O Sistema Financeiro e o Consumidor



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Transcrição:

O Sistema Financeiro e o Consumidor Segundo os princípios estabelecidos pelo Plano Nacional de Formação Financeira definidos pelo Conselho Nacional de Supervisores Financeiros, de Abril de 2012 (*) 2 de Maio de 2013, por José Manuel Quelhas, jquelhas@fd.uc.pt (*) Com o apoio do Fundo para a Promoção dos Direitos dos Consumidores

A evolução do sistema financeiro Após a crise de 1929, os sistemas financeiros ocidentais foram construídos com base em dois princípios fundamentais: A especificidade das instituições financeiras; A especialização das instituições financeiras.

Especificidade Por especificidade das instituições financeiras entendia-se o tratamento particular que as instituições financeiras mereciam dentro dos vários sectores de actividade económica; não se encarava o sector financeiro do mesmo modo que se encaravam os sectores comercial e industrial. A salvaguarda das especificidades da moeda e a manutenção da confiança dos agentes económicos, fortemente abalada durante a depressão de 1929, originou um tratamento especial por parte das autoridades em relação ao sector financeiro; Daí o movimento legislativo que se estendeu a todos os países ocidentais e que se traduziu em minuciosas regulamentações e na imposição de rígidas regras prudenciais.

Especialização Por especialização das instituições financeiras entendia-se uma separação rígida de funções entre os vários tipos dessas instituições. Tradicionalmente, distinguem-se 4 funções dos intermediários financeiros: A função de financiamento e de transformação dos activos; A função de gestão dos meios de pagamento; A função de mutualização e de transformação dos riscos individuais; A função de corretagem dos intermediários financeiros.

Antes e após a «Revolução financeira» Antes da «revolução financeira»: cada uma das funções deveria ser atribuída a diferentes tipos de instituições, procurando-se uma separação clara entre a moeda e outros activos financeiros, bem como entre as diversas actividades financeiras. Desta forma, conseguir-se-ia um melhor controlo monetário e evitarse-iam os riscos de contágio de eventuais crises que viessem a afectar um determinado tipo de instituições financeiras. Após a «revolução financeira»: as fronteiras entre as quatro funções apontadas tendem a esbater-se graças à desregulamentação que quebrou os impedimentos legais e à desintermediação que provocou a entrada em cena de novos agentes financeiros.

A função de financiamento e de transformação dos activos A função de financiamento, tradicionalmente reservada aos bancos, servindo de intermediários entre os agentes excedentários em liquidez e os agentes carenciados de liquidez, dá progressivamente lugar ao financiamento directo, colocando frente a frente os referidos agentes. Esta desintermediação bancária assume várias formas, desde o financiamento entre empresas, ao financiamento dentro do mesmo grupo empresarial, ao acesso acrescido ao mercado de capitais e à utilização de «papel comercial»

A função de financiamento e de transformação dos activos Desbancarização da actividade financeira: a banca abandona a sua função primordial de financiamento e de transformação de activos para se afirmar como prestadora de serviços, pelos quais cobra comissões Tal implica uma profunda alteração da estrutura contabilística dos bancos, onde os créditos sobre terceiros dão sucessivamente lugar às comissões por serviços prestados

A função de financiamento e de transformação dos activos Quer o recurso ao financiamento bolsista e a sua globalização, quer a emissão de «papel comercial», conduzem a uma alteração da estrutura das taxas de financiamento, aproximando as taxas activas das taxas passivas e reduzindo, consequentemente, as taxas de intermediação. Os empréstimos obrigacionistas e o «papel comercial» abolem a diferença aritmética e a própria distinção teórica entre taxas activas e taxas passivas.

A função de financiamento e de transformação dos activos Quando uma empresa se financia junto de uma instituição bancária, paga a uma taxa activa superior às taxas passivas com que a instituição bancária remunera o aforro do público; Quando uma empresa se financia directamente no mercado pagará, em regra, a uma taxa inferior à taxa activa da banca, mas superior à respectiva taxa passiva.

A função de financiamento e de transformação dos activos Facilmente se compreende o funcionamento deste mecanismo pois: se as taxas de colocação dos títulos no mercado fossem superiores às taxas activas da banca as empresas recorreriam à banca, evitando custos com a montagem e colocação das operações; se as taxas de colocação fossem inferiores às taxas passivas da banca, o público canalizaria a sua poupança para o tradicional deposito bancário. Desta forma, as empresas conseguem financiamentos a custos mais baixos e os aforradores obtêm uma melhor remuneração das suas poupanças, havendo vantagens recíprocas.

A função de gestão dos meios de pagamento A função de gestão dos meios de pagamento deixou de ser um monopólio dos bancos. Assistimos a uma proliferação de novos meios de pagamento, dos cartões de débito e de crédito, do vulgarmente chamado «dinheiro de plástico». Embora não seja uma novidade, em termos temporais, já a sua banalização é uma verdadeira revolução; de produtos reservados a segmentos seleccionados da clientela, passaram a produtos de atribuição e utilização generalizadas.

A função de gestão dos meios de pagamento Tal democratização não teria sido possível sem o desenvolvimento electrónico e informático que permitiu a instalação de uma imensidade de caixas de atendimento automático (ATM) e de terminais de pagamento automático (POS) Assistimos à proliferação de sociedades emissoras de cartões e gestoras de redes de pagamentos, quer ligadas a bancos, quer independentes destes, em concorrência directa com os bancos

A função de gestão dos meios de pagamento Outra fonte de desintermediação bancária é a assunção de funções financeiras por parte de entidades, em princípio, não vocacionadas para a actividade financeira. É o caso das facilidades de pagamento e da concessão directa de crédito por parte de determinados produtores e distribuidores dos mais diversos produtos; criam-se, inclusive, cartões de crédito específicos de determinadas empresas, destinados exclusivamente aos seus serviços e produtos. Estas técnicas são, simultaneamente, formas de contornar regulamentações legais, como as que impedem ou oneram o crédito directo ao consumo, e processos de estimular a fidelidade da clientela.

Mutualização e transformação de riscos individuais A função de mutualização e de transformação dos riscos individuais é também banalizada pela intervenção crescente de uma multiplicidade de nova instituições financeiras que intervêm nos mercados monetário, financeiro e cambial Assistimos à intervenção crescente de novos intermediários financeiros, como as sociedades de investimento, as sociedades de locação financeira, as sociedades de factoring, as sociedades de financiamento para aquisições a crédito, as sociedades financeiras de corretagem,

Mutualização e transformação de riscos individuais as sociedades de capital de risco, as sociedades de fomento empresarial, as sociedades gestoras de participações sociais, as sociedades corretoras, as sociedades de gestão de patrimónios, as sociedades mediadoras do mercado monetário e do mercado de câmbios, as sociedades gestoras de fundos de investimentos, as sociedades gestoras de investimentos imobiliários, paralelamente a outras entidades que extravasam o seu âmbito inicial, como as companhias de seguros e as sociedades gestoras de fundos de pensões.

Mutualização e transformação de riscos individuais A proliferação da malha institucional do sistema financeiro só foi possível devido à desregulamentação e abertura crescente do mercado, com o fim do controlo monetário directo, com o desmantelamento dos controlos cambiais e a progressiva globalização dos mercados.

Mutualização e transformação de riscos individuais Uma das preocupações das autoridades monetárias, após a grande depressão de 29, foi a busca de uma especialização das instituições financeiras, através de uma separação rígida de funções. Uma visão superficial da nova malha institucional criada nos últimos anos poderá sugerir uma acentuação desta tendência: só que actualmente não se trata de uma separação de funções, mas sim de uma diferenciação de entidades com funções interligadas, por vezes sobrepostas, sugerindo uma verdadeira miscelânea de tarefas e uma concorrência acrescida pelo seu desempenho.

Mutualização e transformação de riscos individuais Deve-se realçar o papel dos fundos de investimento colectivo e dos fundos de tesouraria, geridos por sociedades especializadas, que permitem o acesso do público em geral a investimentos accionistas, a subscrições obrigacionistas, à compra de títulos de dívida pública e a complexos produtos de «engenharia financeira», por intermédio de especialistas que estudam o comportamento dos mercados, sondam as melhores oportunidades e buscam a maior valorização Desta forma, dá-se uma democratização do investimento em novos produtos, um abrir do leque das possibilidades de aplicação da poupança por parte dos particulares e da aplicação dos excedente de liquidez por parte da empresas.

Mutualização e transformação de riscos individuais O sector bancário, habituado a uma captação fácil e barata dos recursos, devido à falta de concorrência e à não remuneração ou baixa remuneração dos depósitos a ordem, teve de habituar-se a ao novo clima de competitividade, lutar pela captação dos recursos e oferecer taxas aliciantes, capazes de atrair os aforradores e investidores. O clima de desbancarização conduz à reconsideração dos objectivos e das estratégias do sector bancário no mundo financeiro. A banalização da intermediação financeira e a consequente desintermediação bancária alteram os hábitos dos investidores, dos empresários e dos aforradores. A tradicional relação de confiança que ligava, por longos anos, as empresas e os particulares aos respectivos bancos, é substituída pela forte concorrência e pela tentativa de maximização dos lucros financeiros.

Função de corretagem dos intermediários financeiros A partir do anos 80, o princípio da especialização é posto em causa por uma série de medidas desregulamentadoras da actividade financeira. Uma das mais famosas, que serviu de estandarte à nova era, foi a ocorrida em Londres, na City, no dia 27 de Outubro de 1986, e que se traduziu na abolição da distinção entre brokers e jobbers, ou seja, na abolição da distinção entre corretores e intermediários. Até essa data, somente os intermediários (jobbers) podiam negociar títulos em bolsa, comprando e vendendo aos corretores (brokers) e não directamente ao publico.

Função de corretagem dos intermediários financeiros Os bancos começaram a prestar serviços até então não associados à actividade bancária. A banca deixou de ser apenas o local de encontro entre os agentes económicos excedentários de liquidez e os carenciados de liquidez, jogando com as respectivas taxas passivas e activas e com os seus diferenciais, deixou de se limitar a receber as ordens de bolsa dos sues clientes e a negociar em moeda estrangeira, para passar a prestar serviços de aconselhamento financeiro, para montar complicadas operações de captação e aplicação de fundos para empresas suas clientes, para funcionar como agente de arbitragem entre os vários mercados, nacionais e estrangeiros.

Consequências da «revolução financeira» A revolução não se restringe ao âmbito da captação de recursos, mas igualmente à concessão de créditos. Ao lado dos tradicionais empréstimos e descontos de «efeitos comerciais», internos e externos, surge toda uma nova gama de potencialidades de financiamento, recorrendo a complicadas manobras de «engenharia financeira». Estes novos «produtos financeiros» não são um exclusivo dos bancos, melhor ainda, em muitos casos não são criação dos bancos, mas sim de toda uma série de novas instituições do mercado financeiro.

Consequências da «revolução financeira» Um problema com que os criadores financeiros se deparam é o da inexistência de patentes de «produtos financeiros». Um novo «produto» não fica salvaguardado por qualquer tipo de proibição de imitação, nem existe qualquer sanção para os imitadores. Tal situação leva a que um «produto» bem sucedido seja imediatamente copiado, senão mesmo melhorado pela concorrência; daí que haja uma tendência para a uniformização da oferta financeira para os vários segmentos da clientela.

Consequências da «revolução financeira» Um outro factor de mudança é a lógica de distribuição dos serviços financeiros: a própria expressão «distribuição de serviços financeiros» é sintomática da vulgarização da actividade financeira. Estabelecem-se campanhas de distribuição e promoção de «produtos financeiros» da mesma forma que se traçam campanhas de distribuição e promoção de qualquer outro produtos de grande consumo. Tornou-se vulgar, em alguns países, a venda de «produtos financeiros» por correspondência, por telefone e a venda em grandes superfícies comerciais, como supermercados.

Consequências da «revolução financeira» Uma reflexão apressada poderá conduzir a resultados contraditórios: por um lado, fala-se de vulgarização e banalização dos serviços financeiros; por outro, referem-se complexas operações de «engenharia financeira», produzidas por técnicos altamente qualificados, destinadas a segmentos muito específicos da clientela. Esta contradição é apenas aparente: na realidade, trata-se de duas faces da mesma moeda, de dois aspectos da «revolução financeira». Esta foi de tal forma profunda que afectou todos os agentes económicos, alterando os hábitos dos investidores e aforradores, privados e institucionais.

Consequências da «revolução financeira» Ao lado das complexas operações de fixação de câmbios a prazo, de contratos de futuros, de opções, surge-nos a massificação dos cartões de crédito e de débito e a multiplicação de fundos de investimentos imobiliários, mobiliários, de acções, de obrigações, mistos, ao dispor da população em geral. É este um dos motivos porque se pode falar de uma verdadeira «revolução financeira», modificadora do comportamento da generalidade dos operadores económicos, com importantes reflexos nas políticas monetária e financeiras, criando novos problemas ás autoridades monetárias e novos desafios aos investigadores desta problemática.

Consequências da «revolução financeira» Um dos principais aspectos da «revolução financeira» consistiu na banalização da intermediação financeira, na multiplicação dos sósias no domínio financeiro Este fenómeno resulta da conjugação de três movimentos: A mercadização dos intermediários financeiros; A bancarização dos intermediários financeiros não bancários; A financeirização dos agentes não financeiros

Mercadização dos intermediários financeiros Por mercadização entende-se a influência crescente do mercado no mundo financeiro. Os limites aos montantes de crédito, a fixação das taxas de juro e das taxas de câmbio, impostos administrativamente, são substituídos pela negociação entre os vários agentes económicos intervenientes no mercado como factores de formação dos preços O fenómeno da mercadização manifesta-se, ainda, nas diferentes formas de titularização e na proliferação de «operações fora do balanço» dos bancos.

Mercadização dos intermediários financeiros Actualmente, muitas das operações bancárias não se inscrevem nem no activo, nem no passivo dos bancos, ficando à margem dos respectivos balanços, constituindo as chamadas «operações fora do balanço». O processo de titularização acrescentou esta tendência, ao substituir o empréstimo bancário pela dívida titulada.

Mercadização dos intermediários financeiros Os bancos perdem a função de financiadores directos e ganham o papel de organizadores de operações de «engenharia financeira», de colocadores e distribuidores de títulos, muitas vezes com a responsabilidade acrescida de oferecerem linhas de crédito, que servem simultaneamente como garantia da liquidez para o mercado, em caso de insucesso na colocação da operação por falta de subscritores ou no caso de dificuldades em os emitentes honrarem os seus compromissos.

Mercadização dos intermediários financeiros O lucro bancário deixa de se centrar no diferencial entre taxas activas e passivas para se transferir para a cobrança de taxas pelos serviços prestados. Acontece, porém, que parte dos novos serviços, nomeadamente as «operações fora do balanço» acarretam graves riscos para a liquidez das instituições bancárias e para a própria segurança geral do sistema financeiro. A actividade de controlo das autoridades monetárias, nomeadamente dos bancos centrais, é fortemente dificultada pela falta de informação quanto à dimensão dos compromissos assumidos por cada instituição interveniente no sistema financeiro.

Mercadização dos intermediários financeiros Individualmente, cada banco pode ser chamado a honrar, simultaneamente, compromissos assumidos com diferentes clientes, criando graves problemas de liquidez. Colectivamente, sobretudo em situações de crise económica interna ou externa, as situações de dificuldade poderão generalizar-se à globalidade dos bancos, pondo em causa a segurança geral do sistema financeiro

Bancarização dos intermediários financeiros não bancários Tradicionalmente, distinguia-se entre as instituições bancárias capazes de criar moeda e as instituições financeiras capazes de transformá-la e transmiti-la, mas incapazes de a criar. Enquanto as primeiras afectavam directamente a massa monetária, as segundas limitavam-se a influenciar a velocidade de circulação da moeda. Com a bancarização dos intermediários financeiros não bancários, a diferenciação entre as diversas instituições financeiras tornou-se uma tarefa difícil, quer do ponto de vista teórico, quer do ponto de vista legal.

Bancarização dos intermediários financeiros não bancários As autoridades monetárias deparam com dificuldades acrescidas na sua actividade de supervisão das instituições financeiras e de controlo da massa monetária. As soluções tradicionais, fundamentadas numa separação rígida entre os diversos intervenientes no mercado financeiro e monetário, são incapazes de responder à complexidade crescente do mercado financeiro.

Financeirização dos agentes não financeiros Assistimos aqui a um certo contra-senso; partimos de uma desintermediação financeira, com a afirmação da mercadização dos intermediários financeiros e a consequente desregulamentação, para chegarmos à bancarização dos intermediários não bancários e à financeirização dos agentes não financeiros. Se, por um lado, a banca perde importância como centro da actividade financeira, por outro, assistimos à banalização da intermediação financeira. Esta banalização da intermediação financeira e a consequente multiplicação dos sósias no domínio financeiro é a melhor forma de afirmar o culminar do processo de desintermediação.

Financeirização dos agentes não financeiros A banalização da intermediação financeira provoca a banalização dos riscos financeiros e cria dificuldades acrescidas para as autoridades de controlo monetário. Apesar da banalização da intermediação financeira, o controlo da política monetária continua a ser uma tarefa fundamental, uma vez que a especificidade da moeda e a confiança no sistema financeiro são bens colectivos que devem ser defendidos pelas autoridades.

Financeirização dos agentes não financeiros A falência de uma instituição financeira, sobretudo de um banco, acarretaria uma grave perda de confiança na generalidade do sistema financeiro, desencadeando-se um perigoso efeito de contágio, não apenas no espaço nacional, mas provavelmente a nível internacional, dada a internacionalização e a interdependência crescentes das economias dos vários países.

Financeirização dos agentes não financeiros Um problema, cuja análise surge com grande acuidade, é o da conjugação de duas forças contraditórias: uma, orientada pela desintermediação, pela desregulamentação e pela liberalização; outra, frisando a necessidade de um controlo monetário, da salvaguarda dos interesses colectivos da confiança e da segurança financeiras, tendo implícita uma ideia de (re)intermediação, de (re)regulamentação e de liberalização moderada, senão mesmo de (re)intervenção monetária.

Consequências da «revolução financeira» A globalização é o contrário da técnica de construção dos navios. Os navios constroem-se com compartimentos estanques, de modo a que, se um rebenta, o resto assegura a flutuação. O mercado financeiro global é um mercado que, em princípio, não contém compartimentos estanques e, portanto, não contém elementos de salvaguarda para uma rápida propagação das crises In Rui Vilar, A globalização dos mercados financeiros

Consequências da «revolução financeira» Aumenta a interdependência entre as várias economias mundiais, levando a uma melhor afectação internacional dos recursos, mas conduzindo, também, à interligação dos vários problemas económicos nacionais e à universalização de eventuais crises. A probabilidade do efeito de contágio cresce à medida que se interpenetram os vários sistemas monetários e financeiros internacionais; esta interpenetração é facilitada pelo desenvolvimentos de meios informáticos que conectam, «em tempo real», as várias praças financeiras mundiais.

Consequências da «revolução financeira» Esta problemática levanta graves problemas às autoridades monetárias internas, que vêem fugir a sua soberania para instituições internacionais que não controlam; por outro lado, estão impossibilitadas de agir com eficácia num mercado aberto, aleatório, fortemente dependente da criação de expectativas, orientadas mais por factores de ordem psicológica do que elaboradas análises económicas.

Novos «produtos financeiros» A expressão «novos produtos financeiros, vulgarizada pela gíria financeira, encerra uma contradição conceptual; com efeito, os novos «produtos financeiros» não são produtos ou «bens materiais», mas sim serviços ou «bens imateriais». Daí que seja conceptualmente mais correcta a utilização da expressão «novos serviços financeiros». No quadro das estratégias de marketing das instituições financeiras, a designação de «novos produtos financeiros» facilita a promoção dos novos serviços financeiros e visa criar nos consumidores uma referência materializada, que permita estimular a fidelidade dos clientes e justifique os preços a pagar pela sua utilização.

Novos «produtos financeiros» Esta tendência assume um relevo especial nos serviços financeiros que possibilitam a realização de manobras especulativas, desligadas de qualquer transacção real; A tentativa de materialização destes serviços contrabalança a abstracção intrínseca às manobras especulativas e legitima os ganhos ou ganhos ou perdas que lhes estão associados.

Exemplos de novos «produtos financeiros» As opções Opções de compra Opções de venda Os futuros Futuros sobre divisas Futuros sobre títulos Futuros sobre índices bolsistas Os forwards FRA (contratos de fixação de taxas de juro a prazo) FXA (contratos de fixação de taxas de câmbio a prazo)

Exemplos de novos «produtos financeiros» Os swaps Swaps de taxa de juro Coupon swap (swap de taxa de juro fixa versus variável) Basis swap (swap de taxa de juro variável versus variável) Swaps de taxa de câmbio Swaps simples Swaps de taxa de câmbio / taxa de juro Swaps de taxa de câmbio / taxa de juro fixa versus fixa Swaps de taxa de câmbio / taxa de juro fixa versus variável Swaps de taxa de câmbio / taxa de juro variável versus vaiável

Bibliografia QUELHAS, José Manuel, Sobre a Evolução Recente do Sistema Financeiro (Novos Produtos Financeiros), Coimbra, Almedina, 1996, ISBN 9780048876911 QUELHAS, José Manuel, Sobre as Crises Financeiras, o Risco Sistémico e a Incerteza Sistemática, Coimbra, Almedina, 2012, ISBN 9789724046228