Artigo Extração de DNA de Sêmen Humano para Diagnóstico Molecular: Padronização da Técnica Constanza Thaise Xavier Silva 1, Jalsi Tacon Arruda 2, Patrícia Vieira de Oliveira 3, Hayllane de Oliveira Nascimento 1, Katia Karina Verolli de Oliveira Moura 4 1 - Acadêmica de Biomedicina pela UCG, aluna da Iniciação Científica, Bolsista Bic-PROPE-UCG 2 - Bióloga, Especialista em Genética, Mestranda em Biologia Celular e Molecular pela UFG, Bolsista do CNPq 3 - Acadêmica de Biomedicina pela UCG, aluna da Iniciação Científica, Bolsista Pibic-CNPq 4 - Biomédica, Mestre em genética, Doutora em Fisiologia Humana pela USP, Professora-efetiva do Departamento de Biologia e Biomedicina da Universidade Católica de Goiás Trabalho realizado no Núcleo de Pesquisas Replicon do Departamento de Biologia da Universidade Católica de Goiás Não há conflito de interesses referentes aos produtos utilizados neste estudo. Resumo Summary Extração de DNA de Sêmen Humano para Diagnóstico Molecular: Padronização da Técnica Extraction of DNA from Human Semen for Molecular Diagnosis: Standardization of the Technique Isolar DNA vem se tornando uma técnica rotineira nos laboratórios e amostras de sêmen são utilizadas para a detecção de agentes infecciosos, distúrbios genéticos e como prova criminal. Objetivo: avaliar a eficiência de quatro métodos para extração de DNA de amostras de sêmen humano para uso em diagnósticos genético-moleculares. Materiais e métodos: 40 amostras foram submetidas a quatro protocolos diferentes: a) digestão inicial com proteinase K seguida das instruções do fabricante do kit GFX TM (Amersham Pharmacia Biotech); b) utilizando apenas esse kit seguindo as instruções do fabricante; c) digestão inicial com proteinase K seguida das instruções do fabricante do kit Easy DNA TM (Invitrogen), d) utilizando apenas esse kit seguindo as instruções do fabricante. Resultados: a digestão com proteinase K seguida da utilização do kit GFX, quanto apenas o uso direto do kit, apresentaram bandas bem definidas. Porém, o mesmo não pode ser verificado com o kit Easy, onde os dois tipos de protocolos não resultaram em uma extração de qualidade. Conclusão: o método com o uso direto do kit GFX apresentou melhor desempenho já que dispensa o uso da proteinase K apresentando menor custo e maior rapidez, revelando-se como um eficiente método para obtenção de DNA a partir de sêmen humano. Avaliar diferentes protocolos para extração de DNA é necessário para determinar o procedimento ideal para ser trabalhado na rotina laboratorial. Palavras-chave: extração de DNA, sêmen, PCR The isolation of DNA has become a common technique in laboratories where samples of semen are utilized to detect infectious agents, genetic disorders and as evidence in crimes. Objective: The aim of this work was to evaluate the efficiency of four methods of extracting DNA from samples of human semen for genetic-molecular diagnosis. Method: Forty samples were submitted to four different protocols: a) initial digestion with proteinase K followed by the GFX TM kit manufacturer s instructions (Amersham Pharmacia Biotech); b) the utilization of only this kit following the manufacturer s instructions; c) initial digestion with proteinase K followed by the Easy DNA TM kit manufacturer s instructions (Invitrogen); d) the utilization of only this kit following the manufacturer s instructions. Results: Both digestion with proteinase K followed by the use of the GFX kit and the direct use of the kit gave well defined bands. However the same was not true for the Easy kit, where the two protocols did not result in quality results. Conclusion: The method with the direct use of the GFX kit is more beneficial as it dispenses the use of proteinase K thereby reducing the cost and improving the speed and proves to be an efficient method to obtain DNA from human semen. Evaluating different protocols for the extraction of DNA is necessary to choose the ideal procedure for routine laboratorial work. Keywords: DNA extraction, semen, PCR 112
Introdução D iversos métodos para extração de DNA de amostras biológicas estão descritos na literatura, sendo que o sucesso desse procedimento é muito importante para a realização do diagnóstico molecular empregando principalmente a reação em cadeia da polimerase (PCR Polimerase Chain Reaction). A extração de DNA se tornou uma técnica rotineira nos laboratórios que trabalham com exames genéticos e o desenvolvimento da biologia molecular permitiu o estabelecimento de novos métodos aplicados na investigação genética (1, 2). A PCR permite a amplificação seletiva in vitro de seqüências específicas do DNA alvo com alta sensibilidade, tornando esta técnica uma importante ferramenta e possibilitando testes sensíveis com novos tipos de abordagens para o diagnóstico clínico (3). As técnicas de otimização da extração de DNA para a utilização na PCR têm permitido a investigação de diferentes amostras biológicas, mesmo quando o DNA está presente em pequenas quantidades (4). A obtenção do DNA genômico pelos métodos convencionais inclui lise celular e precipitação das proteínas. Para isso, vários passos são necessários tornando o procedimento longo e fazendo com que o rendimento e a pureza do material nem sempre sejam. Além disso, a excessiva manipulação da amostra pode degradar o DNA e ainda persistem problemas como contaminação por DNA estranho e inibidores de PCR (5). O método de estocagem do DNA extraído também pode promover a degradação do material obtido (6). A grande maioria dos métodos atualmente utilizados para a extração de DNA, a partir de amostras de sêmen, é processo laborioso e dispendioso, além da baixa qualidade do material extraído, geralmente obtendo-se DNA degradado e de baixo peso molecular devido ao uso de excessivas centrifugações, como o que vem ocorrendo no processo de extração de material parafinado (7, 8). Ao contrário das células somáticas, o espermatozóide é resistente a procedimentos convencionais para extração de DNA. Nas células somáticas o DNA é condensado pelo complexo de histonas, enquanto que no espermatozóide as histonas são remodeladas e substituídas por protaminas que são proteínas de baixo peso molecular específica do espermatozóide, durante a espermatogênese, resultando em um núcleo altamente condensado e a paralisação da expressão gênica (9). O isolamento de DNA de espermatozóides através dos métodos existentes é problemático por causa do estado de condensação da cromatina. O Núcleo de Pesquisas Replicon UCG realiza pesquisas com DNA de diversas amostras biológicas e, por isso, padronizar métodos de extração que possam ser rápidos, práticos, baratos, livres de contaminação e eficazes no que tange à quantidade, qualidade e possibilidade de amplificação por PCR, é de extrema importância. Isso possibilita vários estudos, como diagnósticos retrospectivos, identificação de indivíduos, estudos populacionais, diagnóstico molecular de doenças, além de possibilitar o envio de amostras à distância e aplicações na Medicina Forense. Materiais e Métodos Preparação da amostra Foram utilizadas 40 amostras de sêmen humano, coletadas no Laboratório de Reprodução Humana do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Goiás, que realiza espermograma. Ao restante da amostra, que seria descartada após o exame, foi adicionado 1mL de PBS (Phosphate Buffer Saline), dividido em quatro alíquotas de 500µL em microtubos de 2mL e armazenadas a 4 C até o momento da extração de DNA. Isolamento do DNA Cada alíquota foi submetida a um protocolo para extração de DNA. As amostras previamente armazenadas foram homogeneizadas no agitador de tubos e centrifugadas a 10.000 rpm por 10 minutos para sedimentar as células com material genético. Após esse procedimento de retirada do líquido seminal, o pellet que se formou foi utilizado para a extração do DNA seguindo um dos protocolos a seguir: Protocolo A: utilizando digestão inicial com proteinase K e incubação a 55 C por 30 minutos prosseguindo com as instruções para células da mucosa oral do kit GFX TM ; Protocolo B: seguindo apenas as instruções do kit GFX TM Genomic Blood DNA Purification (Amersham Pharmacia Biotech); Protocolo C: utilizando digestão inicial com proteinase K e incubação a 55 C por 30 minutos prosseguindo com as instruções para células da mucosa oral do kit Easy DNA TM ; Protocolo D: seguindo apenas as instruções do kit Easy DNA TM (Invitrogen). Para os protocolos A e C, que 114
propõem a utilização de proteinase K, foi preparado um mix com 40µL de tampão para Proteinase K (12mM Tris-HCl ph 8,0; 6mM EDTA; 0,6% SDS) e 10µL de Proteinase K (20mg/ ml em 10mM Tri-HCl ph 8,0) por amostra. 50µL deste mix foram adicionados ao pellet e o material foi homogeneizado no agitador de tubos até a completa ressuspensão do pellet. Incubou-se em banho-maria a 55 C por 30 minutos e durante este período, o material foi homogeneizado a cada 10 minutos. O DNA nesta fase se desprende das proteínas ligadas a ele, uma vez que estas são digeridas pela proteinase K. Ao final da digestão proteolítica, o material obtido foi processado de acordo com as instruções de cada kit de extração. O DNA obtido foi armazenado em freezer (-20 C) até o momento da utilização na PCR. Para controle positivo foi utilizada uma amostra de sangue total, da qual foi extraído DNA seguindo cada protocolo proposto. Quantificação do DNA Para a análise do DNA extraído de sêmen humano, as amostras foram submetidas à eletroforese em gel de agarose a 1% em solução tampão Tris-borato de EDTA (TBE) a 1x. Foram utilizados 10µL de DNA extraído e 3µL de corante para corrida eletroforética. O gel foi submetido a um campo elétrico de 200V por 1 hora. Amplificação As amostras de DNA extraídas foram submetidas a PCR para amplificação de fragmentos genômicos específicos utilizando o primer para o gene constitutivo da betaglobina humana (F5 -GAAGAGCCAAGGACAGGTAC-3 e R5 -CAACTTCATCCACGTTCACC-3 ) amplificando um fragmento de 268pb. A solução de amplificação por PCR foi composta de: 5µL de tampão STR; 1,5mM de MgCl 2 ; 2µL de cada dntp a 1,25mM; 5µL de DNA alvo, 2µL de primer a 20pMol/µL; 0,5µL de Taq DNApolimerase (Promega, USA) a 5U/µL. O volume final para reação foi ajustado para 50µL adicionando-se 34µL de água bi-destilada. O protocolo de amplificação utilizado no expe- 115
rimento baseou-se no procedimento de termociclagem sugerido por Simonato et al. (10). Para a análise dos produtos obtidos por PCR, o material amplificado foi submetido à eletroforese em gel de agarose a 1,5% em solução tampão Tris-borato de EDTA a 1x, submetido a um campo elétrico constante de 8 V/cm por um período de 2 horas e corados com brometo de etídio a 5µg/mL. Após a coloração, as bandas foram reveladas utilizando-se um sistema de fotodocumentação (VDS - Amersham Pharmacia Biotech, USA). Resultados No gel de quantificação do DNA, foi possível verificar que tanto o método de extração que utilizou o protocolo A com proteinase K, quanto o protocolo B que seguiu apenas as instruções do primeiro kit, apresentou bandas de boa qualidade e praticamente de mesma intensidade (Figura 1). Porém, o mesmo não pôde ser verificado com o segundo kit onde os protocolos C e D não obtiveram um DNA com qualidade. Todas as amostras extraídas, inclusive os controles realizados com sangue, foram submetidas à PCR e amplificaram o fragmento do gene da betaglobina humana com o tamanho esperado de 268pb (Figura 2). Discussão Este estudo promoveu a comparação de algumas técnicas de extração de DNA rotineiramente usadas em laboratórios, apontando as vantagens e desvantagens de cada uma delas quanto à quantidade e qualidade do extrato obtido. Existem vários trabalhos que procuram adequar a técnica para a extração de DNA de sêmen. Coelho et al. (2) também testaram protocolos diferentes para obtenção de DNA de amostras de sangue, sêmen e pêlos e verificaram que a extração de sangue sempre consegue uma maior quantidade e qualidade de DNA. O nosso laboratório necessitava de um kit que fosse capaz de extrair DNA tanto de amostras de sangue quanto sêmen e mucosa oral, porque trabalhamos com esses tipos de material biológico. A tentativa de extrair com o primeiro kit, que possuíamos no momento, foi bem-sucedida, gerando DNA de amostras de sangue seguindo as instruções do fabricante e a extração de amostras de sêmen ao seguirmos o protocolo proposto para células da mucosa oral. Verificamos que com o kit GFX, que é baseado no método de fenol-clorofórmio, utilizando a digestão inicial com proteinase K ou não, obtivemos uma extração de DNA de boa qualidade e quantidade, o que não ocorreu com o kit Easy, que também se baseia no método fenol-clorofórmio, apresentando DNA muito fragmentado nos dois protocolos testados. A B C D Figura 1. Gel de agarose a 1% corado com brometo de etídio. Amostras de DNA extraído de sêmen humano. Protocolo A - linhas 1 e 2, protocolo B - linhas 3 e 4, protocolo C - linhas 5 e 6, protocolo D - linhas 7 e 8 Figura 2. Gel de agarose a 1,5% corado com brometo de etídio. Produto da amplificação por PCR do gene betaglobina (268pb). Linhas 1 e 2: protocolo A; linhas 3 e 4: protocolo B; linhas 5 e 6: protocolo C e linhas 7 e 8: protocolo D. Linhas 9-12: DNA de sangue extraído com os protocolos A, B, C e D, respectivamente, linha 13: controle interno positivo e linha 14: controle interno negativo. Marcador de peso molecular de 100pb (Invitrogen) 116
Visto que o protocolo B foi bastante satisfatório, o uso da proteinase K não foi mais necessário, aumentando assim a economia no processo da extração além da diminuição do tempo necessário. Este fato pode ser devido à coluna que compõe o kit GFX, que é composta por glass beads (pequenas esferas de vidro) que retêm o DNA durante as centrifugações, impedindo assim que ele se fragmente durante o processamento da amostra. Alguns trabalhos relatam dificuldade em extrair DNA de amostras de sêmen devido à alta compactação do DNA por protaminas (2, 9). Não verificamos esta dificuldade relatada, podendo ser relacionada ao kit utilizado para a extração. Extrair e purificar material genômico humano é um processo meticuloso e trabalhoso, onde os resultados nem sempre são satisfatórios, principalmente, quando se trabalha com um protocolo experimental em via de otimização. Após todo o trabalho processual de extração de DNA e posterior amplificação de fragmentos específicos através da PCR, os resultados sugerem que a utilização da proteinase K não proporcionou diferenças significativas em comparação com a utilização apenas do kit convencional. Provavelmente, as proteínas mais resistentes foram completamente clivadas durante o processo ativo da proteinase K incluindo as proteínas mais sensíveis como as protaminas que também sofreram intensa ação proteolítica. Um kit específico para a extração de DNA de sêmen ainda é muito caro e possibilita apenas algumas reações. Os trabalhos que aplicaram a técnica para extração de DNA baseada em fenol-clorofórmio verificaram que este protocolo é mais barato, principalmente em países latino-americanos. Porém, ainda é uma técnica demorada, o que inviabiliza seu uso na rotina de diagnósticos, dificultando o trabalho laboratorial, além de ser tóxico. Os resultados desta pesquisa contribuem com a melhoria da qualidade e confiabilidade do diagnóstico laboratorial, permitindo maior segurança e aproveitamento das amostras, bem como economia de tempo e gastos. Correspondências para: Dra. Katia K. V. de Oliveira Moura kkverolli@ucg.br Referências Bibliográficas 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. 10. Barea JA, Pardini MIMC, Gushiken T. Extração de DNA de materiais de arquivo e fontes escassas para utilização em reação de polimerização em cadeia (PCR). Rev Bras Hematol Hemoter, 26(4): 274-281, 2004. Coelho EGA, Oliveira DAA, Teixeira CS, Sampaio IBM, Rodrigues SG, Alves C. Comparação entre métodos de estocagem de DNA extraído de amostras de sangue, sêmen e pêlos e entre técnicas de extração. Arq Bras Med Vet Zootec, 56(1): 111-115, 2004. Bueno V. DNA e aperfeiçoamento das técnicas de extração. Rev Bras Hematol Hemoter, 26(4): 233-234, 2004. Matizonkas LF, Mesquita RA, Tucci R, Nunes FD. Extração rápida de DNA para uso no diagnóstico histopatológico e estudos retrospectivos: comparação de quatro métodos. Rev Pós Grad Fac Odont USP, 9(2): 137-41, 2002. Crowe JS, Cooper HJ, Smith MA, Sims MJ, Parker D, Gewert D. Improved cloning efficiency of polymerase chain reaction (PCR) products after proteinase K digestion. Nucleic Acids Res, 19(1): 184-186, 1991. Fernandes JV, Meissner RV, Fernandes TAAM, Rocha LRM, Cabral MC, Villa LL. Comparação de três protocolos de extração de DNA a partir de tecido fixado em formol e incluído em parafina. J Bras Patol Med Lab, 40(3): 141-146, 2004. Barea JA, Pardini MIMC, Gushiken T. Extração de DNA de materiais de arquivo e fontes escassas: revisão e apontamentos sobre as possíveis aplicações. NewsLab, 63: 96-114, 2004. Nascimento EM, Spinelli MO, Rodrigues CJ, Bozzini N. Protocolo da extração de DNA de material parafinado para análise de microssatélites em leiomioma. J Bras Patol Med Lab, 39(3): 253-255, 2003. Martin NC, Pirie AA, Ford LV, Callaghan CL, McTurk K, Lucy D, Scrimger DG. The use of phosphate buffered saline for the recovery of cells and spermatozoa from swabs. Sci Justice, 46(3): 179-184, 2006. Simonato LE, Garcia JF, Nunes CM, Miyahara GI. Avaliação de dois métodos de extração de DNA de material parafinado para amplificação em PCR. J Bras Patol Med Lab, 43(2): 121-127, 2007. 118