Refletindo sobre ética e justiça a partir de contos literários: proposta de projeto Fabiana Fontoura Candido Gabriela Klaus Jéssica Oleques Rodrigues Apresentamos um projeto elaborado para turmas do ensino médio, a partir do primeiro ano, que visa investigar os conceitos abstratos de ética e justiça 1 através da literatura. Entendemos que o trabalho realizado em sala de aula deve estar relacionado às: [...] finalidades atribuídas ao ensino médio: o aprimoramento do educando como ser humano, sua formação ética, desenvolvimento de sua autonomia intelectual e de seu pensamento crítico, sua preparação para o mundo do trabalho e o desenvolvimento de competências para continuar seu aprendizado. (BRASIL, 2006, p.7). Esse projeto se relaciona também à busca de práticas que propiciem a formação humanista e crítica do aluno, que estimulem a reflexão sobre o mundo [...] e objetiva criar espaço de vivência e cultivo de emoções e sentimentos humanos (Brasil, 2006, p.33). Assim, há a intenção de propiciar aos alunos uma experiência literária centrada no estranhamento a partir dos textos propostos, problematizando conceitos por meio da identificação catártica 2. Os textos serão trabalhados da seguinte forma 3 : 1 Entendemos ética neste projeto como o conjunto de ações compreendidas como adequadas e justas necessárias para viver em uma determinada sociedade; justiça, por sua vez, aparece aqui como uma ação adotada para reparar a falta de ética ou uma ação inadequada. Vários autores discutem a diferença entre ética e moral, e este projeto ganharia uma contribuição incrível com um trabalho interdisciplinar com a Filosofia. 2 Essa identificação entende que o leitor é capaz de estabelecer uma relação com o texto e produzir a partir dele, preservando a dimensão estética da leitura (PITOMBO et al, 2000, p.193). 3 Adaptado dos Referenciais Curriculares do Rio Grande do Sul (2009, p.51-60). paginas.ufrgs.br/revistabemlegal REVISTA BEM LEGAL Porto Alegre v. 6 nº 2 2016 413
Preparação para a leitura: mobilização do que os alunos sabem sobre o tema do texto; Leitura do texto: primeiramente silenciosa. Estudo do texto: o texto é analisado mais especificamente dentro de seu lugar social; visa à ação interpretativa, além da reflexão sobre a língua e os recursos linguísticos; Produção textual: é o momento da reflexão do aluno sobre o tema; pode ser oral ou escrita. Desenvolvimento O cronograma abaixo apresenta as tarefas propostas para aulas com duração de 2 períodos de 50 minutos cada 4 : Tabela 1: cronograma de tarefas a serem realizadas ao longo do projeto Aula 1 Leitura de Um cinturão, de Graciliano Ramos. Debate prévio; análise linguística e textual. Aula 2 Leitura de Negrinha, de Monteiro Lobato. Pesquisa sobre a escravidão no Brasil; estudo do texto e apresentação de tópicos relacionados a ele. Aula 3 Produção textual. Mediação da produção textual a partir de duas opções de tarefa. 4 A avaliação será realizada a partir da participação dos alunos nas tarefas propostas em aula, considerando a escrita e a(s) reescrita(s) da produção textual. paginas.ufrgs.br/revistabemlegal REVISTA BEM LEGAL Porto Alegre v. 6 nº 2 2016 414
Aula 1 Preparação para a leitura: Cada grupo receberá as seguintes questões: Tabela 2: questões para debate pré-leitura a) Vocês são a favor ou contra castigos físicos? b) Vocês acham que esses castigos são uma forma válida de educar? Eles têm efeito positivo ou negativo na formação social/psicológica dos sujeitos? c) Você interromperia se visse uma criança sendo exposta a alguma punição física ou a uma humilhação? Por quê? d) Vocês sabiam que, desde 2011, existe uma lei que proíbe os pais de castigarem fisicamente os filhos? Já ouviram falar a respeito ou sabem o nome desta lei? (O professor pode levar o texto da lei e estender o debate, englobando outro gênero textual no projeto). Leitura: Individual e depois em grupo. Estudo do texto: Análise linguística e textual. paginas.ufrgs.br/revistabemlegal REVISTA BEM LEGAL Porto Alegre v. 6 nº 2 2016 415
Tabela 3: questões propostas para análise de Um cinturão 1) As palavras a seguir aparecem no texto, mas não são muito usadas no dia a dia: fustigou-me alarido estertor gogos exasperavam bulir pisaduras a) É possível supor a época em que o texto foi escrito? Quais os sinônimos mais coloquiais que poderiam substituí-las? b) De acordo com a sua leitura, essas palavras são utilizadas em situações formais ou informais? E por quem? c) O texto é escrito em qual pessoa do discurso? Isso influenciou sua leitura? d) Por que o narrador diz que se achava em um deserto? e) Qual é a relação feita pelo narrador entre o castigo que lhe foi dado e a noção de justiça? Aula 2 Preparação para a leitura: Retomada dos aspectos trabalhados sobre violência versus justiça através de atividade de pesquisa: em grupos, os alunos pesquisarão sobre o período escravocrata no Brasil. Leitura: Individual e depois em grupo. Estudo do texto: conto: Propõe-se que os alunos investiguem como essas questões se desenrolam no paginas.ufrgs.br/revistabemlegal REVISTA BEM LEGAL Porto Alegre v. 6 nº 2 2016 416
Hipocrisia (representada por Dona Inácia, que maltrata a menina, mas posa como mulher caridosa); Disparidade social 5 (a realidade rica das sobrinhas de Dona Inácia X a miséria da menina); Cenário pós-fim da escravatura (abandono por parte do poder público); O fim trágico da menina (por que ela se desencantou pela vida de forma tão profunda? Como isso poderia ser revertido)? Aula 3 Opção 1: Faça uma releitura de um dos contos. Pode ser um final alternativo, a criação de outros personagens, em outra época. Pense nas reflexões feitas ao longo das aulas e crie uma nova versão. Use a criatividade! Opção 2: Escreva um texto dissertativo-argumentativo 6 sobre a violência infantil. Que causas levam a essa situação? O que poderia ser feito para resolvê-la? Elabore estratégias e exemplos para defender seu ponto de vista. 5 Exemplo: como a disparidade social é retrata no texto? Que situações explicitam isso? Que escolhas textuais mostram isso? Uma possível resposta é que, para demonstrar essa disparidade, fez-se uso de mais adjetivos em certos trechos do conto. 6 O gênero textual dissertativo-argumentativo foi escolhido porque permite que o aluno se posicione sobre determinado assunto e forneça razões para tal posicionamento. Supomos, na elaboração da proposta, que os alunos já tenham contato com o texto dissertativo-argumentativo. Se esse não for o caso, o professor pode estender o projeto, levando exemplos desse tipo de texto e estudando a sua estrutura. paginas.ufrgs.br/revistabemlegal REVISTA BEM LEGAL Porto Alegre v. 6 nº 2 2016 417
Referências BIÃO, Armindo; PEREIRA, Antonia; CAJAIBA, Luiz C.; PITOMBO, Renata. (Orgs.). Temas em contemporaneidade, imaginário e teatralidade. São Paulo: Annablume, 2000. BRASIL, Ministério da Educação. Orientações Curriculares para o Ensino Médio - Linguagens, Códigos e suas Tecnologias. Brasília, 2006. Disponível em <http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/book_volume_01_internet.pdf> Acesso em: 30 ago. 2016. LOBATO, Monteiro. Negrinha. Disponível em: <http://static.recantodasletras.com.br/arquivos/4563965.pdf?1396311194> Acesso em: 30 ago. 2016. RAMOS, Graciliano. Um cinturão. In: Dia a dia educação, s/d, p.2-3. Disponível em: <http://www.diaadiaeducacao.pr.gov.br/portals/pde/arquivos/186-2.pdf> Acesso em: 30 ago. 2016. paginas.ufrgs.br/revistabemlegal REVISTA BEM LEGAL Porto Alegre v. 6 nº 2 2016 418
Fabiana Fontoura Candido Licenciada em Letras - Língua Portuguesa e Língua Inglesa - na UFRGS (2016). Participou do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (PIBID UFRGS/Língua Portuguesa) desde 2014. Atualmente é professora em escola de idiomas e revisora de textos. Gabriela Klaus Estudante de Letras Língua Portuguesa e Língua Inglesa na UFRGS e bolsista do PIBID/Língua Portuguesa desde 2014. Jéssica Oleques Rodrigues Estudante de Licenciatura em Letras - Português na UFRGS; fez parte do PIBID/Língua Portuguesa de 2014 a 2016 e atualmente é monitora da disciplina Educação Contemporânea: Currículo, Didática e Planejamento na mesma universidade. paginas.ufrgs.br/revistabemlegal REVISTA BEM LEGAL Porto Alegre v. 6 nº 2 2016 419