Bases da monitorização neuromuscular

Documentos relacionados
MONITORIZAÇÃO DO BLOQUEIO NEUROMUSCULAR

1º EDITAL. Associação Médica Brasileira Sociedade Brasileira de Anestesiologia 2011

TUTORIAL DE ANESTESIA DA SEMANA ABSORVEDORES DE GÁS CARBÔNICO

I PROGRAMA DE EDUCAÇÃO CONTINUADA E ATUALIZAÇÃO EM ANESTESIOLOGIA E DOR DA SARGS ANESTESIA PEDIÁTRICA: PODEMOS REDUZIR A MORBIMORTALIDADE?

A Técnica de Inching para

Sugamadex. Quando, como e por que? Nádia Duarte

Técnicas Adicionais de Estudo dos Nervos (Nervos que Raramente São Estudados)

Anestesia. em cirurgia cardíaca pediátrica. por Bruno Araújo Silva

Analgesia Pós-Operatória em Cirurgia de Grande Porte e Desfechos

Avaliação do Bloqueio Neuromuscular em Crianças no Momento da Reversão do Bloqueio e da Retirada da Cânula Endotraqueal

NEURO-MEP MIO. Sistema de Monitorização Intraoperatória. EMG contínua. Descargas espontâneas. EMG estimulada. Alarmes visuais e sonoros

WorkShop Anestesia Intravenosa. Dr. Daniel Volquind TSA/SBA

REANIMAÇÃO DO RN 34 SEMANAS EM SALA DE PARTO - Direitos autorais SBP PRÉ E PÓS-TESTE. Local (Hospital e cidade)

Monitorização Neurofisiológica Intra-Operatória por EMG. Dr. Carlo Domênico Marrone Porto Alegre / RS

ria: Por Que Tratar? Can Dr. Daniel Volquind TSA/SBA

FACILITAÇÃO NEUROMUSCULAR PROPRIOCEPTIVA JOSÉ EDUARDO POMPEU

Disciplina: Específica

Oadvento de drogas bloqueadoras neuromusculares

Protocolo consciência durante anestesia

I Data: 14/01/2005. II Grupo de Estudo:

1.Cite fatores maternos, obstétricos, fetais e do ambiente de prática obstétrica que aumentam a incidência de cesarianas.

Transplante renal intervivos (Doador)

QUESTÕES COMENTADAS Anatomia e Fisiologia Respiratória PORTAL ANESTESIA CURSO ANESTESIO R1

QUESTÕES COMENTADAS Risco Profissional do Anestesiologista PORTAL ANESTESIA CURSO ANESTESIO R1

Realização de exames de EMG nos sistemas digitais da Neurosoft

Prof. Renan Lovisetto

FISIOLOGIA MUSCULAR. Mecanismos de controle da força. Enquanto é dada a AP Profa Silvia Mitiko Nishida. Miron, 450 a.c

Análise Crítica da Monitorização com Índice Biespectral

Eletroestimulação. Profa. Andreza Caramori de Moraes Profa. Narion Coelho Prof. Paulo Angelo Martins. O que é???

PROTOCOLOS HAOC Capítulo JCI Responsável pela elaboração Nº Doc. Data da 1ª Versão

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS ICB - DEPARTAMENTO DE FISIOLOGIA E BIOFÍSICA. Aula Prática, parte 1: Ações reflexas na rã

ESTUDOS DE CONDUÇÃO NERVOSA. Dra. Ana Lucila Moreira

Anexo da Política de Anestesia e Sedação

Músculos do Antebraço e Mão

Vantagens e Desvatagens da Via de Acesso Axilar no Blqueio do Plexo Braquial

CINESIOLOGIA E BIOMECÂNICA DOS SEGMENTOS ARTICULARES DO MEMBRO SUPERIOR

BLOCO I IDENTIFICAÇÃO

Postoperative Residual Paralysis

PRINCÍPIOS BÁSICOS DE VENTILAÇÃO MECÂNICA. (Baseado nos consensos e diretrizes brasileiras de VM)

Punho - Mão. Punho - Mão Cinesiologia. Renato Almeida

Antebraço, Fossa Cubital e Mão

Estudo dirigido ELETRONEUROMIOGRAFIA Prof Vitor Tumas Prof Wilson Marques Jr

RECOMENDAÇÕES PARA VERIFICAÇÃO DO EQUIPAMENTO ANESTÉSICO

Profa. Cláudia Herrera Tambeli

Músculos do Antebraço e Mão

Anestesia no paciente obeso Alterações farmacocinéticas e farmacodinâmicas dos fármacos anestésicos: como valorizar?

Nome do Paciente: Data de nascimento: / / CPF: Procedimento Anestésico: I. O que é?

Lesão neurológica pós-bloqueio periférico: qual a conduta?

MOTOR EVALUATION SCALE FOR UPPER EXTREMITY IN STROKE PATIENTS (MESUPES-braço and MESUPES-mão)

Recomendações Portuguesas para a Gestão do Bloqueio Neuromuscular

Laringoespasmo Bloqueio neuromuscular prolongado após uso de succinilcolina Hipertermia maligna Anafilaxia

PRÁTICA. Anestesia Venosa Total No Idoso. Leonardo Teixeira Domingues Duarte CREMESP: Controle e Precisão ao seu alcance.

MEMBROS SUPERIORES COMPLEXO ARTICULAR DO PUNHO MEMBRO SUPERIOR 08/08/2016

INTERVENÇÃO FISIOTERAPÊUTICA ATRAVÉS DA ELETROESTIMULAÇÃO MUSCULAR NA DIÁSTASE ABDOMINAL PÓS GESTAÇÃO

Fisiologia do Sistema Motor Somático

Controle da via aérea em paciente com trauma cervical e hipertensão intracraniana

Tornozelo - Pé. Tornozelo - Pé Cinesiologia. Renato Almeida


Universidade de Brasília. Monitorização. Gabriel M N Guimarães TSA-SBA, MSc. Gabriel.med.br

Código de ética do médico anestesiologista

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS FACULDADE DE MEDICINA DEPARTAMENTO DE CIRURGIA ANESTESIOLOGIA P R O G R A M A 2º SEMESTRE/2015

Anestesia Venosa Total em Obesidade Mórbida

PRÁTICA AVANÇADA DE ANESTESIA REGIONAL

Áreas de Domínio da MO

FUNDAÇÃO INSTITUTO DE EDUCAÇÃO DE BARUERI. Sistema Muscular

UNIDADE DE RECUPERAÇÃO PÓS- ANESTÉSICA (URPA) Maria da Conceição Muniz Ribeiro

Como ventilar o obeso mórbido com injúria pulmonar aguda? Distúrbios respiratórios. Alterações Funcionais. Módulo VI Ventilação mecânica aplicada

HISTERECTOMIA LAPAROSCÓPICA

Dispõe sobre a prática do ato anestésico. Revoga a Resolução CFM n. 1363/1993

UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE FACULDADE DE MEDICINA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS MÉDICAS

Recursos manuais da Fisioterapia Respiratória

1ª CAMADA 4 MÚSCULOS ANTEBRAÇO E MÃO DIVISÃO MÚSCULOS DOS MEMBROS SUPERIORES MÚSCULOS DO ANTEBRAÇO MÚSCULOS DO ANTEBRAÇO

CRITÉRIOS E EXAMES COMPLEMENTARES PARA REALIZAÇÃO DE ANESTESIA PARA EXAMES DIAGNÓSTICOS

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS FACULDADE DE MEDICINA DEPARTAMENTO DE CIRURGIA ANESTESIOLOGIA P R O G R A M A 1º SEMESTRE/2014

Ricardo Yabumoto Curitiba, 26 de Marco de 2007

Vista Posterior (dorsal) 2b 1b 1a Vista posterior (dorsal) Rádioulnar 2 - Ulnocárpico 3 - Colateral ulnar

Anestesia Venosa Total em Procedimentos Ambulatoriais

PROGRAMAÇÃO OFICIAL

Práticas De Segurança No Procedimento Cirúrgico Hospital Estadual De Diadema - HED. Maria Fernandes

EXAME NEUROLÓGICO III

MANUAL DE SEGURANÇA DO PACIENTE DA TAKAOKA ANESTESIA

OBJETIVOS DA AULA: CARIOTECA (MEMBRANA NUCLEAR) Articulação Radioulnar. articulação Distal sinovial e uniaxial.

ELETROANALGESIA (BAIXA FREQUÊNCIA T.E.N.S.) Prof. Thiago Yukio Fukuda

Profa Dra Eliana Marisa Ganem CET/SBA do Depto. de Anestesiologia Faculdade de Medicina de Botucatu UNESP

Técnicas Básicas em. Sergey Nickolaev

I Curso de Férias em Fisiologia - UECE

Título da Conferência LARINGOESPASMO. Nome:Dra. BELMIRA LUIS Medica Anestesiologista HPDB 08\11\2017

MONITORIZAÇÃO DA PROFUNDIDADE ANESTÉSICA

Indução e intubação em sequência rápida

Segundo MEEKER et al (1997), o posicionamento do paciente para uma intervenção cirúrgica é uma arte, uma ciência e também um fator-chave no

13/05/2013. Prof.Msc.Moisés Mendes Universidade Estadual do Piauí- Teresina

VMNI na Insuficiência Respiratória Hipercápnica

RELATÓRIO DE FISCALIZAÇÃO Vistorias Programadas sobre a aplicação da RESOLUÇÃO CFM N 1.802/2006, que dispõe sobre a prática do ato anestésico.

EMENTA: A monitorização cerebral intraoperatória é recomendada nas condições clínicas preconizadas. DA CONSULTA

Síndrome caracterizada por: Urgência miccional (principal sintoma) COM ou SEM incontinência, Também associada a: Polaciúria. Noctúria......

Cinesiologia. Cinesio = movimento Logia = estudo. Cinesiologia = estudo do movimento

SISTEMA NEUROMUSCULAR. Prof.ª Ana Laura A. Dias

FISIOTERAPIA RESPIRATÓRIA NO AVE FT RAFAELA DE ALMEIDA SILVA APAE-BAURU

PROGRAMAÇÃO DE ESTÁGIO ANESTESIOLOGIA

CARLOS ALEXANDRE FERRI NEUROESTIMULADOR MICROCONTROLADO PARA UTILIZAÇÃO EM PROCEDIMENTOS ANESTÉSICOS

Transcrição:

ARTIGO DE REVISÃO Bases da monitorização neuromuscular Bases of neuromuscular monitoring Marcos Vinícius Pimentel Cardoso 1, Maíla Aparecida Vinhal Andrade 1, Joana Angélica Vaz de Melo 1, William Costa Rocha 1, Flávia Aparecida Resende 2, Aline Viana Carvalho Amorim 3 DOI: 10.5935/2238-3182.20160006 RESUMO 1 Médico em Especialização do Centro de Ensino e Treinamento CET/Sociedade Brasileira de Anestesiologia SBA do Hospital Felício Rocho. Belo Horizonte, MG Brasil. 2 Médica Anestesiologista. Hospital Felício Rocho. Belo Horizonte, MG Brasil. 3 Médica Anestesiologista. Título Superior em Anestesiologia TSA/SBA. Corresponsável pelo CET-SBA do Hospital Felício Rocho. Belo Horizonte, MG Brasil. O uso seguro de bloqueadores neuromusculares requer monitorização. Por muito tempo, esta era baseada em critérios clínicos, pouco eficazes na detecção de bloqueio residual. A medida da função neuromuscular em resposta ao estímulo elétrico de um nervo motor é, hoje em dia, o método mais eficaz. Diferentes músculos podem ser usados com essa finalidade, por sensibilidades variáveis à ação dos bloqueadores. A monitorização auxilia o anestesiologista na indução, manutenção e recuperação do procedimento anestésico-cirúrgico. Assim, o conhecimento dos equipamentos e dos diferentes padrões de estímulo é fundamental na prática anestésica, de modo a garantir precisão e segurança no uso dos bloqueadores neuromusculares. Palavras-chave: Bloqueio Neuromuscular; Bloqueadores Neuromusculares; Monitoração Neuromuscular; Anestesia. ABSTRACT The safe use of neuromuscular blocking agents requires monitoring. For a long time, this was based on clinical criteria, ineffective in the residual block detection. The measurement of neuromuscular function in response to electrical stimulation of a motor nerve is, nowadays, the most effective method. Different muscles can be used for this purpose, by varying sensitivities to the action of blockers. Monitoring assists the anesthesiologist in the induction, maintenance and recovery of the anesthetic-surgical procedure. Thus, knowledge of the equipment and the different stimulus patterns is essential in anesthesia to ensure accuracy and safety in the use of neuromuscular blockers. Key words: Neuromuscular Blockade; Neuromuscular Blocking Agents;Neuromuscular Monitoring; Anesthesia. INTRODUÇÃO Instituição: Hospital Felício Rocho Belo Horizonte, MG Brasil Autor correspondente: Marcos Vinícius Pimentel Cardoso E-mail: marcospimentel@outlook.com O bloqueio neuromuscular é desejável durante o ato anestésico-cirúrgico para facilitar a intubação traqueal e possibilitar exposição e manejo cirúrgico adequado. No entanto, seu uso seguro requer vigilância da resposta motora. Essa monitorização foi realizada por muito tempo a partir exclusivamente de critérios clínicos, como tônus muscular, volume corrente, pressão inspiratória máxima, capacidade de sustentar a cabeça e abrir os olhos. Entretanto, esses parâmetros são pouco eficazes na detecção de bloqueio residual, necessitam de comparação com os parâmetros apresentados pelo paciente no pré-operatório e sofrem influência de outras drogas utilizadas no intraoperatório. 1-3 A medida da força de contração de um músculo peri- 34

férico, em resposta ao estímulo elétrico do seu nervo motor correspondente, é o método mais eficaz para avaliar a função neuromuscular. Vários fatores podem interferir nessa medida, como o estado contrátil do músculo, o estado funcional da junção neuromuscular, local da estimulacão, as características do estimulador e do estímulo elétrico. Conhecer essas variáveis torna-se fundamental na prática anestésica de modo a garantir precisão na monitorização e segurança no uso dos bloqueadores neuromusculares (BNM). MONITORIZAÇÃO CLÍNICA DO BLOQUEIO NEUROMUSCULAR A avaliação do grau de bloqueio neuromuscular dá-se, tradicionalmente, por critérios clínicos, como a capacidade de levantar e sustentar a cabeça, elevar as pernas e dar um aperto de mão por cinco segundos. Parâmetros como volume corrente normal, capacidade vital acima de 15-20 ml/kg e força inspiratória negativa que exceda -25 cmh 2 O também são utilizados como critérios de reversão. Estes testes, contudo, não são sensíveis para avaliação do bloqueio residual. Ensaios clínicos evidenciaram que testes subjetivos podem ser executados por pacientes, mesmo diante de graus significativos de bloqueio residual, como TOF de 0,5, o que não garante segurança ao ato anestésico. 4 A ESTIMULAÇÃO NERVOSA E O EQUIPAMENTO A resposta neural ao estímulo elétrico depende, fundamentalmente, da corrente elétrica aplicada, de sua duração e do posicionamento dos eletrodos, que estabelecem a conexão entre o estimulador de nervo periférico e o paciente. Os estimuladores de nervo periférico devem fornecer uma corrente máxima de 60 a 80 ma. 5 A duração da corrente emitida deve ser longa o suficiente para despolarizar todos os axônios, mas não a ponto de exceder o período refratário do nervo. Na prática, a duração do pulso de 0,1 a 0,2ms é aceitável. 5 A maioria dos estimuladores é desenvolvida de forma a fornecer uma corrente constante, o que é prejudicado quando há elevada impedância. Dessa forma, antes de fixar os eletrodos, devem-se remover os pelos do local de fixacão e friccionar a pele com gaze e álcool para diminuir a resistência à corrente elétrica. Tem-se, por convenção, que o cátodo, eletrodo negativo, usualmente de cor mais escura, deve ser colocado sobre o nervo que se deseja estimular e é denominado eletrodo ativo. O ânodo, eletrodo positivo, da cor vermelha, denominado eletrodo indiferente, é colocado proximal ao cátodo, distando 2 a 5 cm deste. 3-5 SÍTIOS DE ESTÍMULO Os músculos não respondem de forma uniforme aos BNMs. Embora qualquer nervo motor possa ser estimulado, dá-se preferência àqueles cuja disposição anatômica seja superficial à pele e cuja resposta seja fácil de ser mensurada. A melhor opção é escolher um local de monitorização que tenha resposta similar à do músculo de interesse. Músculo adutor do polegar É inervado pelo nervo ulnar, que se torna superficial na área do punho onde se posiciona o eletrodo negativo. O eletrodo positivo é colocado apenas alguns centímetros proximalmente. A força de contração desse músculo tornou-se padrão na monitorização do bloqueio neuromuscular. A recuperação dos músculos das vias aéreas superiores e do músculo adutor do polegar ocorre quase que simultaneamente, logo, o bloqueio residual verificado neste sítio aumenta a possibilidade de obstrução das vias aéreas superiores. 6 O músculo adutor do polegar também pode ser estimulado posicionando-se eletrodos diretamente sobre ele, no espaço que se encontra entre as bases do primeiro e segundo metacarpos, nas faces palmar e dorsal da mão, respectivamente. A corrente para se obter estimulação direta com os eletrodos nessas posições é bem maior do que a estimulação nervosa. A estimulação do nervo ulnar também provoca flexão e abduçao do quinto dedo, que geralmente se recupera antes do adutor do polegar. A discrepância na primeira contração tem sido em torno de 15 a 20%. Baseando-se na resposta do quinto dedo, a recuperação do bloqueio pode ser superestimada. Abdução do dedo indicador também pode ocorrer pela estimulaçao do nervo ulnar, com sensibilidade comparável à do músculo adutor do polegar. 7 35

Músculos do olho O músculo orbicular dos olhos cobre a pálpebra e sua resposta aos BNMs é semelhante à do músculo adutor do polegar. O músculo que movimenta a sobrancelha, o corrugador do supercílio, tem resposta comparada à do músculo adutor da laringe, com início e recuperaçao mais rápidos do que o músculo adutor do polegar. Ambos podem ser avaliados a partir da estimulação do nervo facial, de acordo com o posicionamento dos eletrodos. 8 Músculos do pé O nervo tibial posterior pode ser estimulado atrás do maléolo medial e produz flexão do primeiro dedo pela contraçao do músculo flexor do hálux. A recuperação do bloqueio neuromuscular neste sítio não difere significativamente daquela do músculo adutor do polegar. A estimulação do nervo fibular comum produz dorsiflexão do pé, mas sua sensibilidade ainda não foi comparada. 9 mecanografia: nesta técnica, um transdutor de força é utilizado para converter a força da contração muscular isométrica em estímulo elétrico. A amplitude do sinal é proporcional à força de contração. Há necessidade de se aplicar uma pré-carga de 200-300 gramas para recrutamento de todas as fibras musculares. Em função do preço, tamanho do equipamento e montagem mais elaborada, não é utilizado rotineiramente, sendo mais útil em pesquisas clínicas, sendo considerado o padrão-ouro por muitos especialistas. 5,11 eletromiografia: é a técnica mais antiga para avaliação do bloqueio neuromuscular. Baseia-se no fato de a força de contração muscular ser proporcional ao potencial de ação gerado, de modo que o equipamento registra a atividade elétrica do músculo estimulado. Teoricamente, pode ser utilizada não apenas nos polegares, mas em outros locais de interesse, como o diafragma e a laringe. Na prática, os sítios mais utilizados são a eminência hipotenar, o primeiro interósseo dorsal e o adutor do polegar, todos supridos pelo nervo ulnar. Foi utilizada primariamente em pesquisas. 5-7 MÉTODOS DE MONITORIZAÇÃO Na prática clínica, o uso de estimuladores de nervo periférico simples fornece uma avaliação da resposta muscular a partir do método visual ou tátil. Esses são métodos qualitativos e subjetivos, com baixo grau de confiabilidade para detectar o bloqueio neuromuscular residual, não sendo capaz de diferenciar, por exemplo, TOF de 0,7 e de 1,0. Os métodos quantitativos e objetivos são recomendados, sendo os mais utilizados a aceleromiografia, mecanografia e eletromiografia. 8 aceleromiografia: seu princípio é baseado na segunda lei de Newton, segundo a qual força é igual à massa vezes a aceleração. Sendo a massa constante, o valor da força é proporcional à aceleração. Um transdutor de aceleração (piezoelétrico) é acoplado à extremidade distal da musculatura estimulada, mais comumente o músculo adutor do polegar. A movimentação muscular produz uma voltagem no transdutor, que é proporcional à aceleração. Para evitar erros de leitura, o antebraço, bem como a mão do paciente, deve se manter fixo durante a cirurgia, com o polegar livre para realizar seu movimento de adução. Atualmente, é o método mais difundido para uso na prática clínica. 10 PADRÕES DE ESTIMULAÇÃO O bloqueio neuromuscular pode ser monitorizado com diferentes formas de eletroestimulação. Todos os tipos de estímulo são realizados com corrente de intensidade supramáxima e pulsos de ondas quadradas com duração de até 0,3ms. O que os difere é a frequência de estimulação, que corresponde ao número de pulsos administrados por segundo, sendo a unidade de medida o Hertz (Hz). Uma frequência de 1 Hz corresponde a um pulso a cada segundo. Por sua vez, 0,1 Hz equivale a um pulso a cada 10 segundos. estímulo simples: o nervo periférico é submetido a um estímulo simples supramáximo com frequência de 0,1-1 Hz. Frequência de estimulação acima de 0,15 Hz já pode resultar em diminuição da resposta da contração muscular devido à fadiga. 5-7 É útil na elaboração de curvas de dose-resposta e na avaliação do início de ação dos BNM. Sem equipamentos de monitorização adequados, como aceleromiografia ou eletromiografia, a técnica não produz informações confiáveis sobre bloqueio neuromuscular residual, uma vez que sua resposta necessita de comparação com um estímulo prévio ao uso do BNM. 36

sequência de quatro estímulos (TOF Train of Four): o padrão de estimulação consiste na aplicação de quatro estímulos em uma frequência de 2 Hz (quatro estímulos em dois segundos). Um intervalo de 10 segundos deve ser aguardado entre sucessivos TOFs, para evitar fadiga muscular durante as medidas. 8 O bloqueio pode ser avaliado pelo número de respostas musculares e por meio da relação entre a amplitude da quarta e da primeira respostas da sequência (proporção T 4 ). No bloqueio neuromuscular, é observado progressivo decréscimo na amplitude de resposta, proporcional à profundidade do relaxamento (Figura 1). 3,5 Na ausência de bloqueio neuromuscular, todas as quatro respostas são de igual amplitude. A perda da quarta resposta corresponde a 75-80% do bloqueio do primeiro estímulo. O desaparecimento da terceira, segunda e primeira contrações corresponde ao bloqueio de cerca de 85%, 90% e 98-100%, respectivamente. 5,6 Valor de T 4 > 0,7 sugere recuperação do bloqueio do diafragma. Porém, não é suficiente para prevenir aspiração do conteúdo gástrico. Valor de T 4 > 0,8 representa a capacidade do paciente em gerar 90% de seu volume corrente. A dificuldade de deglutição desaparece apenas com T 4 > 0,9, sendo este o valor desejável na prática clínica, a fim de garantir recuperação ótima e, portanto, mais segurança ao paciente. 12 estimulação tetânica: corresponde à estimulação de alta frequência (50-100 Hz), mantida durante período de cinco segundos. A resposta muscular é percebida como contração única e sustentada durante a ausência de bloqueio. 10 Em caso de bloqueio neuromuscular residual, é observada diminuição gradativa da resposta neuromuscular durante a estimulação (Figura 2). 3,5 Foi percebido que frequências acima de 100 Hz estavam associadas à fadiga das fibras musculares, mesmo sem uso de BNM. No bloqueio adespolarizante, a estimulação tetânica pode resultar em aumento da resposta neuromuscular após estímulo simples, pelo mecanismo de facilitação pós-tetânica (FPT). A FPT ocorre em função da síntese de acetilcolina e da mobilização de vesículas para o terminal nervoso. Esse fenômeno perdura após interrupção do estímulo tetânico e desaparece após cerca de 60 segundos. Para evitar que o bloqueio seja superestimado, a estimulação tetânica não deve ser repetida em intervalos inferiores a dois minutos. Baurain et al. 13 verificaram que a ausência de fadiga após um estímulo tetânico de 100 Hz por cinco segundos corresponde a um TOF 0,85. 5-7,11 Entretanto, estudos demonstraram que a sensibilidade da estimulação tetânica para a detecção de bloqueio residual é próxima de 70% e sua especificidade em torno de 50%. 12 contagem pós-tetânica (CPT): é utilizada para avaliar a profundidade do bloqueio neuromuscular, quando ainda não há resposta tátil ou visual no TOF. Faz uso do fenômeno de FPT para sua determinação. Para a CPT, é realizado um estímulo tetânico de 50 Hz durante cinco segundos, seguido por estímulos supramáximos simples de 1 Hz após intervalo de três segundos. 14 O resultado é o número de respostas a esses estímulos simples sequenciais, o qual deve ser zero em caso de um bloqueio neuromuscular muito profundo (Figura 3). A detecção de cinco a sete respostas pode indicar que o retorno da resposta ao TOF está próximo. 3,5 double-burst (DBS): a técnica foi introduzida em 1984 por Engbaek et al. 15 e permite melhor avaliação tátil ou visual de bloqueio neuromuscular residual. O DBL ou estimulação com dupla salva consiste na aplicação de dois ou três estímulos tetânicos de 50 Hz, espaçados entre si por 750 milissegundos (Figura 4). 3,5 Na ausência de diminuição gradual da contração muscular, há 90% de chance de TOF > 0,6. Já a redução na resposta muscular do segundo impulso, comparado ao primeiro, corresponde a um TOF<0,6. Deve-se aguardar 12 a 15 segundos entre duas estimulações DBS. APLICAÇÕES CLÍNICAS A condição ideal para intubação depende do estado de relaxamento dos músculos das vias áreas e da respiração. Os músculos adutores da laringe e o diafragma são os mais resistentes aos bloqueadores adespolarizantes. Como resultado dos diferentes níveis de sensibilidade dos músculos e tempo de início de ação dos BNMs, o bloqueio da musculatura da laringe e da mão, após um bolus do BNM, pode ocorrer de formas distintas. A estimulação do nervo facial, com inspeção da resposta da sobrancelha, é o mais indicado para predizer condições de intubação, uma vez que a sensibilidade do músculo corrugador do supercílio é comparável à da musculatura laríngea. 6-8,16 37

O relaxamento cirúrgico adequado é obtido quando apenas uma ou duas respostas são mantidas no TOF ao se estimular o músculo adutor do polegar. 4,8 Todavia, com esse parâmetro, o relaxamento pode ser insuficiente nos casos em que a completa imobilidade do paciente é necessária. Os movimentos diafragmáticos e tônus abdominal podem ocorrer nesse nível de bloqueio. A administração de maior quantidade de BNM para aumentar a profundidade do bloqueio consegue abolir esses movimentos. O uso de opioides, o aumento na concentração de agentes inalatórios e a hiperventilação para redução do CO 2 são métodos que podem ser utilizados como adjuvantes. Deve ser levado em consideração que doses adicionais de BNM podem prolongar o tempo de recuperação do bloqueio. Para avaliação da recuperação do bloqueio neuromuscular, a ventilação espontânea não é um sinal adequado. É desejável que o completo retorno da função neuromuscular seja atingida ao final do procedimento cirúrgico, antes de ser realizada a extubação. Fraqueza significativa pode ocorrer com TOF<0,9, com risco aumentado de disfunção faríngea e broncoaspiração. 13 A monitorização pelo TOF orienta a dose dos agentes de reversão a serem usados. Agentes anticolinesterásicos são administrados com mais segurança quando os quatro estímulos retornam no TOF aferido no adutor do polegar, já que pode não haver reversão completa do bloqueio neuromuscular quando usados mais precocemente. 6 A reversão completa pode demorar, em média, 15 a 20 minutos. Em níveis mais profundos, o sugammadex seria melhor opção de reversão e sua dose deve ser adequada à profundidade do bloqueio. 17 CONCLUSÃO O manejo cuidadoso da função neuromuscular pode reduzir o risco de paralisia residual e suas complicações associadas. Estudos disponíveis sugerem que a prática clínica baseada em evidências no uso dos BNMs tende a melhorar o desfecho do paciente, encurtando o período de recuperação anestésico-cirúrgico. O desenvolvimento de novas drogas representa um progresso promissor no campo da farmacologia neuromuscular, que poderá impactar com baixas taxas de bloqueio residual e redução da morbidade associada. REFERÊNCIAS 1. Murphy GS, Brull SJ. Residual neuromuscular block: lessons unlearned. Part I: definitions, incidence, and adverse physiologic effects of residual neuromuscular block. Anesth Analg, 2010; 111:120-8. 2. Naguib M, Kopman AF, Ensor JE. Neuromuscular monitoring and postoperative residual curarisation: a meta-analysis. Br J Anaesth. 2007; 98:302-16 3. Tardelli MA. Função neuromuscular: bloqueio, antagonismo e monitorização. In: Yamashita AM, Takaoka F, Auler Jr JOC, Iwata NM, editores. Anestesiologia SAESP. São Paulo: Atheneu; 2001.p. 234-42. 4. Brull SJ, Murphy GS. Residual neuromuscular block: lessons unlearned. Part II: methods to reduce the risk of residual weakness. Anesth Analg, 2010; 111:129-40. 5. Tardelli MA. Monitorização do Bloqueio Neuromuscular. In: Sociedade Brasileira de Anestesiologia. Curso de Educação à Distância em Anestesiologia. São Paulo: Office; 2002. p.177-90. 6. Barash P, Cullen BF, Stoelting RK, Cahalan M, Stock MC, Ortega R. Clinical anesthesia. Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins; 2014. 1880 p. 7. Fuchs-Buder T, Schreiber JU, Meistelman C. Monitoring neuromuscular block: an update. Anaesthesia. 2009; 64(1):82-9. 8. Miller RD, Eriksson LI, Fleisher LA, Wiener-Kronish JP, Cohen NH, Young WL. Miller s Anesthesia. 8 th ed. Oxford, UK: Elsevier Health Sciences; 2015; 3312 p. 9. Rodney G, Raju PKBC, Ball DR. Not just monitoring; a strategy for managing Neuromuscular blockade. Anaesthesia. 2015; 70:1105-9. 10. Longnecker DE, Brown DL, Newman MF, Zapol WM. Anesthesiology. 2 th ed. McGraw-Hill; 2012; 1748 p. 11. McGrath CD, Hunter JM. Monitoring of neuromuscular block. Continuing education in Anaesthesia, Crit Care Pain. 2006; 6:7-12. 12. Hemmerling TM, Le N. Brief review: neuromuscular monitoring: an update for the clinician. Can J Anaesth. 2007;54(1):58-72. 13. Baurain MJ, Hennart DA, Godschalx A, Huybrechts I, Nasrallah G, d Hollander AA, Cantraine F. Visual evaluation of residual curarisation in anesthesized patients using a one hundred-hertz, five-second tetanic stimulation at the adductor pollicis muscle. Anesth Analg. 1998 Jul; 87(1):185-9. 14. Samet A, Capron F, Alla F, Meistelman C, Fuchs-Buder T. Single acceleromyographic train-of-four, 100-Hertz tetanus or double- -burst stimulation: which test performs better to detect residual paralysis? Anesthesiology. 2005; 102: 51-6. 15. Engbaek J, Ostergaard D, Viby-Mogensen J. Double burst stimulation (DBS): a new pattern of nerve stimulation to identify residual neuromuscular block. Br J Anaesth. 1989 Mar;62(3):274-8. 16. Viby-Mogensen J. Postoperative residual curarization and evidence-based anaesthesia. Br J Anaesth. 2000; 84:301-3. 17. Morais BS, Castro CHV, Teixeira VC, Pinto AS. Bloqueio neuromuscular residual após o uso de rocurônio ou cisatracúrio. Rev Bras Anestesiol. 2005; 55(6):622-30. 38