INTER-RELAÇÕES DE SEQUÊNCIAS TEXTUAIS NO INTERIOR DO GÊNERO CARTA ABERTA

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Transcrição:

INTER-RELAÇÕES DE SEQUÊNCIAS TEXTUAIS NO INTERIOR DO GÊNERO CARTA ABERTA Lidemberg Rocha de Oliveira Departamento de Letras - UFRN RESUMO: A manifestação verbal se efetiva por meio de textos, esses concretizados em gêneros textuais, que são, portanto, atravessados por sequências (ADAM, 2008) ou tipos de textos (MARCHUSCHI, 2008). As sequências exercem um papel importante na organização estrutural de um determinado gênero, visto que favorece o lineamento e progressão do seu conteúdo temático. Percebe-se que, mesmo havendo a predominância de uma sequência textual específica (narrativa, descritiva, explicativa, argumentativa ou dialogal), o texto se compõe pelo entrelaçamento dessas que visam um propósito comunicativo. À luz da Análise Textual dos Discursos (ATD), este trabalho descreve uma análise acerca do inter-relacionamento de sequências no gênero textual Carta Aberta. O corpus deste estudo é formado por textos veiculados na revista Veja, onde se objetivou verificar o modo pelo qual se deu a organização sequencial das proposições em virtude da construção do texto e do discurso. Palavras-Chave: Gênero textual. Sequências textuais. Texto. Discurso. Introdução O presente trabalho traz a análise das inter-relações de sequências textuais no interior do gênero carta aberta. Sendo a carta aberta um gênero textual de ampla circulação, sua funcionalidade se dá pelo caráter argumentativo, onde as pessoas a utilizam para posicionar-se mediante as temáticas, diga-se que muitas vezes polêmicas, que surgem na sociedade. Se tratando das sequências textuais na carta aberta, neste trabalho será observado como as sequências atuam na função de tese e argumentos e nas estratégias argumentativas adotadas pelos autores ao defender um posicionamento. O corpus deste estudo é formado por dois textos veiculados na revista Veja. Um circulou na versão impressa da Veja e o outro foi retirado da Veja on line. Objetivou-se verificar a organização sequencial das proposições em virtude da construção do texto e do discurso. Ou seja, observar como as sequências textuais, propostas por Adam, se articulam e formam uma unidade de sentido. O trabalho traz um referencial teórico que traz conceitos de sequências e gêneros textuais à luz de (ADAM, 2008); (MARCHUSCHI, 2008); (BONINI, 2005) e (ROSA, 2003) e informações acerca do gênero carta aberta em específico. Dando continuidade, traz a análise textual das cartas e a conclusão do trabalho realizado. Referencial teórico A manifestação verbal se efetiva por meio de textos, esses concretizados em determinados gêneros a partir de uma sequenciação ou tipificação. Sendo assim, não é possível analisar textos, qualquer que seja sua tipologia, desconsiderando o gênero textual no qual se apresenta, como também sua funcionalidade no contexto social, uma

vez que a análise textual dos discursos deve partir de uma teoria da produção co(n)textual de sentido que deve, necessariamente, ser fundamentada na análise de textos concretos. (ADAM, 2008:13). A construção da textualidade se dá pela relação do texto como unidade de sentido global com as partes que o compõe. Além do aspecto linguístico, que também relaciona as partes ao todo, leva-se em consideração a relação cotexto/contexto e a dimensão cognitiva. Então, o entendimento do texto como uma construção situada histórica e socialmente não desconsidera a compreensão dos segmentos, das partes, que o constitui internamente. É importante ressaltar que as partes não se justificam por relações atomizadas entre os segmentos e o todo, mas por uma dialogicidade constante. Conforme Adam (2008) o texto como totalidade se configura num plano de texto, uma organização mental, sequenciado por partes reconhecíveis. O autor ainda acrescenta que o entendimento dessa lógica se dá pela compreensão das partes para o todo, não de forma fragmentada, mas integrativa. As sequências textuais são essenciais à estruturação de um dado gênero de texto, visto que elas configuram o texto quanto aos aspectos da progressão do conteúdo. Sendo assim, cada gênero textual, dependendo da intenção comunicativa, apresenta a predominância de uma sequência textual ou tipificação, mas é reconhecido que em cada gênero há o inter-relacionamento de sequências. Quanto aos gêneros textuais, há afirmação de que são entidades sócio-discursivas e formas de ação social incontornáveis em qualquer situação comunicativa, que contribuem para ordenar e estabilizar as atividades discursivas do dia-a-dia. (Marcuschi apud Dionísio, Machado e Bezerra, 2005:19). Já as sequências textuais, ou tipos de textos, estão juntamente com os gêneros dados socialmente, ou seja, disponíveis num conjunto de conhecimentos dos grupos sociais. Permitem a construir (na produção) e reconstruir (na leitura ou na escuta) a organização global de um texto, prescrita por um gênero. Diferentemente da noção de gênero textual, o tipo de texto designa uma espécie de construção teórica {em geral uma sequência subjacente aos textos}definida pela natureza linguística de sua composição {aspectos lexicais, sintáticos, tempos verbais, relações lógicas, estilo}. O tipo caracteriza-se muito mais como sequências linguísticas (sequências retóricas) do que como textos materializados; a rigor são modos textuais. Em geral, os tipos textuais abrangem cerca de meia dúzia de categorias conhecidas como: narração, argumentação, exposição, descrição, injunção. O conjunto de categorias para designar tipos textuais é limitado e sem tendência de aumentar. Marcuschi (2008:154) Quanto ao gênero textual adotado neste estudo, é observada sua função social no âmbito da argumentação, uma prática necessária ao exercício da cidadania no mundo contemporâneo. A carta aberta se organiza em torno de um assunto polêmico localizado num determinado momento histórico. Através dela os sujeitos têm oportunidade de defender seu posicionamento a favor, total ou parcialmente, ou contrário a um determinado tema. A carta, por sua natureza epistolar, traz um conteúdo que é dirigido a alguém de modo particular, é um conhecimento privado nesse sentido. Entretanto, a carta aberta é também dirigida a um destinatário especificamente, mas seu conteúdo é de interesse público, assim de individual torna-se coletiva. Estruturalmente, a carta aberta assim se organiza: título, com função de identificar o destinatário que pode ser

um indivíduo, um grupo de pessoas ou a sociedade como um todo; contextualização do assunto, situa o leitor do assunto a ser tratado; introdução, ressalta o problema a ser resolvido e traz a tese da argumentação; desenvolvimento: trata-se da exposição do assunto em si, momento que se apresentam os argumentos; conclusão, finaliza todo o discurso, traz uma nova tese; despedida, fechamento da carta, da interlocução com o leitor; assinatura, assunção do posicionamento, é mostrado o autor do texto assumindo responsável pelo dito. Nessa perspectiva, dominar um gênero textual não se restringe a compreender normas linguísticas, mas o funcionamento interno do gênero como também sua funcionalidade. Análise dos dados O trabalho consiste em analisar o inter-relacionamento de sequências textuais no gênero textual Carta Aberta. O corpus deste estudo é formado por dois textos, aqui concebidos como A e B, veiculados na revista Veja. O texto A, intitulado Cara presidente, de Roberto Pompeu de Toledo, circulou na versão impressa da Veja do dia 04 de maio de 2011, já o B com o título Carta aberta ao Sr. José Dirceu, do vereador do PSDB Artur Orsi, foi retirado da Veja on line, do blog do colunista Augusto Nunes publicado em 21 de junho de 2011. Objetivou-se verificar a organização sequencial das proposições em virtude da construção do texto e do discurso. Ou seja, observar como as sequências textuais, propostas por Adam, se articulam e formam uma unidade de sentido. Por ser a carta aberta o objeto de estudo à análise das inter-relações entre as sequências textuais, deduz-se que a sequência textual predominante seja a argumentativa por se tratar de um gênero do âmbito da argumentação. Através de cartas abertas as pessoas podem defender seus pontos de vista acerca das diversas temáticas que circulam socialmente. É pertinente ressaltar a diferença entre argumentação e sequência argumentativa: a primeira é uma prática social que visa o convencimento, a segunda é uma estrutura linguística lógica e formal recorrente à argumentação. As cartas abertas analisadas apresentam a estrutura convencional do gênero: título, que nos dois textos também funciona como vocativo; introdução ao assunto abordado, na verdade uma contextualização para orientar o leitor quanto à progressão da argumentação; a apresentação da tese, os argumentos que a sustenta e a conclusão, a nova tese, isso marcando linguisticamente o jogo de interlocução entre enunciador e co-enunciador. O fato é que na construção da argumentação nos textos analisados, seja concedendo, aprovando ou refutando, além da sequência argumentativa, que é típica, existem outras que se inter-relacionam e contribuem na construção de sentido do texto. Num mesmo gênero, num mesmo texto, pode haver várias sequências, entretanto a intenção comunicativa torna uma evidente. No texto A, a argumentação é construída a partir da inter-relação das sequências argumentativa, explicativa e descritiva (ADAM, [1992] 2008) e injuntiva (ROSA, 2003). A numeração localizada no quadro abaixo será utilizada à análise do texto mais adiante. Texto A

Nº Sequência Texto/ fragmento textual 1 Assinatura Roberto Pompeu Toledo 2 Título/ vocativo Cara presidente 3 Descritiva Não foi a senhora que inventou essa história de sediar a Copa do Mundo. Foi o Outro. Ele é que era, e continua sendo, louco por futebol. Ele é que criou na cabeça um Brasil tão grande e influente que terminaria com a crise do programa nuclear do Irã, arbitraria a paz entre árabes e israelenses, ganharia um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU e, para encerrar, como a última firula do artilheiro antes de fazer o gol, sediaria o Mundial de 2014. 4 Argumentativa A senhora, ao contrário, e mil desculpas se for engano, aparenta se aborrecer mortalmente diante de um jogo de futebol. Também não é crível, simplesmente não cabe no seu perfil, que acredite no mesmo Brasil fantasioso do Outro. Se deu a entender que sim, isso ocorreu apenas no período eleitoral, em que, como no Carnaval, tudo é permitido. 5 Explicativa Falo, falo, e não digo o essencial, escrevia Nelson Rodrigues. O essencial é o seguinte: por que não desistir? Não seria a primeira vez. A Colômbia, escolhida para sediar a Copa de 1986, jogou a toalha três anos antes, e o torneio mudou para o México. 6 Descritiva O Brasil não vive a mesma crise econômica nem as ameaças do terrorismo esquerdista e dos cartéis da droga que atormentavam a Colômbia no período. Em contrapartida, temos colossais problemas de infraestrutura de transportes e, se não enfrentamos crise econômica, não nos sobra dinheiro para erguer estádios já nascidos com a marca de elefantes brancos, como, com todo o respeito, os de Natal, Manaus e Cuiabá. Os aeroportos já são um caso perdido, segundo estudo do Ipea, um órgão aí da sua cozinha. Nove, entre os treze que servirão ao evento, de acordo com o estudo, não ficarão prontos a tempo. Na semana passada, num gesto que soa a desespero, pois contraria um dogma de seu partido, o governo abriu a possibilidade de privatização dos novos terminais. Mesmo que seja para valer, não serão dispensadas, é claro, as concorrências, os contratos, as licenças ambientais, sabe-se lá mais o quê. Mas, suponhamos que dê certo, e o prognóstico do Ipea não se confirme. Muito bem, o distinto público consegue desembarcar nos aeroportos. Suponhamos que num dos aeroportos paulistas. Novo desafio: como chegar à cidade? Não há trens, e as estradas vivem congestionadas. Como este é um exercício de boa vontade, suponhamos mais uma vez que consigam. Problema seguinte: como chegar ao estádio do Corinthians, no bairro de Itaquera, o escolhido 7 Explicativa da Fifa? A linha de metrô que o serve está saturada, e o tráfego nas avenidas com o mesmo destino é de fazer chorar. Mas suponhamos, mais uma vez, que dê certo. Enfim, chegamos. Mas... aonde? A um terreno baldio. O estádio do Corinthians não é mais que uma hipótese. Nem quem vai pagá-lo se sabe. 8 Argumentativa Falo, falo, e não digo o essencial. O essencial desta missiva, senhora presidente, é sugerir-lhe uma estratégia. 9 Injuntiva Se lhe parece humilhante desistir assim, na lata, a sugestão é a seguinte: brigue com a Fifa. Enfrente-a.

10 Descritiva Como o mundo inteiro sabe, a Fifa não é flor que se cheire. É uma entidade tão milionária, e tão abusada no uso de seus poderes, quanto são milionários e abusados seus dirigentes. 11 Injuntiva Pega bem enfrentá-los. Brigue para que reduzam suas incontáveis exigências. Que aceitem a reforma de estádios existentes em vez de pedirem tantos novos. Que assumam parte das despesas. 12 Descritiva A Fifa está com a corda no pescoço tanto quanto a senhora. 13 Argumentativa Na melhor das hipóteses, eles romperão com o Brasil e partirão para uma alternativa de emergência. A culpa não será da senhora, mas da arrogante inflexibilidade que demonstraram. Na pior, que já nos é favorável, reduzirão as exigências e arcarão com parte dos custos. 14 Argumentativa A senhora já tem assunto demais com que se preocupar. Precisa livrar-se desta, com perdão pela expressão, herança maldita. 15 Argumentativa Em paralelo, e com cuidado, a senhora trataria de reduzir o absurdo número de doze cidades-sede para os jogos. 16 Descritiva A questão exige mais cuidado porque mexe com interesses locais e porque aqui não foi a Fifa, foi ele, o Outro, que assim quis. Com a mente intoxicada de Brasil Grande e o olho nos dividendos eleitorais, ele quis agradar ao maior número de gente possível. Agiu, na manipulação do futebol, como faziam os governos militares. Na África do Sul as sedes foram nove; nos EUA, outro país continental, também nove. 17 Argumentativa Abater o número de sedes diminui despesas e poupa o público do excesso de deslocamentos. Senhora presidente, ainda lhe sobra espaço político para agir. Tal qual estão postas as coisas, as alternativas são colapso absoluto, fiasco total ou fiasco parcial. 18 166 4 de maio de 2011 Veja Trata-se de um texto em que a sequência explicativa e a argumentativa se fundem, mas nesta análise a tentativa é separá-las para marcar os limites de cada uma. A sequência argumentativa tem o objetivo de modificar ou reafirmar uma visão de mundo, enquanto a explicativa o de transformar uma convicção de um determinado conhecimento (BONINI,2005:224). O trecho (3) é a localização da temática numa determinada situação social e histórica, na verdade descreve prioritariamente o cenário político da época em que o Brasil foi escolhido a ser sede dos jogos da Copa. A contextualização do assunto a ser tratado é uma estratégia argumentativa eficaz, uma vez que recupera as raízes das questões que motivam a argumentação. No excerto (4) já se observa o posicionamento descomprometido do autor, uma vez que tenta estabelecer uma relação cordial com o seu interlocutor. A presidenta é invocada, é ressaltado que ela não tem culpa do problema que ora ocorre, e sim o presidente Lula; a atual gestora é comparada perfiladamente com o seu antecessor, percebendo aí uma certa valoração à sua imagem e mais adiante surge o questionamento Por que não desistir da Copa do Mundo?. A tentativa de proximidade do autor com o interlocutor é intencional e do ponto de vista da argumentação é uma estratégia utilizada para fortalecer, posteriormente, um argumento contrário. Na verdade, o referido questionamento é a macroproposição problema (questão) de uma sequência explicativa cujas explicações encontram-se no interior do texto. A sequência explicativa busca responder à questão Por que? ou Como? de forma objetiva. Dessa forma é interessante analisar o esquema da sequência explicativa apresentado por Adam (1992):

A esquematização inicial é A Colômbia, escolhida para sediar a Copa de 1986, jogou a toalha três anos antes, e o torneio mudou para o México, que é uma informação aceita pelo enunciador e co-enunciador; o problema é o próprio questionamento Porque não desistir da Copa do Mundo?; a explicação são os fatos que se encontram no interior do texto apresentados em sequências descritivas, a exemplo de O Brasil não tem infraestrutura urbanística, não tem estádios adequados, os transportes são insuficientes observados no excerto (6) e a conclusão-avaliação é Não seria a primeira vez.. Se organizadas as proposições na ordem do esquema apresentado por Adam, tinha-se A Colômbia, escolhida para sediar a Copa de 1986, jogou a toalha três anos antes, e o torneio mudou para o México como esquematização inicial; Porque não desistir da Copa do Mundo?o problema; as explicações continuariam no interior do texto e a conclusão-avaliação seria Não seria a primeira vez.. Na verdade a pergunta Porque não desistir da Copa do Mundo? pode ser pensada como Desista da Copa do mundo, o que representa a tese da argumentação. Assim, com uma problemática já definida, aliás uma tese, o autor enumera situações que evidenciam a fragilidade de o Brasil sediar um evento grandioso como a Copa do mundo. Alguns argumentos: problemas de infraestrutura urbanística e de transporte, a ausência de estádios para realização dos jogos, a falta de recursos para a construção dos novos e o fato da Colômbia ter desistido de sediar a copa de 1986 por passar por problemas na época. Para isso, o uso de sequências descritivas é bastante recorrente, como se percebe no fragmento (6) anteriormente citado. No excerto (7) percebe-se uma sucessão de sequências explicativas, talvez usadas consecutivamente como uma estratégia argumentativa. Apesar dos questionamentos serem direcionados ao interlocutor, o fato é que o próprio autor os respondem porque se trata de perguntas retóricas. Por ser tão óbvia a questão, tão nítida... e argumentativamente surte mais efeito do que apenas descrever a situação. Resumidamente, segue as macroproposições das explicativas, salientando que todas estão completas. A legenda a seguir colabora na compreensão da análise: (ei) esquematização inicial; (p) problema/questão; (ex) explicação; (ca) conclusão/avaliação. Assim, nos exemplos temos (ei) Novo desafio:; (p) como chegar à cidade?; (ex) Não há trens, e as estradas vivem congestionadas.; (ca) Como este é um exercício de boa vontade, suponhamos mais uma vez que consigam. Na sequência (ei) Problema seguinte:; (p) como chegar ao estádio do Corinthians, no bairro de Itaquera, o escolhido da Fifa?; (ex) A linha de metrô que o serve está saturada, e o tráfego nas avenidas com o mesmo destino é de fazer chorar.; (ca) Mas suponhamos, mais uma vez, que dê certo. Continuando: Enfim, (ei) chegamos.; Mas... (p) aonde?; (ex) A um terreno baldio.; (ca)o estádio do Corinthians não é mais que uma hipótese. Nem quem vai pagá-lo se sabe. A partir do trecho (8) observa-se uma mudança na progressão discursiva, uma vez mudada a orientação argumentativa. Ao invés de continuar com a tese da desistência da Copa do Mundo no Brasil, aponta para algumas sugestões possíveis de serem efetivadas pela presidente. O autor cria discursivamente um ethos que flutua entre o extremista e o conciliador. A proposta do autor seria a negociação de Dilma com a

FIFA no sentido de firmar uma parceria financeira ou a reestruturação da sistemática prevista à copa no Brasil, como se processa até o excerto (16). Nessa momento do texto, o autor direciona as orientações à pessoa da presidente, expressas por sequências injuntivas nos trechos (9) e (11). A injunção é caracterizada por atos imperativos os quais ordenam um cumprimento, recomendação, conselho ou orientação. Assim, o objetivo da injunção é estimular uma ação, ou seja, um fazer agir do interlocutor (leitor/ouvinte) em relação ao dizer como fazer do locutor (escritor/falante). Para Rosa (2003) a sequência injuntiva possui uma estrutura peculiar, quando completa é caracterizada por: a) exposição do macroobjetivo acional (objetivo geral que se deve atingir através de comandos específicos); b) apresentação dos comandos (disposição de ordenamentos, comandos ou orientações de ações); c) justificativa (os motivos pelos quais se devem seguir os comandos estabelecidos). No texto, o macroobjetivo acional é Se lhe parece humilhante desistir assim e os comandos são brigue com a Fifa ; Enfrente-a ; Brigue para que reduzam suas incontáveis exigências. Que aceitem a reforma de estádios existentes em vez de pedirem tantos novos. Que assumam parte das despesas e a justificativa é representada nos trechos descritivo e argumentativos (12), (13), (14) e (15). O excerto (16) é uma descrição que trata da atual possível relação entre Brasil e a Fifa nas negociações e no trecho (17) a sequência argumentativa conclui o texto, apresentando a nova tese que aponta para um problema em grau maior ou menor dependendo da tomada de decisão da presidenta. Texto B Nº Sequência Texto/ fragmento 19 Título/ vocativo CARTA ABERTA AO SR. JOSÉ DIRCEU 20 Argumentativa Lama atrai lama. Assim como os lobos preferem viver em alcatéia, agrega-se um novo personagem no maior escândalo de corrupção de nossa cidade. Com seus direitos políticos cassados até 2015, o ex-chefe da 21 Descritiva Casa Civil do Presidente Lula, citado no processo do Mensalão (Contextualização) que tramita no STF como chefe de quadrilha, o ex-dirigente petista vem em auxílio de outro chefe de quadrilha.

22 23 24 Descrição Argumentativa (tese) Descritiva 25 Descritiva 26 Argumentativa Em seu blog, o riquíssimo consultor de contratos milionários e clientes não identificáveis, tenta lançar fumaça, visando encobrir o escândalo e desviar a atenção para as falcatruas perpetradas pela atual administração da cidade: O que vemos em Campinas é mais um caso de violação flagrante dos direitos individuais, a pretexto de combater a corrupção. Mais um exemplo de uso político de investigações do Ministério Público de São Paulo, de objetivos eleitorais e ação política travestidos de luta pela ética. E o pior de tudo, mais um caso de encobrimento de denúncias contra o PSDB e de envolvimento do PT sem provas e evidências. Senhor José Dirceu, o que não falta são provas e evidências. A casa caiu São os empresários achacados que fazem fila para depor e denunciar as mazelas da administração Hélio-Vilagra. São as próprias conversas dos ex-homens fortes do governo que apontam para o maior escândalo que Campinas já assistiu. É o amigo de infância que aponta os desvios perpetrados pela quadrilha que veio de outro estado para pilhar nossa cidade. Esse é o fato. Mas a cartilha lulista, da qual o senhor foi coautor, não vai colar em nossa cidade. Aqui não Senhor José Dirceu. Aqui não. 27 Injuntiva Dobre sua língua ao falar do Ministério Público de São Paulo. Ele não é feito do mesmo barro que o senhor e seus amigos. 28 Descritiva Campinas tem uma história de seriedade, forjada por homens sérios como Campos Sales, Carlos Gomes e Guilherme de Almeida. Aqui se trabalha e produz. Não há espaço para gente como você, réu no processo do Mensalão. 29 Injuntiva Sai prá lá José Dirceu. Vá vender suas consultoriazinhas em 30 Argumentativa (Nova tese) 31 Assinatura outra freguesia! Porque aqui tem gente de fibra. Gente séria que não compactua com crimes. Aqui, senhor José Dirceu, não é o seu lugar. Artur Orsi Vereador PSDB autor do pedido de impeachment do prefeito Dr. Hélio, de Campinas O texto B apresenta uma organização mais simples que a do texto A, mas observa-se que sequências descrivitas e injuntivas também funcionam como argumentos que sustentam a tese defendida pelo autor. No trecho (19) tem-se o título, que também funciona como vocativo, no (20) se caracteriza por uma sequência argumentativa, uma opinião forte, no (21) trata-se de uma sequência descritiva uma vez que contextualiza o conteúdo da carta e aponta à progressão da argumentação, no (22) é uma descrição onde é evocada a voz do outro para assim sustentar os próximos argumentos. A tese da argumentação encontra-se no excerto (23) e os demais são sequências descritivas, injuntivas e argumentativas que sustentam a tese. Para concluir, o excerto (31) traz a nova tese. Fazendo referência a proposta de Adam para a sequência argumentativa, pode-se entender:

Os textos A e B ora analisados são argumentativos e seguem o modelo do quadro. Apresentam a tese e os argumentos, apontando para uma nova tese. Entretanto, os argumentos, nos dois textos, se processam através de sequências explicativas, descritivas e injuntivas. Conclusões Ao concluir o trabalho observou-se que as sequências textuais são utilizadas a fim de atingir determinados propósitos comunicativos. Dependendo da intenção comunicativa do autor, escolhe-se uma ou outra forma de dizer. Uma sequência descritiva ou explicativa, por exemplo, pode ter função de argumento numa sequência argumentativa. Assim, é na discursividade que os interlocutores fazem essas estratégias para atingir seus objetivos. Nesse contexto, as sequências ancoram os propósitos comunicativos e desse modo constituem os gêneros. As sequências se relacionam e essa inter-relação constrói a unidade de sentido do texto. Sendo, portanto, os tipos de texto conforme Marcuschi (2008) estruturas lógicas e formais, essas são adaptativas e funcionais. Referências ADAM, J. M. Estruturação seqüencial e não seqüencial dos textos. In: A linguística Textual Introdução a linguística textual dos discursos. Trad. Maria das Graças Soares Rodrigues, João Gomes da Silva Neto, Luis Álvaro Sgadari Passegi, Eulália Vera Lúcia Fraga Leurquin. São Paulo: Cortez, 2008.. Les textes: types e prototypes. Paris: Nathan, 1992. BONINI, A; A noção de sequência textual na análise pragmático-textual de Jean- Michel Adam. In: Gêneros: teorias, métodos, debates. J. L. Meurer, Adair Bonini, Désireé Motta-Roth (orgs). SãoPaulo: Parábola, 2005. MARCUSCHI, L. A. Os gêneros textuais no ensino de língua. In: Produção textual, análise de gênero e compreensão. São Paulo: Parábola, 2008.. Gêneros textuais: definição e funcionalidade. In: DIONISIO, A. P; MACHADO, A. R.; BEZERRA, M. A. (Orgs). Gêneros textuais e ensino. 4ª Ed. Rio de Janeiro: Lucerna, 2005. ROSA, A.L.T. No comando, a sequência injuntiva. In: DIONISIO, A.; BESERRA, N. S. Tecendo textos, construindo experiências. Rio de Janeiro: Lucerna, 2003.