14 CHAPTER 1. INTRODUÇÃO 1.3 Outras definições de probabilidade Até agora definimos probabilidade de um evento segundo a definição clássica, supondo sempre resultados equiprováveis. Outros métodos de definir probabilidade são o da frequência relativa e geométrico. 1.3.1 Probabilidade freqüentista Em muitas situações práticas, os eventos simples do espaço amostral não são equiprováveis ou não podemos supor que sejam equiprováveis. Isso implica que não podemos calcular probabilidades usando a definição clássica. Surgiram então alternativas de cálculo à probabilidade clássica, uma dessas alternativas considera o cálculo de probabilidades como a frequência relativa de ocorrência do evento de interesse. A abordagem freqüentista nos pede para imaginar a repetição do processo físico um número extremamente grande de vezes, conhecidos como ensaios do processo físco e, em seguida, olhar para a fração de vezes que o desfecho de interesse ocorre. Essa fração é assintoticamente igual à probabilidade de determinado resultado para esse processo físico. Definição 1.9 (Definição Frequentista de Probabilidade). Seja Ω um espaço amostral e A Ω. Definimos probabilidade freqüentista de ocorrência do evento A como ( ) 1 número de ocorrências de A em n P (A) = lim n n ensaios independentes do experimento Esta definição nos disse que a probabilidade de ocorrência de A é o limite da frequência relativa da ocorrência do evento A em n repetições independentes do experimento, com n tendendo ao infinito. Baseia-se na experiência, comum a todos nós, da estabilidade da frequência relativa de ocorrência de eventos, quando realizamos muitas repetições do experimento. O problema filosófico com esta abordagem é que habitualmente não se têm a oportunidade de repetir o cenário um grande número de vezes. Observe-se que, desta forma, não são necessárias as hipóteses de equiprobabilidade dos eventos elementares nem de finitude do espaço dos resultados,
1.3. OUTRAS DEFINIÇÕES DE PROBABILIDADE 15 superando-se portanto as duas restrições fundamentais da definição clássica. Entretanto, esta nova definição introduz as seguintes dificuldades: (i) É necessária certa regularidade da sequência das frequências relativas, no sentido de que a mesma se mantenha estável e convergindo para um valor que seria a probabilidade de A. (ii) Mesmo admitindo a existência do limite mencionado em acima, quando parar? Quanto a (i) é impossível demonstrar concretamente a existência do limite acima mencionado; pode-se testar a estabilidade das frequências relativas como um indício apenas da existência do limite, pois a estabilidade é uma condição necessária para sua existência. Quanto a (ii), se aceitarmos a existência do limite acima ou seja, da probabilidade, um teorema de Bernoulli de 1713 garante a convergência da sequência das frequências relativas à probabilidade, de um modo que não precisaremos aqui. Inclusive neste caso é possível estimar a probabilidade de A com precisão e nível de confiança prefixados, se o número de repetições n for suficientemente grande. Com precisão, se ϵ > 0 então P ( frequência relativa de A P (A) ϵ) 1 4nϵ 2, ou seja a probabilidade de errar em mais de ϵ ao estimar P (A) através da frequência relativa pode ser tão pequena quanto se quiser, desde que o número de repetições n seja suficientemente grande. Este resultado, cuja demonstração não será apresentada aqui, fundamenta a aproximação da probabilidade através da frequência relativa. Exemplo 1.10. Considere a experiência de lançar uma moeda honesta. O espaço amostral é Ω = {Cara, Coroa}. Se o experimento for repetido muitas vezes, a freqüência relativa dos resultados costumam estar perto de 1/2: O naturalista francês Buffon (1707-1788) jogou uma moeda 4040 vezes. Resultando em 2048 caras ou frequência relativa de 2048/4040 = 0,5069 para caras. Por volta de 1900 o estatístico inglês Karl Pearson heroicamente lançou uma moeda 24.000 vezes. Resultando em 12.012 caras e uma freqüência relativa de 0,5005.
16 CHAPTER 1. INTRODUÇÃO Enquanto estava preso pelos alemães, durante a II Guerra Mundial, o matemático australiano John Kerrich jogou uma moeda de 10.000 vezes. Resultado: 5067 caras, freqüência relativa de 0,5067 Finalmente, deve-se salientar que este método não foi utilizado originalmente como definição, mas como critério empírico destinado a revisar cálculos feitos no contexto dos jogos segundo a definição clássica, na época sujeitos a muitos erros pelos ainda incipientes desenvolvimentos das técnicas de contagem. Ano No. de nascimentos No. de meninos 1983 3.638.933 0,5126648 1984 3.669.141 0,5122425 1985 3.760.561 0,5126849 1986 3.756.547 0,5124035 1987 3.809.394 0,5121951 1988 3.909.510 0,5121931 1989 4.040.958 0,5121286 1990 4.158.212 0,5121179 1991 4.110.907 0,5112054 1992 4.065.014 0,5121992 1993 4.000.240 0,5121845 1994 3.952.767 0,5116894 1995 3.926.589 0,5084196 1996 3.891.494 0,5114951 1997 3.880.894 0,5116337 1998 3.941.553 0,5115255 1999 3.959.417 0,5119072 2000 4.058.814 0,5117182 2001 4.025.933 0,5111665 2002 4.021.726 0,5117154 Table 1.1: Nascimentos vivos de residentes dos Estados Unidos (Fonte: Information Please Almanac). Exemplo 1.11. Uma experiência que consiste em observar o sexo de um recém-nascido. Tal experiência já se realizou diversas vezes e existem registros do seu resultado.
1.3. OUTRAS DEFINIÇÕES DE PROBABILIDADE 17 A Tabela 1.1 mostra a proporção de meninos entre os nascidos vivos de residentes dos Estados Unidos ao longo de 20 anos. A freqüência relativa de meninos entre as crianças recém-nascidas nos Estados Unidos parece ser estável em torno de 0.512. Isto sugere que um modelo razoável para o resultado de um único nascimento é P (menino) = 0, 512 e P (menina) = 0, 488. Este modelo de nascimentos é equivalente ao sexo de uma criança ser determinado pela escolha ao acaso com reposição de uma caixa de 1.000 bilhetes, contendo 512 bilhetes marcados menino e 488 bilhetes marcados menina. Por outro lado, segundo a definição clássica P (menino) = 0, 50 e P (menina) = 0, 50. 1.3.2 Probabilidade geométrica Uma outra forma de definir probabilidade é utilizar noções de geometria, conduzindo ao conceito de probabilidade geométrica em situações no quais os objetos geométricos como pontos, linhas, rotações e áreas são o interesse de estudo. Exemplo 1.12. Suponhamos que nosso experimento agora consiste em escolher, ao acaso, um ponto do círculo de unitário com centro na origem. Acontece que Ω = {(x, y) R 2 : x 2 + y 2 1} Alguns eventos podem ser definidos como interessantes neste experimento, por exemplo: A= distância entre o ponto escolhido e a origem é 1 2, B= distância entre o ponto escolhido e a origem é 15, C= Primeira coordenada do ponto escolhido é maior do que a segunda coordenada. Definição 1.10 (Definição Geométrica de Probabilidade). Seja Ω um espaço amostral e A Ω. Definimos probabilidade de ocorrência do evento A como P (A) = Área de A Área de Ω
18 CHAPTER 1. INTRODUÇÃO Acontece que nem todo subconjunto de Ω tem uma área bem definida, o que implica que nem todo evento tem uma probabilidade. Vamos, então, atribuir probabilidades somente aos eventos cuja área estiver bem definida. Exemplo 1.13 (Continuação do Exemplo 1.12). Ao escolher ao acsaso um ponto do círculo unitário com centro na origem temos que P (A) = 1 e 4 P (B) = 0. O caso do evento C é mais complexo, mas o resultado é também P (C) = 1. 2 Neste exemplo, dois eventos têm a mesma probabilidade se, e somente se, eles têm a mesma área, nestas situações definimos probabilidade geométrica. Exemplo 1.14. O jogo de dardos consiste em lançar um dardo em direção a um alvo, obtendo uma pontuação correspondente ao número atribuído à região na qual o dardo se fixou. Para um jogador novato, parece razoável assumir que a probabilidade de o dardo atingir uma determinada região é proporcional à área da região. Sendo assim, uma região maior apresenta uma maior probabilidade de ser acertada. Figure 1.1: Jogo de dardo. Analisando a Figura 1.1, observamos que o alvo tem um raio r e que a distância entre anéis é r/5. Supondo que o alvo sempre é atingido temos: Por exemplo P (marcar i pontos) = P (marcar 1 ponto) = πr2 π(4r/5) 2 Área da região i Área do alvo πr 2 = 1 ( ) 2 4 5
1.3. OUTRAS DEFINIÇÕES DE PROBABILIDADE 19 Podemos derivar a fórmula geral e descobrimos que P (marcar i pontos) = (6 i)2 (5 i) 2 5 2, i = 1,, 5, independentemente de π e r. A soma das áreas das regiões disjuntas é igual à área do alvo. Portanto, as probabilidades que foram atribuídas aos cinco resultados somam 1. Nos dois primeiros exemplos utilizam-se figuras similares, isto é simples coincidência. Qualquer ente geométrico ao qual possamos atribuir alguma medida pode ser utilizado no cálculo de probabilidades. No exemplo 1.15 consideramos uma outra situação. Figure 1.2: Evento M de que Romeu e Julieta se encontram. Exemplo 1.15. Romeu e Julieta tem um encontro marcado em um dia e hora determinados. Cada um vai chegar no ponto de encontro com um atraso entre 0 e 1 hora, com todos os pares de atrasos sendo igualmente prováveis. O primeiro a chegar vai esperar por 15 minutos e vai sair se o outro ainda não chegou. Qual é a probabilidade de eles se encontrarem? Definamos o evento de que Romeu e Julieta se encontrem, M = {(x, y) : x y 1/4, 0 x 1, 0 y 1} Como mostrado na Figura 1.2. A área de M é 1 menos a área dos dois triângulos não sombreados ou 1 (3/4) (3/4) = 7/16. Assim, a probabilidade de encontro é 7/16.