 1999). A Probabilidade de Morte Perinatal encontrada na população estudada nos três municípios, foi de 17,5 /1.000 nascimentos, sendo isoladamente, a maior parte delas observadas em Paiçandu, seguido por Sarandi e finalmente, a menor, no município de Maringá (Tabela 1). Tabela 1 - Probabilidade de morte perinatal dos nascimentos em hospitais de Maringá, Paiçandu e Sarandi, em filhos de mulheres residentes nos três municípios 1994. Eventos vitais Maringá Paiçandu Sarandi Total Nascidos vivos 4759 451 1229 6439 Natimortos 21 04 08 33 Total nascimentos 4780 455 1237 6472 Óbitos perinatais 71 13 29 113 Probab. Morte Perinatal 14,9 28,6 23,5 17,5 Fonte: Seção de Epidemiologia - SESA Maringá, Serv. de Epidemiologia - 15 a R.S. Nota: Probabilidade de Morte Perinatal por 1.000 nascimentos. Tabela 2 - Número de óbitos perinatais dos nascimentos em hospitais de Maringá, Paiçandu e Sarandi e distribuição percentual segundo grupos de causa de morte (1), em filhos de mulheres residentes nos três municípios - 1994 Grupos de Maringá Paiçandu Sarandi Total causas de morte (2) n. % n. % n. % n. % Reduzíveis por adequado controle da gravidez (090,760, 773, 037, 05 7,0 - - 05 17,2 10 8,8 771.3) Reduzíveis por adequada atenção ao parto (762,763, 766, 767, 768, 771 20 28,2 06 46,2 07 24,1 33 29,2 exceto 771.3 e 771.8) Reduzíveis por diagnóstico e tratamento precoce (771.8, 520-579, 17 770, 772, 774, 777, 680-709, 775, 23,9 03 23,1 10 34,5 30 26,5 776, 778) Parcialmente reduzíveis (260-269, 16 764, 765, 769) 22,5 01 7,7 02 6,9 19 16,8 Outras reduzíveis (001-009, 276, - 460-519, 800-999) - 02 15,4 01 3,4 03 2,7 Não evitáveis (140-239, 390-459, 03 740-759). 4,2 01 7,7 02 6,9 06 5,3 Desconhecidas (779, 780-796, 798, 03 799) 4,2 - - - - 03 2,7 Outras causas (restante dos códigos) 07 9,9 - - 02 6,9 09 8,0 Total 71 100,0 13 100,0 29 100,0 113 100,0 Fonte: Seção de Epidemiologia - SESA Maringá, Serviço de Epidemiologia - 15a R.S. (1) Classificação da Fundação SEADE (Bibliografia n. 30) (2) Os números entre parênteses correspondem aos códigos de causas de morte estabelecidos pela CID- 9 a revisão

86 Carvalho e Soares Utilizando a classificação de causas evitáveis proposta pela Fundação SEADE, 67,2% dos óbitos perinatais foram classificados como reduzíveis, 16,8% como parcialmente reduzíveis e 5,3% como não evitáveis. Predominaram as mortes reduzíveis por adequada atenção ao parto e por diagnóstico e tratamento precoce (Tabela 2). Em Maringá, onde 59,2% dos óbitos perinatais foram classificados como reduzíveis, os resultados indicam falhas principalmente na assistência ao parto e ao R.N. Entre eles, 7,0% poderiam ter sido evitados por adequado controle da gravidez, incluindo-se neste grupo 01 caso de sífilis congênita e 01 caso de sífilis materna. Em Paiçandu, a proporção de mortes evitáveis foi superior à de Maringá (84,6%), mas não houve óbitos classificados como reduzíveis por adequado controle da gravidez. Entre os óbitos reduzíveis por diagnóstico e tratamento precoce, está 01 óbito por síndrome do filho de mãe diabética. Em Sarandi, dentre os 79,2% de mortes reduzíveis, as deficiências na atenção ao parto foram proporcionalmente inferiores às dos demais municípios; destacou-se, entretanto, a atenção pré-natal deficiente, bastante elevada quando comparada a Maringá e Paiçandu: 17,2% poderiam ser reduzidos por adequado controle da gravidez, sendo 13,8% dos óbitos perinatais devidos a transtornos maternos hipertensivos. As elevadas proporções de mortes evitáveis dos três municípios demonstram inadequada assistência ao pré-natal, parto e R.N. A probabilidade de morte perinatal e as proporções de mortes reduzíveis mais elevadas nas cidadesormitório refletem a interferência das desigualdades sociais entre suas populações. No que diz respeito ao uso da mortalidade perinatal como indicador da cobertura e qualidade dos serviços de saúde na atenção maternoinfantil, o município de Sarandi destacou-se entre os demais municípios pela proporção de mortes reduzíveis por adequado controle da gravidez, o que demonstra existirem diferenças (quantitativas ou qualitativas) na assistência pré-natal entre estas populações. Para o diferencial existente entre a probabilidade de morte perinatal de Sarandi e a de Maringá, poderia afirmar-se que existem diferenças entre os serviços de saúde dos dois municípios, mediadas, inclusive, pelas diferenças socioeconômicas entre as populações. Quanto a Paiçandu, pelo fato de 73,0% de seus nascimentos terem acontecido em Maringá, não é possível explicar o valor observado somente por comparações entre os municípios. Verifica-se inicialmente a carência de leitos obstétricos que atinge a população residente em Paiçandu e sua dependência do município de Maringá, no que diz respeito a serviços de saúde. A maior probabilidade de morte perinatal e freqüência mais elevada de óbitos reduzíveis neste município podem estar refletindo as diferenças existentes entre os serviços de saúde ou tipos de financiamento utilizados pelas mães de Paiçandu (SUS, convênios, etc.) e, consequentemente, a baixa qualidade da atenção prestada pelos serviços de saúde de Maringá a esta população diferenciada economicamente. Também neste caso, os diferenciais seriam mediados por fatores socioeconômicos. Assim como há desigualdades na sociedade, elas também existem nos serviços de que a sociedade dispõe (PEREIRA, 1995), pois as práticas institucionais e o consumo de assistência à saúde não são autônomos, independentes e desvinculados do meio social onde se inserem (ALVARENGA, 1992). Mesmo a distribuição dos serviços de saúde é desigual, reproduzindo e reforçando, na saúde, as desigualdades sociais inerentes à dinâmica das sociedades capitalistas (BARROS, 1997, p. 162). Portanto, em última instância todos os fenômenos envolvidos na mortalidade perinatal teriam a mesma determinação. Além disso, existem falhas estruturais na rede de serviços que presta atendimento à população. Como afirmaram Tanaka et al. (1989, p. 73): Apesar de existirem definições de políticas de saúde, não foram criados mecanismos para integrar os organismos que realizam assistência pré-natal ao parto - o que favorece a segmentação da atenção à saúde mãefilho, por impedir a visão do processo reprodutivo em sua totalidade - e

Causas reduzíveis de morte perinatal em três municípios brasileiros 87 também leva a um maior risco de adoecer e morrer. CONCLUSÃO A mortalidade perinatal nos municípios estudados foi influenciada basicamente pelas condições sociais que determinam o acesso aos serviços e à sua utilização, bem como pelas as características biológicas importantes para a sobrevida. Medidas que visem à promoção da saúde e à transformação da sociedade brasileira devem ser tomadas com coragem e determinação. Algumas delas seriam: melhoria da qualidade de vida da população e de seu nível sócioeconômico; formas de desenvolvimento mais justas e eqüitativas; melhor distribuição de renda; acesso à alimentação emprego, moradia, educação e outros fatores - ações que vão além do setor saúde e necessitam ser planejadas com urgência. Entretanto, mesmo sendo limitado pelas condições da população, sabe-se que este setor pode contribuir para a melhoria das condições de saúde, através de ações coletivas ou individuais. A educação em saúde; ações intersetoriais, integração entre diversas áreas de conhecimento para prevenção de riscos; a melhoria da qualidade dos serviços de saúde que considere a qualificação dos recursos humanos e a humanização da assistência; a assistência prénatal quantitativa e qualitativamente adequada; o acesso oportuno ao local do parto e a garantia de condições seguras para sua realização; a atenção imediata e de qualidade ao R.N. são desafios colocados há tempo. Finalmente, ressalte-se que, para haver monitoramento dos indicadores de saúde, é necessário investir na melhoria da qualidade da informação, tanto no preenchimento dos documentos (D.O. / D.N.) quanto em sua correção, codificação e digitação. REDUCIBLE CAUSES OF PERINATAL DEATHS IN THREE BRAZILIAN CITIES ABSTRACT The precarious conditions of perinatal health in Brazil must be explained from the quality of the assistance and of the life conditions of the population. In order to compare the distribution and the frequency of reducible deaths among the cities named, Maringá, Paiçandu and Sarandi, it was used a classification proposed by the SEADE Foundation to group perinatal obits in children born in 1994 in hospital of the three cities and still living there. From 113 perinatal obits, 67,2% would be reducible; 16,8%, partially reducible. The proportion and distribution of the reducible in the dormitory cities, as well in the probability of death found there, show socio-economic differences of their populations when compared with the population from Maringá, and also in the quality of motherly-assistance provided by the health services. Key words: Perinatal mortality. Reducible obits. REFERÊNCIAS ALVARENGA Augusta Thereza. Investigação interdisciplinar em mortalidade materna: contribuição da abordagem sociológica. In: SIMPÓSIO FRANCO- BRASILEIRO SOBRE PREVENÇÃO DA MORTALIDADE MATERNA COM ÊNFASE NA GRAVIDEZ NA ADOLESCÊNCIA, São Paulo. Anais... São Paulo, Universidade de São Paulo, 1992. p.189-95. BARROS, Marilisa Berti de Azevedo. Epidemiologia e superação das iniqüidades em saúde. In: BARATA R.B. et al. (Org.). Equidade e saúde: contribuições da epidemiologia. Rio de Janeiro: Fiocruz/ABRASCO, 1997. p.161-76. (Série EpidemioLógica, 1) CARVALHO, W. O. Nascidos Vivos e Óbitos Perinatais dos municípios de Maringá, Paiçandu e Sarandi, PR 1994. Dissertação (Mestrado em Saúde Coletiva). Universidade Estadual de Londrina, 1997. CARVALHO, Wladithe Organ de; SOARES, Darli Antônio. Perfil dos nascidos vivos.residentes em Maringá, Paiçandu e Sarandi no ano de.1994. Cadernos da Saúde, Maringá, número especial, p.14-19, dez.1999. FERREIRA, Carlos Eugênio de Carvalho. Mortalidade infantil e desigualdade social em São Paulo, 1990. Tese (Doutorado em Saúde Pública) - Faculdade de Saúde Pública, Universidade de São Paulo, 1990. FUNDAÇÃO SEADE. A mortalidade infantil em São Paulo no primeiro semestre de 1990. Conjuntura demográfica, São Paulo, n.14/15, p. 35-161, jan./jun. 1991. LAURENTI, Ruy. et al. Mortalidade perinatal em São Paulo, Brasil. Revista de Saúde Pública, São Paulo, v. 9, n. 2, p. 115-124. jun. 1975. LAURENTI, Ruy; MELLO JORGE, Maria Helena Prado de. O atestado de óbito. São Paulo: MS/USP, 1993. (Série Divulgação, 1).

88 Carvalho e Soares ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE SAÚDE; ORGANIZAÇÃO PANAMERICANA DA SAÚDE. Las condiciones de salud en las Américas. Washington, DC, 1990. v. 1, p. 55-71a. (Publicación Científica, 254). ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE SAÚDE; ORGANIZAÇÃO PANAMERICANA DA SAÚDE. Manual da classificação estatística internacional de doenças: 9. ed. rev. São Paulo, 1980. v.1. PEREIRA, Maurício Gomes. Epidemiologia: teoria e prática. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 1995. SILVA, Antônio A. Moura da; et al. Saúde perinatal: baixo peso e classe social.. Revista de Saúde Pública, São Paulo, v. 25, n. 2, p.87-95, abr. 1991. SMC - CONSULTORES ASSOCIADOS S/C LTDA. Plano estratégico de desenvolvimento regional. Metroplan. Maringá, 1991. (Mimeografado). SOUZA, Maria de Lourdes R. de; et al. Estudo sobre nascidos-vivos em maternidades 1 - Peso ao nascer, sexo, tipo de nascimento e filiação previdenciária da mãe. Revista de Saúde Pública, São Paulo, v.22, n.6, p. 489-93, dez. 1988. SOUZA, Regina Kazue Tanno de. Mortalidade infantil e sub-registro de nascidos vivos, no município de Maringá - PR, em 1989, 1992. Dissertação (Mestrado em Saúde Pública) - Faculdade de Saúde Pública, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1992. SOUZA, Regina Kazue Tanno de. Mortalidade infantil no município de Maringá - PR: evolução nos anos 80, características atuais, 1990. Mestrado em Saúde Pública - Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo. (Projeto). SOUZA, Regina Kazue Tanno de; GOTLIEB, Sabina Léa Davidson. Probabilidade de morrer no primeiro ano de vida em área urbana da Região Sul, Brasil. Revista de Saúde Pública, São Paulo, v. 27, n. 6, p. 445-454, dez. 1993. TANAKA, Ana C. d Andreatta et al. Situação de saúde materna e perinatal no Estado de São Paulo, Brasil. Revista de Saúde Pública, São Paulo, v. 23, n. 1, p. 67-75. fev. 1989. Endereço para correspondência: Universidade Estadual de Maringá. Departamento de Enfermagem. CEP: 87020-900. Maringá PR.