Márcio H. F. Bettega Departamento de Física Universidade Federal do Paraná bettega@fisica.ufpr.br Postulados
Introdução Vamos apresentar nestas notas os postulados da mecânica quântica de acordo com o livro texto. Antes iremos fazer um paralelo entre as descrições de um sistema físico do ponto de vista da mecânica clássica e da mecânica quântica. Vamos considerar como sistema de interesse uma partícula sem spin.
Introdução Em mecânica clássica buscamos a solução da equação de movimento ṗ(t) = F(t), ou seja, r(t) e p(t) para as condições iniciais r 0 = r(t 0) e p 0 = p(t 0). Conhecidos r(t) e p(t), sabemos o comportamento do sistema para cada instante de tempo t. Ao invés de buscarmos a solução de ṗ(t) = F(t), podemos utilizar os formalismos Lagrangeano ou Hamiltoniano. No caso do formalismo Lagrangeano, precisamos construir a função Lagrangeana L(q i, q i) = T V, que é função das coordenadas generalizadas q i e das velocidades generalizadas q i (para cada grau de liberdade). A solução do problema é obtida através da solução das equações de Lagrange (o índice i corre sobre o número de graus de liberdade n) d L L = 0 dt q i q i que fornece {q i(t); q i(t)}, conhecidas as condições iniciais {q i(t 0); q i(t 0)}. {q i(t); q i(t)} definem o espaço de configurações do sistema.
Introdução Outra maneira é utilizar o formalismo Hamiltoniano. Para isso definimos o momento conjugado à coordenada q i, p i, como e a função Hamiltoniana como p i = L q i H(p i, q i) = i p i q i L = T + V onde agora as velocidades generalizadas q i são escritas como função dos momenta p i. A solução das equações de Hamilton ṗ i = H q i ; q i = H p i fornece {p i(t); q i(t)}, conhecidos {p i(t 0); q i(t 0)}. {p i(t); q i(t)} definem o espaço de fase do sistema. Iremos adotar o formalismo Hamiltoniano (vale a pena lembrar que as três abordagens discutidas acima levam à mesma solução).
Introdução Em mecânica clássica sabemos que: i) {p i(t 0), q i(t 0)} definem o estado do sistema em t = t 0. ii) Conhecido o estado do sistema {p i(t), q i(t)}, podemos prever com certeza o resultado de qualquer medida realizada sobre o sistema. iii) A evolução no tempo do estado do sistema é governada pelas equações de Hamilton, dadas as condições iniciais {p i(t 0); q i(t 0)}. Em mecânica quântica queremos saber: i) Como o estado de um sistema quântico é descrito matematicamente em um dado instante de tempo? ii) Conhecido o estado do sistema, como podemos prever os resultados da medida das diferentes observáveis físicas? iii) Se conhecemos o estado do sistema em t = t 0, como podemos determiná-lo para t > t 0? As respostas às perguntas acima serão fornecidas pelos postulados da mecânica quântica.
Postulado 1 Descrição do Estado de um Sistema Físico Em um instante de tempo t 0, o estado de um sistema físico é definido especificando-se um ket ψ(t 0) que pertence ao espaço de estado E do sistema. Como E é um espaço vetorial, ele admite o princípio de superposição, ou seja, a combinação linear de vetores de estado é um vetor de estado.
Postulado 2 Descrição das Quantidades Físicas Toda quantidade física mensurável A é descrita por um operador A atuando em E; este operador é um observável. Equação de autovalores Vale lembrar da equação de autovalores para o observável A (no caso discreto, que implica na quantização dos resultados da medida): onde A u i n = a n u i n ; i = 1,..., u i n u i n = δ nn δ ii ; n u i n u i n = 1
Postulado 3 Medida das Quantidades Físicas O único resultado possível em uma medida de uma quantidade física A é um dos autovalores do observável correspondente A.
Postulado 4 Caso de um Espectro Discreto Não-Degenerado Quando a quantidade física A é medida em um sistema no estado normalizado ψ, a probabilidade P(a n) de obter o autovalor não-degenerado a n do observável correspondente A é P(a n) = u n ψ 2, onde u n é o autovetor normalizado de A associado ao autovalor a n. A u n = a n u n u n u n = δ nn ; n u n u n = 1 ψ = n u n u n ψ = n c n u n P(a n) = c n 2 = u n ψ 2
Postulado 4 Caso de um Espectro Discreto Quando a quantidade física A é medida em um sistema no estado normalizado ψ, a probabilidade P(a n) de obter o autovalor a n do observável correspondente A é gn ui n ψ 2, onde é o grau de degenerescência de a n e { u i n, i = 1, 2,..., } é um conjunto ortonormal de autovetores que forma uma base no sub-espaço E n associado ao autovalor a n de A. Equação de autovalores A u i n = a n u i n ; i = 1,..., ; u i n u i n = δ nn δ ii ; n ψ = n P n = P n ψ = n u i n u i n u i n u i n ψ = n u i n u i n = 1 c i n u i n
P(a n) deve ser independente da escolha da base em E n. Vamos definir o ket ψ n como tal que Vemos assim que ψ n = P n ψ = ψ n ψ n = u i n u i n ψ = u i n ψ 2 = c i n 2 c i n u i n P(a n) = ψ n ψ n = ψ P np n ψ = ψ P 2 n ψ = ψ P n ψ ; P n = P n, P 2 n = P n ou seja, qualquer base (qualquer combinação linear dos autovetores u i n em E n) fornece a mesma probabilidade P(a n).
Postulado 4 Caso de um Espectro Contínuo Não-Degenerado Quando a quantidade física A é medida em um sistema no estado normalizado ψ, a probabilidade dp(α) de obter um resultado entre α e α + dα é dp(α) = v α ψ 2 dα, onde v α é o autovetor de A associado ao autovalor α.
Normalização do ket de estado Vamos voltar ao caso de um espectro discreto e discutir o problema da normalização do ket de estado ψ. Vamos considerar que ψ ψ = 1 e somar todas as probabilidades P(a n) = n P(a n) = n n u i n ψ u i n ψ = n c i n 2 = n g n u i n ψ 2 = ψ u i n u i n ψ = ψ ψ = 1 onde usamos a completeza da base { u i n }. No caso em que ψ não estiver normalizado temos tal que n P(an) = 1. P(a n) = 1 ψ ψ c i n 2 = 1 ψ ψ u i n ψ 2
Normalização do ket de estado Uma consequência desta discussão é o caso de dois vetores que diferem por um fator fase exp(iθ), ψ = exp(iθ) ψ. Neste caso temos ψ ψ = ψ exp( iθ) exp(iθ) ψ = ψ ψ e as probabilidades são as mesmas se calculadas com ψ ou ψ P (a n) = u i n ψ 2 = u i n exp(iθ) ψ 2 = u i n ψ 2 = P(a n) No caso em que ψ = α ψ = α exp(iθ) ψ, onde α é um número complexo, temos P (a n) = 1 ψ ψ u i n ψ 2 = 1 α 2 α 2 u i n ψ 2 = P(a n)
Normalização do ket de estado Concluímos portanto que dois vetores de estado proporcionais representam o mesmo estado físico. Isso não vale para o caso no qual os vetores ψ e ϕ são dados por ψ = λ 1 ψ 1 + λ 2 ψ 2 ; ϕ = λ 1 exp(iθ 1) ψ 1 + λ 2 exp(iθ 2) ψ 2 onde exp(iθ 1) e exp(iθ 2) são fatores de fase relativos. Neste caso ψ e ϕ não representam o mesmo estado físico. Concluímos assim que um fator de fase global não afeta as previsões físicas, mas as fases relativas dos coeficientes de uma expansão são significativas.
Redução do Pacote de Ondas Vamos retomar a discussão do problema da polarização de fótons, visto no início do curso. Consideramos um fóton polarizado na direção ê p = cos θê x + sin θê y que caminha na direção um polarizador com eixo na direção ê x. Conhecemos o estado de polarização do fóton ê p antes da medida, e podemos afirmar apenas que há uma probabilidade igual a cos 2 θ do fóton passar pelo polarizador e igual a sin 2 θ do fóton ser absorvido pelo polarizador. Após realizada a medida, sabemos com certeza qual é o estado de polarização do fóton (ê x ou ê y). O fato da medida ter sido realizada causou uma mudança descontínua no estado de polarização do fóton, que passou de ê p para ê x, no caso do fóton ter atravessado o polarizador, ou ê y, no caso do fóton ter sido absorvido pelo polarizador.
Redução do Pacote de Ondas Vamos considerar esta discussão do ponto de vista de um ket de estado ψ, que representa o estado de um sistema físico imediatamente antes de uma medida de A ser realizada. Antes da medida, o postulado 4 fornece as probabilidades associadas aos resultados possíveis, que são os autovalores de A (postulado 3). Depois que a medida foi realizada, sabemos o resultado obtido e o ket de estado do sistema deve carregar esta informação, sendo diferente de ψ (o ket imediatamente antes da medida). Supondo que o autovalor a n (não degenerado) é o resultado da medida, postulamos que u n, que é o autovetor de A associado à a n, representa o estado do sistema imediatamente após a medida.
Postulado 5 Redução do Pacote de Ondas Se a medida da quantidade física A em um sistema físico no estado ψ fornece o resultado a n, o estado do sistema imediatamente após a medida é a projeção normalizada de ψ, P n ψ / ψ P n ψ = ψ n / ψ n ψ n, no sub-espaço E n associado ao autovalor a n. Exemplo: caso não-degenerado No caso de a n não-degenerado discutido acima temos P n ψ = un un ψ = cn un = exp(i Arg cn) un ψ Pn ψ ψ un u n ψ cn 2 que difere de u n por um fator de fase (global) e portanto representa o mesmo estado que u n.
Postulado 6 Evolução Temporal de um Sistema Físico A evolução temporal do vetor de estado ψ(t) é governada pela equação de Schrödinger i d ψ(t) = H(t) ψ(t) dt onde H(t) é o observável associado à energia total do sistema.
Regras de Quantização Vamos considerar um sistema composto por uma partícula sem spin sujeita a um potencial escalar. Fazemos a seguinte associação: r(x, y, z) R(X, Y, Z) p(p x, p y, p z) P(P x, P y, P z) onde R e P são os observáveis posição e momentum, cujas componentes satisfazem as relações canônicas de comutação dadas por [R i, R j] = [P i, P j] = 0, [R i, P j] = i δ ij Qualquer quantidade física A associada à partícula é expressa em termos de r e p, A(r, p, t). O observável correspondente é obtido substituindo r e p pelos operadores correspondentes R e P em A: A(t) = A(R, P, t).
Regras de Quantização No caso de haver termos do tipo r p = p r em A, não podemos fazer a substituição direta, uma vez que R P P R (note que estes termos não são Hermitianos). Neste caso fazemos uma vez que r p = p r 1 [R P + P R] 2 (R P) = P R Estabelecemos então a regra de quantização O observável A que descreve uma quantidade física A definida classicamente é obtido pela substituição, em uma expressão simetrizada de forma apropriada para A, r e p pelos observáveis R e P respectivamente Há exceções à regra, como o spin, que não é definido classicamente.
Regras de Quantização Exemplos O Hamiltoniano de uma partícula em um potencial escalar Vamos considerar uma partícula com carga q e massa m, sem spin, em um campo elétrico associado a um potencial escalar U(r). A energia potencial é V (r) = qu(r), e a Hamiltoniana é H(r, p) = p2 2m + V (r) onde p = mṙ = mv. Neste caso temos H(t) = H = H(R, P) = P2 2m + V (R) e a equação de Schödinger fica i d [ ] P 2 dt ψ(t) = 2m + V (R) ψ(t)
Regras de Quantização Exemplos O Hamiltoniano de uma partícula em um potencial vetor Vamos considerar uma partícula com carga q e massa m, sem spin, em um campo eletromagnético associado aos potenciais escalar U(r, t) e vetorial A(r, t). Neste caso H(r, p, t) = 1 2m [p qa(r, t)]2 + qu(r, t) onde p = mṙ + qa(r, t) = mv + qa(r, t). Neste caso temos H(t) = 1 2m [P qa(r, t)]2 + qu(r, t) e a equação de Schödinger fica (com V (R, t) = qu(r, t)) i d { } 1 dt ψ(t) = 2m [P qa(r, t)]2 + V (R, t) ψ(t) Nota: p: momentum ou momentum conjugado à q; mv: momentum mecânico. Neste caso p P.