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Transcrição:

DESENVOLVIMENTO COM EXCESSO DE DIVISAS? CONTA CORRENTE, FINANCIAMENTO EXTERNO E O FUTURO DA ECONOMIA BRASILEIRA André Martins Biancareli Cecon-IE-Unicamp andremb@eco.unicamp.br Seminário Desenvolvimento e Crise Global: impactos no Brasil e na América Latina, Rede Desenvolvimentista Tema 6: Financiamento externo e interno Campinas, 10 de maio de 2012

FINANCIAMENTO EXTERNO : NÚMEROS (1) Brasil: fluxos privados de não residentes (inflows), jan/1996 mar/2012. Fonte: BCB

FINANCIAMENTO EXTERNO : NÚMEROS (2) Brasil: Conta Corrente e Conta Capital e Financeira, acum. 12 meses, % PIB jan/1996 mar/2012. Fonte: BCB

FINANCIAMENTO EXTERNO : CONCEITOS E INTERPRETAÇÕES Leitura convencional e um tanto fora de moda : Déficit Cta Corrente: excesso de absorção e contribuição da poupança externa Capital migrando de onde é abundante para onde é escasso, equalização de juros, troca intertemporal etc. Caráter benigno do déficit e lição de casa garantindo estabilidade do financiamento Crítica ao crescimento com poupança externa : Déficit Cta Corrente: seria uma opção, escolha por moeda apreciada artificialmente e mais consumo Fluxos, estoques, efeitos sobre estrutura produtiva e mudanças de humor nos mercados: vulnerabilidade Situação insustentável: crescimento com poupança externa redundará sempre em uma crise cambial

FINANCIAMENTO EXTERNO : INTERPRETAÇÃO AQUI PROPOSTA De um ponto de vista teórico: Noções de poupança externa ou de financiamento externo vinculados ao déficit em Cta Corrente mais atrapalham do que ajudam São muito maisfinance, criação de moeda, alavancagem; do quefunding, alocação da poupança existente Separar o que é contabilidade do que é determinação. Fluxos de capital não se movem por necessidades ; países não escolhem simplesmente ser financiados São simplesmente decisões de aquisição/alienação de ativos externos por parte de não residentes Do ponto de vista do país, assunção/liquidação de passivos externos E essas decisões são cíclicas; ondas comandadas por complexa interação entre fatores internos e externos

FINANCIAMENTO EXTERNO : INTERPRETAÇÃO AQUI PROPOSTA (2) Em relação à situação brasileira atual e futura: Tanto os determinantes externos quanto os internos, combinados de uma maneira excepcional, sugerem uma persistência maior da abundância de financiamento externo, com oscilações Apesar do déficit em Cta Corrente, situação não parece insustentável (do ponto de vista contábil) Uma crise cambial, desta vez, não deve nos salvar Nessa tranquilidade, no entanto, é que residem os maiores desafios e condicionantes ao desenvolvimento brasileiro, oriundos do setor externo: Tarefa de evitar a regressão estrutural é muito mais dura em tais circunstâncias Esse é o grande risco, diferente, do setor externo!

FINANCIAMENTO EXTERNO : INTERPRETAÇÃO AQUI PROPOSTA (3) Argumentos e evidências a sustentar essa interpretação divididos em 4 frentes: I. A Conta Corrente e sua evolução futura II. III. IV. O ciclo de liquidez internacional e seus determinantes externos A composição e os determinantes domésticos dos fluxos de capital Os estoques de passivos externos

I. A CONTA CORRENTE: NÚMEROS Brasil: Conta Corrente e seus componentes, acum. 12 meses, % PIB jan/1996 mar/2012. Fonte: BCB

I. A CONTA CORRENTE: DETERMINANTES E IMPLICAÇÕES O déficit geral é moderado e se mantém em torno de 2% do PIB há dois anos Subconta mais oscilante é a Bal. Comercial Fatores conjunturais: ritmo de atividade, comércio internacional, câmbio, preços de commodities Fatores permanentes: alterações profundas na estrutura produtiva e na pauta de comércio exterior Hipóteses: manutenção (com oscilações) dos preços de commodities em patamares razoáveis; baixo crescimento do comércio internacional (mais concorrência); muita dificuldade em reduzir a CP o déficit industrial Cenário: Brasil não se tornará potência exportadora de manufaturados; tampouco teremos déficit importante Horizonte mais longo: efeitos do pré-sal, saldo muito maior

I. A CONTA CORRENTE: DETERMINANTES E IMPLICAÇÕES - 2 Subconta Rendas com evolução longa positiva Melhora substancial de Rendas de I Carteira e Juros Rendas de IDE oscilam, mas nunca inferiores a 1% PIB Estruturalmente deficitária, há alguma influência do câmbio, ritmo de atividade, juros Cenário: esse fator (principalmente Rendas de IDE) é estrutural e tende a se manter significativo Subconta Serviços com piora recente acentuada Explicada principalmente pelo déficit em i) Viagens Internacionais e ii) Aluguel de Equipamentos i) parece conjuntural, sensível a câmbio e nível de atividade, mas ii) é estrutural e tende a piorar (pré-sal principalmente) Cenário: também persistência e piora estrutural do déficit

I. A CONTA CORRENTE: DETERMINANTES E IMPLICAÇÕES - 3 Em suma: Déficit em Conta Corrente não é igual ao dos anos 1990 Cenário aqui traçado, nas condições atuais, é de persistência e muito provavelmente piora moderada nos próximos anos Até uma provável mudança estrutural com o pré-sal A taxa de câmbio não é a única culpada, e portanto não seria a única salvação Há fatores estruturais no déficit, ligados a mudanças estruturais na economia (a maioria muito negativa, algumas positivas e promissoras) A pergunta estratégica seria: devemos cortar radical e imediatamente esse déficit? Como? Pensar no lado conjuntural (câmbio, renda) e no estrutural A resposta depende da sustentabilidade ou não desse déficit

II. O CICLO INTERNACIONAL DE LIQUIDEZ: NÚMEROS Emergentes: Fluxos de não residentes (inflows), % PIB; parcela brasileira nos fluxos totais 1995-2011. Fontes: IIF, BCB.

II. O CICLO INTERNACIONAL DE LIQUIDEZ: DETERMINANTES E IMPLICAÇÕES Oscilações cíclicas na liquidez internacional são movidas por fatores externos (juros, aversão ao risco) e (-) internos (juros, perspectivas de crescimento etc.) Depois da parada, retomada súbita já em 2009 Ampla liquidez global, políticas monetárias no centro Boa parte da periferia não quebrou com crise cambial (!) Cenário de turbulência e crise prolongada não significa necessariamente escassez de financiamento externo! Cenário: na ausência de ruptura do sistema financeiro (europeu?), persistência longa da ampla liquidez Bastante volatilidade Taxas de juros baixas no centro Fatores de atração ainda fortes nos destinos

III. PERFIL DOS FLUXOS PARA O BRASIL: NÚMEROS Brasil: Fluxos privados de não residentes (inflows) e seus componentes, acum. 12 meses, % PIB, jan/2007 mar/2012. Fonte: BCB

III. PERFIL DOS FLUXOS PARA O BRASIL: DETERMINANTES E IMPLICAÇÕES Quem lidera a retomada súbita para o Brasil são os fluxos de carteira (ações e títulos) e os empréstimos Diferencial de juros e potencial de valorização Mas é inegável a melhora no perfil de financiamento externo em 2011 e 2012 IDE disfarçado? Volátil? Efeitos do cenário internacional, mas também dos controles de capital Cenário: volatilidade, mas desafio segue sendo administrar excesso, não escassez Redução do diferencial de juros + controles inibindo carry trade e retomada do endividamento externo curto Vasto espaço para fluxos de IDE

IV. OS ESTOQUES DE ATIVOS E PASSIVOS EXTERNOS: NÚMEROS Brasil: Estoques de ativos e passivos externos e seus componentes, trimestral, US$ milhões, IV/2001 I/2012. Fonte: BCB

IV. OS ESTOQUES DE ATIVOS E PASSIVOS EXTERNOS: OUTROS NÚMEROS Brasil: Estoque de passivos externos de carteira, trimestral, US$ milhões, IV/2001 I/2012. Fonte: BCB

IV. OS ESTOQUES DE ATIVOS E PASSIVOS EXTERNOS: IMPLICAÇÕES Do passivo total de carteira (US$ 600 bi), US$ 332 bi (55%) estão hoje em R$, negociados no país. Des-dolarização ou currency re-match em alguma medida. Antes da crise de 2008 (TII), essa proporção era de 45%, e é possível visualizar o que ocorreu com a desvalorização cambial e a queda do valor de mercado dos títulos/ações: US$ 137 bi (53% do estoque no país) desapareceram em dois trimestres, enquanto a queima dos passivos no exterior foi de US$ 140 bi (46% do estoque no exterior). A saída total de Investimentos de carteira (inflows) no mesmo período (julho-dezembro) foi de US$ 14 bi (cerca de 5% da queda no estoque). Proteção ampliada pela desdolarização de parte dos passivos e pelo câmbio flutuante

IMPLICAÇÕES MAIS GERAIS Não se trata de uma leitura otimista simplesmente; prudência com setor externo deve ser primeira lição de qualquer desenvolvimentista no Brasil Precaução ou expectativa de uma volta da restrição de divisas, no entanto, pode levar a: Obsessão pela redução imediata do déficit em Conta Corrente Como? A que custos? Elevar a poupança doméstica? Pública? Esperança (paradoxal) de que uma crise cambial restaure a competitividade da indústria como em 2002 Abundância (e não escassez) de divisas também é desestabilizadora, arriscada. Mas a tranquilidade reduz senso de urgência de certas tarefas Lutar contra a especialização regressiva, nesse cenário, tende a ser mais difícil