Mortalidade Infantil: Afecções do Período Perinatal
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1 Mortalidade Infantil: Afecções do Período Perinatal Samuel Kilsztajn, Dorivaldo Francisco da Silva, André da Cunha Michelin, Aissa Rendall de Carvalho, Ivan Lopes Bezerra Ferraz Marcelo Bozzini da Camara * resumo: A taxa de mortalidade infantil para menores de 1 ano foi paulatinamente reduzida no Brasil em decorrência da redução da taxa de fecundidade e das medidas de combate às doenças infecto-parasitárias. O atual desafio para a sociedade brasileira é a redução do número de óbitos por afecções do período perinatal que atingem essencialmente os nascidos vivos com baixo peso ao nascer e que refletem as deficiências da assistência pré-natal, ao parto e ao recém-nascido. O presente trabalho estima a taxa de mortalidade específica por afecções do período perinatal e, particularmente, a taxa de mortalidade infantil para crianças com baixo peso ao nascer e a taxa de mortalidade específica por afecções do período perinatal de crianças com baixo peso ao nascer como probabilidades de sobrevivência de nascidos vivos com baixo peso. Considerando que a assistência ao recém-nascido com afecções do período perinatal apresenta elevados custos financeiros, o artigo recomenda a elevação da cobertura e o aprimoramento da assistência pré-natal que permite enfrentar o problema em sua raiz, facilitando a detecção e reduzindo o número de nascidos vivos com baixo peso ao nascer. 1. Introdução A taxa de mortalidade infantil para menores de 1 ano foi paulatinamente reduzida no Brasil em decorrência da redução da taxa de fecundidade e das medidas de combate às doenças infecto-parasitárias. 1,2 A partir da análise dos dados da pesquisa nacional da BEMFAM 3 pode-se concluir que o atual desafio para a sociedade brasileira * do Laboratório de Economia Social - LES/Programa de Estudos Pós Graduados em Economia Política/PUCSP.
2 S.Kilsztajn/D.F.Silva/A.C.Michelin/A.R.Carvalho/I.L.B.Ferraz/M.B.Câmara/LES/PUCSP 2 é a redução do número de óbitos por afecções do período perinatal que atingem essencialmente os nascidos vivos com baixo peso ao nascer e que refletem as deficiências da assistência pré-natal, ao parto e ao recém-nascido. A taxa de mortalidade específica por afecções do período perinatal divulgada pelo IDB 4 para 1997, que utiliza os óbitos do, está consideravelmente subestimada. O presente trabalho, a partir do cruzamento das estimativas do IBGE para a taxa de mortalidade infantil de menores de 1 ano e dos registros do SINASC e do SIM, estima a taxa de mortalidade específica por afecções do período perinatal. O trabalho estima também a taxa de mortalidade infantil para os nascidos vivos com baixo peso e a taxa de mortalidade específica por afecções do período perinatal para as crianças com baixo peso ao nascer. Como o objetivo da pesquisa é estimar a probabilidade de sobrevivência dos nascidos vivos com baixo peso, o denominador utilizado para o cálculo destas taxas foi o número de nascidos vivos com baixo peso, alternativamente ao número total de nascidos vivos. O artigo apresenta também as estatísticas hospitalares 5 disponíveis para as afecções do período perinatal e, considerando que a assistência ao recém-nascido com afecções do período perinatal implica em elevados custos financeiros, recomenda a elevação da cobertura e o aprimoramento da assistência pré-natal que permite enfrentar o problema em sua raiz, facilitando a detecção e reduzindo o número de nascidos vivos com baixo peso ao nascer. 2. Material e Método a) taxa de mortalidade infantil (TMI<1) Para a taxa de mortalidade infantil de menores de 1 ano foram utilizadas as estimativas do IBGE 6 para o período que corrigem tanto as sub-notificações de nascidos vivos como de óbitos com base nos Censos Demográficos e nas Pesquisas Nacionais por Amostras de Domicílios (PNAD). Em 1997, segundo as estimativas do IDB, a sub-notificação atingia 13% dos nascidos vivos e 45% dos óbitos de menores de 1 ano. b) taxa de mortalidade específica por afecções do período perinatal (TMEAPP) Os óbitos para menores de 1 ano do Sistema de Informações sobre Mortalidade - SIM 7 para o período , embora com sub-notificação, podem ser utilizados para
3 Mortalidade Infantil: Afecções do Período Perinatal 3 estimar a mortalidade infantil proporcional. Para o cálculo da taxa de mortalidade específica por afecções do período perinatal, utilizamos a participação dos óbitos por afecções do período perinatal (APP) no total de óbitos de menores de 1 ano e a taxa de mortalidade infantil estimada pelo IBGE. TMEAPP = ÓbitosAPP / Óbitos<1. TMI<1 c) baixo peso ao nascer O IDB, a partir do número informado de nascimentos do Sistema Nacional de Nascidos Vivos - SINASC 8, calcula a proporção de nascidos vivos com baixo peso (NVBP). Em 1997, o peso ao nascer consta de 98% dos registros do SINASC. Para estimar a proporção de óbitos de NVBP, utilizamos os dados do SIM. Para 1997, o SIM informa o peso ao nascer de 46% do total de óbitos registrados de menores de 1 ano. Especificamente para os óbitos por afecções do período perinatal, o peso ao nascer consta em 60% dos registros. Os óbitos por APP de NVBP correspondem a 80% do total de óbitos de NVBP. d) taxa de mortalidade infantil para NVBP (TMINVBP) e taxa de mortalidade específica por APP para NVBP (TMEAPPNVBP) Tanto a taxa de mortalidade infantil para NVBP como a taxa de mortalidade específica por APP para NVBP foram calculadas utilizando-se como denominador o número de nascidos vivos com baixo peso, alternativamente ao número total de nascidos vivos. O procedimento adotado tem como objetivo estimar a probabilidade de sobrevivência de uma criança nascida viva com baixo peso. A taxa de mortalidade infantil para NVBP em 1997 foi estimada a partir da proporção de óbitos de NVBP e da proporção de NVBP aplicadas à TMI<1. TMINVBP = %ÓbitosNVBP / %NVBP. TMI<1 Para a estimativa da taxa de mortalidade específica por afecções do período perinatal para NVBP, dispomos da proporção de óbitos por APP de NVBP (APPNVBP), mas não possuímos o percentual de NVBP com APP. Para contornar o problema, no lugar do percentual de NVBP com APP, utilizamos a proporção de NVBP. As proporções selecionadas foram aplicadas à taxa de mortalidade específica por afecções do período perinatal.
4 S.Kilsztajn/D.F.Silva/A.C.Michelin/A.R.Carvalho/I.L.B.Ferraz/M.B.Câmara/LES/PUCSP 4 TMEAPPNVBP = %ÓbitosAPPNVBP / %NVBP. TMEAPP Devido ao problema acima citado com o denominador para a TMEAPPNVBP, apresentamos também, a partir do Sistema de Informações Hospitalares SIH 9, a taxa de mortalidade hospitalar na Rede/SUS das afecções do período perinatal por crescimento fetal retardado, má nutrição fetal e prematuridade. Para efeito de comparação, foram também calculadas a taxa de mortalidade infantil para os nascidos vivos com peso igual ou maior que 2500 gramas (NV J estimada a partir da proporção de óbitos de NV J H GD SURSRUoão de NV J aplicadas à TMI<1 e a taxa de mortalidade específica por afecções do período perinatal para os nascidos vivos com peso igual ou maior que 2500 gramas, estimada a partir da proporção de óbitos por APP de NV JHGDSURSRUoão de NV JDSOLFDGDVà TMEAPP. e) internações/sus Em relação às internações na Rede/SUS, a partir do SIH, utilizamos o número de internações, dias de permanência, diárias de UTI, valor total pago pelo SUS em dólares correntes e número de óbitos hospitalares em A partir destes dados foram calculadas as médias diárias e médias por internação para as afecções do período perinatal e para as demais causas de morbidade e mortalidade de menores de 1 ano. 3. Resultados e Discussão A taxa de mortalidade infantil para menores de 1 ano no Brasil foi paulatinamente reduzida de 86 óbitos p/1.000 nascidos vivos em 1980 para 37 em Entretanto, quando desdobramos a taxa de mortalidade infantil em taxa de mortalidade específica por afecções do período perinatal e para as demais causas, verifica-se a relativa relutância dos óbitos por afecções do período perinatal em relação às demais causas de morbidade e mortalidade. Enquanto a taxa de mortalidade específica por afecções do período perinatal oscilou entre 26 e 17 no período analisado (com 19 óbitos p/1.000 nascidos vivos em 1997), a taxa para as demais causas por nascidos vivos apresentou queda acentuada de 61 em 1980 para 17 em 1997, basicamente em decorrência da redução da taxa de fecundidade e das medidas de combate às doenças
5 Mortalidade Infantil: Afecções do Período Perinatal 5 infecto-parasitárias que incluem saneamento básico, cobertura vacinal, orientação para reidratação oral etc. (ver gráfico 1). De acordo com a UNICEF 10, as taxas de mortalidade infantil do Brasil são extremamente elevadas tanto para o padrão internacional como para o padrão latinoamericano. As estimativas da UNICEF para as taxas de mortalidade infantil de menores de 1 ano por nascidos vivos em 1996 eram de 4 para o Japão, 5 para a França, 8 para os Estados Unidos, 11 para o Chile, 22 a 27 para a Argentina, Venezuela, Colômbia e México e 44 para o Brasil. Considerando-se a estrutura da mortalidade infantil no país, o atual desafio para a sociedade brasileira é a redução do número de óbitos por afecções do período perinatal. Três a cada quatro óbitos por afecções do período perinatal de menores de 1 ano em 1997 correspondiam a crianças que apresentavam baixo peso ao nascer, isto é, peso inferior a 2500 gramas (ver tabela 1). Esta proporção é extremamente significativa, principalmente se considerarmos que a proporção de nascidos vivos com baixo peso ao nascer era de 8% em A pesquisa nacional da BEMFAM registra 9% de nascidos vivos com baixo peso ao nascer entre o total de nascimentos com peso informado para o período e a UNICEF estima a proporção de nascidos vivos com baixo peso em 11% no Brasil entre 1990 e 1994 (indicador extremamente elevado se considerarmos que, para o mesmo período, as estimativas da UNICEF para a Venezuela e a Colômbia eram de 9%; México 8%; Argentina, Estados Unidos e Japão 7%; Chile e França 5%). A taxa de mortalidade infantil no Brasil estimada pelo IBGE para menores de 1 ano registrava 37 óbitos p/1.000 nascidos vivos em Entretanto, para os nascidos com peso igual ou maior que 2500 gramas, a taxa era 14 p/1.000 nascidos vivos com peso Je, para as crianças com baixo peso ao nascer, a taxa registrava 305 óbitos para cada nascidos vivos com baixo peso (22 vezes a taxa dos primeiros). Para as afecções do período perinatal, a taxa de mortalidade específica registrava 19 óbitos p/1.000 nascidos vivos em Para os nascidos com peso igual ou maior que 2500 gramas, esta taxa era 5 p/1.000 nascidos vivos com peso JHSDUDDV crianças com baixo peso ao nascer, a taxa de mortalidade específica por afecções do período perinatal registrava 188 p/1.000 nascidos vivos com baixo peso, isto é, 36 vezes a taxa de mortalidade específica por afecções do período perinatal dos nascidos com peso igual ou maior que 2500 gramas.
6 S.Kilsztajn/D.F.Silva/A.C.Michelin/A.R.Carvalho/I.L.B.Ferraz/M.B.Câmara/LES/PUCSP 6 A taxa de mortalidade hospitalar na Rede/SUS das afecções do período perinatal por crescimento fetal retardado, má nutrição fetal e prematuridade atingiu 180 óbitos por internações em 1997 (8.753 óbitos e internações). A título de comparação, a partir dos dados da pesquisa realizada por ALMEIDA e JORGE 11, podemos também calcular a taxa de mortalidade neonatal (0 a 27 dias) para os Pequenos para a Idade Gestacional (PIG) e/ou pré-termo nos hospitais do Município de Santo André em Dentre os 2251 nascidos vivos e 48 óbitos no período neonatal, 318 crianças nasceram PIG e/ou pré-termo, das quais 39 faleceram. A taxa de mortalidade neonatal dos PIG e/ou pré-termo, 123 por nascidos vivos PIG e/ou pré-termo era 26 vezes a taxa dos não PIG não pré-termo, 5 por nascidos vivos não PIG não pré-termo. A relutância dos óbitos por afecções do período perinatal, que atingem essencialmente os nascidos vivos com baixo peso ao nascer, reflete as deficiências da assistência pré-natal, ao parto e ao recém-nascido. As afecções do período perinatal foram responsáveis por 335 internações diárias na Rede/SUS em 1997 que registraram, em média, 10 dias de permanência no hospital e 2 dias na UTI. Estas médias são significativamente altas, respectivamente 1,8 e 5,9 vezes as médias de permanência verificadas para as demais causas de morbidade e mortalidade de menores de 1 ano (5,7 e 0,3 dias ver tabela 2). O valor total por internação para as afecções do período perinatal em 1997, US$438,45, era 1,7 vez o valor total por internação para as demais causas e, embora representassem 16% do número de internações, as afecções do período perinatal foram responsáveis por 40% dos óbitos hospitalares de menores de 1 ano na Rede/SUS. De acordo com a pesquisa da BEMFAM (1997: 104), 19% das mães de nascidos vivos no Brasil entre 1992 e 1996 não contaram com assistência médica no pré-natal. No Norte e no Nordeste do país este percentual alcançava respectivamente 32% e 34%. A pesquisa da BEMFAM também estima a taxa de mortalidade infantil para o Brasil no período segundo o atendimento médico. Enquanto a taxa de mortalidade infantil para menores de 1 ano era de 48 p/1.000 nascidos vivos, a taxa para nascidos vivos de mães que contaram com atendimento médico no pré-natal e no parto registrava 20 p/1.000; com atendimento médico no pré-natal ou no parto a taxa de mortalidade alcançava 63 p/1.000; e sem atendimento médico no pré-natal e no parto a taxa de mortalidade atingia 207 p/1.000 (BEMFAM, 1997: 99).
7 Mortalidade Infantil: Afecções do Período Perinatal 7 4. Considerações Finais Para a continuidade do processo de queda da taxa de mortalidade infantil o Brasil necessita reduzir o número de óbitos por afecções do período perinatal que atingem essencialmente os nascidos vivos com baixo peso ao nascer e que refletem as deficiências da assistência pré-natal, ao parto e ao recém-nascido. A assistência ao recém-nascido com afecções do período perinatal apresenta elevados custos financeiros e a maior parte dos nascimentos (e óbitos) de crianças com baixo peso ao nascer poderia ser evitada pelo acompanhamento e orientação das gestantes. O atendimento médico no pré-natal é bastante precário no país, principalmente na região Norte-Nordeste. Considerando-se a atual estrutura da mortalidade infantil do Brasil, a elevação da cobertura e o aprimoramento da assistência pré-natal permitiria reduzir a elevada proporção de nascidos vivos com baixo peso em sua raiz, facilitando a detecção das gestações com desenvolvimento insatisfatório e reduzindo o número de nascidos vivos com baixo peso ao nascer e os decorrentes óbitos por afecções do período perinatal. Gráfico 1 - Taxa de Mortalidade Infantil (<1) - Brasil (p/1.000 nascidos vivos) demais causas afecções do período perinatal
8 S.Kilsztajn/D.F.Silva/A.C.Michelin/A.R.Carvalho/I.L.B.Ferraz/M.B.Câmara/LES/PUCSP 8 Tabela 1 - Peso ao Nascer e Taxa de Mortalidade Infantil Brasil/1997 < 2500g 2500g total índice (a) (b) (c)=(a+b) (a/b) peso ao nascer (em percentagem) nascidos vivos óbitos (< 1 ano) óbitos APP* taxa de mortalidade (p/1.000 nascidos vivos) infantil(< 1 ano) específica APP* Fonte: elaborado a partir dos dados do SINASC, SIM e IBGE. * afecções do período perinatal. Tabela 2 - Internações na Rede/SUS (< 1ano) - Brasil/1997 APP* demais total índice (a) (b) (c)=(a+b) médias diárias (a)/(c) número de internações % número de leitos ocupados % diárias de UTI % valor total (US$) % óbitos hospitalares % médias por internação (a)/(b) dias de permanência diárias de UTI valor total (US$) Fonte: elaborado a partir dos dados do SIH. * afecções do período perinatal.
9 Mortalidade Infantil: Afecções do Período Perinatal 9 Referências Bibliográficas 1 SIMÕES, C.C.S., OLIVEIRA, L.A.P. A saúde infantil no Brasil nos anos 90. Rio de Janeiro: IBGE/DPE/DPIS, MONTEIRO, C.A., NAZÁRIO, C.L. Declínio da mortalidade infantil e equidade social: o caso da cidade de São Paulo entre 1973 e In: MONTEIRO, C.A. (org.). Velhos e novos males da saúde no Brasil. São Paulo: Hucitec, BEMFAM. Pesquisa nacional sobre demografia e saúde Rio de Janeiro, IDB. Indicadores de dados básicos - Brasil Brasília: Ministério da Saúde, disponível: A taxa de mortalidade específica por afecções do período perinatal para menores de 1 ano do IDB (capturada via internet em 26 de março de 2000) era de 10,87 por nascidos vivos em LEBRÃO, M.L. Estudos de morbidade. São Paulo: EDUSP, No capítulo 3 o livro apresenta uma discussão pormenorizada das estatísticas e indicadores hospitalares. 6 IBGE. Taxas de mortalidade infantil por grandes regiões Rio de Janeiro: IBGE/DPE/DPIS/DIEAD, SIM. Sistema de informações sobre mortalidade. Brasília: Ministério da Saúde, CD- ROM e disponível: SINASC. Nascidos vivos. Brasília: Ministério da Saúde, disponível: SIH. Movimento de autorização de internação hospitalar. Brasília: Ministério da Saúde, CD-ROM e disponível: UNICEF. The state of the world s children. New York: UNICEF, ALMEIDA, M.F., JORGE, M.H.P.M. Pequenos para idade gestacional: fator de risco para mortalidade neonatal. Revista de Saúde Pública, São Paulo v.32, n.3, O artigo analisa especificamente a freqüência de nascimentos e óbitos de PIG em relação ao período de parto, número de filhos, idade e grau de instrução da mãe.
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