Seção 9: Equação do Calor Consideremos um fluxo de calor em uma barra homogênea, construída de um material condutor de calor, em que as dimensões da seção lateral são pequenas em relação ao comprimento. Em geral, vamos considerar a situação em que as faces laterais estão isoladas, de modo que só pode entrar ou sair calor através das extermidades x = ou x =. Devido à hipótese de que a seção lateral é pequena em relação ao comprimento, vamos supor que em cada instante t todos os pontos da seção de abscissa x estão à mesma temperatura ux, t). Utilisando-se as leis da condução do calor, pode-se provar que a função de duas variáveis ux, t) satisfaz a EDP u t = c u xx, ) que é chamada de equação do calor. A constante positiva c em ) depende da condutibilidade térmica e do calor específico do material do qual a barra é construída. Tipos de condição de fronteira. i) Extremidade mantida a uma temperatura prescrita: Se por exemplo, a extremidade x = é mantida permanentemente à temperatura u = a, temos u, t) = a, para todo t >. ii) Extremidade isolada: O fluxo de calor através de uma seção de coordenada x da barra depende, além das propriedades de condutividade térmica e calor específico do material de que é feita a barra, do gradiente de temperatura em x. Quanto mais rapidamente a temperatura varia em relação a x, mais energia térmica cruza através da seção. Isto é, o fluxo de calor através da seção de coordenada x é diretamente proporcional a u x x, t). Se, por exemplo, a extremidade x = é mantida isolada, significa que o fluxo de calor através dela é. Portanto, matematicamente o fato de que a extremidade x = está isolada se expressa pela condição u x, t) =. Exemplo. Resolva o problema abaixo, representando transmissão de calor em uma barra em que uma extremidade é mantida isolada e outra a uma temperatura prescrita. u t = c u xx < x <, < t < + ) u x, t) = u, t) = < t < + ) ux, ) = < x < ) Solução: Utilizando o método de separação de variáveis, começamos procurando uma solução ux, t) da forma ux, t) = ϕx)ψt). ) Substituindo ) na equação do calor, temos Por divisão podemos separar as variáveis: ϕx)ψ t) = c ϕ x)ψt). ψ t) c ψt) = ϕ x) ϕx). 3) O lado esquerdo de 3) depende apenas de t ao passo que a lado direito depende apenas de x. Portanto a única maneira de serem iguais é sendo a função constante, conforme já vimos.
Poderíamos justificar isto dizendo que o lado esquerdo de 3) não depende de x. Mas por ser igual ao lado direito, também não depende de t. ogo não depende de nenuma das variáveis, isto é, é constante. Assim, ψ t) c ψt) = ϕ x) ϕx) = λ = const. Obtemos, assim, duas EDO s independentes, ψ t) = λc ψt) 4) ϕ x) = λϕx) 5) Para aplicar as condições de fronteira, primeiro notamos que de ) obtemos u x x, t) = ϕ x)ψt). Portanto, a condição u x, t) =, isto é, u x, t) = ϕ )ψt) =, nos diz que ou ϕ ) = 6) ψt) =, para todo t. Na eventualidade de ψt) = para todo t, teríamos ux, t) = para todo x e para todo t. Esta é a solução trivial e não estamos interessados nela. O que queremos é encontrar as soluções não triviais para fazer a superposição delas. Analogamente, da condição de fronteira u, t) = segue que ϕ) = 7) Dentre as duas equações diferenciais 4) e 5), começamos com 5), pois para a função ϕx) temos informações adicionais. Vamos estudar o problema de valor de fronteira { ϕ x) = λϕx) 8) ϕ ) =, ϕ) = Note que a incógnita no problema 8) é um par, uma função ϕx) e um número λ. A equação diferencial do problema 8) tem como equação característica k λ = k é a variável da equação característica). Caso : λ >. Então λ = µ, com µ >. Neste caso a equação característica é k µ = e, portanto, tem raízes reais k = ±µ. Então, as soluções da EDO são ϕx) = Ae µx + Be µx. Temos que ϕ x) = µ Ae µx Be µx). Aplicando a condição de fronteira 6), temos = ϕ ) = µ A B). Como µ, pois é positivo, temos A B, ou seja, A = B e ϕx) = A e µx + e µx). Segue que aplicando a condição de fronteira 7), temos = ϕ) = A e µ + e µ).
Como e µ + e µ >, segue que A = e, portanto, ϕx) = é a solução trivial. Caso : λ =. Neste caso, em 8) a EDO fica ϕ x) =. Então, ϕ x) = A. Da condição de foronteira 6) segue que A =. ogo, ϕ x) = e ϕx) = B. A condição de fronteira ϕ) = nos diz que B =. Obtemos que ϕx) = é a solução trivial. Caso 3: λ <. Então λ = µ, com µ >. Neste caso a equação característica k + µ = tem raízes complexas k = ±iµ. As soluções da EDO são ϕx) = A cos µx + B sen µx. Aplicando as condições de fronteira, obtemos = ϕ ) = Bµ. Como µ, então B = e ϕx) = A cos µx. Também = ϕ) = A cos µ. ogo A = ou cos µ =. Se A =, então ϕx) = é a solução trivial. Portanto, para obtermos solução não trivial devemos ter cos µ =, ou seja, µ da forma µ = ) π, com n inteiro. Como µ >, então µ = ) π, com n =,,, 3,... Concluímos que as soluções não triviais de 8) são as funções ϕ n x) = A n cos ), com n =,,, 3,... 9) com os λ correspondentes dados por λ n = ) π. ) Substituindo este valor de λ na equação diferencial 4), obtemos a EDO de a ordem cuja solução geral é Multiplicando as funções 9) e ), obtemos c ψ t) + )π ) ψt) =, ψ n t) = D n e c ) π t. ) u n x, t) = A n e c ) π t cos ), n =,,, 3,... ) A constante D n foi incorporada à constante A n. Note que as funções ) satisfazem a equação do calor e as condições de fronteira, quaisquer que sejam as constantes D n e E n. Ainda não levamos em conta a condição inicial. Antes disto, fazemos a superposição das funções dadas por ), obtendo ux, t) = u n x, t) = A n e c ) π t cos ). 3) A idéia agora é ajustar a constantes A n para que a função dada por 3) satisfaça também a condição inicial. 3
Fazendo t = em 3), temos fx) = ux, ) = n= A n cos ), 4) onde fx) é a função constante fx) =. Note que a expansão 4) não é exatamente uma série de Fourier para uma função f : [, ] R, por causa do fator em lugar de n. Por isto, para analisar como podemos obter os coeficientes A n, precisamos fazer um parênteses para introduzir dois novos sistemas ortogonais de funções. Observação. As funções { cos em [, ]. ) n =,,, 3,... } constituem um sistema ortogonal De maneira análoga ao que já fizemos antes, utilizando a identidade cos a cos b = [ ] cosa + b) + cosa b), é fácil verificar que cos ) cos m + ) dx =, se n m, se n = m 5) Isto mostra a ortogonalidade do sistema de funções que estamos considerando. De acordo com o estudo que fizemos de ortogonalidade, para expandir uma função f : [, ] R na forma os coeficientes vão ser dados por fx) = A n = A n cos ) fx) cos ), 6) dx. 7). Analogamente, as funções { sen um sistema ortogonal em [, ] e sen ) ) sen n =,,, 3,... } em [, ] também constituem m + ) dx =, se n m Isto possibilita que se possa expandir uma função f : [, ] R na forma os coeficientes são dados por fx) = B n = B n sen ) fx) sen ) 4, se n = m 8). 9) dx. )
Em alguns problemas, dependendo das condições de fronteira vamos precisar usar a expansão 9). Fechando o parênteses, voltamos a 4) no problema que estamos resolvendo. Utilizando a expansão 6) para a função fx) =, A n = Segue que fx) cos ) A n = dx = cos ) dx = ) sen )π )π = )n )π. Substituindo em 3), obtemos, finalmente, que a solução é ux, t) = ) n e )π c ) π t cos ) )π sen ). ). Exemplo. Resolva o problema u t = c u xx ) u, t) = a, u, t) = ux, ) = Neste caso a extremidade x = está sendo mantida a uma temperatura que não é. Esta é uma condição de fronteira não homogênea. Por esta razão o método de separação de variáveis não pode ser aplicado diretamente, pois se somarmos funções satisfazendo a condição u, t) = a, a soma não vai satisfazer esta condição. A condição de fronteira u, t) = a só poderia ser usada depois de fazermos a superposição. Devido à dificuldade apontada acima, o método de separação de variáveis só se aplica quando tanto a equação diferencial quanto as condições de fronteira são homogêneas. Vamos transformar o problema ) em um novo problema que envolva condições de fronteira homogêneas. Começamos procurando uma função simples que satisfaça as condições de fronteira do problema ). Por exemplo, hx, t) = a ax satisfaz h, t) = a e h, t) = e tem a vantagem de depender apenas de x. Para u solução de ), seja v = u h. Então, u = v + h e, portanto, u t = v t, u x = v x + h x = v x a e u xx = v xx. Portanto, v é solução do problema v t = c v xx ) v, t) =, v, t) = vx, ) = ax a O plano agora é encontrar v resolvendo o problema ) por separação de variáveis e então obter u como u = v + h. Não continuaremos aqui, pois a resolução do problema ) por separação de variáveis é análoga a outros exemplos já feitos. 5
Exemplo 3. Resolva o problema u t = c u xx + γ < x <, < t < + ) ) u, t) =, u x, t) = < t < + ) ux, ) = < x < ) Este problema representa a difusão de calor em uma barra ao longo da qual uma fonte externa comunica calor a uma taxa constante e cujos extremos são mantidos um deles à tempreratura u = e o outro isolado. A equação diferencial u t c u xx = γ é não homogêna. Para ele não vale o princípio de superposição. O método de separação de variáveis não pode ser aplicado diretamente pois a soma de soluções não é solução. Vamos transformar o problema ) em um novo problema que envolva uma equação diferencial homogênea e condições de fronteira também homogêneas. Começamos procurando uma função simples que satisfaça a equação diferencial não homogênea do problema ). Por exemplo, vamos tentar encontrar uma função wx, t) = wx), dependendo só de x, que satisfaça a equção diferencial e as condições de fronteira. Devemos ter { c w + γ = w) = w ) = Note que a solução wx, t) tem um significado físico. Por não depender do tempo, ela representa a situação de equilíbrio que a barra atinge depois de passado um tempo muito grande. Temos w x) = γ c, w x) = γx c + A, wx) = γx + Ax + B. c Para que w) = w ) =, é necessário que B = e A = γ c. Então, wx) = γx c + γx c. Seja v = u w. Para o operador diferencial linear u) = u t c u xx, temos Portanto, u) = γ e w) = γ. v) = u) w) = γ γ =. ogo v) =, isto é, v satisfaz a equação usual do calor. Vejamos qual é a condição inicial satisfeita por v. Temos vx, ) = ux, ) wx, ) = wx) = γx c γx c. Finalmente, juntando todas essas informações, temos que v satisfaz o problema v t = c v xx ) v, t) =, v x, t) = vx, ) = γx c γx c A ideia agora é encontrar v resolvendo o problema ) por separação de variáveis e então obter u como u = v + w. O problema ) pode ser resolvido por separação de variáveis. A resolução é muito parecida com a do Exemplo. 6
Começamos procurando uma solução vx, t) da forma vx, t) = ϕx)ψt). Em vez do problema 8), vamos ter o problema { ϕ x) = λϕx) ) ϕ) =, ϕ ) = Como no Exemplo, concluímos que as soluções não triviais de ) são as funções ϕ n x) = A n sen ), com n =,,, 3,... 3) com os λ correspondentes dados por Como no Exemplo, encontramos λ n = ) π. 4) ψ n t) = D n e c ) π t. 5) De 3) e 5), obtemos v n x, t) = A n e c ) π t sen ), n =,,, 3,... 6) e, por superposição, vx, t) = v n x, t) = A n e c ) π t sen ) Aplicamos agora a condição inicial. Fazendo t = em 7), temos γx c γx c = v, t) = A n sen ) x ). 7). 8) Note que 8) é a expansão que corresponde a 9) na Observação, acima. Temos, de acordo com ), que A n = γx c γx ) c sen ) dx. Calculando a integral, obtemos Substituindo em 7) encontramos, finalmente, vx, t) = γ c π 3 γ A n = c π 3 ) 3. Finalmente, a solução do problema original ) é ux, t) = vx, t) + wx) = γx c + γx c + γ c π 3 ) 3 e c ) π t sen ). ) 3 e c ) π t sen ). 7